Tag: Letícia Sabatella

  • Crítica | Querida Mamãe

    Crítica | Querida Mamãe

    Filme de Jeremias Moreira Filho, responsável pelas duas versões de O Menino da Porteira, o longa Querida Mamãe mostra uma história sobre rejeição familiar e novas descobertas. Heloisa é médica, interpretada por Leticia Sabatella, ela está entediada e ocupada demais em um processo de auto-rejeição causada por muitos fatores, entre eles os problemas com seu marido (Marat Descartes), sua filha adolescente e sua mãe, Dona Ruth (Selma Egrei), uma mulher severa e fria.

    Claramente a protagonista passa por um processo de depressão, não conseguindo lidar bem com toda a problemática que a envolve, e em meio a essa situação de sempre ser ignorada, ela encontra Leda (Claudia Missura), uma paciente que demonstra interesse por ela e a convida para posar para uma pintura. A partir daí ela se joga em um cenário onde suas carências passam a ser supridas, e onde ela finalmente volta a se sentir bem.

    O maior problema do roteiro de Moreira Filho, baseado na obra de Maria Adelaide Amaral, é que a maior parte das transições na vida de Heloisa são executadas de um modo muito rápido, e como sua postura desde o começo é a de estar sempre na defensiva, isso soa muito estranho e um pouco inverossímil. O desenrolar de sua vida sexual é muito mal vista pela sua família, quase sem exceção, e por incrível que pareça, quem mais aparenta ter alguma chance de aceitar uma possível descoberta de bissexualidade na protagonista, é exatamente sua mãe, uma mulher mais tradicional e conservadora.

    A grande questão é que essa pressa em tentar fazer as relações soarem naturais, também faz o restante dos dramas soarem confusos. A doença que acomete Ruth é mal explicada, e causa pouco impacto no espectador. As reações emocionais e brigas entre os parente são histriônicas demais e nada sutis. Tudo bem que tudo que envolve essas contendas são coisas graves e pesadas, mas ainda assim o tom é melodramático demais, parecido com os de novelas de baixa qualidade.

    O resultado final para Querida Mamãe é um filme que não parece pronto, com equívocos enormes em seu texto e que trata tão mal os temas espinhosos que levanta, que soa inclusive homofóbico. Em plena atualidade, um filme feito para adultos deixar acreditar que o clichê da descoberta da homossexualidade feminina ou bissexualidade é fruto de uma “fase” pela qual a mulher passa é de um desrespeito tremendo, e se agrava ainda mais depois que a questão é varrida para longe dos principais motes, apresentando então uma conciliação que não parecia possível no começo, tendo a gênese dessa questão exatamente a dissolução do casal de mulheres. Um filme que buscava ser terno e dar complexidade as questões familiares soa infantil e até reacionário em seu resultado final, fato que jamais combinaria com a obra de Adelaide Amaral, ainda mais se levar em conta o quão adocicado, conciliador e conformista foi o seu final.

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  • Crítica | O Jabuti e a Anta

    Crítica | O Jabuti e a Anta

    Jabuti e a Anta

    Eliza Capai usa o poder que tem como cineasta e contadora de histórias para denunciar uma questão importante, usando o tema da seca em São Paulo como o ponto de partida. O Jabuti e a Anta varia entre as imagens do vazio dos reservatórios do sudeste brasileiro e a investigação das causas disso, indo até os rios Xingu, Tapajós e Ene, presentes no meio da Floresta Amazônica.

    O documentário se auto-intitula um boat movie, já que se vale da estética dos road movies, registrando grande parte das imagens com a câmera em cima de um barco. A reflexão do filme se baseia também na descrição dos ribeirinhos, que vivem suas vidas e as de sua família no leito desses rios. Para quem tem a mínima sensibilidade, é impossível não se comover com os relatos, não só em relação a sujeira terrível que invade a paisagem e a casa dessas pessoas simples, mas também nas consequências ecológicas de cunho irreparável.

    O desmatamento influi nas chuvas, a poluição da água faz com que os peixes fiquem mais raros e esse cenário influi na alimentação das pessoas e na sua principal fonte de sustento. O roteiro condena a face dura do capitalismo, que tem na predação o seu norte e que não vê qualquer necessidade fora o lucro. O ser urbano destrói o habitat, ignorando as necessidades que não lhe convém.

    O Jabuti e a Anta está longe de ter uma abordagem perfeita, mas ousa bastante ao apresentar as informações de modo dramático, inserindo emoção em cada segmento, fortificado por uma narração intervencionista de Letícia Sabatella. A função de estabelecer a voz para quem não é capaz de falar por si só, já que os holofotes estão longe dessa faceta do povo brasileiro.

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  • Crítica | Chatô: O Rei do Brasil

    Crítica | Chatô: O Rei do Brasil

    Chatô O Rei do Brasil 1

    Após uma longa espera, aproximadamente vinte anos depois do início da produção, Chatô: O Rei do Brasil chega as salas de cinema brasileiros com uma distribuição curta, fruto do óbvio descrédito que o seu diretor Guilherme Fontes tem após polêmicas que envolvem uso de verba pública, processos criminais e muitos outros espectros polêmicos. O corte de 102 minutos contém uma abordagem singular com um conjunto de influências que vai muito além do comum aos blockbusters brasileiros.

    A obra de Fernando Morais é muito completa, tanto na pesquisa histórica, quanto na construção fantasiosa da figura de Francisco Assis Chautebriand. E a vontade de Fontes – que primariamente sequer seria o diretor – em retratar o comunicólogo passa por óbvias comparações com Cidadão Kane de Orson Welles graças a temática, passando também por uma aura utópica que faz lembrar as viagens mentais de David Cronenberg e o hermetismo visto nos filmes de Jim Jamursch. Na primeira cena, Marco Ricca já aventa uma das origens de Chatô, reunindo elementos típicos do teatro em um dialeto metalinguístico.

    Chateubriand era um homem de excessos e, para representar tais extravagâncias, a fotografia de José Roberto Eliezer, a direção de arte e o roteiro andam lado a lado, em um trabalho primoroso que ajuda a construir o cenário político e midiático o qual o biografado vivia. Além da questão do deslumbre visual, os personagens são bem retratados, em especial Paulo Betti, com um jocoso Vargas (com muito mais alma que Tony Ramos, no filme recente Getúlio), Andrea Beltrão como o interesse amoroso de quase todos os homens, a Senhora Vivi, e até Gabriel de Braga Nunes, como o antigo pupilo e mais tarde rival Rosemberg, em uma performance que faz perguntar o que aconteceu com sua promissora carreira.

    No entanto, apesar das ótimas apresentações de coadjuvantes, que ainda contavam com Leandra Leal adolescente e com o esplendor de Leticia Sabatella, os holofotes estão todos sobre Marco Ricca que consegue como poucos representar o glamour, grosseria e carisma de sua personagem, que infelizmente será pouco visto, graças ao ínfimo número de salas em que será exibido – em torno de quarenta – somando Rio e São Paulo. Tal agouro e o trabalho de guerrilha de Fontes em fazer o filme circular é certamente atrelado ao salário de seus pecados enquanto administrador de verba e como cineasta.

    Muito se fala a respeito desta polêmica, e o conjunto de boatos faz as informações se desencontrarem. A reunião de Fontes com Francis Ford Coppola gerou uma comparação curiosa e bastante irônica, pois, em Apocalypse Now ocorreu também um problema como este com estouro de orçamento e produção demorada – sem verba pública, afinal, a máquina de Hollywood funciona com outros combustíveis. O processo no filme de guerra também se arrastou por anos e o resultado final é uma obra prima, comparável as melhores obras do cineasta. Curioso como um pecado de Copolla tem um peso e o de um inexperiente (e brasileiro) tem para parcela do público e crítica, analistas que se permitem ser tão criteriosos e exigentes, mas que apresentam dois pesos nestes diagnósticos.

    A metalinguagem utilizada no programa de tribunal, aberto ao público é inteligentíssima, conseguindo atingir toda a megalomania e egocentrismo presentes no ideário de Chateubriand, exibindo de modo burlesco, curioso e colorido, ao mesmo tempo em que discute hipocrisia, jogo de poder e influência econômica e social. A harmonia entre o formato e o conteúdo de contestação é impressionante, com um poder pouco visto mesmo dentro do melhor dos cenários dos filmes nacionais.

    Chatô: O Rei do Brasil é fruto de seu meio e filho de sua própria história. A grandeza narrativa e dramatúrgica vista no filme que Fontes orquestrou só fazem sentido graças a atualidade e aos temas políticos discutidos nos anos 2010, em especial no que tange o monopólio midiático. Os paralelos com a manipulação da imprensa são atuais, mostrando que a demora em se definir enquanto filme fez amadurecer o texto do primeiro tratamento do roteiro, claramente modificado em essência, desde sua concepção até o resultado final exibido na tela grande. A política e a origem de Chatô são respeitadas, o que faz valer ainda mais o esforço em tornar real este belo quadro sobre um dos mais notáveis brasileiros que já existiu.