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  • Crítica | Feito na América

    Crítica | Feito na América

    Tom Cruise é um dos poucos atores de Hollywood a manter a alcunha de astro. Destacado em uma época em que o nome era suficiente para resultar em uma boa bilheteria, independente da qualidade do filme, hoje sua carreira se mantém em produções de ação e aventura ou em tramas que envolvam ação física diretamente.

    Com a queda dos brucutus no meio da década de 90, e da ascendência de poucos atores do estilo em uma nova geração, Cruise se tornou uma espécie de ator misto, com uma boa qualidade técnica na interpretação quando possível (com direito a arroubos dramáticos), um charme que a idade ainda não destruiu, e uma dedicação intensa à cenas de ação, sempre desafiando a si mesmo como nas perigosas cenas da franquia Missão: Impossível.

    O ator retoma a parceria com Doug Liman, iniciada em 2014 no eficiente No Limite do Amanhã, para retratar uma história baseada em fatos reais que segue um estilo narrativo presente em diversas produções da última década: a trajetória de um personagem que utiliza as falhas e corrupções do sistema para benefício próprio. Para ficarmos em dois exemplos semelhantes: Steven Spielberg e a história de Frank Abagnale Jr em Prenda-Me se For Capaz. Martin Scorsese e seu Lobo de Wall Street. Obras que tem em comum personagens charmosos, corruptores, capazes de manipular a ordem de maneira quase indomável.

    Feito Na América segue a vertente contemporânea de explorar a década de 70 e 80 como uma nostalgia fetichista. Desde o logo da Universal que se transforma na vinheta antiga do estúdio à transposição cinematográfica dos conceitos analógicos, com defeitos causados pelas reproduções das fitas de vídeo, apresentando falhas propositais na imagem. Tudo é orquestrado para fornecer um registro de uma história antiga, destacando a personalidade de Barry Seal, um competente mas descontente piloto de aviões comerciais que realiza pequenas corrupções diárias, como vender charutos cubanos em território americano, e que não mede consequências quando oportunidades maiores batem em sua porta.

    Em uma época em que a Guerra Fria regia as tensões mundiais e os Estados Unidos tentavam evitar qualquer levante comunista na America Latina, Seal aceita a proposta de se tornar um agente da CIA em uma operação secreta, produzindo fotos aéreas de países com possíveis grupos comunistas. Pego em uma de suas viagens por traficantes, vislumbra a possibilidade de lucrar de ambos os lados, trabalhando tanto para o governo quanto para o famoso cartel de drogas de Medellin, na Colombia.

    Em uma trama com poucos conflitos, o personagem de Cruise representa o desequilíbrio de certas políticas americanas. Ações desesperadas que hoje parecem cômicas pelo improvável, mas que foram levadas a sério em sua execução. Em cena, Seal parece invencível, um homem charmoso e com lábia suficiente para convencer qualquer um de sua habilidade em resolver problemas. Ele é capaz de enganar a CIA, trair traficantes, evitar o sistema judiciário, esconder pilhas e pilhas de dinheiro sem nenhum medo. A potência de Tom Cruise corrobora a favor da personagem, embora a ausência de conflitos retire os tons dramáticos da história. Trata-se de uma obra que segue a vertente do espetáculo. As cenas que exploram esse mundo as avessas são boas, trazendo um riso irônico no público devido ao absurdo.

    A direção de Liman e a edição ágil de Andrew Mondshein (A Múmia, Chocolate, Sexto Sentido) se contrapõe a estética oitentista, revelando que o filme possui um registro cinematográfico atual, com grande parte das informações apresentadas em cenas rápidas. Focado em excesso no entretenimento e no estilo estético oitentista (um brega que não é mais cafona, mas sim nostálgico), a trama tem fôlego curto, mesmo que Cruise esteja bem em cena, dando credibilidade ao personagem.

    Ainda que a história se revele divertida, mantém a impressão de que se trata de um filme-produto, focado na exploração de conceitos em alta no mercado, como o anti-herói que dribla o sistema, a estética do videoclipe de cenas com cortes rápidos e a nostalgia oitentista como uma fórmula que atrai o público. Funciona como uma produção para assistir sem culpa, porém, um filme que se perderá facilmente da memória em um curto período de tempo pela falta de originalidade.

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  • Crítica | Conexão Escobar

    Crítica | Conexão Escobar

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    Pablo Escobar está na moda. Desde que a Netflix lançou Narcos, o maior traficante de drogas de todos os tempos ganhou status de ícone pop. Desde então, a curiosidade das pessoas sobre a sua história ficou aguçada. Entretanto, Conexão Escobar não é um filme centrado em El Patrón, mas em um agente alfandegário americano que se infiltrou em seu cartel.

    O filme conta a história de Robert Mazur, o agente da alfândega americana que, nos anos 80, se infiltrou no cartel de Escobar juntamente com Emir Abreu e Kathy Ertz com o intuito de desmantelar todo o esquema de lavagem de dinheiro do cartel de Escobar. O longa, cujo nome em inglês é The Infiltrator, é baseado no livro homônimo escrito pelo próprio Mazur.

    Por ser baseado em um livro que reporta fatos reais, o roteiro escrito por Ellen Brown Furman não possui um único ponto de apoio. Há uma multiplicidade de subtramas, que vão desde os problemas decorrentes de um trabalho infiltrado, como também os conflitos morais que a investigação gera no trio de agentes, principalmente no protagonista. Há uma fuga de soluções fáceis e de clichês, o que deixa o espectador positivamente surpreso. Entretanto, a direção de Brad Furman, de O Poder e a Lei, acaba sendo um pouco irregular. Furman tem muito esmero em trabalhar os personagens, com uma atenção especial em suas reações e emoções durante toda a investigação. A atmosfera de tensão que o diretor constrói em alguns momentos faz com que o espectador se insira no filme e habitualmente se coloque no lugar do protagonista e de seus parceiros. Porém, há um contraponto nisso tudo. Em determinados momentos, o diretor se entrega ao melodrama fácil, comprometendo a agilidade do filme e deixando a sua direção um pouco irregular.

    A fotografia de Joshua Reis consegue captar muito bem o trabalho de cenografia, que expressa muito bem o que foi a década de 80. Em conjunto com o figurino idealizado por Dinah Collins, toda a ambientação é muito bem trabalhada, principalmente na oposição dos ambientes glamourosos frequentados pelo protagonista Bryan Cranston e nas periferias escuras por onde o personagem de John Leguizamo costuma fazer incursões. A trilha sonora composta por Chris Hajian e as músicas da época apresentadas durante o filme também ajudam na imersão do espectador.

    Conexão Escobar também se beneficia da escolha de elenco. Cranston emula o Walter White de Breaking Bad em vários momentos, expressando muito bem os conflitos morais a que o seu personagem enfrenta. Leguizamo, está muito bem como Emir Abreu, o agente que é o oposto do protagonista Robert Mazur. Seu personagem é malandro e tem muito conhecimento de rua e é interessante observar como ele e Cranston trabalham a dinâmica dos dois, uma vez que ao longo da operação surge uma relação de amizade e extrema confiança mútua. Diane Kruger também se destaca como a novata Kathy Ertz, adição de última hora à operação. Sua personagem possui nuances interessantíssimas que fogem da lugar-comum da agente iniciante que somente assume posturas reverenciais aos mais escolados ou comprometem as investigações e além de compreender isso, a atriz torna a personagem magnética.

    Ainda que não seja um filme perfeito, Conexão Escobar cumpre bem seu papel de contar uma boa história sobre como os Estados Unidos iniciaram a sua cruzada contra Pablo Escobar.

  • Review | Narcos – 2ª Temporada

    Review | Narcos – 2ª Temporada

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    Após o reencontro entre José Padilha e Wagner Moura na primeira temporada de Narcos, na qual mostrou a ascensão e poder de Pablo Escobar (Moura) e o cartel de Medellín, a segunda temporada, retoma a trama exatamente onde a primeira terminou, com a fuga de Pablo da prisão, relatando o completo declínio e derrocada de seu império, culminando com a sua morte. Não sem antes fazer um relato preciso de uma das tantas histórias existentes não só na Colômbia, mas da América Latina, típica da obra de Gabriel García Márquez, caracterizado pela presença de elementos fantásticos dentro da realidade dura da vida cotidiana. A história de Escobar tem muito do realismo mágico, já que sua trajetória beira o absurdo e o surreal, afinal, entre seus feitos estão a criação de sua própria prisão, um zoológico particular em sua mansão, a explosão de um avião comercial, a morte de três candidatos à presidência, além de jornalistas e outros políticos.

    O realismo mágico novamente ganha terreno fértil nesta segunda temporada, continuando a mesclar um enredo semi-ficcional com fatos e personagens reais da caçada ao líder do Cartel de Medellín, sempre sob o ponto de vista do agente da DEA (Drug Enforcement Administration – Agência federal do Departamento de Justiça dos Estados Unidos encarregado da repressão e combate ao narcotráfico), Steve Murphy (Boyd Holbrook) – O narrador da história.

    A trama se encarrega a desenvolver, principalmente sob a ótica dos Estados Unidos, por meio do DEA, a realidade colombiana, apesar de incluir atores-chave importante no conflito, como o próprio Estado, os narcotraficantes, a guerrilha, e finalmente, os grupos paramilitares. Ator político esquecido na primeira temporada, mas que finalmente passa a ter um papel fundamental no cenário colombiano.

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    A série continua a demonstrar a ineficiência da política de combate as drogas norte-americana, e aqui, a obsessão anticomunista perde seu peso, diante da queda da União Soviética. Importante reforçar como essa política dá os rumos do Estado colombiano até os dias de hoje, culminando no referendo pelo acordo de paz com a FARC. Fato este relacionado ao fortalecimento dado aos grupos paramilitares de extrema-direita pelo próprio Estado colombiano como também ao apoio direto dos EUA.

    Além dos grupos paramilitares, aqui representados pelos irmãos Castaño, a participação do Cartel de Cali aumenta consideravelmente, principalmente com a união desses atores para a criação do grupo justiceiro Los Pepes (abreviação de Perseguidos por Pablo Escobar), com a participação da polícia colombiana e agentes norte-americanos.

    Interessante notar como os diretores dos episódios conseguem construir uma narrativa visual da degradação de Pablo e sua família, se antes, em muitos momentos Pablo dividia planos com sua família, aqui pouco a pouco ele passa a aparecer apenas em enquadramentos fechados. A fotografia saturada em tons amarelos e vermelhos traz um pouco do clima colombiano, como também da violência existente e o perigo constante na trama.

    narcos-escobarA dedicação de Wagner Moura ao personagem é impressionante. O ator ganhou peso, aprendeu espanhol, mimetizou cada trejeito de Escobar, seus olhares, o modo e o tom de suas fala. Uma entrega completa. Holbrook em sua interpretação ao agente norte-americano deu uma carga dramática interessante ao personagem, o que parece não acontecer com a realidade, já que Murphy, em suas entrevistas, já demonstrou ser uma figura bastante desprezível, algo bastante parecido ao que aconteceu em Sniper Americano, com a atuação de Bradley Cooper do atirador Chris Kyle.

    Pedro Pascal é um dos pontos altos da série como o agente latino do DEA Javier Peña, dando carisma ao personagem e dinamismo a trama, em momentos que isso se faz necessário. A direção novamente faz um ótimo trabalho ao relatar também por meios visuais que a dupla Peña/Murphy nunca foi plena ao posicionar ambos de forma antagônica quando estão no quadro.

    O isolamento é um dos grandes temas visuais existentes nesta segunda temporada de Narcos. Novamente essa questão é levantada, dessa vez por meio do Presidente colombiano César Gaviria (Raúl Méndez). Enquanto Pablo está sempre cercado por seus sicários (assassinos), Gaviria se vê sempre isolado de seus ministros e assessores.

    narcos-gaviria

    Os demais núcleos de personagens não ganham novas camadas de desenvolvimento, apenas são estabelecidos tal qual sua apresentação na temporada anterior, salvo o caso de Limón (Leynar Gomez), num belo trabalho de construção e desconstrução de personagem, demonstrando a vulnerabilidade de pessoas comuns quando expostos a uma realidade nova, tendo que mostrar o que tem de pior para sobreviver.

    Essa discussão é o ponto central da trama. Com o decorrer da temporada, já fica claro que a caçada à Pablo não tem por objetivo acabar com o narcotráfico, mas minimamente a destruição daquilo que ele representa. A simbologia por trás da figura de Pablo Escobar. A desconstrução desses mitos é demonstrada inclusive na volta de do Coronel Horacio Carrillo (Maurice Compte) a pedido do Presidente, reforçando que para o Estado pouco importa a forma empregada na caçada ao Pablo. Os fins justificam os meios.

    O desfecho da temporada culmina com a morte de Escobar e a mudança de foco da política norte-americana, agora voltada ao Cartel de Cali. As duas temporadas iniciais podem ser facilmente sintetizadas em uma só, e seu ponto forte está na forma como retrata seus personagens, evitando o maniqueísmo ou caminhos fáceis, típicos de obras do gênero que romantizam ou vitimizam demais um dos lados.

    https://www.youtube.com/watch?v=PagC89_hhXs

  • Review | Narcos – 1ª Temporada

    Review | Narcos – 1ª Temporada

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    Pautada no ideal de seriado típica do formato Netflix, Narcos consegue reunir em seu piloto as principais influências dos dois produtos mais notórios e distintos da filmografia do diretor José Padilha, com o caráter informativo e documental de Ônibus 174, e com a intenção dramática e denunciativa de Tropa de Elite, aproveitando-se da dubiedade típica da guerra civil instaurada nas ruas do Rio de Janeiro, emulando-as sobre a realidade vista nas ruas e estradas ermas da Colômbia e de todo o cone sul.

    A pauta do seriado criado por Cris Brancato, Paul Eckstein e Doug Miro é o realismo fantástico, onde os eventos corriqueiros seriam vistos por uma ótica escapista, utópica e até glamourizada, mas ainda assim verossímil dentro da abordagem narrativa, de certa forma referenciando a obra do autor colombiano Gabriel Garcia Márquez. Através de uma narração em off do agente da DEA Steve Murphy (Boyd Holbroock), o drama mostra os avanços gradativos dos policiais nas investigações sobre o tráfico de narcóticos, com uma abordagem íntima e invasiva, especialmente na construção de seu “herói”, Pablo Emilio Escobar Gaviria. A personificação de Wagner Moura, apesar da dificuldade de não projetar seu regionalismo na voz, convence em cada passo, apresentando uma faceta que equilibra assustadoramente bem carisma e imponência.

    O modus operandi da equipe de transporte internacional só não é mais surpreendente do que o detalhamento das expansões dentro do território colombiano, que envolvem dinheiro, poder e posturas mais enérgicas, bem como a demonstração de uma personalidade bastante ácida, e um modo de lidar com os subalternos, seus e os da autoridade, bastante ímpar e de empáfia quase irreal. O estilo que mescla documentário com cenas dramatizadas faz aviltar o quão contraditório é o modo como os Estados Unidos combatia a “epidemia” de drogas, apelando para aspectos agridoces de deboche, elevando a discussão que incrimina o capitalismo como regente de todos os males a um nível inteligente, sem apelar para o lugar comum, sendo palatável até para o espectador médio e incauto.

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    A intimidade de Pablo é analisada de modo enérgico, sexual e sanguinário, bem ao modo de seu estilo de vida, ostentado por dinheiro e poder. Sua tomada de influência é inteligente: utilizou o mesmo capital que escravizou seus antepassados para contrapor e contra-atacar os colonizadores que exploraram o seu povo, através de um ataque direto a figura internacional que detinha o poder até então.

    O projeto de vida marginal de Escobar passa também por uma edificação de sua figura controversa, mas bastante popular, que despertava o apreço do povo pelas construções que causavam no povo um maior conforto rotineiro. A diversão mostrada em seu cotidiano quase suplanta o processo enfadonho pelo qual passa Murphy como investigador, responsável por rastrear o encalço do homem poderoso. Os lados distintos também são diferenciados pela atmosfera que os cerca, apesar de haver crises claras de relações nas duas ambientações.

    O formato episódico lembra demais as recentes séries que envolvem o crime organizado, especialmente Família Soprano e Boardwalk Empire, que também visavam humanizar figuras marginais, normalmente demonizadas pela opinião pública, primeiro pela imprensa, depois através do conservadorismo imposto a patuleia. No entanto, não há qualquer aplacar culposo, já que os atos terroristas são narrados pelo agente da DEA.

    A incriminação apontada no texto não está evidentemente na figura do protagonista, mas sim no hipócrita discurso americano, que visa combater a lei de oferta e procura do modo mais imbecil possível ao caçar quem lucra de modo clandestino, ignorando os que lucram às custas de seu povo e de seus esforços. Ainda que as manifestações de vigor e restrição sejam comportamentos típicos das autoridades, o sofrimento é um aspecto comum aos subalternos, a parte da população comum e ordinária, que tem em sua carne as reais consequências e baixas. Murphy, em sua narração, deixa claro que os motivos das investigações ocorrerem é a quantidade de dinheiro ilegal que corre pelo país “livre” de impostos, algo que incomoda os lobistas, que tentam reaver o somatório de dinheiro como se este bem fosse exclusivo a eles.

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    A música de abertura, Tuyo, executada por Rodrigo Amarante remete a uma melancolia simplista, que exatamente por não combinar com o conteúdo complexo discutido nos roteiros, serve de contraponto à violência extrema narrada em partes documentais e dramatúrgicas.

    A partir do oitavo episódio, o glamour antes aviltado finalmente dá lugar em definitivo ao processo de perseguição, que faz todo o estilo de vida de Escobar deflagrar em uma franca deterioração, que emula, entre outros sentimentos, a também flagrante ruína moral pelo qual o personagem sofre e impõe a si mesmo.

    Narcos reúne em seu conteúdo um caráter denunciativo, em premissa, mas não em relação ao tráfico internacional de drogas, já demonizado pela sociedade tipicamente conservadora e pela imprensa. Mas pela abordagem. A maioria dos governantes realiza a chamada guerra às drogas primeiro em uma autocrítica ligeiramente enfática na atitude dos norte-americanos, em uma versão mais leve do que a da filmografia recente de Oliver Stone, e depois, criticando algumas das atitudes do Congresso colombiano, que se sentia protegido pelo mandante maior. Ao menos nas operações escondidas, o seriado é bastante acentuado, algumas vezes exigindo de seu espectador uma atenção maior para capturar as nuances da manipulação, muito além dos grossos e pesados investimentos financeiros na manutenção de um exército de coerção.

    A fala comum sobre o sotaque de Vagner Moura revela – entre tantos outros fatores – uma pobreza de espírito bastante comum por grande parte dos analistas críticos brasileiros. Negar que há alguns muitos tropeços gramaticais e de dialeto por parte do ator baiano é ignorar o óbvio, mas a atuação do protagonista vai muito além disso, pois é baseado em um profundo estudo dos trejeitos do empresário do pó, em uma ação até mais teatral do audiovisual, que supera e muito qualquer falta de semelhança física entre Moura e Escobar. É no comportamento e postura que o ator consegue apresentar um diferencial, suficiente para ofuscar qualquer indiscrição linguística, já que toda a identidade da lendária figura lá está. Curioso é como tal “fator” é encarado em terras brasileiras, revelando um conceito rodriguiano bastante forte, além de aludir a um seletivo modo de retrucar. O reducionismo e generalização torpe, artigos tão refutados pela crítica em geral, por vezes permeiam o comentário geral, o que afasta a análise da coerência que deveria pressupô-la.

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    O desfecho, no décimo episódio, finalmente abraça a condição de perseguição repleta de infelicidade e pesar, pondo Murphy e Escobar em pontos muito próximos, exibindo em detalhes sórdidos as ações de captura da DEA, mostrando a invasão de modo tático e eficiente, com um esmero para retratar a violência de um modo poucas vezes visto no audiovisual, condizente demais com a produção orquestrada por José Padilha e dirigida por tantos outros realizadores prolíficos, especialmente Fernando Coimbra, de Lobo Atrás da Porta, que apresenta um maravilhoso plano sequência em sua participação.

    O enlace finda de maneira misteriosa, em nada simples, provavelmente emulando as ambíguas questões a respeito do negócio e do consumo das substâncias que fazem este microuniverso girar. A semelhança de Narcos com Família Soprano não se dá somente pela abordagem fantástica da violência, mas também pela universalidade de seus temas, já que o fato de tocar na indústria que negocia entorpecentes serviria em abordagens diversas, ao menos em seu esqueleto. Em uma análise mais aprofundada, existe uma complexidade na discussão sobre economia, humanidade e especialmente sobre o consumo de um estilo de vida por parte da sociedade norte-americana baseado em hipocrisia e em exploração de prazeres proibidos, utilizando-se de pessoas reais para contar uma história quimérica, repleta de carisma, sangue, volúpia e vício, localizada entre muitos dos pecados capitais condenados pelo espectro conservador vigente.

  • Crítica | Pecados do Meu Pai

    Crítica | Pecados do Meu Pai

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    Documentário confessional, Pecados de Mi Padre inicia-se na análise da efervescente cena política colombiana, mostrando um país violento, com queimas de carros e revoltas populares em pleno asfalto, eventos que ajudaram a cercear algumas vidas do panorama nacional. É nesse cenário que será explorada a história de Pablo Escobar, narrada por seu filho, radicado na Argentina, e que até o nome mudou, de Juan Pablo para Sebastian Marroquin, factoide utilizado para livrar-se de maiores ligações da controversa figura paterna.

    Chega a ser curioso que a justificativa das ações do conhecido negociador de drogas seja feita pela pessoa que refutou o próprio nome, renunciando ao sangue que, para muitos, era maldito. Sem ignorar todo o poder que Escobar tinha do tráfico de cocaína, sendo ele um barão da mundial da droga, o documentário de Nicolas Entel mostra uma faceta normalmente ignorada pela opinião pública norte-americana. Relacionada a ambições políticas, a figura compreendia ações filantrópicas, com construções de casas populares e até mesmo o subsídio a populações mais pobres, além de sua enorme vontade de participar diretamente do pleito eleitoral, apoiando candidatos que lhe eram caros.

    A extrema agressividade de Pablo com seus adversários é muito bem escrutinada, com cenas de arquivos visuais da época, mostrando o carro, onde ocorreria um dos assassinatos, ainda repleto de sangue do vitimado, e uma entrevista com parentes de alguns dos mortos. Mortes encomendadas pelo chefe do cartel.

    O crime que causou a maior cisão entre Escobar e a opinião pública civil foi o assassinato do candidato à presidência Luis Carlos Galán, que era uma das esperanças do início de um processo de limpeza moral. A partir daí, o antigo ativista passou a ser visto como terroristame inimigo número um do país latino, perseguido por cada um dos membros normativos da sociedade colombiana. O estilo de vida esbanjador prosseguiu vivo mesmo com o criminoso encarcerado.

    Quase tão assustadora quanto a volúpia por sangue e violência presente no comportamento do “facínora”, foi a resposta da população com os remanescentes da família Escobar, logo após o falecimento de seu patriarca, sendo cada um deles caçado como se tivesse culpa dos atos de seu pai. Curiosamente, o principal aliado dos parentes, especialmente de Marroquin, foi exatamente o filho de Galán, Rodrigo Lara, eleito senador e configurando-se em um voraz defensor da legalização das drogas em território nacional.

    Pecados do Meu Pai dá voz a uma parcela importante da história da civilização moderna da Colômbia, sem fazer concessões ao principal personagem biografado, mas também fugindo de qualquer possibilidade de maniqueísmo, apresentando um panorama político e social ainda bastante presente, e em nada aplacado pelo brutal assassinato do personagem focado pela lente e estudo da película de Entel.