Tag: wagner moura

  • Crítica | Marighella (2019)

    Crítica | Marighella (2019)

    Marighella é um projeto envolvido em polêmica desde sua concepção. Por contar a história do revolucionário Carlos Marighella, refletindo certa censura por parte dos atuais governantes, o filme teve adiamentos, dificuldades para programar sua estreia em terras brasileiras e, por fim, o longa de Wagner Moura acabou sofrendo um mal semelhante ao de Tropa de Elite, vazando antes da estreia. Independente da programação, o filme finalmente pôde ser apreciado pelo espectador brasileiro.

    O início do filme não nega a necessidade de ser um produto comercial, sedutor para as massas, fácil de digerir como Cidade de DeusTropa de Elite 2: O Inimigo Agora é Outro. Para isso, as primeiras cenas mostram de um roubo de trem, um resumo das ações de guerrilha urbana, que davam conta de expropriar o que era do povo e o que era utilizado para fortalecer o regime militar. O simbolismo do roteiro é bem explícito, uma vez que o assalto ocorre ao som de Monólogo ao Pé do Ouvido de  Chico Science, que dá a dimensão de quem é o personagem, colocando Marighella ao lado dos Panteras Negras, Lampião, Carlos Zapata e outros libertadores do povo latino americano. Nesse aspecto, texto de Moura e Felipe Braga acerta. A dimensão é rapidamente transmitida e o filme não tem qualquer receio em poetizar a intimidade do ativista.

    A linha do tempo é repleta de idas e vindas, especialmente no começo. A montagem de Lucas Gonzaga emprega uma ritmo que prima pela modernidade, semelhante a que fez em 2 Coelhos, embora não seja tão estilizada. A aura de homem com habilidades sobre humanas é bem enquadrada, assim como a visão de Marighella como terrorista por seus opositores, apresentando as visões da época sobre o personagem central.

    A questão do vazamento é curiosa e oportuna. Um dos produtores, Fernando Meirelles, pediu para que as autoridades se mobilizem para investigar o fato. Porém, em tempos de popularidade alta para obras como Os 7 de Chicago e Judas e o Messias Negro, ambos com heróis pretos vencendo adversidades e sendo crucificados pelo sistema, seria natural também apreciar o drama protagonizado por Seu Jorge, aliás, está bastante inspirado. Ainda assim, os filmes citados estão longe de ser tão incisivo, direto e realista quanto esta produção, que além de fugir da representação vazia de um revolucionário, ainda levanta o viés marxista como a alternativa para a ascensão do povo como soberano, especialmente em relação a um governo fascista que paga com sangue a revolta justa de seu povo.

    O filme foi acusado de parecer posado com frases feitas em excesso. De fato, há momentos mais estéticos. Seus personagens são arquetípicos da época, mas a entrega do elenco aplaca essa sensação. Bruno Gagliasso, por exemplo, faz um agente da repressão absurdamente cruel e crível ao mesmo tempo. Seu Lúcio, apesar de fictício, lembra bons momentos dos interpretes de Sérgio Fleury, o famoso agente do DOPS que já foi retratado tantas vezes no audiovisual. Ainda assim se  percebe um ineditismo na abordagem, pois ele parece de fato um idealista, um sujeito escroque, mas guiado por uma ideologia vil e que se torna ainda mais perigosa por se achar correta.

    As cenas do revide revolucionário são certeiras. Não só dão oportunidade aos atores Humberto Carrão, Henrique Vieira, Herson Capri e Luiz Carlos Vasconcelos, como mostram uma maturidade na direção de Moura que consegue prender a expectativa em uma história que equilibra o real e escapismo. Mesmo que se apele um pouco para teatralidade,  a jornada dos companheiros do herói é, na maioria das vezes, de dar nó na garganta. boa parte disso se dá pelo trabalho da preparadora de elenco Fátima Toledo, que mais uma vez dá dimensões reais a uma história tipicamente brasileira.

    O desfecho de Marighella o mostra não como um herói ou como protagonista da luta pela democracia no país. e sim como uma ideia imortal da ascensão do proletariado.  Através desse filme, a questão é apresentada de maneira popular, conduzida em uma estética universal e também voltada para o mercado internacional. Enfim, o legado do personagem recebe a justiça que lhe foi tirada por escroques aproveitadores que se diziam defensores da pátria e que, na verdade, foram vendidos desonestos que se lambuzaram na lama e no poder. Finalmente é feita justiça, ainda que só em tela, na inspiradora cena final do elenco cantando o hino brasileiro, como um grito entalado na garganta, um bradar que mira a justiça e a preocupação com um país que sofreu calamidades nos anos sessenta e que ainda sofre com outros agravantes e outros cenários. Ter um filme tão bem produzido e de fácil acesso é ótimo para desmistificar as mentiras ditas pelos que mereciam estar na sarjeta da história.

  • Crítica | Sergio

    Crítica | Sergio

    Sergio é a adaptação da biografia do diplomata brasileiro Sergio Vieira de Melo, o alto comissionário dos Direitos Humanos da ONU, que foi brutalmente assassinado em um ataque terrorista na década passada. O drama de Greg Barker começa em Bagdá, no ano de 2003, num cenário de terra arrasada, onde predomina o cinza, fumaça e poeira, onde Carolina (Ana de Armas) está tentando se salvar além de tentar tirar seu amado dos escombros.

    O filme volta três meses no tempo, mostra um mundo a beira do colapso, com a invasão dos Estados Unidos ao Estado do Iraque, incluindo menções visuais ao real George W. Bush e a queda da estátua de Saddam Hussein.

    O filme se dedica a mostrar um Vieira de Mello já maduro, como funcionário da Organização das Nações Unidas, um homem idealista, resoluto e apaixonado pelo que faz. Esse tipo de cinebiografia, que resgata um retrato da vida dos homens é mais fácil de consumir e de construir  em torno de si uma trama coesa, e Barker sabe bem da onde partir, já que em 2009, ele lançou o documentário Sérgio, um brasileiro no mundo.

    A forma como a historia transcorre é não linear, mostra o dia a dia do protagonista em diferentes lugares do mundo, e em meio a elas, há também as conseqüências da bomba que estourou perto de si, emulando a condição muitas vezes associada a quem quase passou por perigo de morte, usando a crença popular de que a vida passa pelos seus olhos momentos antes de partir. Razão e sentimento andam juntos nessa inteligente abordagem do causo de Mello.

    Barker conduz de maneira bem bonita a historia de seu amigo, e Wagner Moura também consegue apresentar facetas bem diferenciadas e até contraditórias de um homem manso e importante para a função da diplomacia mundial. Há muita nobreza em Sergio, nos aspectos  já citados e na atuação de Ana de Armas, que supera inclusive as suas belas feições, resultando numa entrega muito apaixonada a um personagem de carne e osso. O filme acaba por soar como uma ode a vida, que pode ser abreviada pela força das circunstancias, além de refletir bem sobre injustiças, política internacional, a guerra fútil em torno de petróleo e outras mercadorias e sobre a entrega idealista a uma causa, Sergio Vieira de Mello inclusive aparece próximo dos créditos finais, combinando demais com sua versão cinematográfica, findando de maneira lírica esta adaptação de seus últimos dias.

  • Crítica | Nina

    Crítica | Nina

    O mote do livro Crime e Castigo, de Fiódor Dostoiévski, é justamente o poder da consciência humana atuando sobre aquilo que é certo, e errado, na cadência das nossas vidas. Num contexto ainda mais urbano, e principalmente contemporâneo, Heitor Dhalia reavaliou em 2004 os conceitos da clássica obra soviética num apartamento de classe média brasileira, onde a jovem Nina (Guta Stresser), de personalidade difícil e intensa, vive uma vida conturbada junto a Dona Eulália, uma locatária exigente e controladora. Disso, forma-se uma convivência de indiferença, típica de cidade grande entre proprietário e inquilino, com claros sinais de hecatombe a qualquer momento; sensação essa extremamente presente nos filmes-gatilho de Dhalia.

    Quem viu O Cheiro do Ralo, ótimo exemplo com Selton Mello antes do ator ousar trilhar seus caminhos como diretor (se dando bem somente em O Palhaço) já notou o viés surrealista e misterioso que os filmes dele, quase que de uma forma inevitável, carregam desde o cerne das suas histórias até a forma vibrante que elas tomam, em tela. Abusando de paletas de cores mais frias e uma ambientação intimista pra isso, quase que kafkaniana nos sentidos mais amplos da palavra (o artista tem uma clara influência dos grandes escritores melancólicos), Nina revela-se um filme introspectivo não só em tema e visual, mas na constante apreensão que deles vertem, resultando num filme desavergonhadamente denso, noturno e caótico, ainda que seja um caos calado e bem representado, entre personagens desconectados entre si.

    O que realmente interessa no primeiro filme de Dhalia são as personagens, sendo elas as donas de um filme bastante humilde em suas intenções, e inocente no que usa para atingi-las, como o irreverente e inesperado casal que se forma entre a protagonista e um cego que ela acha na rua, vivido aqui por Wagner Moura. Denota-se assim a redenção que ela, após ter feito um ato de maldade consciente com o gato de Dona Eulália, aceita da vida, do destino que oferece-a uma chance de fazer o bem após a vilania proposital contra o pobre bichano. São essas personas, meros fantoches da vida e seus acasos que dá gosto de acompanhar ao longo de uma trama que não acha espaço para excessos, mas para acompanhar com curiosidade e uma certa acidez de significados os caminhos de pessoas comuns pelas ruas de uma metrópoles cinza e muitas vezes sem dignidade como São Paulo consegue ser com seus habitantes.

    Procura-se alguma leveza e alguma redenção na moral de uma história sobre desigualdade e culpa social, invadindo o que tem de humanidade nesses personagens desconectados, entre si: Em Nina, na velha, no cego, na prostituta… peões de um jogo perturbador onde cada movimento errado num tabuleiro de crueldades custa um pouco da sanidade, e da consciência limpa de cada um. Nina é a dramatização interessante de uma melancolia urbana solitária que muitos de nós já sentimos, e que teima a nos remoer. No caso, a moldar as próprias loucuras adjacentes de uma mulher sozinha e presa a uma ambientação (produto do meio, sobretudo) que não lhe dá nenhuma esperança, e que por isso mesmo, a induz a tomar soluções que dialogam com a própria obra duradoura de um Franz Kafka, ou de um Dostoiévski, e o próprio cinema de Heitor Dhalia propriamente dito. O cineasta não tem medo de enfiar o pé no drama pesado de vez, e se dá bem nos interesses que rondam o bom debute do seu estilo.

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Review | Narcos – 2ª Temporada

    Review | Narcos – 2ª Temporada

    narcos_s2_coffin_por

    Após o reencontro entre José Padilha e Wagner Moura na primeira temporada de Narcos, na qual mostrou a ascensão e poder de Pablo Escobar (Moura) e o cartel de Medellín, a segunda temporada, retoma a trama exatamente onde a primeira terminou, com a fuga de Pablo da prisão, relatando o completo declínio e derrocada de seu império, culminando com a sua morte. Não sem antes fazer um relato preciso de uma das tantas histórias existentes não só na Colômbia, mas da América Latina, típica da obra de Gabriel García Márquez, caracterizado pela presença de elementos fantásticos dentro da realidade dura da vida cotidiana. A história de Escobar tem muito do realismo mágico, já que sua trajetória beira o absurdo e o surreal, afinal, entre seus feitos estão a criação de sua própria prisão, um zoológico particular em sua mansão, a explosão de um avião comercial, a morte de três candidatos à presidência, além de jornalistas e outros políticos.

    O realismo mágico novamente ganha terreno fértil nesta segunda temporada, continuando a mesclar um enredo semi-ficcional com fatos e personagens reais da caçada ao líder do Cartel de Medellín, sempre sob o ponto de vista do agente da DEA (Drug Enforcement Administration – Agência federal do Departamento de Justiça dos Estados Unidos encarregado da repressão e combate ao narcotráfico), Steve Murphy (Boyd Holbrook) – O narrador da história.

    A trama se encarrega a desenvolver, principalmente sob a ótica dos Estados Unidos, por meio do DEA, a realidade colombiana, apesar de incluir atores-chave importante no conflito, como o próprio Estado, os narcotraficantes, a guerrilha, e finalmente, os grupos paramilitares. Ator político esquecido na primeira temporada, mas que finalmente passa a ter um papel fundamental no cenário colombiano.

    narcos-pablo

    A série continua a demonstrar a ineficiência da política de combate as drogas norte-americana, e aqui, a obsessão anticomunista perde seu peso, diante da queda da União Soviética. Importante reforçar como essa política dá os rumos do Estado colombiano até os dias de hoje, culminando no referendo pelo acordo de paz com a FARC. Fato este relacionado ao fortalecimento dado aos grupos paramilitares de extrema-direita pelo próprio Estado colombiano como também ao apoio direto dos EUA.

    Além dos grupos paramilitares, aqui representados pelos irmãos Castaño, a participação do Cartel de Cali aumenta consideravelmente, principalmente com a união desses atores para a criação do grupo justiceiro Los Pepes (abreviação de Perseguidos por Pablo Escobar), com a participação da polícia colombiana e agentes norte-americanos.

    Interessante notar como os diretores dos episódios conseguem construir uma narrativa visual da degradação de Pablo e sua família, se antes, em muitos momentos Pablo dividia planos com sua família, aqui pouco a pouco ele passa a aparecer apenas em enquadramentos fechados. A fotografia saturada em tons amarelos e vermelhos traz um pouco do clima colombiano, como também da violência existente e o perigo constante na trama.

    narcos-escobarA dedicação de Wagner Moura ao personagem é impressionante. O ator ganhou peso, aprendeu espanhol, mimetizou cada trejeito de Escobar, seus olhares, o modo e o tom de suas fala. Uma entrega completa. Holbrook em sua interpretação ao agente norte-americano deu uma carga dramática interessante ao personagem, o que parece não acontecer com a realidade, já que Murphy, em suas entrevistas, já demonstrou ser uma figura bastante desprezível, algo bastante parecido ao que aconteceu em Sniper Americano, com a atuação de Bradley Cooper do atirador Chris Kyle.

    Pedro Pascal é um dos pontos altos da série como o agente latino do DEA Javier Peña, dando carisma ao personagem e dinamismo a trama, em momentos que isso se faz necessário. A direção novamente faz um ótimo trabalho ao relatar também por meios visuais que a dupla Peña/Murphy nunca foi plena ao posicionar ambos de forma antagônica quando estão no quadro.

    O isolamento é um dos grandes temas visuais existentes nesta segunda temporada de Narcos. Novamente essa questão é levantada, dessa vez por meio do Presidente colombiano César Gaviria (Raúl Méndez). Enquanto Pablo está sempre cercado por seus sicários (assassinos), Gaviria se vê sempre isolado de seus ministros e assessores.

    narcos-gaviria

    Os demais núcleos de personagens não ganham novas camadas de desenvolvimento, apenas são estabelecidos tal qual sua apresentação na temporada anterior, salvo o caso de Limón (Leynar Gomez), num belo trabalho de construção e desconstrução de personagem, demonstrando a vulnerabilidade de pessoas comuns quando expostos a uma realidade nova, tendo que mostrar o que tem de pior para sobreviver.

    Essa discussão é o ponto central da trama. Com o decorrer da temporada, já fica claro que a caçada à Pablo não tem por objetivo acabar com o narcotráfico, mas minimamente a destruição daquilo que ele representa. A simbologia por trás da figura de Pablo Escobar. A desconstrução desses mitos é demonstrada inclusive na volta de do Coronel Horacio Carrillo (Maurice Compte) a pedido do Presidente, reforçando que para o Estado pouco importa a forma empregada na caçada ao Pablo. Os fins justificam os meios.

    O desfecho da temporada culmina com a morte de Escobar e a mudança de foco da política norte-americana, agora voltada ao Cartel de Cali. As duas temporadas iniciais podem ser facilmente sintetizadas em uma só, e seu ponto forte está na forma como retrata seus personagens, evitando o maniqueísmo ou caminhos fáceis, típicos de obras do gênero que romantizam ou vitimizam demais um dos lados.

    https://www.youtube.com/watch?v=PagC89_hhXs

  • Crítica | Tropa de Elite

    Crítica | Tropa de Elite

    tropa-de-elite-2007-oficial

    Começando por uma narração intervencionista de Wagner Moura, semelhante aos filmes de máfia de Martin Scorsese, o fenômeno Tropa de Elite seria um manifesto de denúncia a respeito da realidade carioca ainda presente na década de 2000. Seu começo é frenético, sem introduções maiores, indo direto ao ponto. Seguindo as informações dadas pelo Capitão Nascimento (Moura), Neto (Caio Junqueira) e Matias (André Ramiro) se inseriam na guerra instaurada na Cidade Maravilhosa e o caráter dos dois heróis já era estabelecido mesmo antes até da investigação sobre os policiais de elite do BOPE.

    Grande parte das críticas negativas a respeito do filme na época eram ligadas a associação do comportamento dos membros do esquadrão de elite a um tipo de fascismo, de entrar na favela, atirar primeiro e perguntar depois, além do reforço da descrição do Capitão, que determina e julga qual deveria ser o destino dos bandidos e de quem os envolve, além de mostrar em detalhes pesados os métodos de interrogatório e tortura empregados pelo batalhão de operações especiais.

    O filme tem um poderoso caráter de denúncia em relação aos setores corruptos da sociedade, em especial da polícia, mas sua principal crítica é ao sistema, que se beneficia do famigerado jeitinho brasileiro para corromper e conseguir benefícios a qualquer custo. A solução apresentada para este sistema que se retro alimenta através dessas falhas jurídicas e sociais é a preparação que o grupo de elite faz, assemelhando a preparação deles ao de uma seita religiosa, que consome os mais fracos e desonestos, relegando-os a uma humilhante saída.

    O argumento é repleto de frases de efeito que se tornaram memes em uma época em que isso não era comum, aliado claro ao exploitation cada vez mais frequente nas redes sociais. As cenas de perseguição e de combate são coladas nos homens que entram em incursão no morro e nas atividades de treinamento.

    O vazamento de uma cópia que não estava na edição final semanas antes do lançamento do filme mudou por completo as expectativas em relação a arrecadação de bilheteria, gerando um efeito dúbio, uma vez que muitos já haviam visto o filme antes do seu lançamento. As frases já estavam na boca do público, bem como os hábitos dos policiais já habitavam o imaginário do espectador, tornando ainda mais preocupantes os métodos de Beto Nascimento e seus asseclas, já que toda aquela violência empregada já tinha feito parte do conteúdo viralizado.

    Nascimento sofre de um mal desconhecido, tem problemas frequentes com relação a sua saúde mental, primeiro associando isso a coração, depois descobrindo que o causo era stress e ansiedade. A manifestação dessa enfermidade deflagra duas questões, primeiro a guerra ética e moral ocorrida no seu inconsciente, não sabendo lidar com a questão de ter de trabalhar como policial inserido naquela guerra diária aliado a grande mudança na sua rotina, com a chegada de seu filho Rafael, fator que o faz brigar demais com sua esposa Rosane (Maria Ribeiro). Esse desequilíbrio o faz ultrapassar limites que antes não fazia, fazendo-o ter pressa nas investigações em relação ao bandidos, quebrando a sensibilidade que o mesmo construiu desde o começo. A derrocada do personagem que seria mais investigada em Tropa de Elite 2 começava ali, e a pecha de que os fins justificam os meios ruiria também nesse momento

    A jornada dos aspiras serve não só por seu didatismo, mas também para mostrar o quão péssimo é o cenário de quem quer ser honesto na polícia. A parte onde se demonstra o modus operandi da Polícia Militar é ao mesmo tempo um alívio cômico servem de delação a morosidade do Estado, que permite que as condições das forças armadas sejam tão risíveis e precárias ao ponto de tornarem-se alvos fáceis aos corruptores. O personagem que resume isso é o Capitão Fábio, brilhantemente interpretado por Milhem Cortaz, que consegue tanto ser o símbolo da malandragem dos agentes da lei quanto a covardia de quem não consegue adentrar na outra corporação.

    O sangue respingando na lente da câmera, ao alvejar finalmente o dono do morro que causou todo o infortúnio aos personagens é a demonstração gráfica da urgência de uma cidade que precisa de intervenções mais ativas do Estado, que segundo a análise de Padilha, Bráulio Mantovani, Rodrigo Pimentel, John Kaylin só busca saciar os seus próprios interesses, fazendo pouco caso das necessidades da população, que segue à mingua e sem perspectivas de futuro ou segurança. As complicações referentes a associação do discurso a um discurso reacionário são importantes, no intuito de tentar equilibrar as forças, mas a descrição e acusação a um sistema falido falam mais alto e mais forte, fazendo de Tropa de Elite não só um filme popular mas também propagador de um senso crítico muito forte, que desconstrói o senso comum em cada instante de sua exibição.

  • Review | Narcos – 1ª Temporada

    Review | Narcos – 1ª Temporada

    Narcos 1

    Pautada no ideal de seriado típica do formato Netflix, Narcos consegue reunir em seu piloto as principais influências dos dois produtos mais notórios e distintos da filmografia do diretor José Padilha, com o caráter informativo e documental de Ônibus 174, e com a intenção dramática e denunciativa de Tropa de Elite, aproveitando-se da dubiedade típica da guerra civil instaurada nas ruas do Rio de Janeiro, emulando-as sobre a realidade vista nas ruas e estradas ermas da Colômbia e de todo o cone sul.

    A pauta do seriado criado por Cris Brancato, Paul Eckstein e Doug Miro é o realismo fantástico, onde os eventos corriqueiros seriam vistos por uma ótica escapista, utópica e até glamourizada, mas ainda assim verossímil dentro da abordagem narrativa, de certa forma referenciando a obra do autor colombiano Gabriel Garcia Márquez. Através de uma narração em off do agente da DEA Steve Murphy (Boyd Holbroock), o drama mostra os avanços gradativos dos policiais nas investigações sobre o tráfico de narcóticos, com uma abordagem íntima e invasiva, especialmente na construção de seu “herói”, Pablo Emilio Escobar Gaviria. A personificação de Wagner Moura, apesar da dificuldade de não projetar seu regionalismo na voz, convence em cada passo, apresentando uma faceta que equilibra assustadoramente bem carisma e imponência.

    O modus operandi da equipe de transporte internacional só não é mais surpreendente do que o detalhamento das expansões dentro do território colombiano, que envolvem dinheiro, poder e posturas mais enérgicas, bem como a demonstração de uma personalidade bastante ácida, e um modo de lidar com os subalternos, seus e os da autoridade, bastante ímpar e de empáfia quase irreal. O estilo que mescla documentário com cenas dramatizadas faz aviltar o quão contraditório é o modo como os Estados Unidos combatia a “epidemia” de drogas, apelando para aspectos agridoces de deboche, elevando a discussão que incrimina o capitalismo como regente de todos os males a um nível inteligente, sem apelar para o lugar comum, sendo palatável até para o espectador médio e incauto.

    NARCOS S01E03

    A intimidade de Pablo é analisada de modo enérgico, sexual e sanguinário, bem ao modo de seu estilo de vida, ostentado por dinheiro e poder. Sua tomada de influência é inteligente: utilizou o mesmo capital que escravizou seus antepassados para contrapor e contra-atacar os colonizadores que exploraram o seu povo, através de um ataque direto a figura internacional que detinha o poder até então.

    O projeto de vida marginal de Escobar passa também por uma edificação de sua figura controversa, mas bastante popular, que despertava o apreço do povo pelas construções que causavam no povo um maior conforto rotineiro. A diversão mostrada em seu cotidiano quase suplanta o processo enfadonho pelo qual passa Murphy como investigador, responsável por rastrear o encalço do homem poderoso. Os lados distintos também são diferenciados pela atmosfera que os cerca, apesar de haver crises claras de relações nas duas ambientações.

    O formato episódico lembra demais as recentes séries que envolvem o crime organizado, especialmente Família Soprano e Boardwalk Empire, que também visavam humanizar figuras marginais, normalmente demonizadas pela opinião pública, primeiro pela imprensa, depois através do conservadorismo imposto a patuleia. No entanto, não há qualquer aplacar culposo, já que os atos terroristas são narrados pelo agente da DEA.

    A incriminação apontada no texto não está evidentemente na figura do protagonista, mas sim no hipócrita discurso americano, que visa combater a lei de oferta e procura do modo mais imbecil possível ao caçar quem lucra de modo clandestino, ignorando os que lucram às custas de seu povo e de seus esforços. Ainda que as manifestações de vigor e restrição sejam comportamentos típicos das autoridades, o sofrimento é um aspecto comum aos subalternos, a parte da população comum e ordinária, que tem em sua carne as reais consequências e baixas. Murphy, em sua narração, deixa claro que os motivos das investigações ocorrerem é a quantidade de dinheiro ilegal que corre pelo país “livre” de impostos, algo que incomoda os lobistas, que tentam reaver o somatório de dinheiro como se este bem fosse exclusivo a eles.

    Narcos 5

    A música de abertura, Tuyo, executada por Rodrigo Amarante remete a uma melancolia simplista, que exatamente por não combinar com o conteúdo complexo discutido nos roteiros, serve de contraponto à violência extrema narrada em partes documentais e dramatúrgicas.

    A partir do oitavo episódio, o glamour antes aviltado finalmente dá lugar em definitivo ao processo de perseguição, que faz todo o estilo de vida de Escobar deflagrar em uma franca deterioração, que emula, entre outros sentimentos, a também flagrante ruína moral pelo qual o personagem sofre e impõe a si mesmo.

    Narcos reúne em seu conteúdo um caráter denunciativo, em premissa, mas não em relação ao tráfico internacional de drogas, já demonizado pela sociedade tipicamente conservadora e pela imprensa. Mas pela abordagem. A maioria dos governantes realiza a chamada guerra às drogas primeiro em uma autocrítica ligeiramente enfática na atitude dos norte-americanos, em uma versão mais leve do que a da filmografia recente de Oliver Stone, e depois, criticando algumas das atitudes do Congresso colombiano, que se sentia protegido pelo mandante maior. Ao menos nas operações escondidas, o seriado é bastante acentuado, algumas vezes exigindo de seu espectador uma atenção maior para capturar as nuances da manipulação, muito além dos grossos e pesados investimentos financeiros na manutenção de um exército de coerção.

    A fala comum sobre o sotaque de Vagner Moura revela – entre tantos outros fatores – uma pobreza de espírito bastante comum por grande parte dos analistas críticos brasileiros. Negar que há alguns muitos tropeços gramaticais e de dialeto por parte do ator baiano é ignorar o óbvio, mas a atuação do protagonista vai muito além disso, pois é baseado em um profundo estudo dos trejeitos do empresário do pó, em uma ação até mais teatral do audiovisual, que supera e muito qualquer falta de semelhança física entre Moura e Escobar. É no comportamento e postura que o ator consegue apresentar um diferencial, suficiente para ofuscar qualquer indiscrição linguística, já que toda a identidade da lendária figura lá está. Curioso é como tal “fator” é encarado em terras brasileiras, revelando um conceito rodriguiano bastante forte, além de aludir a um seletivo modo de retrucar. O reducionismo e generalização torpe, artigos tão refutados pela crítica em geral, por vezes permeiam o comentário geral, o que afasta a análise da coerência que deveria pressupô-la.

    Narcos 8

    O desfecho, no décimo episódio, finalmente abraça a condição de perseguição repleta de infelicidade e pesar, pondo Murphy e Escobar em pontos muito próximos, exibindo em detalhes sórdidos as ações de captura da DEA, mostrando a invasão de modo tático e eficiente, com um esmero para retratar a violência de um modo poucas vezes visto no audiovisual, condizente demais com a produção orquestrada por José Padilha e dirigida por tantos outros realizadores prolíficos, especialmente Fernando Coimbra, de Lobo Atrás da Porta, que apresenta um maravilhoso plano sequência em sua participação.

    O enlace finda de maneira misteriosa, em nada simples, provavelmente emulando as ambíguas questões a respeito do negócio e do consumo das substâncias que fazem este microuniverso girar. A semelhança de Narcos com Família Soprano não se dá somente pela abordagem fantástica da violência, mas também pela universalidade de seus temas, já que o fato de tocar na indústria que negocia entorpecentes serviria em abordagens diversas, ao menos em seu esqueleto. Em uma análise mais aprofundada, existe uma complexidade na discussão sobre economia, humanidade e especialmente sobre o consumo de um estilo de vida por parte da sociedade norte-americana baseado em hipocrisia e em exploração de prazeres proibidos, utilizando-se de pessoas reais para contar uma história quimérica, repleta de carisma, sangue, volúpia e vício, localizada entre muitos dos pecados capitais condenados pelo espectro conservador vigente.

  • Crítica | Carandiru

    Crítica | Carandiru

    Carandiru 1

    A tomada aérea registra visualmente o complexo carcerário que seria explorado pelas lentes de Hector Babenco. As figuras esquálidas que habitam aquele microuniverso são a síntese visual da doença que acomete os presos, pessoas carecidas da menor possibilidade de saúde, mental e corporal, que teria resposta a partir das palavras e narrações do personagem do médico (Luiz Carlos Vasconcelos), um (possível) paralelo com Drauzio Varella, autor do livro biográfico e pró-revolução que gerou o roteiro de Carandiru.

    A chegada do doutor remete à busca por prevenção da AIDS, um advento comum da época, em tempos onde se discutia os malefícios do dito amor livre. O profissional da saúde acompanha, de perto, sem interferir na rotina do planeta-prisão em que se insere eventualmente. Mesmo ao abraçar alguns dos causos, ele não se permite sentir todas as dores das “vítimas”, ainda se importando com o que pode, tendo a difícil tarefa de abarcar alguns dramas e ter de virar os olhos para tantos outros. A seleção dos motivos importantes é um desafio ético, mas é também a principal mostra de que ele não pertence àquele ambiente inóspito, o deserto das almas aflitas, que ainda assim sussurram por atenção e misericórdia.

    O dilema prossegue em evitar julgamentos, já que não era seu papel. Ele deveria ser invisível, um observador atento, no máximo, para captar as mensagens dadas nas falas das ricas personagens. As memórias são mostradas em flashbacks na maioria das vezes, a começar pelo líder religioso Nego Preto (Ivan de Almeida), que tem o discurso moralista como fundamento principal, enredando um discurso baseado fundamentalmente nos valores familiares, apesar dos aspectos da rotina de um bicho solto.

    Os balões de Seu Chico (Milton Gonçalves) fazem o óbvio paralelo com o desejo de liberdade ao voar pelos céus. O bravejar deveria mesmo vir de um preso considerado justo, o contraponto a toda fala mal vista pela sociedade. Destacam-se contos rodriguianos, como o de Majestade (Ailton Graça) e sua poligamia, e o surpreendente destino que envolve Deusdete (Caio Blat), Zico (Vagner Moura) e sua família que passa por momentos conturbados, cujos traumas incorrem em violência sexual findando o drama em homicídio culposo, que obviamente resulta em uma pena ainda maior.

    O que deveria ser o alento do frescor da vida de fora das grades serve na maioria das vezes para resgatar fantasmas, variando entre mágoas resolvidas, não resolvidas e reaberturas de dores na alma, tanto do presente quanto do passado. A imundície vista nas paredes e corredores do complexo se reproduz nas muitas sensações contraditórias dos detentos, abarcando diversos estereótipos de figuras marginais, mas construindo bem cada uma delas, muito por mérito do texto de Babenco, Fernando Bonassi e Victor Navas.

    O canto de Se Gritar Pega Ladrão ecoa pela cozinha, trazendo más notícias para Nego Preto e momentos de redenção do assassino frio Peixeira, no momento mais inspirado de Milhem Cortaz no cinema mainstream até então. O personagem encontra na fé o seu caminho de cura espiritual, apelando, claro, para o discurso fácil mas engrandecido por toda a atmosfera criada em torno da edificação de seu personagem.

    A nacionalidade, argentina, de Babenco se nota na proclamação do hino brasileiro, tocado na íntegra, remetendo à enorme população carcerária do país, cada vez mais crescente, reunindo milhares e milhares de habitante, proliferando um sistema que não corrige e deseduca ainda mais os novos detentos.

    As explicações sobre o tumulto da rebelião são dadas em formato de falas semidocumentais, com declarações sobre o ambiente interno e o inferno vivido ali e, claro, o panorama político do lado externo, às vésperas de uma eleição para governador, o que causaria uma ação mais enérgica dos membros da Tropa de Choque. A truculência dos militares é mostrada em minúcias e exibe a crueldade do Estado coercitivo. A cena que desvela a invasão ao cárcere exibe a desconfiança dos policiais diante de seu batalhão e o terrível medo de adentrar o inferno dantesco, resultado do descaso do governo com os cidadãos que deveriam se reabilitar. O bordão do personagem de Gero Camilo cabe bem, sem chance de mudança.

    As cenas de mortes dos alvejados são repletas de agonia, resultando de modo terrível a miséria que habitou a vida dos homens, restando zero dignidade. O enfoque no grupo de detentos, todos nus no campo de futebol faz menção ao cartaz e à beleza fotográfica do esmero de Walter Carvalho enquanto responsável pela cinematografia.

    As conclusões tiradas pelo roteiro são acachapantes e exibem através de dramas comuns a vida uma realidade dura, selvagem e repleta de desesperança, denunciando, para um público muito maior, as agruras do cárcere e o quanto deseducador é o ambiente da prisão, ainda que o resultado final flerte com uma glamourização da vida do preso. Babenco consegue apontar as emoções conflitantes de medo e auxílio por parte de seu protagonista, conseguindo transicionar bem o papel de contador de histórias de um modo bem mais lúdico e fluído do que o que Alejandro Iñárritu fez em Babel ou o trabalho de Paul Haggis em Crash: No Limite, pelo óbvio fato de serem dramas “reais” retratados em Carandiru. A morada da prisão é também o lugar onde repousa o desespero e o desengano, a despeito das crenças religiosas.

  • Crítica | Trash: A Esperança Vem do Lixo

    Crítica | Trash: A Esperança Vem do Lixo

    Rafael (Rickson Tevez) treme com um revólver na mão, uma ânsia de fazer ou não justiça com as próprias mãos. O drama certamente seria melhor aceito caso não predominasse na retórica de Trash: A Esperança Vem do Lixo uma abordagem artificial, em uma das menos inspiradas fitas de Stephen Daldry. O tema da violência urbana, com uma perseguição de policiais a pessoas de classes menos favorecidas e secularmente marginalizadas surge com dois dos atores brasileiros com mais sucessos comercias no currículo.

    Wagner Moura vive José Angelo, um morador do subúrbio, perseguido por ter informações importantes sobre um poderoso político. Ao se livrar de sua carteira, ele condena o menino Rafael, que acha a bolsa com dinheiro e outros objetos misteriosos. O lado repreensivo do filme começa por apresentar arquétipos muito estereotipados dos moradores da favela, que embalam seu trabalho no lixão ao som do sugestivo Rap da Felicidade, cujo conteúdo é ofensivamente óbvio. A situação piora com as crianças da comunidade nadando em um rio imundo, repleto do mesmo lixo que os moradores de lá coletam, como se entre os meninos e homens não houvesse qualquer noção de saúde ou civilização. A postura de um dos garotos é de completa subserviência com a polícia, fundamentado em cima de um vocábulo pobre, baseado em gírias que mais taxam pejorativamente os jovens do que os faz parecer reais e com voz ativa.

    A sucessão de preconceitos segue, apresentando personagens sem profundidade, pessoas que moram no subterrâneo de uma estação de trem (Central do Brasil), semelhantes aos Morlocks das revistas mutantes da Marvel, mas com a pretensão de mostrar uma história real, mas que evita a todo custo o uso de palavrões, já que seria esta uma história para toda a família. Demonstrar mazelas sociais e delinquência juvenil com uma abordagem conservadora só piora o escopo do filme, que simplifica todas as relações com soluções muito fáceis.

    O Brasil para exportação exibe a civilização dentro da comunidade para os estrangeiros, vividos por Rooney Mara (Olivia) e Martin Sheen (Padre Julliard), que são os únicos dentro do complexo com acesso a internet, o que não impede os meninos de acessarem o Google como se fossem especialistas nisto, mesmo não tendo acesso a internet em casa. A verossimilhança não parece ser a pauta principal do filme, já que não há a mínima preparação de background dos personagens, ou uma maior preocupação com os cenários envolvidos. A concepção de República das bananas é a base para a maioria das ações dentro do cenário do país.

    Uma vez que o entorno é mal construído, nem os atos ultra violentos de tortura conseguem retornar a fita a uma séria abordagem. As injustiças sociais mostradas no país são tão pueris como eram em Velozes e Furiosos 5, tendo em comum com o filme de assalto até a ingerência de estadunidenses como os portadores máximos da justiça, arautos de uma civilização que a subdesenvolvida nação jamais conseguiria alcançar sozinha.

    A ótica das crianças talvez seja a maior desculpa para as incongruências, falhas de concepção e falta de lógica, mas até isto esbarra na tacanha narrativa, que é cortada pelas falas dos meninos, que quebram a quarta parede e ajudam a revelar ainda mais os problemas da história. Para alcançar o vilão e deputado Santo (Stepan Nercessian), os meninos agem como miquinhos amestrados, que invadem casas e passeiam pelos esgotos da cidade; na cadeia, mais parecidas com as dos filmes americanos do que com a realidade dos presídios de Bangu. Tudo isso para exibir uma mensagem emocional, de cunho redentor, de luta pelo povo, ainda que retratar bem a população mazelada não fosse a prioridade de Daldry.

    A tentativa de explicar tudo por meio de um documentário filmado por Olivia é o tiro de misericórdia nas motivações e intenções do filme em se levar a sério, já que convenientemente consegue registrar não só as palavras dos meninos, mas também um dos muitos pecados de Frederico (Selton Mello), um policial que faz da justiça a justificativa para qualquer miséria que pense em impingir aos personagens. Nem mesmo ante a destruição de seu mísero patrimônio os jovens conseguem se emocionar de um modo que pareça real. A triste realidade brasileira que tencionava ser finalmente exposta é risível ante toda a fantasia presente no guião de Richard Curtis.

    O costume de habitar a sujeira é comum aos personagens infanto-juvenis, uma máxima tão torta quanto a ideia genial de que o dinheiro puro e simples resolveria os problemas sociais de um país tão atrasado que permite os mandos e desmandos de estrangeiros em sua própria terra. O modo estúpido como a renda é redistribuída só é superada em tosquice pela ingênua noção de que basta a boa vontade para vencer o mal da corrupção instaurada no país. Trash revela muito de como a opinião pública internacional vê o brasileiro, de maneira xenófoba, evidenciando o quanto subestimam a inteligência do cidadão médio, se valendo de uma trama fraca sobre uma realidade que não pode ser modificada, tampouco reavivando as manifestações de Junho de 2013 através deste viés tão simplista, e pueril.

  • Crítica | Praia do Futuro

    Crítica | Praia do Futuro

    A nova produção dirigida e roteirizada por Karim Aïnouz – agora ao lado de Felipe Bragança – merece uma análise cuidadosa referente às intenções da obra e sua interpretação perante público e crítica. Devemos considerar que um filme como objeto de arte, a ser assistido, analisado e estudado, fornece elementos específicos, arbitrariamente selecionados, para compor as necessárias camadas da narrativa. Um procedimento que parte desde a elaboração do roteiro, como o estilo do personagem central e o foco narrativo, até elementos visuais, como decupagem, direção e fotografia.

    Sem uma divulgação da elaboração do projeto e das decisões da produção, é impossível ponderar se todas as pressuposições e inferências feitas por público e crítica foram idealizadas pela equipe. Críticos divergem quanto a totalidade interpretativa de um objetivo de arte, afirmando uns que autores compreendem linha a linha seu projeto, e outros defendendo a tese de que há sempre um leitor aleatório que pode surpreender o criador com uma análise diferenciada daquela pensada inicialmente.

    Diante destes dois primeiros e maciços parágrafos com suposições teóricas, cabe ponderar se este filme é uma história sem grande inventividade ou se funciona amparado na interpretação pessoal do público e nas inferências simbólicas de sua narrativa (Levando em conta, desde já, que é evidente que toda obra requer uma interpretação de seu espectador. Porém, há obra de maior e menor grau; um filme de ação do Michael Bay não requer o mesmo tipo de interpretação que uma arte abstrata de Jackson Pollock. Exemplos díspares que funcionam somente para situar que toda obra pede uma compreensão elucidativa).

    A Praia do Futuro é dividido em três capítulos ou atos, explicitando diferentes fases narrativas. Ao observamos que o cartaz anuncia a personagem central como um herói, inferimos tratar-se de uma história épica, um recorte sobre a jornada de um personagem. E se levarmos em conta a divisão em três capítulos, poderíamos até pressupor que a divisão de atos remete a peças clássicas da dramaturgia, compostas em atos bem distintos.

    Wagner Moura é Donato, um salva-vidas da Praia do Futuro, no Ceará, considerada uma das mais perigosas da costa. Após perder uma vida em um afogamento, a personagem encontra uma relação suficientemente forte para modificar sua vida. A tragédia é o ponto de partida para sua mudança. Graças a essa morte, o profissional do mar encontra Konrad (Clemens Schick), alemão, melhor amigo do falecido e seu companheiro de aventuras, pelo qual, após uma noite de sexo, se desperta amorosamente. O primeiro ato situa-se no Ceará, sendo o personagem alemão o estrangeiro que parece ainda mais deslocado de sua realidade natural após a morte do amigo. Um luto que diminuirá com a relação amorosa estabelecida junto ao herói-protagonista.

    Entre os supostos simbolismos da produção, a praia do futuro significaria o presente estagnado de Donato. Um homem que vive à margem da própria vida como um observador da dos outros, capaz de salvá-los mas incapaz de olhar para si mesmo como indivíduo. Em diálogo com Konrad, menciona o alto grau de sal dos mares desta praia, afirmando que, devido à maresia, é impossível viver naquele local. A praia não dá frutos e o ambiente parece cerceador de conhecimento.

    O ambiente é modificado no segundo ato, em que Donato é o estrangeiro na pátria-mãe de Konrad. Em outro habitat, excepcionalmente frio em relação ao caloroso Ceará, o conflito centra-se entre o laço primordial com o passado e sua família e o local onde vive seu amor. Uma questão existencial entre local consagrado e que lhe é confortável mas, ao mesmo tempo, parasita que o impede de seguir novos rumos. Em uma discussão sobre a covardia de Donato, o ato encerra-se com a indecisão da personagem de ficar na Alemanha ou voltar para sua terra.

    O último ato inicia-se após um salto temporal. Donato é um cidadão alemão, trabalhando em um parque aquático limpando aquários, sua maneria própria de se conectar com a água, residência da qual não quis abrir mão. Parte deste ato é marcado pela figura do irmão (Jesuíta Barbosa) como um retorno ao passado; o personagem que vem de outro local para desestruturar a ordem estabelecida. Neste caso, o irmão demonstra o passado negado por Donato à procura de sua nova vida.

    A história é uma jornada de autoconhecimento de uma personagem que deixa seus laços para fundamentar e dar vazão a suas vontades e desejos. Os três atos partem da paralisia, seguindo para a mudança e a afirmação. Sob este aspecto, a homossexualidade da personagem é mais um laço dramático da trama. Este recurso leva em consideração o mundo dividido entre aceitar ou não casais homossexuais, questão acompanhada de estúpidos preconceitos enraizados. Bem situado na história, este elemento é mais uma característica da jornada de Donato, um descobrimento dentre tantos outros.

    A condução dos três atos é feita de maneira aberta, apresentando as situações sem delineá-las por completo. Uma história contada à meia luz. Ao público, cabe analisar a obra em duas vertentes principais: se trata-se de uma trama aberta e repleta de simbolismo ou uma simples história de jornada e transformação.

    Dentro da análise simbólica, em que muitos retiraram das cenas, objetos, falas, nomes, apelidos maneiras de metaforizar o recuo diante da aceitação de seus próprios caminhos, observamos uma história bonita e poética, repleta de signos inseridos em cena que necessitam da interpretação do público. Porém, se vista sob uma ótica mais simples, porém não diminuta, de um salva-vidas que não enxerga a si e vai de encontro ao mundo para se conhecer, temos uma produção com um apuro técnico excelente, mas com um roteiro insuficiente se comparada a diversas outras jornadas de autoconhecimento que o cinema proporcionou nos últimos anos – dentre elas o filme chileno Gloria e o dinamarquês Deixe a Luz Acesa.

    O que nos faz retomar a indagação inicial: como compreender uma produção se, em sua realização, as escolhas ambíguas foram propositais para que mais de uma interpretação surgisse entre público, crítica e afins? A obra precisaria necessariamente de uma interpretação ativa do público, leitor de signos, para alcançar sua intenção? Ou talvez a demasia deste signos propõe uma erudição falsa para esconder uma trama simples? É a questão que toca a indefinição da arte. Não há nenhuma resposta plausível.

    Dessa forma, a produção parece um exercício interpretativo, como uma casa de espelhos ou um caleidoscópio infantil. Interpreta-se da maneira que a vê. E, sendo assim, nenhuma unidade crítica seria capaz de abarcar a intenção dos realizadores em relação à obra.

    Por fim, diante da polêmica que deu certa popularidade ao filme, de espectadores saindo durante as sessões por conta da relação homossexual em cena, absurdo é o único comentário que pode ser feito. Nenhuma das cenas em questão é inédita no meio – o próprio Deixe a Luz Acesa citado apresenta cenas semelhantes –, e tais cenas são, por si só, bem dirigidas e interpretadas, belas em sua demonstração carnal de amor, não importando quaisquer sexos envolvidos. Um destaque sem razão para uma trama que espera muito mais de sua audiência. Uma produção que parece mais um convite à analise interpretativa do que uma narrativa composta tradicionalmente de começo, meio e fim.

  • Crítica | Serra Pelada

    Crítica | Serra Pelada

    80 - Serra Pelada

    Depois do fracasso de 12 Horas (Gone) em Hollywood, o cineasta Heitor Dhalia volta ao Brasil com o longa Serra Pelada, que conta a história, de dois amigos, situada dentre a loucura desencadeada pela descoberta de ouro no interior do Pará. No início da década de 1980, o complicado Juliano (Juliano Cazarré) e o professor Joaquim (Júlio Andrade) decidem sair de São Paulo e ir atrás da riqueza do ouro em Serra Pelada logo quando há a descoberta do metal na região, na tentativa de enriquecerem e mudarem de vida, mas logo verão que as condições para isso acontecer serão mais complicadas do que pensavam.

    Partindo de uma perspectiva intimista e situando dois personagens comuns em meio a uma história recente e de drama social do país, Dhalia se utiliza de toda a qualidade técnica que o cinema nacional agora dispõe, desde a captura de som, que chega a incomodar tamanho o volume do som ambiente, (como alguém engolindo um líquido, tão alto quanto a conversa no local) até a ambientação, o set, o figurino e a locação, passando um realismo que confere bastante credibilidade ao espectador. O uso da narração também é questionável, pois as informações apresentadas (como os nomes dados a cada etapa e responsável pela produção do ouro) poderiam ser inseridas no contexto de outra forma, menos direta. Porém, parece que a escola Tropa de Elite ainda é muito forte e deixou marcas nesse aspecto.

    Quanto às atuações, os maneirismos dos protagonistas são contidos e poucos estereótipos são usados, o que vale um ponto extra em se tratando em uma produção filmada na região norte. Com exceção dos homens feminizados e tratados como as mulheres do acampamento de forma muito simplista. A participação de Wagner Moura como um dono de “barrancos” de exploração de ouro também é interessante. Excelente ator que é, consegue garantir boas participações, mas às vezes exagera nos maneirismos na tentativa de caracterizar seu personagem, como em uma cena em que mastiga compulsivamente, com uma captação de som altíssima, prejudicando o entendimento de suas falas.

    Porém, o desenvolvimento da história e dos protagonistas, que no início é cativante, passa a ser cansativa pela excessiva vontade do diretor em nos mostrar cada detalhe de cada transição, deixando de lado a interpretação, em um vício muito comum do cinema nacional, que tem dificuldade em separar-se da narrativa novelesca da televisão. Com isso, as duas horas do filme soam desnecessárias, já que o segundo ato perde muito tempo em montar situações repetidas para estabelecer fatos que já soam claros ao espectador, o que prejudica a narrativa final e o desfecho.

    Também faltou uma caracterização maior do restante da população trabalhadora de Serra Pelada. Não os paulistas de classe média como os protagonistas, mas também o miserável, explorado que não consegue sucesso e não consegue enriquecer tão fácil como o filme pode deixar enganar. Faltou um espaço maior a esse cidadão comum, que é retratado de forma simplista, sob uma perspectiva do sudeste e do asfalto, que não entende o drama desse povo, que é mais do que um mero coadjuvante tendo destaque somente em cenas de brigas de bar.

    De maneira geral, Serra Pelada inicia bem, introduz personagens reais em uma situação real, mas foca demais em duas pessoas e suas tragédias pessoais, que pouco a pouco vão fazendo o tal realismo do filme se perder em meio a tantas reviravoltas que soam artificiais, enquanto a questão social do garimpo, focada timidamente no início, vai sendo deixada cada vez mais de lado. Apesar de uma iniciativa interessante, ainda falta maturidade ao cineasta em saber criar narrativas menos maniqueístas e com personagens mais profundos.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Elysium

    Crítica | Elysium

    elysium

    Neil Blomkamp parece não querer sair do gueto. O cineasta utiliza uma ambientação bastante parecida com a de Distrito 9, especialmente no aspecto de favela, só que de uma forma mais “globalizada”, pois a comunidade carente em Elysium não se restringe somente a periferia de Joanesburgo, mas sim ao mundo todo, transformando a “aldeia global” num autêntico puxadinho sem reboco.

    A premissa tem em sua base um conceito bastante semelhante ao mostrado por Phillip K. Dick em Caçador de Androides – e que foi suprimido no filme de Ridley Scott. Como no conto, os ricos e aptos vivem fora da Terra, por esta não comportar mais a capacidade de estabelecer-se uma vida plena e saudável. A trama se passa em 2154 num futuro sujo e pessimista. A comparação visual com Mad Max, e seus filhotes bastardos, é inevitável, cenários desertos em meio ao que antes eram grandes metrópoles – e tal característica até ajuda a gerar empatia pela história contada.

    Polícia automatizada, agente da condicional robótico e repressor, sarcasmo como ato digno de punição, tudo isso para demonstrar a decadência da humanidade e também a inexistente compreensão às necessidades do próximo. A empatia está fora de cogitação, há uma valorização enorme do bem-estar puramente egoísta, sem importar com o social. A sociedade retratada sofre um controle coercitivo e de mão de ferro, que protege os ricos e estabelece normas rígidas aos pobres, punindo severamente os que não as cumprem. Temas como o combate à imigração, trabalho em regime semi-escravo e sem as mínimas condições de saneamento também são ventilados.

    O roteiro de Blomkamp é sem rodeios, pontual e preciso, isso é bom até certo ponto, até que as resoluções tornem-se coisas rápidas e fáceis de resolver, algumas até piegas. A construção dos personagens deixa a desejar. A atuação de Matt Damon é equivocada, mal dá para acreditar em seu drama e seu esforço dentro do emprego para fugir da marginalidade. Max, seu personagem, não parece o bandido arrependido que o script exige, e a ligação dele com Frey – Alice Braga na atuação mais lúcida do filme – soa forçada, assim como o laço afetivo automático de Max pela filha doente de seu antigo amor. Wagner Moura está histriônico e caricato, mas não compromete. Jodie Foster faz a encarnação da mulher autoritária, fria e insensível, mas que ao final parece resgatar um pouco de sua humanidade, recusando a ajuda da enfermeira, como que se punindo por seus atos errados. O filme trabalha com arquétipos demais, e o tema exigia algo mais profundo. O destaque vai mesmo para Kruger – Sharlto Copley – que faz um Chuck Norris rejuvenescido, que é até carismático, mas em momento justifica a virada que ele deu no final.

    Da terça parte para o final, o roteiro passa a apresentar um sem número de coincidências desnecessárias. Lembra muito os erros de Prometheus, com um ótimo início e um final aquém das expectativas, mas não tão desastroso quanto o primeiro. Elysium tem um amontoado de coisas boas, mas que  peca pela alta previsibilidade, problema que passa longe do excelente trabalho anterior do realizador.

  • Crítica | A Busca

    Crítica | A Busca

    abusca_cartaz_oedk-crop

    Uma história normalmente é composta por um gatilho. Um acontecimento, seja interno ou externo, que desencadeia a ação ou a reflexão. No filme dirigido por Luciano Moura, o que transforma A Busca é o desaparecimento repentino de Pedro, filho único de Theo e sua jornada ao procurá-lo.

    Interpretado por Wagner Moura, Theo é um médico – elemento que mal se apresenta em cena – dentro de uma família despedaçada. Vivendo uma crise com a esposa e o desentendimento com o filho que não deseja o futuro ansiado pelo pai. A composição das personagens nos faz inferir que são uma representação da tradicional falta de comunicação familiar, e a suposta fuga do garoto o estopim que aponta o desmoronamento da família.

    Em uma jornada dentro do Brasil, pai segue os poucos rastros deixados pelo filho. É evidente a sensação de compor um drama memorialista às avessas, que produza no público uma reflexão sobre a questão circular da trajetória da vida. Se filhos passam boa parte da vida acompanhando seus pais, aqui é o pai que segue, literalmente, os rastros do filho.

    Mas a intenção de produzir o drama permanece presa nos meios da história. E o que parecia ser uma procura para compreender um filho, amplifica em demasia o destaque no pai que começa a olhar mais para sua própria mudança no percurso e esquece da agonia de não saber onde está o filho.

    Há uma bela cena em que o pai mergulha em um rio, simbolizando a ideia de uma transformação batismal, que demonstra essa mudança abrupta de preocupação pelo filho desaparecido para aquele que, de alguma maneira, parece resgatar em si certo elemento perdido.

    Se composto de maneira equilibrada e delicada, a ausência do filho da trama não necessariamente daria enfoque para o pai. Mas o roteiro de Elena Soares e Luciano Moura explicitam que o astro da história é a personagem de Moura, dando-nos a impressão de duas ideias colocadas justapostas e não bem amarradas em uma trama só.

    Tentando dialogar sobre a desconstrução da família, do silêncio que separa os pais dos filhos, o filme peca ao conduzir a trama, tanto na cena com maior potencial dramático, quanto no próprio drama que se transforma desnecessariamente no decorrer da história.

    Dando-nos a impressão de que, ao tentar fugir de clichês, seu argumento perdesse a naturalidade. Negando tanto o senso comum de uma narrativa que o produto final parece mais mal executado do que um produto sensível e original.

  • Agenda Cultural 21 | O Retorno do Rei, A Canção dos Bardos e a Volta do Coronel

    Agenda Cultural 21 | O Retorno do Rei, A Canção dos Bardos e a Volta do Coronel

    Sincronizem suas Agendas. Nesta edição Flávio Vieira (@flaviopvieira), Amilton Brandão (@amiltonsena) e Mario Abbade (@fanaticc) se reúnem para comentar sobre Medievos X Alienígenas, a desgraceira envolvendo o último romance de Tolkien e um pouco sobre o cineasta, José Padilha e seus homens de preto. Idade Média, Terra Média e a banalização da classe média.

    Para informações detalhadas sobre a cobertura do Festival de Montreal, acessem: www.almanaquevirtual.com.br.

    Duração: 83 min.
    Edição: Flávio Vieira
    Trilha Sonora: Flávio Vieira

    Feed do Podcast

    Se você, além de acessar o site , faz uso de algum agregador de feeds – online ou offline – pode optar por assinar nosso feed, diretamente no seu agregador no link a seguir. Se você usa o iTunes para ouvir seus podcasts, copie o link http://feed.vortexcultural.com.br/, abra seu iTunes, vá na aba “Avançado”, “Assinar Podcast…”, cole o endereço e pronto!

    Contato

    Elogios, Críticas ou Sugestões: [email protected]
    Entre em nossa comunidade do facebook e Siga-nos no Twitter: @vortexcultural

    Comentados na edição

    Quadrinhos

    Camelot 3000 – Ed. Luxo

    Literatura

    Os Filhos de Húrin – J. R. R. Tolkien

    Games

    Games For Windows – O “Steam” da Microsoft?

    Música

    Blind Guardian – At The Edge of Time
    Principais Shows: Greenday, Bon Jovi, Rush, Air, Cranberries e Peter Frampton

    Cinema

    Contos da Era Dourada
    Atividade Paranormal 2
    Homens em Fúria
    Piranhas 3D
    O Solteirão
    Tropa de Elite 2 – O Inimigo Agora é Outro
    Resenha – Tropa de Elite 2

    Produto da Semana

    Singing Toilet Paper

  • Crítica | Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora É Outro

    Crítica | Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora É Outro

    tropa_de_elite_2

    Demorei cinco “longos dias” para juntar coragem em entrar numa sala de cinema que tivesse o cartaz do novo filme de José Padilha. Tentar anestesiar o monstro da ansiedade sobre o que esse diretor traria talvez tenha sido o motivo dessa minha letargia inicial.

    Vacinado com o modismo que se apropriou, no primeiro filme do BOPE e de seu fictício capitão, não me permitia acreditar nos (até o momento deste post) mais de 2 milhões de espectadores que foram, antes de mim, dar os olhos à surpresa das novas agressões que Padilha nos traria dessa vez.

    Mais que números e toda sorte de merchandising pós-filme-febre, minha reserva em ser levado pelas massas estava direcionada à dúvida sobre como os responsáveis pelo longa desenvolveriam ainda mais uma história que, desde o documentário Ônibus 174 já estava lustrada o suficiente para mostrar outros personagens que não apenas a díade de mocinhos e bandidos: nós próprios, “cidadãos de bem”, em nossa cativa passividade. Como, nessa sequência, o BOPE poderia ser mais “dissecado” do que fora anteriormente? Haveria um novo banho de sangue? Conheceríamos um novo repertório de palavrões e frases de efeito, entre fanfarrões e pedidos para sair? O que Padilha, agora associado a Mantovani (um dos nomes por trás de Cidade de Deus) teriam preparado para nós?!

    Quando a tela do cinema focou no filme, deixando para trás toda propaganda barata e efêmera, essa que pinta uma realidade rósea, bombardeando nossos sentidos dia a dia, foi projetada uma frase, que além de contrastar com o cenário habitual e comercial descrito neste parágrafo, colocava em transe não só o que as milhões de pessoas veriam a seguir, mas o próprio contexto social e político-eleitoral latente, porta do cinema afora:

    “Qualquer semelhança com a realidade é apenas uma coincidência. Essa é uma obra de ficção.”

    Pois, a “ficção” que ali se desenrolava trazia um problema de coordenação à dinâmica de quem a assistia: pensar sem respirar.

    Refletir sobre um Estado que, ao invés de coibir a violência e todos os seus derivados, está engendrado a estimulá-la por suas próprias instituições, no filme representadas pelo Poder Judiciário, na “idônea” polícia militar fluminense (tal qual aconteceu no primeiro filme), já era mote esperado nesta sequência. Contudo, Padilha fez mais: desdobrou a corrupção aos quinhões dos Poderes Executivo (representados na figura de um Governador inexistente e de um Prefeito estético e estático) e Legislativo (capaz de acomodar as mais caricatas figuras ao corpo dirigente, de um apresentador televisivo sensacionalista a um palhaço iletrado. Opa, perdão, não há palhaço iletrado na “ficção” de Padilha).

    A trama que o roteirista e diretor fez questão de mapear como irreal mostra um período posterior à saga do primeiro filme, mas que corresponde à nossa atualidade, onde o crime na “Cidade Maravilhosa” teria sido desorganizado pelo BOPE, agora mais estruturado e com maior campo de ação no combate à criminalidade carioca. Contudo, no vácuo desse poder paralelo, então supostamente erradicado, outra fonte de poder se apossou dessas fronteiras periféricas: as milícias. Constituídas e aparelhadas por policiais e políticos, fazendo com que a elite da tropa, representada na figura do, ainda, arrogante, inflexível, bad-ass-motherfucker e, acima de todas as demais características, determinado Nascimento. Esse que, de Comandante Geral do Bope à Sub Secretário de Inteligência, percebe a complexidade do sistema corrupto que assola nosso País e sua incapacidade de modificá-lo pelas vias “legais e pacíficas”.

    Os atores que dão personalidade aos personagens “cumprem a missão dada”. Enquanto Wagner Moura ratifica o principal personagem de sua talentosa carreira, Milhem Cortaz e André Ramiro mantém a maturidade de suas interpretações e reavivam a nostalgia dicotômica de seus personagens: a volta do malandro (tipicamente brasileiro) Capitão Fábio, contrastando com a severidade e disciplina militar de André Mathias. Somando esses altos patamares, outros personagens menores recebem nomes e interpretações muito além do que se esperaria desses na trama. Destaques que faço às representações de Antré Mattos, como o típico político que temos escolhido, Seu Jorge, num “Zé Pequeno” amadurecido e Irandhir Santos, que de figura secundária conseguiu elevar seu personagem a um embate paralelo na trama com Wagner Moura: as duas facetas (ou as “Duas-Caras”) da justiça.

    O desafio de respirar (asfixiado por um saco, parágrafos atrás) foi a acrobacia que todo espectador teve de realizar para refletir enquanto era esbofeteado por uma produção cara, importada e refinada, com direito a tomadas aéreas ausentes no primeiro filme, câmera dinâmica nas cenas de ação, roteiro truncado entre quem morria, como falecia e os porquês de cada “baixa”, uma fotografia propositalmente crua, oscilando entre cores fortes nas dependências abastadas, oficiais e, claro, no sangue jorrado, contrapondo com a opacidade desbotada da miserabilidade e condição rudimentar das comunidades.

    A edição, ainda que sem ineditismo algum em relação ao primeiro filme (iniciando um pouti-porri de cenas do primeiro e sucedido por uma apresentação que, tal qual em Cidade de Deus ou no primeiro Tropa, estampava uma cena-chave complementada e explicada ao longo da história), dá ritmo aos nossos fôlegos, de forma inteligente a cada salto da atividade profissional de Nascimento, assim como a cada tropeço na relação desse com seus entes: filho, ex-esposa e Mathias.

    A trilha sonora não se mostrou impactante como no primeiro. Fixar o grupo Tihuana na música tema, ainda que em nova versão, foi um voto pela preservação de uma imagem que já fora construída, assim como optar por um repertório bem conhecido entre faixas e artistas, caso de Paralamas, Marcelo D2 etc. Ademais, os efeitos sonoros ficaram bem alinhados com as cenas de ação.

    Extasiado, vi as cenas aéreas e audaciosas (não tecnicamente) finais desse filme cru, cruel e NADA fictício, com certo otimismo. Não se tratava de esperança nos dirigentes de nosso País que, ao meu ver, já estão de “pomba-gírice” há muito tempo, mas sobre o futuro da mensagem de Padilha que, tal qual fazia Sérgio Bianchi em seus filmes, mas sem arrebatar milhões de expectadores, novamente nos coloca em xeque:

    Se nada acontecer para mudar o cenário cancerígeno de nossos sistemas político e social, fodeu para todos nós. E, parafraseando Capitão Fábio (o modelo de nossa brasilidade), se “quer me foder? Então me beija!”

    Texto de autoria de Luciano Francisco.