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  • Review | O Mecanismo – 2ª Temporada

    Review | O Mecanismo – 2ª Temporada

    Em sua estréia, O Mecanismo foi chamado de mantenedor do status quo, principalmente por seu viés pró-direita. Nesse segundo, a série retoma sem grandes mudanças, mostrando Ruffo (Selton Mello) em seus momentos de narração forçada, com discurso político inflamado, dizendo ter amnésia voluntária, e de fato ele tem, especialmente quando julga os acontecimentos sociais do Brasil.

    O personagem principal pouco evoluiu, e isso se vê em sua configuração familiar, no modo como se veste e anda, além é claro de mostrar sua contínua obsessão com Ibrahim, o doleiro interpretado pelo excelente Enrique Diaz. Para não fugir da obviedade, ele louva sua pupila, Verena (Caroline Abras), que também retorna com um visual mais desleixado.

    Em meio a narração de Mello, o personagem diz algo simbólico para o seriado dali para a frente, falando com todas as letras “se eu xingo um político de esquerda, sou fascista, se eu xingo um de direita sou esquerda caviar…”, e afirma que ideologia é uma merda, e de fato, quando é tão despropositada e covarde quanto aqui, realmente não é nem um pouco boa. A série é tão sem identidade que ao mesmo tempo que levanta o argumento de que Curitiba (Moro e cia) tem muito poder, o faz colocando isso na boca de um jurista corrupto, sendo mais uma engrenagem do tal mecanismo.

    Do ponto de vista da narrativa, Ibrahim continua um ótimo personagem, manipulando sua família para conseguir agir, ainda que em prisão domiciliar. O Rico/Moro (Otto Júnior) é mostrado como “inocente” no grampo ilegal no telefone celular de Brecht/Odebrecht (Emilio Orciollo Neto), fato que o coloca como um paladino à procura de justiça, apesar de todas as declarações negativas de Padilha a respeito do atual ministro da justiça, mostrando que talvez essa temporada tenha sido pensado por ele e Elena Soares antes dessas novas conclusões.

    Existem alguns momentos de descontração, onde o investigador ilegal que Mello faz brinca de sinuca com o filho de uma testemunha ou ainda quando a trama se encaminha para o Paraguai. Há uma necessidade gigante dos realizadores de transformar o seriado em algo palatável, para toda a família. Resta a pergunta do motivo disso ocorrer. A trama ainda se equivoca em sua abordagem voltada a personagem de Verena, além de bastante repetitiva ao longo dos oito capítulos. Nem dentro da mentalidade reducionista de Mecanismo isso faz sentido.

    Há uma necessidade pueril de demonstrar fisicamente o estado de espírito dos personagens. Isso soa bobo nos tempos atuais, mas em 2019 reforça uma ideia preguiçosa em demonstrar o abalo que o personagem sofre apenas por suas roupas e falta de asseio, e não em diálogos bem construidos ou grandes atuações. Isso deflagra o quanto os personagens não evoluem, a tentativa não é de fazer a história crescer, e sim de mascarar essas questões, e pior, ainda há um louvor às ações ilegais, em prol de um justiçamento.

    Curiosamente, a série desdenha do Aécio da vez (personagem de Michel Bergovitch), pois seu Lúcio Lemes é mostrado como adicto em cocaína e um bon vivant, mas é tudo tão óbvio, que chega a ofender. Ao mesmo tempo que o roteiro condena as pedaladas fiscais de Dilma/Janete como estopim do impeachment, ele também afirma categoricamente que as ações do PT seriam motivo suficiente para derrubar um presidente. O texto segue confuso, não sabendo para onde apontar seus canhões e insiste demais em referências a Augusto dos Anjos, basicamente para tentar sofisticar as conversas e falas. As intenções dos produtores podem ser boas, mas postas dessa forma, soam oportunistas. As boas intenções se perdem nas repetições de ciclo, epifanias de Ruffo com sua filha (em um déjà vu da primeira temporada) e no sentido de colocar Verena dizendo que não queria interferir na política.

    É um bocado complicado não notar a arrogância e pretensão da série, que se julga pioneira em algo que até Polícia Federal: A Lei é Para Todos já fez. O discurso infantil de Fora Todos, e algumas obsessões ditas pela narração não fazem qualquer sentido, e não são trabalhadas em tela. Momentos que deveriam transbordar emoção não o fazem, e a reconstituição dos votos do impeachment na Câmara dos Deputados é tão mal feita que parece um teatro de escola, salvo a boa participação do dublador Garcia Júnior como o paralelo de Jair Bolsonaro.

    Os momentos finais guardam outras vergonhas, como a descrição da delação de Ricardo Brecht, que faz lembrar o que Michael Peña fez em Homem-Formiga e Homem-Formiga e a Vespa, no entanto, as bizarrices moram nas partes mais sérias. Ao menos alguns dos personagens consegue superar seus traumas, e na parte emocional ciclos são fechados, mas a pretensão de tentar cobrir absolutamente tudo não soa nada inteligente, ainda mais quando Verena e Ruffo dizem que uma fase obscurantista pode ocorrer. Há uma isenção dos dois nesse processo, eles se livram da culpa na participação desse possível cenário, e é natural que isso ocorra, pois são apenas peões num jogo muito mais complexo, complexidade essa jamais alcançada na série.

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  • Agenda Cultural 65 | Car Wash, Lionélson ataca novamente, 1000 edições de Superman

    Agenda Cultural 65 | Car Wash, Lionélson ataca novamente, 1000 edições de Superman

    Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira) e Filipe Pereira (@filipepereiral) recebem o convidado Wilker Medeiros (@willtage) para bater um papo sobre o que rolou nos cinemas, as polêmicas envolvendo a série “O Mecanismo”, a edição comemorativa de Actions Comics e muitos mais.

    Duração: 93 min.
    Edição: Julio Assano Junior
    Trilha Sonora: Flávio Vieira e Julio Assano Junior
    Arte do Banner: 
    Bruno Gaspar

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    Comentados na Edição

    Séries

    Review O Mecanismo – 1ª Temporada (Vídeo Cinema Raiz)
    Jessica Jones – 2ª Temporada

    Cinema

    Crítica Projeto Flórida (Alerta Vermelho #68)
    Crítica 15h17: Trem Para Paris
    Crítica Operação Red Sparrow
    Crítica O Passageiro
    Crítica Tomb Raider: A Origem
    Crítica Círculo de Fogo: A Revolta
    Crítica A Melhor Escolha
    Crítica Jogador Nº 1

    Quadrinhos

    Action Comics #1000 – Compre aqui
    Visão: Pouco Pior que Homem – Compre aqui

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  • Crítica | O Cheiro do Ralo

    Crítica | O Cheiro do Ralo

    O Cheiro do Ralo segue como um dos milhares de filmes sobre o que esconde a superfície; a diferença é o nível de taradice e tudo aquilo que a letargia esconde, nos escombros de meia-dúzia de personagens presas na melancolia de suas vidas. A história combina em gênero, número e grau com o cinema visual de cortinas fechadas, e desejos ocultos de Heitor Dhalia, o cineasta de Nina, com Guta Stresser. Aqui, seu arquétipo de um ser urbano perturbadamente verossímil cai nas mãos de Selton Mello na deprimente realidade caquética de Lourenço, o dono de uma espécie de antiquário cujo ralo fede pra caramba – analogia a uma vida sem propósito e que se esvai sem esperança, tal o clímax incendiário e frenético de Barton Fink – Delírios de Hollywood, a comédia dramática premiadíssima em Cannes dos irmãos Coen.

    Como denota-se a qualquer um projeção afora, há sim muitas semelhanças e convéns na obra literária e quadrinistica de Lourenço Mutarelli com a filmografia satírica e hipócrita dos irmãos. Numa bela arte da adaptação, e fica difícil pensar em alguém melhor que Dhalia para traduzir no Cinema a obra de Mutarelli, o cara conseguiu transformar os vícios de um escritor pela letargia humana num teleporte nosso para um universo paralelo de bundas, de perversão sexual que não precisa ser dialogada, ou às vezes mostrada para sentirmos que está presente nos olhos, nos gestos, na sugestão irônica de um movimento; um cosmos drenado pela mentira de um comerciante, pelo consumismo, pela materialidade óbvia das coisas, pelos artefatos antigos destituídos de sentido.

    É justamente isso que a superfície desses artefatos e dessas bundas propiciam, o perceber de forma pesada a passagem do tempo, e o propiciar de um típico escapismo momentâneo diante do nada que somos. Como todo homem que vai contra a canção de Chico Buarque sobre a roda-viva que é nossas vidas, o solitário Lourenço é um cara já enfiou o pé na jaca faz muito, e desiste da ideia de casamento em cima da hora pra se entregar aos fetiches, ao preço de tudo, a escrotidão de seus pensamentos de carência, e auto-engano. O que vier é lucro pra quem não tem nada a perder, noção esta materializada nos aparelhos que compra de gente tão estranha, e rotineira, que se tornam pra ele tão invisíveis quanto o relógio de pulso, a vitrola ou o faqueiro de prata inúteis que colocam sobre a mesa de seu escritório, num desses dias intermináveis, e letárgicos.

    Vide a bela mise en-scène do filme de Dhalia principalmente nesses momentos de troco comercial ou vida privada, nesse ambiente profissional ou doméstico, num necessário trabalho de direção de arte apuradíssimo sobre um visual que converge na realidade deliciosamente falida e obscura da história. Mais que em Nina, O Cheiro do Ralo é o apuro que a direção de Dhalia precisava para concomitar melhor com a essência propositalmente artificial de seus contos muitas vezes sobre o vazio ou o nada, na tela. “Você não tem nada pra me oferecer”, ele diz para a mulher de sua vida. “E eu também não”. Até a violência da noiva, de um cliente, do encanador, a violência que impulsa um desejo irrefreável de tão animalesco é algo a se valorizar numa vida que se esvazia, a cada dia que passa, e começa a feder pelo marasmo aonde se banha.

    Um legítimo conto de horror com uma maquiagem muito bem feita de comédia dramática melancólica, algo raro no cinema nacional recente. O espectador bobo deixa se enganar pela roupagem, fácil, mas é só pensar um pouco sobre o que esconde a superfície do filme de Dhalia, e dos quadrinhos de Mutarelli que a verdade vem à tona: O fedor vem de algo terrível que nem odorizantes nem coisa mundana nenhuma chega a disfarçar, ou ainda, muito menos exterminar.

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  • Crítica | Nina

    Crítica | Nina

    O mote do livro Crime e Castigo, de Fiódor Dostoiévski, é justamente o poder da consciência humana atuando sobre aquilo que é certo, e errado, na cadência das nossas vidas. Num contexto ainda mais urbano, e principalmente contemporâneo, Heitor Dhalia reavaliou em 2004 os conceitos da clássica obra soviética num apartamento de classe média brasileira, onde a jovem Nina (Guta Stresser), de personalidade difícil e intensa, vive uma vida conturbada junto a Dona Eulália, uma locatária exigente e controladora. Disso, forma-se uma convivência de indiferença, típica de cidade grande entre proprietário e inquilino, com claros sinais de hecatombe a qualquer momento; sensação essa extremamente presente nos filmes-gatilho de Dhalia.

    Quem viu O Cheiro do Ralo, ótimo exemplo com Selton Mello antes do ator ousar trilhar seus caminhos como diretor (se dando bem somente em O Palhaço) já notou o viés surrealista e misterioso que os filmes dele, quase que de uma forma inevitável, carregam desde o cerne das suas histórias até a forma vibrante que elas tomam, em tela. Abusando de paletas de cores mais frias e uma ambientação intimista pra isso, quase que kafkaniana nos sentidos mais amplos da palavra (o artista tem uma clara influência dos grandes escritores melancólicos), Nina revela-se um filme introspectivo não só em tema e visual, mas na constante apreensão que deles vertem, resultando num filme desavergonhadamente denso, noturno e caótico, ainda que seja um caos calado e bem representado, entre personagens desconectados entre si.

    O que realmente interessa no primeiro filme de Dhalia são as personagens, sendo elas as donas de um filme bastante humilde em suas intenções, e inocente no que usa para atingi-las, como o irreverente e inesperado casal que se forma entre a protagonista e um cego que ela acha na rua, vivido aqui por Wagner Moura. Denota-se assim a redenção que ela, após ter feito um ato de maldade consciente com o gato de Dona Eulália, aceita da vida, do destino que oferece-a uma chance de fazer o bem após a vilania proposital contra o pobre bichano. São essas personas, meros fantoches da vida e seus acasos que dá gosto de acompanhar ao longo de uma trama que não acha espaço para excessos, mas para acompanhar com curiosidade e uma certa acidez de significados os caminhos de pessoas comuns pelas ruas de uma metrópoles cinza e muitas vezes sem dignidade como São Paulo consegue ser com seus habitantes.

    Procura-se alguma leveza e alguma redenção na moral de uma história sobre desigualdade e culpa social, invadindo o que tem de humanidade nesses personagens desconectados, entre si: Em Nina, na velha, no cego, na prostituta… peões de um jogo perturbador onde cada movimento errado num tabuleiro de crueldades custa um pouco da sanidade, e da consciência limpa de cada um. Nina é a dramatização interessante de uma melancolia urbana solitária que muitos de nós já sentimos, e que teima a nos remoer. No caso, a moldar as próprias loucuras adjacentes de uma mulher sozinha e presa a uma ambientação (produto do meio, sobretudo) que não lhe dá nenhuma esperança, e que por isso mesmo, a induz a tomar soluções que dialogam com a própria obra duradoura de um Franz Kafka, ou de um Dostoiévski, e o próprio cinema de Heitor Dhalia propriamente dito. O cineasta não tem medo de enfiar o pé no drama pesado de vez, e se dá bem nos interesses que rondam o bom debute do seu estilo.

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  • Review | O Mecanismo – 1 ª Temporada

    Review | O Mecanismo – 1 ª Temporada

    Depois de sair do país, José Padilha se dedicou a produções com investimento estrangeiro. Robocop não foi o sucesso que os estúdios imaginavam, mas a parceria com a Netflix em Narcos deu muito certo. Dessa vez, ele é o principal produtor deste seriado brasileiro que trata de uma questão cara ao noticiário local. O Mecanismo tenta desbravar os meandros da investigação, ainda em andamento, da Operação Lava-Jato, baseando-se principalmente na obra Lava Jato – O Juiz Sérgio Moro e os Bastidores da Operação que Abalou o Brasil, do autor e jornalista Vladimir Netto.

    A série começa polêmica além do material de fonte, uma vez que Padilha — que dirige o piloto — é um sujeito que costuma utilizar muita narração em off, tal qual fez em Tropa de Elite e Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora é Outro. Na maior parte dos momentos, as narrações de Marco Ruffo (Selton Mello) e Verena Cardoni (Caroline Abras) soam fracas e expositivas demais. Em vários momentos, as falas antecipam cenas que comunicam por si só, e além disso, há uma tentativa de tornar os personagens da polícia em heróis infalíveis e até beatos, em especial o personagem de Mello, uma vez que Verena é sexualizada (e muito) no decorrer dos oito episódios. A questão da sexualidade também é controversa, herança essa de Narcos, que mostrava cenas sensuais abertamente. Aqui, elas são encaixadas de maneira gratuita, quase em exagero para mostrar que os personagens são humanos. A falta de sutileza, porém, quase soa ofensiva.

    A investigação da corrupção que move o Brasil começa por motivos pessoais. Ruffo é conhecido de longa data do doleiro Roberto Ibrahim, interpretado por Enrique Diaz em grandíssima fase e desempenho. Ele é claramente o paralelo com Alberto Youssef, e tal qual em Policia Federal: A Lei é Para Todos, seu personagem é um show à parte, já que todo o carisma que inexiste nos outros personagens, sobra nele. O sujeito espirituoso e corrupto destoa demais do protagonista, um sujeito ranzinza e paranoico, capaz de transmitir a mesma condição para Verena, sua pupila.

    Desde o piloto há um maniqueísmo absurdo, chegando ao cúmulo de Verena acenar para um dos vilões corruptos ao ver Marco quebrando a moto de um dos malfeitores. Nem antes e nem depois, a personagem mostrou ter um senso de humor apurado, uma cena composta para imitar certo humor americano, nada parecido com o que se faz no Brasil.

    Também é curioso a maneira como foi inserido a origem da série nos créditos. Citada muito rapidamente, em um frame rápido daqueles que, caso o publico pisque, poderá perder a referencia a Vladimir Netto. A escolha por utilizar tal fonte é interessante, uma vez que Padilha normalmente julga atitudes de políticos tanto a esquerda quanto a direita. Aliás, debocha de ambos, tanto de figuras como Michel Temer e Aécio Neves como as de Lula e Dilma Rouseff. Mas a escolha do material base claramente tem um viés bastante crítico aos anos do governo petista.

    As figuras históricas do PT — aqui chamado de Partido Operário — são mostradas de forma caricata e muito cínica, não são tão toscas quanto em Polícia Federal: A Lei é Para Todos, mas carecem de carisma igual as versões de Ary Fontoura e Cia. Interessante apontar que ator Arthur Khol, está presente em duas obras recentes envolvendo a política do país. Aqui interpreta João Higino, que é o paralelo com o ex-presidente Lula. Em  Real: O Plano Por Trás da História fez o ministro José Serra, à época ainda deputado. Mas diferente do papel do deputado, ele não imita os trejeitos do político, aliás, não chega a ser tão vingativo e rancoroso quanto o Lula de Fontoura, mas é cínico e sem o carisma que é peculiar ao político do ABC paulista.

    A trilha sonora é repleta de sucessos, como Bichos Escrotos dos Titãs e Você Me Deve dos Racionais MC. Porém, o problema é a execução delas em cena, atrelada aos homens que financiam as campanhas. A mira das críticas de ambas canções é bem diferente dessa visão maniqueísta e quase infantilizada construída pelo texto de  Elena Soarez e Padilha. Mesmo quando se debocha de figuras idolatradas pelos mais conservadores — como o representante do japonês da federal, mostrado como um policial incompetente — há um tímido julgamento sobre as ações da polícia. Fato que nos faz perguntar qual a intenção narrativa da série se comparada a composição de Tropa de Elite? Em Tropa, há uma desconstrução do papel dessas autoridades. Porém, aqui eles são os paladinos e, claro, aliados ao poder judiciário.

    A versão alternativa de Sergio Moro é vivida por Otto Junior e chamado de Paulo Rigo. Mostrado como um sujeito vaidoso, afirmação dita com todas as letras. No entanto, quando está em sua intimidade, o juiz é mostrado lendo uma revista de super-herói, com estampa de “O Vigilante”. Ou seja, a visão do seriado é clara: o personagem se enxerga como um justiceiro de histórias em quadrinhos, ainda que sua personificação não seja tão caricata quanto aquela vista na interpretação de Marcelo Serrado em Policia Federal, que também trata da Lava-Jato.

    Da parte dos diretores, Padilha é acompanhado por Daniel Rezende (Bingo: O Rei das Manhãs), Marcos Prado (Curumim e Paraísos Artificiais) e Felipe Prado (primeira vez como diretor, foi produtor de Tropa 2 junto a Marcos). A fotografia é assinada por Lula Carvalho e Azul Serra e a podridão do cenário abaixo do patamar político é muito bem exemplificado pelos aspectos técnicos.

    O cenário político é caótico, mas a série gasta seus minutos mais focada no núcleo policial em que há um problema terrível de concepção. O sujeito infiltrado, por exemplo, chamado de “contador capiau” (Osvaldo Mil) aparenta ser um sujeito não confiável desde o começo, surpreendendo como investigadores federais não perceberem a dubiedade de sua identidade, ainda mais com pistas tão evidentes, inclusive em relação ao seu local de origem, variando entre Rondônia e Londrina.  A situação é tão clamorosa que chega a ser cômica, assim como o plot twist envolvendo Ruffo e a metade da temporada. O roteiro de Soarez diverge demais do que Bráulio Mantovani e o próprio Padilha fizeram em Tropa de Elite. Se vê pouco ou nenhum apego a realidade tangível, mas sim muitos momentos de heroísmo maniqueísta.

    Em comum com Tropa de Elite 2, há o argumento, da parte dos acusados, de que as investigações contra corrupção só ocorrem por movimento político em época de eleições. Nesse ponto, o seriado acerta, uma vez que deveria haver o mesmo rigor tanto em momentos de eleição quanto em outros momentos.  A questão é que isso é muito pouco e a escolha de Padilha por contar sua historia com a investigação em andamento é igualmente discutível. Há o argumento de que o distanciamento faz com que a palavra evidencie os vencedores na narrativa, enquanto a proximidade temporal gera nuances únicas, e se evita o maniqueísmo, que por sua vez gera demonizações e heroísmos desnecessários. Fato é que a infantilidade encontrada tanto nas posições políticas quanto nas curvas dramáticas não combinam com essa fala. A historia segue, com uma epifania de Ruffo, digna de teóricos da conspiração, e ele percebe o obvio: uma rede de corrupção no Brasil, e isso o faz parecer frágil e redundante como uma criança que acaba de ser desmamada.

    O oitavo episódio termina com um gancho, para uma provável segunda temporada, mas seu desfecho é fraco e incorre novamente a questões pessoais com o clássico Juízo Final, interpretado por Seu Jorge, exibido em cena, versão essa já utilizada em outro trabalhos de Padilha. Tem-se a impressão que o destino do país está nas mãos de investigadores cujas intimidades são frágeis. A ideia de fraqueza geral e o ceticismo do povo que os produtores desejam passar é bem diluída em meio a tentativa de soar neutra, fato que obviamente fracassa. O Mecanismo ao menos tem um bom ritmo, provavelmente causando no público a vontade de maratonar os episódios super movimentados. Mas ainda soa como um novelão sem compromisso com a realidade, ao contrario dos outros produtos do diretor.

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  • Crítica | Feliz Natal

    Crítica | Feliz Natal

    Feliz Natal foi a estreia de Selton Mello como diretor e um dos mais importantes filmes de 2008. O drama acompanha Caio – interpretado por Leonardo Medeiros – e sua família, que desmorona um pouco mais a cada dia. Ao deixar sua esposa cuidando de seu ferro-velho, a personagem vai passar o Natal com os familiares depois de anos sem vê-los. É partir desta noite que conhecemos e entendemos todas as problemáticas que circunda o passado dessas pessoas.

    O filme é nada mais nada menos do que um grande palco, com um elenco de peso e em grande parte muito afiado. Mello que também montou o filme ao lado de Marilia Moraes faz com que cada personagem tenha um momento de destaque, e nesse caso, de estouro. É comum que atores e atrizes que embarcam no trabalho atrás das câmeras priorizem performances. Aqui elas funcionam bem demais em alguns momentos, sendo o principal deles a festa de Natal. Em uma montagem rápida e uma câmera nervosa, o personagem de Caio vai desencadeando conflitos por toda a casa e um plano sequência fenomenal protagonizado por Darlene Glória conclui o trecho.

    A personagem dela e a festa, inclusive, são os maiores atrativos do longa. Depois disso, a produção entra numa monotonia desagradável. Os planos aproximando e distanciando dos personagens são belíssimos e a iluminação mínima cria uma estética interessante, mas a proposta do diretor em criar situações para todos seus astros brilharem soa como revezamento e nunca como continuidade. E tal impressão se mantém até o desfecho. A escolha de caminhar entre a culpa de seu personagem principal e os segredos e problemas de sua família sem grandes explicações ajuda a dar fôlego para a narrativa, porém em um ponto da jornada já sabe-se os motivos de alguns personagens serem como são e o longa perde o interesse.

    O final, pelo menos, tem bons momentos. A história ganha uma justificativa e as consequências são tão bem filmadas quanto simbólicas, além de trazer de volta a aura de “tragédia familiar” que o filme devia ter seguido desde a festa de Natal. Por fim, Feliz Natal é uma grande estreia para Mello e deixa claro que o ator e diretor tem assinatura e estilo. Além de saber criar bons momentos para as performances de seu elenco, ele também não peca em seus temas, mas é uma pena que o filme se perca em sua própria estrutura e acabe falando muito sem falar quase nada.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

    https://www.youtube.com/watch?v=6ulIDyktic8

  • Crítica | O Filme Da Minha Vida

    Crítica | O Filme Da Minha Vida

    Terceiro longa dirigido por  Selton Mello, O Filme da Minha Vida é uma adaptação do livro Um Pai de Cinema, de Antonio Skarmeta, e remonta as décadas passadas, se situando entre os anos sessenta e setenta, contando a história de Tony Terranova, vivido por um Johnny Massaro, que tenta a todo custo emular as características de Louis Garrell. O lugar escolhido para contar sua história é Remanso, na Serra Gaúcha, e as planícies sulistas ajudam estabelecer uma atmosfera introspectiva semelhante a alguns filmes italianos recentes.

    A narração em off corre o filme quase inteiro, e ajuda a estabelecer todo o ideário de Tony. É nela que se percebe a proximidade emocional que ele tem com seu pai, Nicolas, vivido por Vincent Cassell. Quando garoto, os parentes eram extremamente próximos, e na vida adulta, após voltar dos estudos que fez, ele percebe a partida de seu pai para seu país de origem, deixando o jovem sem o principal referencial masculino em sua vida, usando assim a presença de Pablo (Mello), um grande e antigo amigo de sua família, que por sua vez, também carrega alguns segredos obscuros.

    Tony é obcecado por uma dupla de irmãs, Luna (Bruna Linzmayer) e Petra (Bia Arantes). Cada uma delas possui uma beleza diferente mesmo que sejam cativantes ao seu modo, ainda que com uma profundidade limitada em seus papéis. Além disso, um dos destaques significantes dentro desse núcleo familiar é o papel do irmão mais das irmãs, Augusto, vivido por João Pedro Prates.

    A questão primordial do longa é que ele se baseia em uma ponto-chave dramático e polêmico. Há uma exploração bastante novelesca, lembrando demais os folhetins antigos publicados em papéis preto e branco e de qualidade duvidosa. A tentativa de valorizar o drama com uma bela fotografia não consegue esconder a falta de um desenvolvimento mínimo por parte dos personagens periféricos, especialmente por parte de Pablo, interpretado pelo diretor, que parece estar lá basicamente para desenvolver mais um sotaque genérico e apresentar uma boa forma física. Por sinal, os embates de Tony com essa figura quase paterna incluem uma cena de embate bastante risível, dado a sequência de enquadramentos bastante confusa.

    As explicações ligadas ao abandono de Nicolas a sua família não fazem qualquer sentido e não há qualquer esforço do argumento em tentar justificar isso. Apesar de conter em si muitas semelhanças com O Palhaço e em menor grau com Feliz Natal, O Filme da Minha Vida não consegue repetir o mesmo êxito de suas obras anteriores.

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  • Crítica | Uma História de Amor e Fúria

    Crítica | Uma História de Amor e Fúria

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    O Brasil não é um país com um histórico forte em animação. Em 1996 foi produzido Cassiopeia, filme em 3D feito no mesmo ano do primeiro Toy Story, mas pouca coisa foi feita desde então, o que torna surpreendente a excelência técnica de Uma História de Amor e Fúria.

    O longa é a estreia na direção de Luiz Bolognesi, roteirista de Chega de Saudades e As Melhores Coisas do Mundo, e acompanha um homem (dublado por Selton Mello) ao longo de 600 anos de história, enquanto ele se encontra e desencontra de sua amada Janaína (Camila Pitanga). Anteriormente chamado Lutas, o filme salta através de momentos importantes da história do Brasil e termina com uma visão distópica do Rio de Janeiro em 2096.

    É um roteiro pretensioso e reside aí o maior problema do filme. A narrativa começa com o conflito entre os tupinambás e os colonizadores portugueses, em seguida salta para a Balaiada (revolta de escravos que ocorreu no Maranhão no século XIX), o movimento estudantil de resistência a ditadura e por último para o ficcional grupo terrorista que busca democratizar o acesso à água, tornada o bem mais caro do mundo no futuro. Ao condensar quatro pequenas histórias em um filme que tem menos de uma hora e meia, Bolognesi planifica seus personagens e os transforma em estereótipos.

    O protagonista e Janaína se tornam símbolos da luta contra a opressão e advogados da liberdade, mas não são nada além disso. Esse tipo de arquétipo, unido a história de amor imortal e as excelentes sequências de ação, funciona talvez com o público juvenil, mas Uma História de Amor e Fúria é também uma animação para adultos e assim, tanto os personagens como os diálogos acabam soando rasos e bastante ingênuos.

    Outro problema é que o filme parece uma aula de história da oitava série: não há ambiguidades, a divisão entre oprimidos-bons e opressores-maus é absoluta e a história é inevitavelmente contada pelos vencedores. Há certamente um mérito nessa posição e na vontade de Bolognesi de explorar o outro lado da história brasileira, mas de novo, tudo se torna raso e superficial quando não existem zonas de cinza ou quando a vida interior dos personagens se resume à sua vontade de lutar. Esse maniqueísmo diminuí um pouco na última história, passada no futuro, que é de longe a melhor parte do filme.

    Visualmente Uma História de Amor e Fúria é impressionante:  o traço estilizado dos personagens e o detalhamento dos ambientes funciona muito bem. A trilha sonora, original em sua maior parte, mas com participação de bandas como Nação Zumbi, também é extremamente bem usada e reforça a sensação de que as sequências de ação são o ponto alto do longa. No entanto, a sensação final é de um filme com pontos fortes e que poderia ter ganhado muito se tivesse menos ambições, mas acabou um tanto plano, ingênuo e inseguro de seu público alvo.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.