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  • Review | O Mecanismo – 2ª Temporada

    Review | O Mecanismo – 2ª Temporada

    Em sua estréia, O Mecanismo foi chamado de mantenedor do status quo, principalmente por seu viés pró-direita. Nesse segundo, a série retoma sem grandes mudanças, mostrando Ruffo (Selton Mello) em seus momentos de narração forçada, com discurso político inflamado, dizendo ter amnésia voluntária, e de fato ele tem, especialmente quando julga os acontecimentos sociais do Brasil.

    O personagem principal pouco evoluiu, e isso se vê em sua configuração familiar, no modo como se veste e anda, além é claro de mostrar sua contínua obsessão com Ibrahim, o doleiro interpretado pelo excelente Enrique Diaz. Para não fugir da obviedade, ele louva sua pupila, Verena (Caroline Abras), que também retorna com um visual mais desleixado.

    Em meio a narração de Mello, o personagem diz algo simbólico para o seriado dali para a frente, falando com todas as letras “se eu xingo um político de esquerda, sou fascista, se eu xingo um de direita sou esquerda caviar…”, e afirma que ideologia é uma merda, e de fato, quando é tão despropositada e covarde quanto aqui, realmente não é nem um pouco boa. A série é tão sem identidade que ao mesmo tempo que levanta o argumento de que Curitiba (Moro e cia) tem muito poder, o faz colocando isso na boca de um jurista corrupto, sendo mais uma engrenagem do tal mecanismo.

    Do ponto de vista da narrativa, Ibrahim continua um ótimo personagem, manipulando sua família para conseguir agir, ainda que em prisão domiciliar. O Rico/Moro (Otto Júnior) é mostrado como “inocente” no grampo ilegal no telefone celular de Brecht/Odebrecht (Emilio Orciollo Neto), fato que o coloca como um paladino à procura de justiça, apesar de todas as declarações negativas de Padilha a respeito do atual ministro da justiça, mostrando que talvez essa temporada tenha sido pensado por ele e Elena Soares antes dessas novas conclusões.

    Existem alguns momentos de descontração, onde o investigador ilegal que Mello faz brinca de sinuca com o filho de uma testemunha ou ainda quando a trama se encaminha para o Paraguai. Há uma necessidade gigante dos realizadores de transformar o seriado em algo palatável, para toda a família. Resta a pergunta do motivo disso ocorrer. A trama ainda se equivoca em sua abordagem voltada a personagem de Verena, além de bastante repetitiva ao longo dos oito capítulos. Nem dentro da mentalidade reducionista de Mecanismo isso faz sentido.

    Há uma necessidade pueril de demonstrar fisicamente o estado de espírito dos personagens. Isso soa bobo nos tempos atuais, mas em 2019 reforça uma ideia preguiçosa em demonstrar o abalo que o personagem sofre apenas por suas roupas e falta de asseio, e não em diálogos bem construidos ou grandes atuações. Isso deflagra o quanto os personagens não evoluem, a tentativa não é de fazer a história crescer, e sim de mascarar essas questões, e pior, ainda há um louvor às ações ilegais, em prol de um justiçamento.

    Curiosamente, a série desdenha do Aécio da vez (personagem de Michel Bergovitch), pois seu Lúcio Lemes é mostrado como adicto em cocaína e um bon vivant, mas é tudo tão óbvio, que chega a ofender. Ao mesmo tempo que o roteiro condena as pedaladas fiscais de Dilma/Janete como estopim do impeachment, ele também afirma categoricamente que as ações do PT seriam motivo suficiente para derrubar um presidente. O texto segue confuso, não sabendo para onde apontar seus canhões e insiste demais em referências a Augusto dos Anjos, basicamente para tentar sofisticar as conversas e falas. As intenções dos produtores podem ser boas, mas postas dessa forma, soam oportunistas. As boas intenções se perdem nas repetições de ciclo, epifanias de Ruffo com sua filha (em um déjà vu da primeira temporada) e no sentido de colocar Verena dizendo que não queria interferir na política.

    É um bocado complicado não notar a arrogância e pretensão da série, que se julga pioneira em algo que até Polícia Federal: A Lei é Para Todos já fez. O discurso infantil de Fora Todos, e algumas obsessões ditas pela narração não fazem qualquer sentido, e não são trabalhadas em tela. Momentos que deveriam transbordar emoção não o fazem, e a reconstituição dos votos do impeachment na Câmara dos Deputados é tão mal feita que parece um teatro de escola, salvo a boa participação do dublador Garcia Júnior como o paralelo de Jair Bolsonaro.

    Os momentos finais guardam outras vergonhas, como a descrição da delação de Ricardo Brecht, que faz lembrar o que Michael Peña fez em Homem-Formiga e Homem-Formiga e a Vespa, no entanto, as bizarrices moram nas partes mais sérias. Ao menos alguns dos personagens consegue superar seus traumas, e na parte emocional ciclos são fechados, mas a pretensão de tentar cobrir absolutamente tudo não soa nada inteligente, ainda mais quando Verena e Ruffo dizem que uma fase obscurantista pode ocorrer. Há uma isenção dos dois nesse processo, eles se livram da culpa na participação desse possível cenário, e é natural que isso ocorra, pois são apenas peões num jogo muito mais complexo, complexidade essa jamais alcançada na série.

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  • Crítica | Los Silencios

    Crítica | Los Silencios

    Filme competidor da Quinzena da Crítica do Festival de Cannes, Los Silencios é uma produção entre Brasil, França e Colômbia. Quase toda falada em espanhol, o filme começa a partir de uma tragédia já ocorrida, subentendida e que é explorada em suas conseqüências aos poucos. No começo um barco corta o rio pela noite escura, carregando ali três pessoas, aparentemente, embora se só notem duas, que são Amparo (Marleyda Soto) e seu filho Fábio (Adolfo Savinvino), a terceira é Nuria (María Paula Tabares Peña), mas só se sabe seu real destino com o desenrolar da trama.

    Beatriz Seigner mostra a família tentando viver após uma tragédia pessoal, sem recursos e como refugiados. Adão (Enrique Diaz), o pai da família pereceu em uma obra e Amparo aguarda a indenização por parte da empresa que o empregava. Quando Fabio é matriculado na escola, não há garantia de que ele poderá merendar lá, e a família está numa situação tão paupérrima que eles aceitam a ida do garoto para lá, ainda que tentem sempre que ele consiga fazer ao menos uma refeição na escola.

    O filme tem uma formula um pouco parada e contemplativa e o fato de ser silencioso faz com que todo suspense seja maximizado. A espera pela chegada do dinheiro que ajudaria a família a viver só não causa mais espanto do que as aparições fantasmagóricas, além evidentemente da surpresa que só se nota da metade para o final, ao mostrar outras menções aos mortos.

    As manifestações sobrenaturais são mostradas de forma tão sem alarde que soam naturais, não casam estranhamento algum, até porque o terror do filme mora exatamente na falta de de esperança e alento. Enquanto Amparo parece desolada e resignada, pensando se aceita ou uma consolação no lugar da indenização, com a seguradora oferecendo a ela uma quantia pequena perto do que ganharia se  achassem os corpos dos mortos, Fábio se torna um menino meio rebelde, que gosta de fumar e que tenta responder de forma agressiva ao mundo que tirou parte de sua família. Sua reação é natural, afinal o que acontece a ele e sua mãe é bastante revoltante, não só pelo acaso como pela ganância de empreiteira que se recusa a pagar o que devem a família.

    Tal qual o recente Mormaço, há uma causa sobre desocupação, com uns compradores misteriosos que fazem ofertas ofensivas e  de preços baixos aos aldeões, bem semelhante a que fizeram com Amparo. Os que moram no lugar onde a família foram morar tem por hábito tentar se comunicar com os mortos, a fim de garantir uma boa passagem. O modo como os não vivos são mostrados é muito bonito, com as roupas deles brilhando, como em neon, como as luzes dos vagalumes e essa composição visual quase poética faz a fotografia de Sofia Oggioni Hatty.

    O final, quando uma carta chega a personagem principal, finalmente se fecha um ciclo, onde tanto vivos quanto os que já foram finalmente terão paz. A denuncia a barganha e o desrespeito aos mortos, a memória deles e aos que ficam só não é maior que a ode a saudade que Seigner monta em seu Los Silencios, filme que tem uma força e uma carga sentimental que não permite ao espectador ficar incólume.

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  • Review | O Mecanismo – 1 ª Temporada

    Review | O Mecanismo – 1 ª Temporada

    Depois de sair do país, José Padilha se dedicou a produções com investimento estrangeiro. Robocop não foi o sucesso que os estúdios imaginavam, mas a parceria com a Netflix em Narcos deu muito certo. Dessa vez, ele é o principal produtor deste seriado brasileiro que trata de uma questão cara ao noticiário local. O Mecanismo tenta desbravar os meandros da investigação, ainda em andamento, da Operação Lava-Jato, baseando-se principalmente na obra Lava Jato – O Juiz Sérgio Moro e os Bastidores da Operação que Abalou o Brasil, do autor e jornalista Vladimir Netto.

    A série começa polêmica além do material de fonte, uma vez que Padilha — que dirige o piloto — é um sujeito que costuma utilizar muita narração em off, tal qual fez em Tropa de Elite e Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora é Outro. Na maior parte dos momentos, as narrações de Marco Ruffo (Selton Mello) e Verena Cardoni (Caroline Abras) soam fracas e expositivas demais. Em vários momentos, as falas antecipam cenas que comunicam por si só, e além disso, há uma tentativa de tornar os personagens da polícia em heróis infalíveis e até beatos, em especial o personagem de Mello, uma vez que Verena é sexualizada (e muito) no decorrer dos oito episódios. A questão da sexualidade também é controversa, herança essa de Narcos, que mostrava cenas sensuais abertamente. Aqui, elas são encaixadas de maneira gratuita, quase em exagero para mostrar que os personagens são humanos. A falta de sutileza, porém, quase soa ofensiva.

    A investigação da corrupção que move o Brasil começa por motivos pessoais. Ruffo é conhecido de longa data do doleiro Roberto Ibrahim, interpretado por Enrique Diaz em grandíssima fase e desempenho. Ele é claramente o paralelo com Alberto Youssef, e tal qual em Policia Federal: A Lei é Para Todos, seu personagem é um show à parte, já que todo o carisma que inexiste nos outros personagens, sobra nele. O sujeito espirituoso e corrupto destoa demais do protagonista, um sujeito ranzinza e paranoico, capaz de transmitir a mesma condição para Verena, sua pupila.

    Desde o piloto há um maniqueísmo absurdo, chegando ao cúmulo de Verena acenar para um dos vilões corruptos ao ver Marco quebrando a moto de um dos malfeitores. Nem antes e nem depois, a personagem mostrou ter um senso de humor apurado, uma cena composta para imitar certo humor americano, nada parecido com o que se faz no Brasil.

    Também é curioso a maneira como foi inserido a origem da série nos créditos. Citada muito rapidamente, em um frame rápido daqueles que, caso o publico pisque, poderá perder a referencia a Vladimir Netto. A escolha por utilizar tal fonte é interessante, uma vez que Padilha normalmente julga atitudes de políticos tanto a esquerda quanto a direita. Aliás, debocha de ambos, tanto de figuras como Michel Temer e Aécio Neves como as de Lula e Dilma Rouseff. Mas a escolha do material base claramente tem um viés bastante crítico aos anos do governo petista.

    As figuras históricas do PT — aqui chamado de Partido Operário — são mostradas de forma caricata e muito cínica, não são tão toscas quanto em Polícia Federal: A Lei é Para Todos, mas carecem de carisma igual as versões de Ary Fontoura e Cia. Interessante apontar que ator Arthur Khol, está presente em duas obras recentes envolvendo a política do país. Aqui interpreta João Higino, que é o paralelo com o ex-presidente Lula. Em  Real: O Plano Por Trás da História fez o ministro José Serra, à época ainda deputado. Mas diferente do papel do deputado, ele não imita os trejeitos do político, aliás, não chega a ser tão vingativo e rancoroso quanto o Lula de Fontoura, mas é cínico e sem o carisma que é peculiar ao político do ABC paulista.

    A trilha sonora é repleta de sucessos, como Bichos Escrotos dos Titãs e Você Me Deve dos Racionais MC. Porém, o problema é a execução delas em cena, atrelada aos homens que financiam as campanhas. A mira das críticas de ambas canções é bem diferente dessa visão maniqueísta e quase infantilizada construída pelo texto de  Elena Soarez e Padilha. Mesmo quando se debocha de figuras idolatradas pelos mais conservadores — como o representante do japonês da federal, mostrado como um policial incompetente — há um tímido julgamento sobre as ações da polícia. Fato que nos faz perguntar qual a intenção narrativa da série se comparada a composição de Tropa de Elite? Em Tropa, há uma desconstrução do papel dessas autoridades. Porém, aqui eles são os paladinos e, claro, aliados ao poder judiciário.

    A versão alternativa de Sergio Moro é vivida por Otto Junior e chamado de Paulo Rigo. Mostrado como um sujeito vaidoso, afirmação dita com todas as letras. No entanto, quando está em sua intimidade, o juiz é mostrado lendo uma revista de super-herói, com estampa de “O Vigilante”. Ou seja, a visão do seriado é clara: o personagem se enxerga como um justiceiro de histórias em quadrinhos, ainda que sua personificação não seja tão caricata quanto aquela vista na interpretação de Marcelo Serrado em Policia Federal, que também trata da Lava-Jato.

    Da parte dos diretores, Padilha é acompanhado por Daniel Rezende (Bingo: O Rei das Manhãs), Marcos Prado (Curumim e Paraísos Artificiais) e Felipe Prado (primeira vez como diretor, foi produtor de Tropa 2 junto a Marcos). A fotografia é assinada por Lula Carvalho e Azul Serra e a podridão do cenário abaixo do patamar político é muito bem exemplificado pelos aspectos técnicos.

    O cenário político é caótico, mas a série gasta seus minutos mais focada no núcleo policial em que há um problema terrível de concepção. O sujeito infiltrado, por exemplo, chamado de “contador capiau” (Osvaldo Mil) aparenta ser um sujeito não confiável desde o começo, surpreendendo como investigadores federais não perceberem a dubiedade de sua identidade, ainda mais com pistas tão evidentes, inclusive em relação ao seu local de origem, variando entre Rondônia e Londrina.  A situação é tão clamorosa que chega a ser cômica, assim como o plot twist envolvendo Ruffo e a metade da temporada. O roteiro de Soarez diverge demais do que Bráulio Mantovani e o próprio Padilha fizeram em Tropa de Elite. Se vê pouco ou nenhum apego a realidade tangível, mas sim muitos momentos de heroísmo maniqueísta.

    Em comum com Tropa de Elite 2, há o argumento, da parte dos acusados, de que as investigações contra corrupção só ocorrem por movimento político em época de eleições. Nesse ponto, o seriado acerta, uma vez que deveria haver o mesmo rigor tanto em momentos de eleição quanto em outros momentos.  A questão é que isso é muito pouco e a escolha de Padilha por contar sua historia com a investigação em andamento é igualmente discutível. Há o argumento de que o distanciamento faz com que a palavra evidencie os vencedores na narrativa, enquanto a proximidade temporal gera nuances únicas, e se evita o maniqueísmo, que por sua vez gera demonizações e heroísmos desnecessários. Fato é que a infantilidade encontrada tanto nas posições políticas quanto nas curvas dramáticas não combinam com essa fala. A historia segue, com uma epifania de Ruffo, digna de teóricos da conspiração, e ele percebe o obvio: uma rede de corrupção no Brasil, e isso o faz parecer frágil e redundante como uma criança que acaba de ser desmamada.

    O oitavo episódio termina com um gancho, para uma provável segunda temporada, mas seu desfecho é fraco e incorre novamente a questões pessoais com o clássico Juízo Final, interpretado por Seu Jorge, exibido em cena, versão essa já utilizada em outro trabalhos de Padilha. Tem-se a impressão que o destino do país está nas mãos de investigadores cujas intimidades são frágeis. A ideia de fraqueza geral e o ceticismo do povo que os produtores desejam passar é bem diluída em meio a tentativa de soar neutra, fato que obviamente fracassa. O Mecanismo ao menos tem um bom ritmo, provavelmente causando no público a vontade de maratonar os episódios super movimentados. Mas ainda soa como um novelão sem compromisso com a realidade, ao contrario dos outros produtos do diretor.

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  • Review | Felizes Para Sempre?

    Review | Felizes Para Sempre?

    felizes-para-sempre-posterA minissérie de Euclydes Marinho reúne um núcleo familiar diversificado, contando o envolvimento dos filhos dos Drummond, com seus dramas de meia-idade que envolvem a batida questão velhice da relação e a comum quebra da fidelidade. As primeiras cenas mostram uma noite em um motel, exibindo o sexo entre amantes, para logo depois exibir a a comemoração do aniversário de 46 anos dos patriarcas. Em meio à homenagens aos idosos, há um sem número de questões óbvias e congratulações, até o rompimento com o lugar comum.

    Após alguns impropérios ditos na mesa de jantar, o filho adotado Joel (João Baldasserini) decide chamar a atenção dos presentes anunciando com pompa que ele e a esposa decidiram se divorciar, para manter o amor entre eles. Por trás da contraditória ideia, é exibida a questão fundamental da refilmagem da oitentista Quem Não Ama Não Mata, também escrito por Euclydes.

    É após o discurso de Joel que se geram algumas situações nos outros casais da família, ecos entre os pares que têm uma rotina sexual combalida, sintetizada no traumatizado relacionamento entre Marília e Claudio (Maria Fernanda Cândido e Enrique Diaz). O que resta do casamento, após o choque da perda de um filho, é uma mulher inconsolável, implorando por qualquer demonstração sexual do marido, que, diante de provas cabais da traição que ele comete, nada faz, dada a prostração em que se encontra e a necessidade carnal que possui.

    felizes-para-sempre-poster-cinefilmesonline.net-globo 11O pensamento cafajeste do marido, normativo e machista, é contrastado com o moderno cenário internos dos prédios de Brasília. Os Drummond têm sua base de operação na capital brasileira, com negócios que envolvem ilegalidades, numa apelação ao cenário de mar de lama. A miscelânea de pecados da corrupção flerta com a necessidade física e com a questão maior do seriado, mostrada no final de casa episódio. Ainda no primeiro capítulo, há uma tentativa da parte da esposa em tentar salvar o casamento, contratando uma prostituta de luxo, Danny Bond, vivida por Paolla Oliveira no auge da forma física, que estaria ali para cumprir a fantasia sexual de Claudio em fazer um ménage a troix, claro, para apimentar de novo o casamento dos dois.

    As cenas dirigidas por Fernando Meirelles são de extremo bom gosto, revelando a sensualidade dos corpos femininos de modo gradativo, repelindo qualquer possível comentário recriminatório sobre vulgaridade. O apuro visual exercido no folhetim se diferencia da fotografia das novelas recentes, com signos imagéticos que remetem à podridão da alma, associando o defeito moral da corrupção a figuras animalescas, como se Brasília fosse a savana moderna, um ambiente hostil que mal respeita as amarras familiares.

    O furor causado pela semi-nudez de Paolla Oliveira é plenamente justificável, não só pela beleza inegável da intérprete, que usa a profissão mais antiga do mundo para demonstrar o quão frágeis sãs as relações conservadoras e normativas, mas também pelo entorno e arcabouço levantados em volta dela. O luxo, a erudição de gosto e pensamento, tudo colabora para que Danny Bond seja uma figura perfeita, obviamente pontuada pelas curvas esculturais da jovem atriz.

    A futilidade habita a psiquê de Claudio, que ao conversar com seu pai, Dionisio (Perfeito Fortuna), se preocupa em aconselhar seu progenitor para que pratique sexo fora do casamento, aparentemente para ver o idoso bem, achando alternativas fora do matrimônio. Tudo para esconder o receio de ter na impotência hereditária a garantia de seu futuro. As relações entre os irmãos também não são fáceis, especialmente nos detalhes trabalhistas que envolvem Claudio e o alcoólatra Hugo (João Miguel), com troca de agressões e acusações seríssimas. Em comum, os irmãos têm a atribulação no casamento. Hugo é casado com Tânia (Adriana Esteves), uma cirurgiã plástica que se envolve em um caso de infidelidade, chamando outro abismo, ainda mais culposo e de consequências magnânimas, de morte e destino.

    Usar a dicotomia presente entre os sentimentos de ciúme e posse de outro ser como base é uma tática tão velha como o mundo. O que diferencia Felizes Para Sempre? de tantas outras minisséries da Globo é a sensibilidade com que ela é levada, além do gabarito de seus realizadores, que conseguem realizar algo mais transcendental e tocante do que foram as recentes produções Dupla Identidade, Amores Roubados, O Rebu e tantas outras. A linguagem visual de Fernando, Rodrigo Meirelles, Paulo Morelli e Luciano Moura transgride as regras básicas da televisão, sem o temor de perder a unicidade visual, expressando as sensações humanas em elementos mortos do cenário, que servem como notas, lembretes da mensagem de depressão e declínio ético dos Drummond e agregados.

    felizes-para-sempre-poster-cinefilmesonline.net-globo 8Alguns dos elementos narrativos são claramente retirados de produtos recentes, como a tela que se abre após chamadas telefônicas, contatos do Messenger e SMS, semelhante ao que foi visto no filme mais recente de Jason Reitman. Aviltante é perceber a ruína geral que ocorre com o clã: Dionísio infartando; Joel em divórcio litigioso; Hugo saindo de casa, também com o casamento falido; e Claudio sendo investigado.

    As atuações do folhetim são quase todas equilibradas, especialmente de João Miguel, fazendo o papel do homem magoado que tenta reagir apesar de seus vícios; Adriana Esteves, como a mulher que tenta resgatar seu casamento, mas é impedida pela família; e, claro, de Maria Fernanda Cândido, a qual representa uma senhora que não tem a atenção do marido, compondo um triângulo amoroso assustadoramente cruel. Mas é Enrique Diaz que concentra os maiores talentos, exibindo um cinismo ímpar de quem só se importa com os próprios problemas, não tendo piedade sequer de seus parentes.

    Os contornos finais do seriado exibem traços trágicos para os personagens principais e reprisam as mesmas características de dramas familiares recentes, como Álbum de Família, com texto de Tracy Letts, e o iraniano A Separação, em que qualquer personagem analisado pelo público exibe enormes falhas do ethos, tornando todos incapazes de gerar uma empatia pura e simples. As semelhanças com Fogueira de Vaidades, de Brian de Palma, também saltam aos olhos, relacionando-se à intrincada rede de influências e desvios de caráter.

    O desfecho guarda ainda mais reviravoltas e atrocidades, dando a alguns dos personagens a moeda que valem, diferentemente do que costuma acontecer nos finais de novela. A tragédia finalmente abraça os Drummond, ao som dos acordes de A Voz do Brasil, o informe que detalha os acontecimentos e meandros do planalto e que em Felizes Para Sempre? anuncia a dor e o rancor liberados por quem usou a desgraça alheia como calço e base de sua existência.  Chega a ser curioso que o tiroteio do episódio cabal tenha tantos elementos típicos do western americano, com detalhes nas cruzes do cemitério e closes nos rostos dos pretensos assassinos, os quais carregam revólveres, o duro aço que prenuncia a morte. O flerte dos personagens com a mortandade finalmente tem seu fim, referenciando as tragédias gregas familiares alinhadas a elementos típicos dos contos rodriguianos.

    Uma Brasília fétida, cujo infortúnio maior da obra é a visão estereotipada e maniqueísta do Planalto, pregada aos setes ventos por Fernando Meirelles nas poucas aparições públicas que teve em 2014. Apesar de apelar para algumas estratégias triviais, a minissérie consegue contar uma história rica, com personagens reais, fidedignos à realidade televisiva brasileira, e que transgride a linguagem audiovisual, apesar do formato episódico e da lição de moral envolvendo a fidelidade matrimonial.