Tag: Guta Stresser

  • Crítica | Antes Que Eu Me Esqueça

    Crítica | Antes Que Eu Me Esqueça

    Antes Que Eu Me Esqueça é um drama familiar, envolvendo o senhor Polidoro, ex-juiz de 80 anos que é encarado por uma das filhas como senil e incapaz de gerir a própria fortuna. Essa possível herdeira entra com um processo de interdição, para conseguir os espólios antes de sua morte, no entanto, a lei exige que seu outro filho, Paulo, testifique a favor da irmã, e assim, pai e filho têm de travar contato novamente, assistido é claro por uma testemunha, a advogada Maria Pia (Mariana Lima).

    José de Abreu e Danton Mello vivem uma relação bastante conflituosa como pai e filho e isso é mostrado em tela, com uma forte tensão entre os dois, visível mesmo sem que ambos verbalizem o incômodo que um faz ao outro. Ao menos nesse começo eles são distantes, e se comunicam por conveniência clara, com o pai querendo provar que está saudável e o filho querendo utilizar o piano para ensaiar para o teste de uma orquestra.

    A riqueza da trama certamente são os cenários pouco usuais para uma história que tem a trilha de um piano de calda clássico como principal mote. A música de Paulo em nada combina com o ambiente salutar da casa Poligamia – ou Polygamus, segundo o letreiro novo em latim – casa de tolerância que veio a se tornar uma “casa de danças”, depois que o juiz decide virar sócio dessa boate.

    Os últimos momentos do filme tem uma queda de qualidade, inclusive incorrendo em um certo melodrama, proveniente da relação tardia entre os personagens que no começo da trajetória, estavam separados e finalmente se entendem, ainda assim, o conjunto de personagens periféricos funcionam muito bem, por mais caricato que Guta Stresser, Dedé Santana e outros intérpretes exercem, tornando esse Antes Que Eu Me Esqueça um filme bastante terno e interessante.

    Facebook – Página e Grupo | Twitter Instagram.

  • Crítica | Nina

    Crítica | Nina

    O mote do livro Crime e Castigo, de Fiódor Dostoiévski, é justamente o poder da consciência humana atuando sobre aquilo que é certo, e errado, na cadência das nossas vidas. Num contexto ainda mais urbano, e principalmente contemporâneo, Heitor Dhalia reavaliou em 2004 os conceitos da clássica obra soviética num apartamento de classe média brasileira, onde a jovem Nina (Guta Stresser), de personalidade difícil e intensa, vive uma vida conturbada junto a Dona Eulália, uma locatária exigente e controladora. Disso, forma-se uma convivência de indiferença, típica de cidade grande entre proprietário e inquilino, com claros sinais de hecatombe a qualquer momento; sensação essa extremamente presente nos filmes-gatilho de Dhalia.

    Quem viu O Cheiro do Ralo, ótimo exemplo com Selton Mello antes do ator ousar trilhar seus caminhos como diretor (se dando bem somente em O Palhaço) já notou o viés surrealista e misterioso que os filmes dele, quase que de uma forma inevitável, carregam desde o cerne das suas histórias até a forma vibrante que elas tomam, em tela. Abusando de paletas de cores mais frias e uma ambientação intimista pra isso, quase que kafkaniana nos sentidos mais amplos da palavra (o artista tem uma clara influência dos grandes escritores melancólicos), Nina revela-se um filme introspectivo não só em tema e visual, mas na constante apreensão que deles vertem, resultando num filme desavergonhadamente denso, noturno e caótico, ainda que seja um caos calado e bem representado, entre personagens desconectados entre si.

    O que realmente interessa no primeiro filme de Dhalia são as personagens, sendo elas as donas de um filme bastante humilde em suas intenções, e inocente no que usa para atingi-las, como o irreverente e inesperado casal que se forma entre a protagonista e um cego que ela acha na rua, vivido aqui por Wagner Moura. Denota-se assim a redenção que ela, após ter feito um ato de maldade consciente com o gato de Dona Eulália, aceita da vida, do destino que oferece-a uma chance de fazer o bem após a vilania proposital contra o pobre bichano. São essas personas, meros fantoches da vida e seus acasos que dá gosto de acompanhar ao longo de uma trama que não acha espaço para excessos, mas para acompanhar com curiosidade e uma certa acidez de significados os caminhos de pessoas comuns pelas ruas de uma metrópoles cinza e muitas vezes sem dignidade como São Paulo consegue ser com seus habitantes.

    Procura-se alguma leveza e alguma redenção na moral de uma história sobre desigualdade e culpa social, invadindo o que tem de humanidade nesses personagens desconectados, entre si: Em Nina, na velha, no cego, na prostituta… peões de um jogo perturbador onde cada movimento errado num tabuleiro de crueldades custa um pouco da sanidade, e da consciência limpa de cada um. Nina é a dramatização interessante de uma melancolia urbana solitária que muitos de nós já sentimos, e que teima a nos remoer. No caso, a moldar as próprias loucuras adjacentes de uma mulher sozinha e presa a uma ambientação (produto do meio, sobretudo) que não lhe dá nenhuma esperança, e que por isso mesmo, a induz a tomar soluções que dialogam com a própria obra duradoura de um Franz Kafka, ou de um Dostoiévski, e o próprio cinema de Heitor Dhalia propriamente dito. O cineasta não tem medo de enfiar o pé no drama pesado de vez, e se dá bem nos interesses que rondam o bom debute do seu estilo.

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.