De Bel Bechara e Sandro Serpa, o longa-metragem Onde Quer Que Você Esteja começa com uma música a capella, evocando a simplicidade que imperará durante os pouco mais de 100 minutos de exibição, onde o foco narrativo mostra um programa de rádio onde a saudade impera, o programa que leva o título do filme dá oportunidade as pessoas de usar o microfone da rádio para tentar lançar uma mensagem a algum ente querido desaparecido, seja filho, pai, par ou algo que o valha.
A Rádio Cidade Aberta se localiza em São Paulo, mas o ambiente mostrado em tela prima pela universalidade, pois aparenta ser qualquer outra cidade brasileira. Há uma tentativa de aprofundar os dramas ali, mostrando a intimidade de algumas pessoas que procuram seus parentes perdidos.
A questão de lidar com o desespero que ocorre com milhões de brasileiros mostra o desespero dessas pessoas, que se vêem sem norte após o literal desaparecimento dos que fazem parte de sua rotina diária. Perceber a dor proveniente do sumiço e da indefinição do paradeiro de alguém querido é pesado, mas o fato do elenco ser rotativo dificulta ao espectador se apegar aos dramas mostrados em tela. Os que aparecem mais recorrentemente não são muito aprofundados, já que o foco dramático é em quem perdeu alguém.
A intenção do filme é muito nobre e tema já havia sido visitado pelos diretores em um curta de mesmo nome, é emocional e desesperador em muitos momentos, a temática pesada e os reencontros quando foge da pecha super otimista acertam, mas a maioria dos dramas apresentados são um bocado estranhos, primam por uma artificialidade um pouco incomoda, que se torna ainda mais estranha por ter um elenco recheado de estrelas como Gilda Nomacce, Leonardo Medeiros, Sabrina Greve, Samuel de Assis e outros.
Alguma coisa na tradução de curta-metragem para longa se perdeu, é bom que a temática se expanda, mas a duração é esticada demais e acaba fortalecendo a sensação de que Onde Quer Que Voce Esteja tem uma composição bem frágil. Não há muito equilíbrio da exploração da temática sentimental, na maioria dos momentos tudo soa muito melodramático e até as relações entre os carentes que procuram os sumidos soa artificial e gratuita em sua construção. A falta de substancia no roteiro é em algumas vezes driblada pelos atores, mas na maioria absoluta das vezes, a questão dramática soa boba, pueril e até um pouco infantil.
Depois de sair do país, José Padilha se dedicou a produções com investimento estrangeiro. Robocop não foi o sucesso que os estúdios imaginavam, mas a parceria com a Netflix em Narcos deu muito certo. Dessa vez, ele é o principal produtor deste seriado brasileiro que trata de uma questão cara ao noticiário local. O Mecanismo tenta desbravar os meandros da investigação, ainda em andamento, da Operação Lava-Jato, baseando-se principalmente na obra Lava Jato – O Juiz Sérgio Moro e os Bastidores da Operação que Abalou o Brasil, do autor e jornalista Vladimir Netto.
A série começa polêmica além do material de fonte, uma vez que Padilha — que dirige o piloto — é um sujeito que costuma utilizar muita narração em off, tal qual fez em Tropa de Elite e Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora é Outro. Na maior parte dos momentos, as narrações de Marco Ruffo (Selton Mello) e Verena Cardoni (Caroline Abras) soam fracas e expositivas demais. Em vários momentos, as falas antecipam cenas que comunicam por si só, e além disso, há uma tentativa de tornar os personagens da polícia em heróis infalíveis e até beatos, em especial o personagem de Mello, uma vez que Verena é sexualizada (e muito) no decorrer dos oito episódios. A questão da sexualidade também é controversa, herança essa de Narcos, que mostrava cenas sensuais abertamente. Aqui, elas são encaixadas de maneira gratuita, quase em exagero para mostrar que os personagens são humanos. A falta de sutileza, porém, quase soa ofensiva.
A investigação da corrupção que move o Brasil começa por motivos pessoais. Ruffo é conhecido de longa data do doleiro Roberto Ibrahim, interpretado por Enrique Diaz em grandíssima fase e desempenho. Ele é claramente o paralelo com Alberto Youssef, e tal qual em Policia Federal: A Lei é Para Todos, seu personagem é um show à parte, já que todo o carisma que inexiste nos outros personagens, sobra nele. O sujeito espirituoso e corrupto destoa demais do protagonista, um sujeito ranzinza e paranoico, capaz de transmitir a mesma condição para Verena, sua pupila.
Desde o piloto há um maniqueísmo absurdo, chegando ao cúmulo de Verena acenar para um dos vilões corruptos ao ver Marco quebrando a moto de um dos malfeitores. Nem antes e nem depois, a personagem mostrou ter um senso de humor apurado, uma cena composta para imitar certo humor americano, nada parecido com o que se faz no Brasil.
Também é curioso a maneira como foi inserido a origem da série nos créditos. Citada muito rapidamente, em um frame rápido daqueles que, caso o publico pisque, poderá perder a referencia a Vladimir Netto. A escolha por utilizar tal fonte é interessante, uma vez que Padilha normalmente julga atitudes de políticos tanto a esquerda quanto a direita. Aliás, debocha de ambos, tanto de figuras como Michel Temer e Aécio Neves como as de Lula e Dilma Rouseff. Mas a escolha do material base claramente tem um viés bastante crítico aos anos do governo petista.
As figuras históricas do PT — aqui chamado de Partido Operário — são mostradas de forma caricata e muito cínica, não são tão toscas quanto em Polícia Federal: A Lei é Para Todos, mas carecem de carisma igual as versões de Ary Fontoura e Cia. Interessante apontar que ator Arthur Khol, está presente em duas obras recentes envolvendo a política do país. Aqui interpreta João Higino, que é o paralelo com o ex-presidente Lula. Em Real: O Plano Por Trás da História fez o ministro José Serra, à época ainda deputado. Mas diferente do papel do deputado, ele não imita os trejeitos do político, aliás, não chega a ser tão vingativo e rancoroso quanto o Lula de Fontoura, mas é cínico e sem o carisma que é peculiar ao político do ABC paulista.
A trilha sonora é repleta de sucessos, como Bichos Escrotos dos Titãs e Você Me Deve dos Racionais MC. Porém, o problema é a execução delas em cena, atrelada aos homens que financiam as campanhas. A mira das críticas de ambas canções é bem diferente dessa visão maniqueísta e quase infantilizada construída pelo texto de Elena Soarez e Padilha. Mesmo quando se debocha de figuras idolatradas pelos mais conservadores — como o representante do japonês da federal, mostrado como um policial incompetente — há um tímido julgamento sobre as ações da polícia. Fato que nos faz perguntar qual a intenção narrativa da série se comparada a composição de Tropa de Elite? Em Tropa, há uma desconstrução do papel dessas autoridades. Porém, aqui eles são os paladinos e, claro, aliados ao poder judiciário.
A versão alternativa de Sergio Moro é vivida por Otto Junior e chamado de Paulo Rigo. Mostrado como um sujeito vaidoso, afirmação dita com todas as letras. No entanto, quando está em sua intimidade, o juiz é mostrado lendo uma revista de super-herói, com estampa de “O Vigilante”. Ou seja, a visão do seriado é clara: o personagem se enxerga como um justiceiro de histórias em quadrinhos, ainda que sua personificação não seja tão caricata quanto aquela vista na interpretação de Marcelo Serrado em Policia Federal, que também trata da Lava-Jato.
Da parte dos diretores, Padilha é acompanhado por Daniel Rezende (Bingo: O Rei das Manhãs), Marcos Prado (Curumime Paraísos Artificiais) e Felipe Prado (primeira vez como diretor, foi produtor de Tropa 2 junto a Marcos). A fotografia é assinada por Lula Carvalho e Azul Serra e a podridão do cenário abaixo do patamar político é muito bem exemplificado pelos aspectos técnicos.
O cenário político é caótico, mas a série gasta seus minutos mais focada no núcleo policial em que há um problema terrível de concepção. O sujeito infiltrado, por exemplo, chamado de “contador capiau” (Osvaldo Mil) aparenta ser um sujeito não confiável desde o começo, surpreendendo como investigadores federais não perceberem a dubiedade de sua identidade, ainda mais com pistas tão evidentes, inclusive em relação ao seu local de origem, variando entre Rondônia e Londrina. A situação é tão clamorosa que chega a ser cômica, assim como o plot twist envolvendo Ruffo e a metade da temporada. O roteiro de Soarez diverge demais do que Bráulio Mantovani e o próprio Padilha fizeram em Tropa de Elite. Se vê pouco ou nenhum apego a realidade tangível, mas sim muitos momentos de heroísmo maniqueísta.
Em comum com Tropa de Elite 2, há o argumento, da parte dos acusados, de que as investigações contra corrupção só ocorrem por movimento político em época de eleições. Nesse ponto, o seriado acerta, uma vez que deveria haver o mesmo rigor tanto em momentos de eleição quanto em outros momentos. A questão é que isso é muito pouco e a escolha de Padilha por contar sua historia com a investigação em andamento é igualmente discutível. Há o argumento de que o distanciamento faz com que a palavra evidencie os vencedores na narrativa, enquanto a proximidade temporal gera nuances únicas, e se evita o maniqueísmo, que por sua vez gera demonizações e heroísmos desnecessários. Fato é que a infantilidade encontrada tanto nas posições políticas quanto nas curvas dramáticas não combinam com essa fala. A historia segue, com uma epifania de Ruffo, digna de teóricos da conspiração, e ele percebe o obvio: uma rede de corrupção no Brasil, e isso o faz parecer frágil e redundante como uma criança que acaba de ser desmamada.
O oitavo episódio termina com um gancho, para uma provável segunda temporada, mas seu desfecho é fraco e incorre novamente a questões pessoais com o clássico Juízo Final, interpretado por Seu Jorge, exibido em cena, versão essa já utilizada em outro trabalhos de Padilha. Tem-se a impressão que o destino do país está nas mãos de investigadores cujas intimidades são frágeis. A ideia de fraqueza geral e o ceticismo do povo que os produtores desejam passar é bem diluída em meio a tentativa de soar neutra, fato que obviamente fracassa. O Mecanismo ao menos tem um bom ritmo, provavelmente causando no público a vontade de maratonar os episódios super movimentados. Mas ainda soa como um novelão sem compromisso com a realidade, ao contrario dos outros produtos do diretor.
Feliz Natal foi a estreia de Selton Mello como diretor e um dos mais importantes filmes de 2008. O drama acompanha Caio – interpretado por Leonardo Medeiros – e sua família, que desmorona um pouco mais a cada dia. Ao deixar sua esposa cuidando de seu ferro-velho, a personagem vai passar o Natal com os familiares depois de anos sem vê-los. É partir desta noite que conhecemos e entendemos todas as problemáticas que circunda o passado dessas pessoas.
O filme é nada mais nada menos do que um grande palco, com um elenco de peso e em grande parte muito afiado. Mello que também montou o filme ao lado de Marilia Moraes faz com que cada personagem tenha um momento de destaque, e nesse caso, de estouro. É comum que atores e atrizes que embarcam no trabalho atrás das câmeras priorizem performances. Aqui elas funcionam bem demais em alguns momentos, sendo o principal deles a festa de Natal. Em uma montagem rápida e uma câmera nervosa, o personagem de Caio vai desencadeando conflitos por toda a casa e um plano sequência fenomenal protagonizado por Darlene Glória conclui o trecho.
A personagem dela e a festa, inclusive, são os maiores atrativos do longa. Depois disso, a produção entra numa monotonia desagradável. Os planos aproximando e distanciando dos personagens são belíssimos e a iluminação mínima cria uma estética interessante, mas a proposta do diretor em criar situações para todos seus astros brilharem soa como revezamento e nunca como continuidade. E tal impressão se mantém até o desfecho. A escolha de caminhar entre a culpa de seu personagem principal e os segredos e problemas de sua família sem grandes explicações ajuda a dar fôlego para a narrativa, porém em um ponto da jornada já sabe-se os motivos de alguns personagens serem como são e o longa perde o interesse.
O final, pelo menos, tem bons momentos. A história ganha uma justificativa e as consequências são tão bem filmadas quanto simbólicas, além de trazer de volta a aura de “tragédia familiar” que o filme devia ter seguido desde a festa de Natal. Por fim, Feliz Natal é uma grande estreia para Mello e deixa claro que o ator e diretor tem assinatura e estilo. Além de saber criar bons momentos para as performances de seu elenco, ele também não peca em seus temas, mas é uma pena que o filme se perca em sua própria estrutura e acabe falando muito sem falar quase nada.
Toni Venturi retorna ao cinema político, após o documentário Velho – A História de Luís Carlos Prestes. O longa ficcional Cabra Cega analisa o período conturbado da Ditadura Militar no Brasil, através da vivência de dois jovens militantes da luta armada, Tiago (Leonardo Medeiros), um homem ferido que está alocado no apartamento de um simpatizante da causa, e Rosa (Débora Duboc), que era sua amiga de militância e passa a cuidar dele enquanto está foragido.
A questão agravante é que Tiago é um homem arredio e desconfiado, se tornando um completo grosseiro quando é minimamente contrariado, fator que faz perguntar se valeria a pena as gentilezas a ele empregadas por seus companheiros e camaradas. O roteiro se pauta basicamente na sensação de paranoia extrema e dos males do isolamento de Tiago, que não consegue se sentir minimamente bem ao ter de ficar encarcerado, vendo importantes quadros políticos da luta armada caírem um a um, como Lamarca, Marighella e Toledo.
A locação quase unificada do apartamento causa um sentimento de claustrofobia e sensação de aprisionamento no espectador, visando claro equipar o público ao personagem de Medeiros. Aos poucos, o espectador se enche desse lugar e busca uma fuga, como foi com o personagem principal. A compleição física digna de pena de Tiago é um marco visual do desespero dele, a representação física da entrega a não esperança.
A trilha sonora é inteligente e bem colocada, maximiza as sensações de perseguição e de extrema solidão. As músicas são muito boas, mas não são empregadas de modo gratuito, ao contrário, servem a trama ao invés de funcionar como muleta ou despiste para um texto fraco.O roteiro aliás é minimalista, sem gorduras, mostra todo o ideal dos pretensos revolucionário sem cair no didatismo. Cada personagem é impreterível para a trama, desde os citados, até o veterano Mateus (Jonas Bloch), que serve de mentor para o grupo, além de Pedro (Michel Bercovitch), dono do apartamento e alvo de muitas desconfianças.
A tensão presente nos instantes finais mistura sentimentos como paixão, volúpia e desconfiança em uma sequência que põe em cheque até os juramentos dos militantes em torno do viés revolucionário. A sensação de estar cercado é presente em toda a trama de Cabra Cega, mas é maximizada quando o longa está próximo de se encerrar, em um conjunto de cenas de evocam a necessidade de sair da estática da não política que era pregada aos jovens da época, mostrando que a resistência era o único caminho possível para quem tinha qualquer ligação com o progressismo ou simpatia pelo livre pensar, mesmo que essa atitude significasse a morte.
Getúlio Vargas foi um dos maiores nomes da política brasileira e um dos comandantes mais importantes da história do Brasil. O período de quase 20 anos do político no poder transformou radicalmente a face da República brasileira, o que levantou paixões a seu favor e contra, especialmente ao final de sua administração.
O filme de João Jardim (do excelente Lixo Extraordinário), com roteiro de George Moura, retrata os últimos 19 dias da vida do ex-presidente, quando o governo é acometido por um turbilhão de críticas após o principal rival político de Vargas, o ferrenho anticomunista Carlos Lacerda, sofrer um atentado, descobrindo-se, logo depois, que os mentores do ato eram pessoas intimamente ligadas a Getúlio.
Contando com fotografia e design de produção excelentes, o filme consegue reproduzir toda a ambientação da época e fazer o espectador se sentir naquela primeira metade da década de 1950. O Palácio do Catete também contribui enormemente nesse sentido, tendo em vista que o local se manteve praticamente inalterado desde os eventos retratados.
Optando por uma ótica mais intimista e com toques de thriller psicológico, o diretor tenta mostrar o lado humano do presidente, já idoso, sofrendo todas as pressões políticas em um momento diferente do país, pois se na década de 30 Getúlio conseguiu impor seu modelo, já na democracia, durante a ascensão da Guerra Fria e da influência dos EUA na América Latina, Vargas sofre a oposição dos setores da sociedade alinhados aos interesses americanos, enquanto sua postura nacionalista, outrora tão eficaz, agora atrai cada vez menos adeptos. O enfoque intimista e pessoal por vezes se torna desnecessariamente lento, e o uso da metalinguagem para explicar os pesadelos do personagem também se mostra repetitivo, dando ao filme um certo tom novelístico característico da TV brasileira.
Essa pressão se manifestava na figura de Carlos Lacerda (Alexandre Borges), governador da Guanabara e principal porta-voz do udenismo. Suas ferozes críticas ao presidente iam desde o moralismo simplista de acusá-lo de causar todos os problemas do país, até o de culpá-lo pela degeneração da democracia e pela explosão endêmica da corrupção, discurso este muito usado até hoje pelos setores herdeiros do udenismo contra governos que não conseguem vencer no jogo democrático.
A figura de Carlos Lacerda no filme é mostrada de forma distante, com discursos inflamados, transmitidos na televisão, exigindo a renúncia de Vargas— uma escolha estranha, pois naquela época a TV não era utilizada como meio de comunicação em massa, pois havia poucos aparelhos no país. Esse papel era desempenhado pelo rádio. No entanto, uma construção maior desse personagem poderia tornar a trama menos maniqueísta.
Maniqueísmo este que se manifesta o tempo todo ao focar a figura de Vargas de forma uníssona, em dúvida apenas quanto ao que mostrar em relação a sua honestidade em lidar com o problema. O presidente é retratado como uma pessoa íntegra que desconhecia absolutamente tudo o que se passava com sua guarda pessoal. Ainda que não soubesse sobre o atentado propriamente dito, para alguém tão centralizador como ele, torna-se um fato que, se não impossível, bastante improvável. No final, tendemos a nos simpatizar com Vargas e antagonizar Lacerda de maneira simplista em razão dessa abordagem.
O que é muito bem retratado é a relação ambígua com os militares, que já se mostravam descontentes com a democracia e ávidos por terem uma participação maior no poder desde a Era Vargas. Enquanto alguns militares lutavam para manter o legalismo, grande parte se organizava para exigir a renúncia do presidente e preparar o terreno para um golpe militar, o que não seria novidade nem no Brasil, nem na América Latina no período.
Também merece destaque a atuação de Tony Ramos no papel do presidente. Apesar do exagero do tamanho da barriga e do pouco trabalho com o sotaque gaúcho, o ator transmite ao personagem todo o peso dramático que os eventos narrados impuseram a Vargas.
O suicídio do ex-presidente no filme também possui parte de seu impacto retirado por não ter sido bem construída a cadeia de eventos que levou a esse fato. Quando a situação se torna insustentável, após Vargas ter abdicado de tomar qualquer posição ofensiva em sua defesa, a única saída possível ao presidente parece ter sido o suicídio, sozinho em seu quarto com seu revólver. O ato, mostrado de forma engrandecedora, oculta os relatos de que, após o tiro, Getúlio sobreviveu ainda por algumas horas. Também oculta, dentre a comoção popular por sua morte, a ira de parte da população que depredou sedes e carros de jornais opositores, caso de O Globo, que teve papel chave na oposição ao governante, ausência essa convenientemente deixada de lado no filme.
Dessa forma, Getúlio opta conscientemente por construir um personagem que é fruto de escolhas da direção, excluindo algumas informações e exaltando outras. Apesar de ter sucesso em compor um personagem forte mostrando seus dilemas internos e pesadelos, falha em dar a profundidade necessária a seus algozes e aos eventos que levaram a escolha pelo seu suicídio. Talvez por isso, o filme se mostre interessante somente a quem já conheça os fatos e pessoas ali descritos, se mostrando uma experiência não muito agradável ao espectador tradicional.