Tag: Felipe Rocha

  • Crítica | Querido Embaixador

    Crítica | Querido Embaixador

    A primeira tomada de Querido Embaixador, ficção conduzida por Luiz Fernando Goulart mostra um monumento artístico belo, sobre vítimas e flagelados judeus. De certa forma, o drama que remonta a história de Luiz Martins de Souza Dantas, interpretado pelo sorridente Norival Rizzo, que passa da posição confortável de diplomata brasileiro na Itália, para depois ir até a capital francesa Paris. Seu estilo bonachão e extremamente feliz difere bastante do cenário político que aos poucos se instaura na Europa próxima do começo da Segunda Grande Guerra.

    No longa, Souza Dantas é mostrado como um sujeito avessa até as caçadas esportivas, claramente ele não é um sujeito talhado para o confronto. Quase todas as suas cenas revelam um sujeito de dentes a mostra, com um gracejo nos lábios e uma gratidão estampada em seu semblante, mesmo nos momentos mais corriqueiros. Sua vida e rotina são esplêndidas.

    A produção lança mão de alguns momentos de documentários, com entrevistas de pessoas ligada ao famoso embaixador. A reconstrução de época é muito bem feita, mas no aspecto das participações dos atores, falta naturalidade na fala, que se agrava evidentemente pelo fato de ser um filme de época. Na maior parte do tempo, todo o classicismo estabelecido no longa faz incomodar o publico, melhorando um pouco depois de 30 minutos do início, por mostrar um lado mais melancólico da rotina do protagonista.

    As partes que explanam a deflagração do conflito protagonizado pelos nazistas alemães é muito forte, em especial a descrição dada sobre o cenário de Dunquerque, onde ocorreu a batalha analisada no último filme de Christopher Nolan, Dunkirk. As imagens reais e narrações das pessoas que acompanharam Souza Dantas fazem lembrar entre outras coisas, os momentos mais inspirados da filmografia de Goulart, em especial Mestre Bimba, a Capoeira Iluminada.

    A abordagem melhora consideravelmente quando o protagonista se vê contrariado por seu antigo funcionário, Martins Leta, vivido por Felipe Rocha. A disputa ideológica entre ambos, com o sujeito mais velho tentando passar por cima das ordens governamentais de não permitir a emigração de judeus para território brasileiro enquanto o mais novo tenta cumprir as ordens faz com que Rizzo consiga enfim sair da sua zona de conforto, mostrando um personagem que não é apenas sorriso, mas também energia motivada pela ira de estar vendo injustiças atravessando seu caminho e trabalho.

    O legado de Souza Dantas é imenso, em especial pela quantidade enorme de pessoas que ele salvou ao permitir que viessem ao Brasil, mesmo quando o governo federal brasileiro insistia em não permitir. As comparações ideológicas e temática desse Querido Embaixador com A Lista de Schindler são inevitáveis, ainda que o caráter e modo de filmes seja inteiramente diferente. Caso tivesse optado por mais sequências de embate, certamente o filme de Goulart seria melhor apresentado, uma vez que esses são seus pontos fortes, mas apesar de conter elementos mais comuns as telenovelas em comparação com cinema onde a pieguice e artificialidade imperam, o filme quando acerta acerta muito.

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  • Crítica | Chorar de Rir

    Crítica | Chorar de Rir

    Há pouco tempo atrás, quando um filme estreava protagonizado por Leandro Hassum, isso era sinônimo de sucesso . O tempo passou e as globochanchadas não se mostraram tão rentosas, ainda que O Candidato Honesto 2 tenha ido bem de bilheteria. O novo filme de Toniko Melo tenta fugir dessa pecha, produzido pela Warner, Chorar de Rir é focado em Nilo Perequê, personagem humorista que passou pelo stand up comedy, por programas de gincana e que atualmente, apresenta um show de tv que tem o nome do longa.

    O sujeito vive confortavelmente e está prestes a ganhar um prêmio bem importante, e sua rotina é repleta de piadas batidas e trocadilhos fracos. Nilo se vê como um homem injustiçado e mal quisto pela crítica e pela classe artística, que o vê como um mero contador de piadas, e esse desapreço é compartilhado também por sua ex, a atriz Barbara  ( Monique Alfradique), que protagoniza a novela das 6, e que tem receio de ser encarada como namoradinha do Brasil para isso. O roteiro de José Roberto Torero busca desconstruir estereótipos, mas é muitíssimo caucado neles, baseando suas piadas em onomatopeias, efeitos sonoros típicos de vinhetas de rádio e anedotas preconceituosas.

    Nilo quer se reinventar, e busca Tulio Ferro (Felipe Rocha), um diretor que o despreza por completo para juntos fazer uma peça shakespeariana, fato que reabre feridas antigas até de seu relacionamento com Barbara. O texto até se esforça neste ponto, para ser um exercício de reflexão sobre a comedia, drama e sobre a frivolidade de categorizar um gênero como superior ao outro, mas isso é mostrado com piadas tão pueris e infantis que mata qualquer reflexão, com arquétipos exageradíssimos, repleto de clichês, parecendo mal feito até nas cenas musicais.

    A tentativa de soar lírico e de referenciar obras dantescas beira o patético, o excesso de humor pueril faz perder toda a tentativa de fazer drama, e mesmo dentro das piadas poucas realmente tem graça. Mesmo nas obras de Roberto Santucci haviam piadas físicas bem encaixadas, mas aqui elas rareiam.

    Os aspectos técnicos também pouco acrescentam. Fotografia, montagem e trilha sonora são genéricas e não auxiliam o combalido texto, nem em fazer comedia e nem em fazer refletir, praticamente o único momento engraçado são as cenas que ocorrem nos créditos, onde Fabio Porchat, Caito Mainier e Rafael Portugal podem fazer seu numero sem as amarras de um script tão tacanho.

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  • Critica | A Terra Negra dos Kawas

    Critica | A Terra Negra dos Kawas

    De Sérgio Andrade, A Terra Negra dos Kawas é um filme que utiliza variações dos mitos indígenas brasileiros como base para contar sua história com elementos fantásticos. Rodado na Amazônia, ele começa com dois trabalhadores brancos perguntando na porta de uma propriedade se eles tem água. Uma senhora os atende, seu modo de andar é sereno e as portas do sítio se abrem sozinhas, de maneira um pouco estranha, mas ainda assim eles aceitam a cortesia dela, e começam a rir logo depois de beber o líquido.

    A reação dos dois é bastante estranha, mas o filme não dá tanta atenção a isso naquele momento, em lugar disso, mostra dois micro universos, um de brancos cientistas estudiosos, e outro de nativos que praticam ritos e que de sua própria forma, estudam as propriedades do locam onde habitam e da terra preta que pisam e que de vez em quando consomem.

    A colisão dos mundos se dá basicamente por conta das estranhas substancias presentes na tal terra negra. Ao ser analisado  pelos personagem de Marat Descarts, Felipe Rocha e Mariana Lima evidenciado que o índices de PH da terra nunca foram vistos, e que cientificamente há algo diferente ali, de fato.

    Na aldeia dos nativos há encontros com outros refugiados, haitianos e se discute uma ligação dessas terras com as do Haiti, as mesmas responsáveis por inúmeros contos de zumbis, inspirando até George A. Romero. A terra é sagrada para os Kawas, e quando a personagem de Severiano Kadassare (simplesmente deslumbrante no filme) mostra o poder transcendental da terra para o personagem de Rocha ele fica ébrio, e ele acha que é bom mostrar para outras pessoas, mas é impedido pela nativa, pois o povo não quer partilhar e não pode partilhar aquilo de maneira globalizada.

    A mensagem por trás do  roteiro de Andrade é de que aquele conhecimento sagrado não é egoísmo, e sim preservação, e essa postura é correta, pois o homem branco tem mesmo a mania de predar inclusive o que ele não entende, e a questão dos Kawas também tem a ver com refugiados, pois eles também saíram de sua terra original, e não se sabe se substância arenosa veio ou não com eles, e esse mistério talvez seja a maior riqueza do filme.

    A questão mais surrealista de A Terra Negra dos Kawas é muito boa, o final peca um pouco por se perder na mentalidade hiper conciliadora entre os povos estranhos que são mostrados, mas a mensagem prossegue forte, em meio aos alucinógenos  que super expandem a mente e sensações e claro, os tambores e risos.

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  • Crítica | La Vingança

    Crítica | La Vingança

    Coprodução brasileira e argentina, La Vingança é uma comédia leve, dirigida por Fernando Fraiha, que também assina a direção da produção virtual Choque de Cultura, da Tv Quase. No primeiro longa do diretor ele traz seu contumaz parceiro Daniel Fúrlan, interpretando o contra-regra Vadão, que acompanha a rotina do dublê Caco (Felipe Rocha), um homem inseguro, que deixa sua relação amorosa fracassada influenciar na sua carreira e desempenho diante das câmeras.

    Há dois fatores que juntos, tornam a fórmula do filme em algo único, a trilha sonora cafona e brega e a ambientação com elementos da cultura argentina/brasileira, destacando a rivalidade tipicamente adolescente entre nós e nossos hermanos. Após uma traição que Caco sofre, a dupla resolve dar a volta por cima, viajando para a Argentina após uma noite de bebedeiras, a fim de se vingar de toda uma nação.

    As conversas entre Vadão e Caco são francas e repletas de uma ironia escrachada e juvenil. O estilo dos dois heróis são completamente diferentes, sendo Caco um romântico, tímido e metódico, que não consegue flertar sem ter uma conexão prévia com suas possíveis parceiras, enquanto Vadão é um sujeito debochado, que acredita ser um galanteador nato, quando claramente não é.

    Em determinado ponto o filme passa a ser um road-movie que destaca semelhanças com produtos de caráter completamente diferente das comédias usuais. Em alguns pontos, La Vingança lembra Os Vampiros, de John Carpenter, no sentido de correr o mapa atrás de adversários latinos. Em comum entre os filmes, há o árido cenário, e a sensação de desolação nas trajetórias narradas.

    A dupla tenta acoplar à sua experiência como dublês de corpo na sua rotina de caça-amorosa, tencionando demonstrar uma virilidade típica da sobrevivência de quem ganha a vida pondo sua existência em risco o tempo inteiro, como se tivessem a todo ponto no fio da navalha, ainda que esse perigo seja completamente irreal e controlado. Toda a conquista que a dupla supostamente teria passa por essa falácia, e raramente encontra êxito, fato que dá ainda mais graça ao roteiro.

    Com o decorrer da trama as discussões amadurecem, apesar de não ser estabelecido ali uma situação de grande profundidade. Ainda assim, o longa desemboca em rumo de uma jornada de auto-conhecimento sincera, evocando os reais desejos dos personagens.

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  • Crítica | Trago Comigo

    Crítica | Trago Comigo

    Trago Comigo

    Mistura de mensagem histórica com metalinguagem abrangente e sensível, Trago Comigo de Tata Amaral consegue reunir em si uma essência puramente sentimental e tocante com um estudo profundo de um período que teima em ser esquecido e suprimido da história brasileira. A história narra a trajetória do ex-ator e ex-diretor de teatro Telmo Marinicov (Carlos Alberto Ricelli), um homem cujo passado o perturba e que decide graças ao incentivo de seu amigo Lopes (Giorgino Di Biasi) retomar a reforma de um antigo teatro, onde conduziu algumas peças ao longo de sua carreira.

    A necessidade de isolamento emocional é tamanha que Telmo não se permite envolver sequer com sua amante, a jovem e bela Monica (Giorgina Castro), uma jovem atriz que aspira a admiração sentimental e profissional do seu amado e mentor. Após recusar inúmeras oportunidades de retomar a carreira de diretor, e sem um tema definido para montar um novo espetáculo, Telmo vê nas atitudes curiosas e intrusas da moça a possibilidade de recontar a própria história de sua militância, durante a Ditadura Militar, abrindo assim não só sua intimidade para os atores que farão a perfomance, como também tratará de feridas de um passado obscuro, mexendo com as emoções e ideais deles e dos jovens que executam a peça.

    Thiago Dottori e Willlem Dias tem um esforço hercúleo para trabalhar o roteiro da mini série que deu origem ao filme, tendo de adequar o formato para algo enxuto e certeiro e o resultado impressiona por ser sucinto e ainda relevante. Há a participação de Lúcia Murat como supervisora do texto, e ainda que seja pequena sua participação nota-se uma grande influência da filmografia da diretora, especialmente por tratar de maneira tão visceral os crimes de tortura e perseguição dos jovens.

    Não é preciso apelar para flashbacks, uma vez que os ensaios e construção gradual do script da peça ocorrem relembrando os eventos de ideal, perseguição e amor ocorridos com o grupo de revolucionários e resistentes. Há espaço para um embate de ideias bem diferentes, mostrado principalmente nas discussões protagonizadas por Telmo e por Miguel Jarra (Felipe Rocha) um jovem ator de novela, que não consegue entender o viés e comportamento dos rebeldes, repetindo o terrível lugar comum que assola grande parte da opinião publica brasileira, que difere demais do exemplo da Argentina, Chile e demais países do cone sul que também tiveram governo ditatorial militar, uma vez que não há uma tradição da banalização nestes lugares como é comum no Brasil. A discussão é feita de um modo sereno, sem espaço para ofensas gratuitas ou algo que o valha, ao contrário, é sucinta, madura e condizente com a realidade, mostrando uma recusa inicial de ambas as partes em aceitar o diferente e um consenso que ocorre não só pela arte, mais pelo crescimento mútuo entre diretor e interprete.

    A verdade a respeito da captura de Telmo e de sua antiga amada põe o personagem e seus amigos frente a frente, expondo seus medos de terem traído a causa e de ter cometido a injúria de entregar seus próprios camaradas a morte certa. Apesar de negar o tempo inteiro que era subversivo, Telmo acaba por subverter até o caráter de seu novo trabalho, transformando algo que deveria ser unicamente para revelar e exorcizar demônios em uma terapia em conjunto, que visa através da fala e da ação expelir todo o sentimento terrível e incubado que ataca os que sofreram com os maus tratos dos poderosos. Trago Comigo tem uma capacidade singular de ser panfletário, sem medo de levantar bandeiras, sem soar piegas ou datado. É um registro atual e moderno sobre uma época dura e opressora, conseguindo dialogar mesmo com uma plateia pouco afeita ou inteirada em relação a situação sócio política brasileira.