Tag: Marçal Aquino

  • Review | Carcereiros – 1ª Temporada (Parte 1)

    Review | Carcereiros – 1ª Temporada (Parte 1)

    Série baseada na obra de Drauzio Varella e herdeira espiritual de Carandiru, ainda que tenha uma temática mais atual, Carcereiros mistura momentos de ficção com relatos reais e entrevistas. No piloto, ocorre uma rebelião em um dos pavilhões do presídio, e que não demora muito a contaminar os outros setores. Sobra para Adriano (Rodrigo Lombardi) trazer o filho de Engenheiro (Thogun Teixeira) em segurança até esse local, já que se não o fizer em 24 horas, matarão outro funcionário, Valdir, interpretado pelo veterano Tony Tornado. Adriano seguiu os passos de seu pai, Tiberio, vivido por Othon Bastos, se tornando também um agente da lei que trata do dia dos presos.

    O programa de Marçal Aquino, Fernando Bonassi e Dennison Ramalho tem direção artística de José Eduardo Belmonte e estrearia ano passado, mas devido a casos extremos de violência ocorridos em uma penitenciária no Espírito Santo passou somente no streaming, sendo adiada até junho de 2018 na TV aberta. Os episódios tem pouco mais de 30 minutos, e são autossuficientes, se resolvem no próprio capítulo, normalmente, embora haja claramente uma cronologia a ser observada.

    A música de abertura do programa é do Rapper Projota, que além de trazer um ritmo atual e elaborado, também há a participação do músico como ator. O seriado se vale de imagens do documentário Diários da Tranca, mostrando pessoas reais falando, misturando com os relatos dos personagens. “Se o preso pedir na rua pra matar um agente, o sujeito simplesmente morre”, “O agente penitenciário não pode dormir de costas pra porta”, como é dito por alguns dos personagens focados em tela, e esse tipo de perigo apesar de absurdo é bem comum a vida de quem entra e sai todos os dias dos presídios.

    Em alguns pontos, as inserções de pessoas reais quebra um pouco o ritmo dos capítulos, partes que deveriam emocionar soam burocráticas pela quebra narrativa. Para além disso, há outros defeitos, em especial na parte do roteiro, em um episódio se arranha a superfície no assunto ligado aos crimes do colarinho branco, revelando em boa parte dos trabalhadores que estão empregados na rede carcerária uma mentalidade bastante simplista. “Deputados e senadores devem ter a possibilidade de viver no dia a dia da cadeia, pra sofrer o mesmo que o preto, nordestino e o pobre sofre”, tal fala é Juscelino, personagem de Ailton Graça. Isso na teoria é exemplar, mas só engana quem não se informa minimamente dado o quão raso tais coisas são tratadas dentro do capítulo em questão.

    A série tenta ser pragmática e realista e as vezes soa um pouco irreal, mas nada absurdo. Há inclusive demonstrações de pessoas que trabalham no sistema carcerário e se corrompem, dada a tentação que é ocorrida ali. Aos poucos, Adriano sobe de cargo e se torna uma das lideranças entre os trabalhadores, e tanto a atuação de Lombardi quanto os roteiros conseguem fluir bem e servem à trajetória do personagem. A série que seria feita para Domingos Montagner é muito bem conduzida pelo protagonista substituto, um personagem rico, com detalhes interessantes de sua intimidade e um final acachapante, repleto de reviravoltas, mostrando que Adriano não é um personagem perfeito, e sim falível, humano.

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  • Crítica | Nina

    Crítica | Nina

    O mote do livro Crime e Castigo, de Fiódor Dostoiévski, é justamente o poder da consciência humana atuando sobre aquilo que é certo, e errado, na cadência das nossas vidas. Num contexto ainda mais urbano, e principalmente contemporâneo, Heitor Dhalia reavaliou em 2004 os conceitos da clássica obra soviética num apartamento de classe média brasileira, onde a jovem Nina (Guta Stresser), de personalidade difícil e intensa, vive uma vida conturbada junto a Dona Eulália, uma locatária exigente e controladora. Disso, forma-se uma convivência de indiferença, típica de cidade grande entre proprietário e inquilino, com claros sinais de hecatombe a qualquer momento; sensação essa extremamente presente nos filmes-gatilho de Dhalia.

    Quem viu O Cheiro do Ralo, ótimo exemplo com Selton Mello antes do ator ousar trilhar seus caminhos como diretor (se dando bem somente em O Palhaço) já notou o viés surrealista e misterioso que os filmes dele, quase que de uma forma inevitável, carregam desde o cerne das suas histórias até a forma vibrante que elas tomam, em tela. Abusando de paletas de cores mais frias e uma ambientação intimista pra isso, quase que kafkaniana nos sentidos mais amplos da palavra (o artista tem uma clara influência dos grandes escritores melancólicos), Nina revela-se um filme introspectivo não só em tema e visual, mas na constante apreensão que deles vertem, resultando num filme desavergonhadamente denso, noturno e caótico, ainda que seja um caos calado e bem representado, entre personagens desconectados entre si.

    O que realmente interessa no primeiro filme de Dhalia são as personagens, sendo elas as donas de um filme bastante humilde em suas intenções, e inocente no que usa para atingi-las, como o irreverente e inesperado casal que se forma entre a protagonista e um cego que ela acha na rua, vivido aqui por Wagner Moura. Denota-se assim a redenção que ela, após ter feito um ato de maldade consciente com o gato de Dona Eulália, aceita da vida, do destino que oferece-a uma chance de fazer o bem após a vilania proposital contra o pobre bichano. São essas personas, meros fantoches da vida e seus acasos que dá gosto de acompanhar ao longo de uma trama que não acha espaço para excessos, mas para acompanhar com curiosidade e uma certa acidez de significados os caminhos de pessoas comuns pelas ruas de uma metrópoles cinza e muitas vezes sem dignidade como São Paulo consegue ser com seus habitantes.

    Procura-se alguma leveza e alguma redenção na moral de uma história sobre desigualdade e culpa social, invadindo o que tem de humanidade nesses personagens desconectados, entre si: Em Nina, na velha, no cego, na prostituta… peões de um jogo perturbador onde cada movimento errado num tabuleiro de crueldades custa um pouco da sanidade, e da consciência limpa de cada um. Nina é a dramatização interessante de uma melancolia urbana solitária que muitos de nós já sentimos, e que teima a nos remoer. No caso, a moldar as próprias loucuras adjacentes de uma mulher sozinha e presa a uma ambientação (produto do meio, sobretudo) que não lhe dá nenhuma esperança, e que por isso mesmo, a induz a tomar soluções que dialogam com a própria obra duradoura de um Franz Kafka, ou de um Dostoiévski, e o próprio cinema de Heitor Dhalia propriamente dito. O cineasta não tem medo de enfiar o pé no drama pesado de vez, e se dá bem nos interesses que rondam o bom debute do seu estilo.

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  • Crítica | Ação Entre Amigos

    Crítica | Ação Entre Amigos

    O método de edição escolhido por Mingo Gattozzi demonstra como Ação Entre Amigos é diferente dos seus pares, já que seus créditos iniciais são exibidos como se fossem parte do relatório de uma das autoridades militares que estavam no poder em 1971. O filme é construído como um episódio antigo, mas é abordado de uma forma vanguardista, ao contrário do resto da iconografia típica do cinema brasileiro dos anos 90.

    O presente mostrado em tela apresenta um grupo de amigos de meia-idade, já em uma fase decadente de suas vidas, relembrando momentos dos seus melhores dias, quando as ideologias eram muito mais presentes em suas ações, do que em suas idéias. A reunião é convocada por Miguel (Zé Carlos Machado), que teria descoberto um antigo torturador do seu grupo revolucionário, 25 anos após o aprisionamento dele e dos seus.

    Miguel tem seu grito abafado por seus amigos, que ou não acreditam no fato do sujeito ainda estar vivo, uma vez que os jornais noticiaram a sua morte, ou não querem remexer em todo o passado, arriscando-se mais uma vez, já que a o peso da idade e da maturidade os obriga a pensar de modo menos instintivo e mais racional. A revolta toma Miguel, que não consegue esquecer o que sofreu, nem se conformar com isso, possivelmente até cedendo à paranoia típica dos anos de chumbo.

    O extremismo dos ativistas é discutido no núcleo dos anos setenta. Lúcia (Melina Anthís) tenta convencer seu parceiro sexual de parar com a luta armada e resolve fugir com Miguel, ainda jovem (encenado por Rodrigo Brassalto), já que ela espera um bebê dele. O aborto para ela é um preço demasiadamente alto a pagar, mesmo com a luta e com a revolução que eles tencionavam instaurar a qualquer custo. Com alguns pontos semelhantes ao raciocínio sofista, os guerrilheiros normalmente não se envolviam com seus colegas exatamente para não cair na tentação de abrir mão da revolução.

    Em 1996, Miguel segue com as suas suspeitas e, em uma reunião com seus três amigos, mostra os dados que reuniu, sendo mais uma vez  demovido de suas ideias. Em uma pescaria, ele resolve parar um instante para verificar o túmulo do sujeito e de sua esposa. Os membros do grupo, já adultos, têm a calvície em comum, exceto – obviamente – Miguel, talvez em uma referência visual à rebeldia e juventude ainda presentes na vida do personagem, enquanto os outros se permitiram envelhecer, tentando apagar de suas identidades as marcas da dor e do cárcere a que foram submetidos.

    Como era de se esperar, o líder do grupo estava certo, descobrindo o paradeiro do ex-militar, que é pego em uma rinha de galo, um dos seus muitos pecados antigos. Os quatro encontram a propriedade do sujeito, um lugar enorme, fruto do sangue de muitos dos ativistas, onde vive com uma identidade nova. O revanchismo dentro do grupo era muito mais pessoal que político, movido pela emoção e com a mesma animosidade que os impedia de traçar um plano à prova de falhas.

    O quarteto se divide, e somente três vão atrás do objetivo. O acerto de contas com o aposentado senhor ocorre sob protestos do idoso soldado, que declarava que aqueles eram tempos de guerra. Essa era mesma fala dita nos anos setenta, quando suas atitudes eram extremas, o que, claramente, não justifica o que ele fez a Miguel e aos outros.

    O sentimento de vingança do protagonista o faz ficar cego e ir atrás do suposto delator. A sede de justiça passa dos limites, fazendo-o atentar contra o covarde que os deixou. O roteiro de Marçal Aquino, Brant e Renato Ciasca acaba trágico, validando até alguns dos pontos do acordo de anistia, que obviamente precisava ser revista, mas que tem pontos cruciais para as resoluções dos problemas do grupo. Beto Brant não tem qualquer receio em demonstrar suas influências estilísticas estrangeiras de Quentin Tarantino, Martin Scorsese e Michael Mann. Em seu drama, é aventando o ódio desmedido, tão perigoso quanto a omissão e a falta de coragem de abrir os inconvenientes segredos pecaminosos entre os ditos amigos. Um thriller repleto de ansiedade, cujo fôlego impressiona por não se perder em nenhum momento.

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