Tag: Caco Ciocler

  • Crítica | Partida

    Crítica | Partida

    Depois de Esse Viver Ninguém Me Tira, o ator Caco Ciocler passou a se aventurar  na função de diretor. Em Partida ele acompanha a atriz Georgette Fadel em uma jornada em direção ao Uruguai, que tem a intenção de conversar com José Pepe Mujica, ex-presidente do país. Após a vitória de Jair Bolsonaro, Georgette decide se candidatar a presidente, em 2022, e para isso, Ciocler e toda uma equipe a acompanham nessa viagem de ônibus, reunindo artistas e pessoas de pensamento diversos.

    Nesse jornada existe muita conversa sobre a formação do Brasil, desde sua posição como colônia de Portugal a Império, até mesmo longas discussões sobre as visões de Stalin, Lênin e Trotsky sobre o comunismo e como as experiências socialistas foram empregadas pelo mundo ao longo da história.

    A estética do longa é naturalista, com a câmera na mão acompanhando a atriz em suas viagens. O diretor compartilha com o espectador o espírito e a intenção de seu filme. Apesar de todo o dinamismo e das ferramentas de comunicação utilizadas no longa, o filme gasta tempo demais se debruçando sobre um acampamento da época que Luiz Inácio Lula da Silva esteve preso.

    Alguns pontos do filme soam deslocados, como o embate de Léo Steibruch, produtor teatral, ator e pecuarista. As conversas dos dois evoluem para algo cada vez mais conflituoso, mas em determinado ponto, ambos perdem  as estribeiras, em um número que parece exacerbadamente ensaiado. Essa questão inclusive é desconstruída em um ponto da história, com uma tentativa de mais uma tomada, onde fica dúbio se aquilo ocorreu e tentariam refilmar ou se já estava escrito.

    A sensação de assistir um filme pseudo-intelectual e pequeno burguês segue ao longo de noventa minutos de duração, com um claro exagero por parte da trupe de artistas, repleta de discussões com alguma profundidade, mas acéticas demais. Ao menos no momento em que eles se encontram com o antigo presidente, sobra emoção e verdade. Os membros da produção mostram o quanto ele é admirado e consegue encantar ao falar de coisas simples. Pepe consegue ser tão rico e inspirador que dobra qualquer orgulho e vaidade. Partida fica no limiar entre todas essas discussões e o louvor a figura de Mujica, e mesmo que não acerte em tudo, ao menos apresenta uma história com personagens repletos de carisma.

  • Crítica | O Banquete

    Crítica | O Banquete

    Para se entender e apreciar O Banquete, de Daniela Thomas, talvez seja preciso distanciar de toda a polêmica envolvendo seu ultimo filme, Vazante, que vinha a ser sua primeira experiência em direção de longa metragem como diretora solo. Independente de criticas positivas ou negativas Thomas não pode ser acusada de não ter ambição, pois sua nova historia mira alto, tentando mostrar um retrato da sociedade mais abastada do Brasil em meio a um governo corrupto de Fernando Collor de Mello, onde um dos membros que está presente ali está prestes a ser preso por conta de um artigo veiculado na imprensa, fato esse quer serve de pretexto para um show de ofensas e troca de farpas.

    Nora (Drica Moraes) organiza um jantar para um casal que faz dez anos de junção. Plínio (Caco Ciocler) chega bêbado em casa e Ted (Chay Sued) serve a ele vinho. Aos poucos, os outros convidados chegam, o dono de revista e marido aniversariante Mauro (Rodrigo Bolzan), a crítica de arte Maria (Fabiana Guglielmetti), o também jornalista Lucky (Gustavo Machado), e a atriz Bia (Mariana Lima), além de um ou outro agregado que se atrasa.

    O filme foi retirado da mostra competitiva do Festival de Gramado este ano, por conta do coincidente falecimento de Otávio Frias Filho, que também teve problemas sérios com Fernando Collor durante o governo deste segundo. Thomas pessoalmente pediu para retirar seu filme para não se confundir realidade com a ficção de pessoas cruéis, mesquinhas e ególatras que aparecem ali na mesa daquele jantar, que tem todo aspecto de praça de guerra e não de banquete.

    O fato de ser feito em um cenário único dá ao longa um ar de teatralidade muito forte, e serve  para algumas brigas mais incisivas, como as de Bia e Nora, e outras mais eufemistas e falsas como as discussões sobre as peças de Beatriz e a condescendência de Maria diante da discussão sobre o modo como ela critica esses espetáculos. Em alguns momentos o filme se torna constrangedor, e mesmo o cenário político caótico presente no virar da década de oitenta para noventa parece subalterno diante das falas repletas de malícia dos ricos e endinheirados que se dizem progressistas, os mesmos que são egoístas o suficiente para não se permitirem deixar sequer os mais simples em paz, como é feito o personagem de Sued, o tempo inteiro abordado por um sujeito inconveniente e que não consegue aceitar sequer seu nome civil, Wanderson, que faz lembrar suas origens simples.

    No entanto, a maior parte das discussões levantadas em mesa não são terminadas, como normalmente ocorre nas festas reais entre amigos e inimigos, nenhuma das questões é aprofundada e Daniela não consegue trazer qualquer reflexão nem sobre o estilo de vida dessas pessoas e nem um julgamento mais categórico do quão mesquinha pode ser parte da população que se diz progressista.

    Se tais discussões tivessem ao menos um pouco de naturalidade nas falas e diálogos, toda a presunção dos personagens seria aceitável, pois de fato as elites podem ser formadas por pessoas assim, mas os entreveros verbais são essencialmente artificiais, parecem tirados de uma revista para publicitário, e por mais que boa parte das pessoas que sentam a mesa trabalharem sim em um órgão de imprensa, não justifica que em sua intimidade sobrem apenas falas e tiradas típicas de um publicitário que não consegue se expressar sem ter ao menos uma sentença em inglês e que poderia facilmente ser substituída por uma equivalente em português. Se as discussões são falsas, todo o conjunto de sentimentos é falso e nada é crível.

    De positivo há a demonstração de como o quadro de um país brasileiro dirigido pela esquerda pode ser caótico, mesmo entre os mais ricos, embora também não haja muita reflexão sobre isso, só menção, só mais um dos assuntos que tornam toda a problemática tão séria e complexa. Mesmo o elenco sendo formado por estrelas, não há nenhuma atuação que se destaque mais que as outras, o que funciona em alguns pontos é a junção desses atores, mas não em todos os momentos, em alguns deles O Banquete parece mais um episodio de novela estendido e mega histriônico, que faz valer a alcunha da peça shakesperiana Muito Barulho Por Nada mas sem a maestria do autor clássico, sendo só desimportante na maior parte da duração.

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  • Crítica | Elis

    Crítica | Elis

    elis

    É de fato um desafio representar uma pessoa pública, principalmente uma pessoa pública que tem a expressão e interpretação como principais elementos do imaginário popular. É preciso cuidado para que não se torne uma imitação caricata e até mesmo ofensiva. É preciso afetar o público, que já acostumado a se emocionar com a figura se coloca previamente descrente daquilo que verá. E relacionado a isso estão dois dos principais acertos de Elis, Cinebiografia de Elis Regina. O primeiro deles está na iniciativa de em sua primeira cena apresentar ao público Andreia Horta no contraluz, em uma imagem difusa com luzes e sombras, encarregando quem assiste de completar aquela imagem a partir das lembranças e afetividade de cada um, colocando todos dispostos a vencer a suspensão de descrença da figura interpretada por Andreia. Esta disposição, porém, exige ou faz esperar mais momentos de emoção e saudade, expectativa esta que vai fragilizando-se com o decorrer da fita, não pela performance da atriz, que é visceral e emocional tanto quanto poderia ser, mas por que simplesmente não é a mesma coisa. Eis a dor e a glória de representar um ícone. O segundo acerto é justamente manter a Elis de Andreia Horta em praticamente todas as cenas, como sendo ela um fio condutor de histórias e afetos ao seu redor; um ser magnetizante pela qual a câmera se apaixona e deixa seduzir, tal qual todos aqueles que com Elis conviveram.

    O elenco apresenta divertidas pérolas, com representações de diversos nomes da MPB, como o compadre Jair Rodrigues (Ícaro Silva) pelo período de apresentação do programa O Fino da Bossa, Miele (Lúcio Mauro Filho – muito a vontade no papel) e Ronaldo Bôscoli (Gustavo Machado), mas com a terrível falta do dueto com Tom Jobim interpretando Águas de Março, naquela que talvez seja a apresentação mais marcante da música brasileira. Apesar deste rigor interpretativo falta tempo em cena para que essas diversas figuras soem necessárias para a narrativa, e os conflitos que todas elas representam, como seus dois maridos Boscôli e César Camargo Mariano (Caco Ciocler), são resolvidos de forma apressada e expositiva, dando a impressão de que os eventos simplesmente espanavam, no lugar de serem consequência de algo, ou parte de uma narrativa maior.

    Porém, devido a ambição do projeto, o grande pecado de Elis está em alguns aspectos técnicos que ressoam a “farsa”. A fotografia, pouco dedicada em retratar os aspectos cinematográficos do visagismo e reprodução de época, não apresenta qualquer personalidade, pois apesar de o filme abarcar mais de 15 anos na vida de Elis, não auxilia na contextualização dos períodos pelos quais a linha do tempo do filme passa, por culpa do aspecto monotônico com que todas essas passagens são retratadas. Em determinado momento o que se faz é usar o crescimento dos filhos de Elis, João, Maria Rita e Pedro Mariano como uma forma de identificar a passagem de tempo e situar o espectador. Um truque efetivo, mas incômodo por ser puntual e burocrático.

    Outro ponto crítico, mas que torna-se mais contundente por se tratar da cinebiografia de uma cantora, é a simplicidade do design de som e mixagem. Não apenas nas cenas musicais, em que não se aproveita a possibilidade do cinema de sons em diversos canais e com diversas texturas, dando o que se chama “efeito palco sonoro” – onde graças as caixas de som colocadas ao longo de toda a sala e direcionamentos na intensidade ou características do som é possível emitir sinais sonoros a partir de diversos pontos, nos dando a impressão de estarmos em um palco – e isso ressoa a impressão de que estamos diante de atores competentes fazendo playback, já que voz e instrumental vêm todos basicamente dos meus lugares e nenhuma ambiência é adicionada à essas gravações. Este defeito ocorre também nas cenas cotidianas de diálogos, como quando um personagem coloca-se atrás da câmera, que filma Elis, e durante o diálogo ouve-se a voz do ator inserida na pós-produção partindo de algum lugar não identificável, mas que, com certeza, não representava a posição do ator na cena, parecendo uma voz vinda do além. Nas cenas de musical este defeito amenizava-se nas cenas de plano muito aberto onde a nossa sensação seria de que todo o som viria da nossa frente, ou nos planos muito fechados, onde a sensação seria de que o som vem de todo lugar ao mesmo tempo, mas estes enquadramentos são minoria ao longo da película.

    Com diversas lacunas, um roteiro por vezes simplista que se apoia na necessidade ingênua de reproduzir diversas vezes a frase “Elis é a maior cantora do país”, mas que não retrata essa potência e emoção com que Elis chorava sobre o palco, Elis vale pelo afago nas lembranças que cada um nutri desta mulher que representa o ápice da qualidade musical e entrega no palco. Uma mulher poderosa que nunca se contentou em cantar suas músicas, mas sim viver, chorar, e sorrir cada uma delas com a intensidade de quem nasceu para ser tudo que se quer.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | Quase Dois Irmãos

    Crítica | Quase Dois Irmãos

    Tencionando revisitar um assunto que lhe é muito caro, Lúcia Murat usa seu Quase Dois Irmãos para contar uma história de colisão de universos que seriam normalmente muito distintos, mas que, em tempos atípicos como eram os anos 70 no Brasil, teriam mais capacidade de se conectar, além de causar uma interseção entre um e outro. Os dois distantes lugares são ligados pelo mesmo pecado, a marginalidade, enquanto um tem no crime o papel de ação, o outro tem no reclame político a sua infração.

    A história de Murat e Paulo Lins é contada em três períodos crônicos distintos, mas sempre focados em Miguel, um respeitável político branco e de aparência aristocrata (vivido no último momento por Werner Schunemann), e no poderoso traficante Jorginho (Antônio Pompêo). Os dois se conheciam desde a infância, mas, com o tempo, foram separados por seus destinos. O reencontro entre ambos ocorre nos anos 70, na prisão onde Miguel (Caco Ciocler) é confinado por suas ações enquanto militante político, a exemplo de todos os outros brancos encarcerados. Jorge (Flavio Bauraqui) é mais um dos muitos negros presos graças às violações comuns da lei.

    O paralelo utilizado no roteiro para unir os dois personagens tão distintos é a ode ao samba herdada dos pais, que tinham uma estreita relação no anos de 1950. No entanto, são poucas as semelhanças, especialmente quando se analisa o senador que Miguel se tornou e o destino final de Jorginho. A filha do parlamentar se envolve em alguns problemas na Justiça, sendo resgatada por seu pai. Os motivos destes problemas são mostrados aos poucos.

    Incrível como o suspense e a ansiedade permeiam os dois principais núcleos temporais da trama. As perseguições políticas próprias e a guerra de sucessão são assuntos em comum entre os dois momentos, seja no cárcere ou no tráfico dentro do morro. A mensagem que o argumento quer passar é que, apesar do tempo ter passado, mesmo com algumas mudanças e vitórias parciais, a desigualdade prossegue e as separações econômica e de raça ainda se mantêm presentes. O muro montado de modo instantâneo na prisão não separa somente os dois lados díspares entre os dois coletivos, mas também entre os dois irmãos.

    O discurso de Juliana (Maria Flor) acaba por se parecer demais com a fala do traficante, que acusa o importante cidadão de ser um exclusivista, preconceituoso e reacionário, o exato contrário dos valores que ele defendia no passado. Ao mesmo tempo em que o roteiro retorna no tempo, mostrando os ideais do revolucionário e preso sendo postos à frente até mesmo de seu próprio bem-estar, a bronca conservadora que ele dá em sua herdeira, por esta se envolver com um tratante narcótico e negro, é contrastante, ainda que o seu julgamento não seja de todo errado.

    O anúncio de Dona Helena (Marieta Severo), mãe de Miguel, afirmando que, aos poucos, os presos políticos estavam se tornando iguais aos militares, vai se tornando real. Lucia Murat consegue realizar um filme saudosista, que toca na questão da repressão da ditadura militar, e ainda capta os clichês de um favela movie, atualizando os temas de marginalidade e luta contra o sistema, mas sem ignorar os óbvios exageros de todas as partes dos ditos bandidos, pondo todos em nível de relevância e em pé de igualdade.

    A tônica emocional dita o samba em partido alto, no último ato, trágica e irônica, com um destino agridoce para os dois personagens ligados pelos laços de quase sangue, em uma relação quase familiar, e que, como em toda a fita, quase dá certo para os dois lados. O tom poético assinala a efemeridade da política, das relações e principalmente da vida, sem fechar todas as pontas que abre, não por desatenção do roteiro, mas por concentrar os personagens na perturbação dos sentidos e na dor envolvida por todos na intrincada trama.