Tag: josé padilha

  • Review | O Mecanismo – 2ª Temporada

    Review | O Mecanismo – 2ª Temporada

    Em sua estréia, O Mecanismo foi chamado de mantenedor do status quo, principalmente por seu viés pró-direita. Nesse segundo, a série retoma sem grandes mudanças, mostrando Ruffo (Selton Mello) em seus momentos de narração forçada, com discurso político inflamado, dizendo ter amnésia voluntária, e de fato ele tem, especialmente quando julga os acontecimentos sociais do Brasil.

    O personagem principal pouco evoluiu, e isso se vê em sua configuração familiar, no modo como se veste e anda, além é claro de mostrar sua contínua obsessão com Ibrahim, o doleiro interpretado pelo excelente Enrique Diaz. Para não fugir da obviedade, ele louva sua pupila, Verena (Caroline Abras), que também retorna com um visual mais desleixado.

    Em meio a narração de Mello, o personagem diz algo simbólico para o seriado dali para a frente, falando com todas as letras “se eu xingo um político de esquerda, sou fascista, se eu xingo um de direita sou esquerda caviar…”, e afirma que ideologia é uma merda, e de fato, quando é tão despropositada e covarde quanto aqui, realmente não é nem um pouco boa. A série é tão sem identidade que ao mesmo tempo que levanta o argumento de que Curitiba (Moro e cia) tem muito poder, o faz colocando isso na boca de um jurista corrupto, sendo mais uma engrenagem do tal mecanismo.

    Do ponto de vista da narrativa, Ibrahim continua um ótimo personagem, manipulando sua família para conseguir agir, ainda que em prisão domiciliar. O Rico/Moro (Otto Júnior) é mostrado como “inocente” no grampo ilegal no telefone celular de Brecht/Odebrecht (Emilio Orciollo Neto), fato que o coloca como um paladino à procura de justiça, apesar de todas as declarações negativas de Padilha a respeito do atual ministro da justiça, mostrando que talvez essa temporada tenha sido pensado por ele e Elena Soares antes dessas novas conclusões.

    Existem alguns momentos de descontração, onde o investigador ilegal que Mello faz brinca de sinuca com o filho de uma testemunha ou ainda quando a trama se encaminha para o Paraguai. Há uma necessidade gigante dos realizadores de transformar o seriado em algo palatável, para toda a família. Resta a pergunta do motivo disso ocorrer. A trama ainda se equivoca em sua abordagem voltada a personagem de Verena, além de bastante repetitiva ao longo dos oito capítulos. Nem dentro da mentalidade reducionista de Mecanismo isso faz sentido.

    Há uma necessidade pueril de demonstrar fisicamente o estado de espírito dos personagens. Isso soa bobo nos tempos atuais, mas em 2019 reforça uma ideia preguiçosa em demonstrar o abalo que o personagem sofre apenas por suas roupas e falta de asseio, e não em diálogos bem construidos ou grandes atuações. Isso deflagra o quanto os personagens não evoluem, a tentativa não é de fazer a história crescer, e sim de mascarar essas questões, e pior, ainda há um louvor às ações ilegais, em prol de um justiçamento.

    Curiosamente, a série desdenha do Aécio da vez (personagem de Michel Bergovitch), pois seu Lúcio Lemes é mostrado como adicto em cocaína e um bon vivant, mas é tudo tão óbvio, que chega a ofender. Ao mesmo tempo que o roteiro condena as pedaladas fiscais de Dilma/Janete como estopim do impeachment, ele também afirma categoricamente que as ações do PT seriam motivo suficiente para derrubar um presidente. O texto segue confuso, não sabendo para onde apontar seus canhões e insiste demais em referências a Augusto dos Anjos, basicamente para tentar sofisticar as conversas e falas. As intenções dos produtores podem ser boas, mas postas dessa forma, soam oportunistas. As boas intenções se perdem nas repetições de ciclo, epifanias de Ruffo com sua filha (em um déjà vu da primeira temporada) e no sentido de colocar Verena dizendo que não queria interferir na política.

    É um bocado complicado não notar a arrogância e pretensão da série, que se julga pioneira em algo que até Polícia Federal: A Lei é Para Todos já fez. O discurso infantil de Fora Todos, e algumas obsessões ditas pela narração não fazem qualquer sentido, e não são trabalhadas em tela. Momentos que deveriam transbordar emoção não o fazem, e a reconstituição dos votos do impeachment na Câmara dos Deputados é tão mal feita que parece um teatro de escola, salvo a boa participação do dublador Garcia Júnior como o paralelo de Jair Bolsonaro.

    Os momentos finais guardam outras vergonhas, como a descrição da delação de Ricardo Brecht, que faz lembrar o que Michael Peña fez em Homem-Formiga e Homem-Formiga e a Vespa, no entanto, as bizarrices moram nas partes mais sérias. Ao menos alguns dos personagens consegue superar seus traumas, e na parte emocional ciclos são fechados, mas a pretensão de tentar cobrir absolutamente tudo não soa nada inteligente, ainda mais quando Verena e Ruffo dizem que uma fase obscurantista pode ocorrer. Há uma isenção dos dois nesse processo, eles se livram da culpa na participação desse possível cenário, e é natural que isso ocorra, pois são apenas peões num jogo muito mais complexo, complexidade essa jamais alcançada na série.

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  • Agenda Cultural 66 | Cinema, Cobra Kai e Blacksad

    Agenda Cultural 66 | Cinema, Cobra Kai e Blacksad

    Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira) e Filipe Pereira (@filipepereiral) recebem Davi Garcia (@dav1garcia), do Ligado em Série e Cine Alerta, comentam sobre o que rolou no circuito de cinema; o terceiro volume de Blacksad, publicado pela Sesi-SP; Cobra Kai e outras séries.

    Duração: 64 min.
    Edição: Julio Assano Junior
    Trilha Sonora: Flávio Vieira e Julio Assano Junior
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    Bruno Gaspar

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    VortCast 57 | Vingadores: Guerra Infinita

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    Crítica Arábia
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    The Good Fight
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  • Agenda Cultural 65 | Car Wash, Lionélson ataca novamente, 1000 edições de Superman

    Agenda Cultural 65 | Car Wash, Lionélson ataca novamente, 1000 edições de Superman

    Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira) e Filipe Pereira (@filipepereiral) recebem o convidado Wilker Medeiros (@willtage) para bater um papo sobre o que rolou nos cinemas, as polêmicas envolvendo a série “O Mecanismo”, a edição comemorativa de Actions Comics e muitos mais.

    Duração: 93 min.
    Edição: Julio Assano Junior
    Trilha Sonora: Flávio Vieira e Julio Assano Junior
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    Review O Mecanismo – 1ª Temporada (Vídeo Cinema Raiz)
    Jessica Jones – 2ª Temporada

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    Crítica Projeto Flórida (Alerta Vermelho #68)
    Crítica 15h17: Trem Para Paris
    Crítica Operação Red Sparrow
    Crítica O Passageiro
    Crítica Tomb Raider: A Origem
    Crítica Círculo de Fogo: A Revolta
    Crítica A Melhor Escolha
    Crítica Jogador Nº 1

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  • Crítica | 7 Dias em Entebbe

    Crítica | 7 Dias em Entebbe

    Após trazer a luz a refilmagem de Robocop, José Padilha se aventurou pela dramaturgia televisiva, nos recentes Narcos e O Mecanismo. 7 Dias em Entebbe é seu retorno ao cinema americano e conta a história de um caso famoso em 1976, quando ocorreu o sequestro de um avião francês que continha alguns israelenses. O sequestro foi organizado por um grupo revolucionário pró Palestina, formado por alemães inexperientes com o dever revolucionário, mas claramente bem intencionados. Os personagens principais são Wilfried Böse (Daniel Brühl) e Brigitte Kuhlmann (Rosamund Pike), da parte dos sequestradores, além é claro de alguns soldados israelenses, normalmente representados por Zeev Hirsch (Ben Schnetzar).

    Padilha mostra já no inicio a diferença de seu modo de contar história no Brasil e no exterior. Ao contrário do que havia feito em Tropa de Elite e Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora é Outro, não há narração em off. Em comum com produtos mais recentes de sua filmografia, a abordagem erra na representação do pensamento revolucionário. Os personagens de Brühl e Pike são mostrados como idealistas distantes demais do bom senso e de qualquer realidade tangível, são mostrados como ignorantes que não conseguem realizar qualquer mínima ação mais violenta, tampouco planejar uma forma pacífica de agir com os reféns levando em conta que são no final das contas, idealistas humanitários. O ideal dos personagens é mostrado de uma forma confusa, de maneira tão caricata que faz perguntar se a ideia do roteiro de Gregory Burke não é fazer piadas com esse núcleo.

    O longa possui tantos núcleos de personagens que faz ele parecer um filme coral. a questão é fora os ativistas da Alemanha todos os outros são bidimensionais, incluindo aí os soldados israelenses e outros guerrilheiros palestinos. As pessoas que deveriam ser os heróis além de soarem como personagens de plano de fundo raso,  agem de forma pueril. O máximo de aprofundamento que acontece com eles são nas cenas de ação onde os mesmos correm com os cabelos ao vento, em sequências tão fracas que fazem perguntar se referenciam os filmes de Michael Bay, em especial 13 Horas: Os Soldados Secretos de Benghazi.

    As discussões sob viés ideológico também soam pueris. Em um determinado momento o personagem de Brühl é confrontado por um companheiro de revolução, e ele de maneira clichê , joga na cara deste que sua vida na Europa é abastada e que por isso ele automaticamente não teria a mesma força de vontade dos outros revolucionários. Essa mensagem nem precisa ser invalidada, mas a sua colocação desta forma soa óbvia e muito ingênua o que é péssimo visto que o filme se pretende levar a sério como um thriller.

    Padilha trouxe alguns amigos pra trabalhem com ele: a fotografia é de Lula Carvalho, música de Rodrigo Amarante e montagem de Daniel Rezende. O problema é que nenhum desses elementos é bem encaixado na trama. A montagem em alguns momentos é pontuada por erros grosseiros de continuidade, e o ritmo de filme causa enfado. A fotografia deixa elementos escuros demais sobressaírem, e a música não é ruim, mas tem destaque num momento complicado do filme que é no núcleo de dançarino, exatamente no momento onde o roteiro se torna mais desnecessário dramaticamente falando, uma vez que praticamente nada aqui interfere realmente nas tramas principais.

    7 dias em Entebbe é um filme que não causa quase impacto nenhum no público, a tensão que deveria ser seu mote principal é cortada por momentos de longas  discussões políticas rasas e que pesam principalmente por não conter qualquer viés de julgamento, resultando em uma falta de reflexão onde sobra a isenção que os críticos de José Padilha gostam de amputar a si. Quando o filme tem escolher um lado, não o faz, isso ocorre entre outros fatores pela covardia de seus realizadores, que contam uma história densa e complicada sem conseguir refletir sequer sobre o caráter dúbia de toda essa situação.

    https://www.youtube.com/watch?v=raJNjSSqHxc

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  • Review | O Mecanismo – 1 ª Temporada

    Review | O Mecanismo – 1 ª Temporada

    Depois de sair do país, José Padilha se dedicou a produções com investimento estrangeiro. Robocop não foi o sucesso que os estúdios imaginavam, mas a parceria com a Netflix em Narcos deu muito certo. Dessa vez, ele é o principal produtor deste seriado brasileiro que trata de uma questão cara ao noticiário local. O Mecanismo tenta desbravar os meandros da investigação, ainda em andamento, da Operação Lava-Jato, baseando-se principalmente na obra Lava Jato – O Juiz Sérgio Moro e os Bastidores da Operação que Abalou o Brasil, do autor e jornalista Vladimir Netto.

    A série começa polêmica além do material de fonte, uma vez que Padilha — que dirige o piloto — é um sujeito que costuma utilizar muita narração em off, tal qual fez em Tropa de Elite e Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora é Outro. Na maior parte dos momentos, as narrações de Marco Ruffo (Selton Mello) e Verena Cardoni (Caroline Abras) soam fracas e expositivas demais. Em vários momentos, as falas antecipam cenas que comunicam por si só, e além disso, há uma tentativa de tornar os personagens da polícia em heróis infalíveis e até beatos, em especial o personagem de Mello, uma vez que Verena é sexualizada (e muito) no decorrer dos oito episódios. A questão da sexualidade também é controversa, herança essa de Narcos, que mostrava cenas sensuais abertamente. Aqui, elas são encaixadas de maneira gratuita, quase em exagero para mostrar que os personagens são humanos. A falta de sutileza, porém, quase soa ofensiva.

    A investigação da corrupção que move o Brasil começa por motivos pessoais. Ruffo é conhecido de longa data do doleiro Roberto Ibrahim, interpretado por Enrique Diaz em grandíssima fase e desempenho. Ele é claramente o paralelo com Alberto Youssef, e tal qual em Policia Federal: A Lei é Para Todos, seu personagem é um show à parte, já que todo o carisma que inexiste nos outros personagens, sobra nele. O sujeito espirituoso e corrupto destoa demais do protagonista, um sujeito ranzinza e paranoico, capaz de transmitir a mesma condição para Verena, sua pupila.

    Desde o piloto há um maniqueísmo absurdo, chegando ao cúmulo de Verena acenar para um dos vilões corruptos ao ver Marco quebrando a moto de um dos malfeitores. Nem antes e nem depois, a personagem mostrou ter um senso de humor apurado, uma cena composta para imitar certo humor americano, nada parecido com o que se faz no Brasil.

    Também é curioso a maneira como foi inserido a origem da série nos créditos. Citada muito rapidamente, em um frame rápido daqueles que, caso o publico pisque, poderá perder a referencia a Vladimir Netto. A escolha por utilizar tal fonte é interessante, uma vez que Padilha normalmente julga atitudes de políticos tanto a esquerda quanto a direita. Aliás, debocha de ambos, tanto de figuras como Michel Temer e Aécio Neves como as de Lula e Dilma Rouseff. Mas a escolha do material base claramente tem um viés bastante crítico aos anos do governo petista.

    As figuras históricas do PT — aqui chamado de Partido Operário — são mostradas de forma caricata e muito cínica, não são tão toscas quanto em Polícia Federal: A Lei é Para Todos, mas carecem de carisma igual as versões de Ary Fontoura e Cia. Interessante apontar que ator Arthur Khol, está presente em duas obras recentes envolvendo a política do país. Aqui interpreta João Higino, que é o paralelo com o ex-presidente Lula. Em  Real: O Plano Por Trás da História fez o ministro José Serra, à época ainda deputado. Mas diferente do papel do deputado, ele não imita os trejeitos do político, aliás, não chega a ser tão vingativo e rancoroso quanto o Lula de Fontoura, mas é cínico e sem o carisma que é peculiar ao político do ABC paulista.

    A trilha sonora é repleta de sucessos, como Bichos Escrotos dos Titãs e Você Me Deve dos Racionais MC. Porém, o problema é a execução delas em cena, atrelada aos homens que financiam as campanhas. A mira das críticas de ambas canções é bem diferente dessa visão maniqueísta e quase infantilizada construída pelo texto de  Elena Soarez e Padilha. Mesmo quando se debocha de figuras idolatradas pelos mais conservadores — como o representante do japonês da federal, mostrado como um policial incompetente — há um tímido julgamento sobre as ações da polícia. Fato que nos faz perguntar qual a intenção narrativa da série se comparada a composição de Tropa de Elite? Em Tropa, há uma desconstrução do papel dessas autoridades. Porém, aqui eles são os paladinos e, claro, aliados ao poder judiciário.

    A versão alternativa de Sergio Moro é vivida por Otto Junior e chamado de Paulo Rigo. Mostrado como um sujeito vaidoso, afirmação dita com todas as letras. No entanto, quando está em sua intimidade, o juiz é mostrado lendo uma revista de super-herói, com estampa de “O Vigilante”. Ou seja, a visão do seriado é clara: o personagem se enxerga como um justiceiro de histórias em quadrinhos, ainda que sua personificação não seja tão caricata quanto aquela vista na interpretação de Marcelo Serrado em Policia Federal, que também trata da Lava-Jato.

    Da parte dos diretores, Padilha é acompanhado por Daniel Rezende (Bingo: O Rei das Manhãs), Marcos Prado (Curumim e Paraísos Artificiais) e Felipe Prado (primeira vez como diretor, foi produtor de Tropa 2 junto a Marcos). A fotografia é assinada por Lula Carvalho e Azul Serra e a podridão do cenário abaixo do patamar político é muito bem exemplificado pelos aspectos técnicos.

    O cenário político é caótico, mas a série gasta seus minutos mais focada no núcleo policial em que há um problema terrível de concepção. O sujeito infiltrado, por exemplo, chamado de “contador capiau” (Osvaldo Mil) aparenta ser um sujeito não confiável desde o começo, surpreendendo como investigadores federais não perceberem a dubiedade de sua identidade, ainda mais com pistas tão evidentes, inclusive em relação ao seu local de origem, variando entre Rondônia e Londrina.  A situação é tão clamorosa que chega a ser cômica, assim como o plot twist envolvendo Ruffo e a metade da temporada. O roteiro de Soarez diverge demais do que Bráulio Mantovani e o próprio Padilha fizeram em Tropa de Elite. Se vê pouco ou nenhum apego a realidade tangível, mas sim muitos momentos de heroísmo maniqueísta.

    Em comum com Tropa de Elite 2, há o argumento, da parte dos acusados, de que as investigações contra corrupção só ocorrem por movimento político em época de eleições. Nesse ponto, o seriado acerta, uma vez que deveria haver o mesmo rigor tanto em momentos de eleição quanto em outros momentos.  A questão é que isso é muito pouco e a escolha de Padilha por contar sua historia com a investigação em andamento é igualmente discutível. Há o argumento de que o distanciamento faz com que a palavra evidencie os vencedores na narrativa, enquanto a proximidade temporal gera nuances únicas, e se evita o maniqueísmo, que por sua vez gera demonizações e heroísmos desnecessários. Fato é que a infantilidade encontrada tanto nas posições políticas quanto nas curvas dramáticas não combinam com essa fala. A historia segue, com uma epifania de Ruffo, digna de teóricos da conspiração, e ele percebe o obvio: uma rede de corrupção no Brasil, e isso o faz parecer frágil e redundante como uma criança que acaba de ser desmamada.

    O oitavo episódio termina com um gancho, para uma provável segunda temporada, mas seu desfecho é fraco e incorre novamente a questões pessoais com o clássico Juízo Final, interpretado por Seu Jorge, exibido em cena, versão essa já utilizada em outro trabalhos de Padilha. Tem-se a impressão que o destino do país está nas mãos de investigadores cujas intimidades são frágeis. A ideia de fraqueza geral e o ceticismo do povo que os produtores desejam passar é bem diluída em meio a tentativa de soar neutra, fato que obviamente fracassa. O Mecanismo ao menos tem um bom ritmo, provavelmente causando no público a vontade de maratonar os episódios super movimentados. Mas ainda soa como um novelão sem compromisso com a realidade, ao contrario dos outros produtos do diretor.

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  • Review | Narcos – 2ª Temporada

    Review | Narcos – 2ª Temporada

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    Após o reencontro entre José Padilha e Wagner Moura na primeira temporada de Narcos, na qual mostrou a ascensão e poder de Pablo Escobar (Moura) e o cartel de Medellín, a segunda temporada, retoma a trama exatamente onde a primeira terminou, com a fuga de Pablo da prisão, relatando o completo declínio e derrocada de seu império, culminando com a sua morte. Não sem antes fazer um relato preciso de uma das tantas histórias existentes não só na Colômbia, mas da América Latina, típica da obra de Gabriel García Márquez, caracterizado pela presença de elementos fantásticos dentro da realidade dura da vida cotidiana. A história de Escobar tem muito do realismo mágico, já que sua trajetória beira o absurdo e o surreal, afinal, entre seus feitos estão a criação de sua própria prisão, um zoológico particular em sua mansão, a explosão de um avião comercial, a morte de três candidatos à presidência, além de jornalistas e outros políticos.

    O realismo mágico novamente ganha terreno fértil nesta segunda temporada, continuando a mesclar um enredo semi-ficcional com fatos e personagens reais da caçada ao líder do Cartel de Medellín, sempre sob o ponto de vista do agente da DEA (Drug Enforcement Administration – Agência federal do Departamento de Justiça dos Estados Unidos encarregado da repressão e combate ao narcotráfico), Steve Murphy (Boyd Holbrook) – O narrador da história.

    A trama se encarrega a desenvolver, principalmente sob a ótica dos Estados Unidos, por meio do DEA, a realidade colombiana, apesar de incluir atores-chave importante no conflito, como o próprio Estado, os narcotraficantes, a guerrilha, e finalmente, os grupos paramilitares. Ator político esquecido na primeira temporada, mas que finalmente passa a ter um papel fundamental no cenário colombiano.

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    A série continua a demonstrar a ineficiência da política de combate as drogas norte-americana, e aqui, a obsessão anticomunista perde seu peso, diante da queda da União Soviética. Importante reforçar como essa política dá os rumos do Estado colombiano até os dias de hoje, culminando no referendo pelo acordo de paz com a FARC. Fato este relacionado ao fortalecimento dado aos grupos paramilitares de extrema-direita pelo próprio Estado colombiano como também ao apoio direto dos EUA.

    Além dos grupos paramilitares, aqui representados pelos irmãos Castaño, a participação do Cartel de Cali aumenta consideravelmente, principalmente com a união desses atores para a criação do grupo justiceiro Los Pepes (abreviação de Perseguidos por Pablo Escobar), com a participação da polícia colombiana e agentes norte-americanos.

    Interessante notar como os diretores dos episódios conseguem construir uma narrativa visual da degradação de Pablo e sua família, se antes, em muitos momentos Pablo dividia planos com sua família, aqui pouco a pouco ele passa a aparecer apenas em enquadramentos fechados. A fotografia saturada em tons amarelos e vermelhos traz um pouco do clima colombiano, como também da violência existente e o perigo constante na trama.

    narcos-escobarA dedicação de Wagner Moura ao personagem é impressionante. O ator ganhou peso, aprendeu espanhol, mimetizou cada trejeito de Escobar, seus olhares, o modo e o tom de suas fala. Uma entrega completa. Holbrook em sua interpretação ao agente norte-americano deu uma carga dramática interessante ao personagem, o que parece não acontecer com a realidade, já que Murphy, em suas entrevistas, já demonstrou ser uma figura bastante desprezível, algo bastante parecido ao que aconteceu em Sniper Americano, com a atuação de Bradley Cooper do atirador Chris Kyle.

    Pedro Pascal é um dos pontos altos da série como o agente latino do DEA Javier Peña, dando carisma ao personagem e dinamismo a trama, em momentos que isso se faz necessário. A direção novamente faz um ótimo trabalho ao relatar também por meios visuais que a dupla Peña/Murphy nunca foi plena ao posicionar ambos de forma antagônica quando estão no quadro.

    O isolamento é um dos grandes temas visuais existentes nesta segunda temporada de Narcos. Novamente essa questão é levantada, dessa vez por meio do Presidente colombiano César Gaviria (Raúl Méndez). Enquanto Pablo está sempre cercado por seus sicários (assassinos), Gaviria se vê sempre isolado de seus ministros e assessores.

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    Os demais núcleos de personagens não ganham novas camadas de desenvolvimento, apenas são estabelecidos tal qual sua apresentação na temporada anterior, salvo o caso de Limón (Leynar Gomez), num belo trabalho de construção e desconstrução de personagem, demonstrando a vulnerabilidade de pessoas comuns quando expostos a uma realidade nova, tendo que mostrar o que tem de pior para sobreviver.

    Essa discussão é o ponto central da trama. Com o decorrer da temporada, já fica claro que a caçada à Pablo não tem por objetivo acabar com o narcotráfico, mas minimamente a destruição daquilo que ele representa. A simbologia por trás da figura de Pablo Escobar. A desconstrução desses mitos é demonstrada inclusive na volta de do Coronel Horacio Carrillo (Maurice Compte) a pedido do Presidente, reforçando que para o Estado pouco importa a forma empregada na caçada ao Pablo. Os fins justificam os meios.

    O desfecho da temporada culmina com a morte de Escobar e a mudança de foco da política norte-americana, agora voltada ao Cartel de Cali. As duas temporadas iniciais podem ser facilmente sintetizadas em uma só, e seu ponto forte está na forma como retrata seus personagens, evitando o maniqueísmo ou caminhos fáceis, típicos de obras do gênero que romantizam ou vitimizam demais um dos lados.

    https://www.youtube.com/watch?v=PagC89_hhXs

  • Crítica | Decisão de Risco

    Crítica | Decisão de Risco

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    Dirigido por Gavin Hood, Decisão de Risco narra uma situação que inicialmente seria apenas a operação de captura de uma das cinco maiores terroristas, em Nairóbi, no Quênia, transformando-se em uma operação de eliminação de três perigosos terroristas em vias de cometer um atentado. Da Inglaterra, a coronel Katherine Powell (Helen Mirren) e o general Frank Benson (Alan Rickman) acompanham a movimentação através de drones estrategicamente posicionados.

    Mesmo não sendo o foco da narrativa, não é possível ignorar o questionamento sobre o uso dos drones como aparato militar. E o roteiro o faz de modo mais coerente e eficiente que a miscelânea mal estruturada do Robocop, dirigido por José Padilha. O grau de miniaturização dos artefatos impressiona e, mesmo duvidando que aqueles usados no filme sejam “de verdade”, uma pesquisa rápida esclarece que a mecânica de voo utilizada neles é perfeitamente factível.

    Apesar de, a princípio, parecer que a intenção da história é essa discussão sobre o uso dos drones, o roteiro vai bem além. Assistindo ao filme, o espectador se pergunta: até que ponto é aceitável bisbilhotar e invadir a intimidade de uma casa? Qual é o limite entre o respeito à privacidade e a prevenção de violência de qualquer tipo? E, polarizando ainda mais, quanto falta para que essa tecnologia deixe de ser aplicada apenas como recurso militar em defesa da segurança mundial e passe a fazer parte do cotidiano?

    Mas o ponto central da trama não é esse. É uma versão do clássico “dilema do bonde” ou “dilema do trem”. Apresentado a voluntários pelo filósofo e psicólogo evolutivo Joshua Greene, da Universidade Harvard, em linhas gerais, propõe o seguinte:

    Um trem está prestes a atingir cinco pessoas que trabalham desprevenidas sobre a linha. Você tem a chance de evitar a tragédia acionando uma alavanca que leva o trem para um desvio, onde ele atingirá apenas uma pessoa. Você mudaria o trajeto?

    A maioria das pessoas diz que é aceitável mudar o trajeto e matar uma pessoa em vez de cinco. Há, nessa reação uma mescla entre o impulso biológico de preservação da espécie e a consciência moral de favorecer um “bem maior”. Mas a ética de escolher o mal menor tem alguns problemas. É possível mensurar o valor de uma vida para conseguir tomar essa decisão? Quem garante que essa outra pessoa que se escolheu matar não seria responsável por atos infinitamente mais benéficos à humanidade que as outras cinco, que foram salvas? E, não só isso, multiplique-se a quantidade de pessoas por milhares ou milhões e chegamos a uma situação similar à maioria dos regimes totalitaristas. O extermínio dos “diferentes” para benefício da maioria. Visto dessa forma, a decisão ainda é válida?

    Sobre a questão de mensurar o valor da vida, há uma cena bastante instigante, em que o general Benson está aguardando a decisão dos membros do alto escalão sobre a ação contra os terroristas, e uma executiva do governo norte-americano entra em contato. Ela explica que eles – exército e/ou governo americano – fazem uso de uma escala de pontuação (algo como a escala Richter de terremotos) para avaliar estatisticamente a situação e evitar que dilemas éticos e morais “atrapalhem” a tomada de decisão. E que, na presente operação, essa pontuação indica que a decisão correta é exterminar os terroristas o mais rápido possível.

    Inevitavelmente, a opinião do espectador oscila à medida que acompanha o evoluir da situação, já que não há uma verdade absoluta que dê conta de resolver esse dilema ético. Afinal, como é dito logo no início do filme, “Na guerra, a primeira coisa que perece é a verdade”. Em cada um dos locais em que a ação se desenrola, exibe-se uma das facetas da questão. Se, em dado momento, o espectador está convicto de sua opinião, no momento seguinte algo pode fazê-lo mudar de ideia com a mesma convicção anterior.

    E a montagem do filme colabora para esse alternar entre as diversas facetas da questão. Cada um dos cenários tem seus próprios pequenos dilemas. Em Nairóbi, Jama Farah (Barkhad Abdi) se arrisca para conseguir se aproximar do local onde os terroristas estão reunidos. Na cabine de operações, Steve Watts (Aaron Paul) e Carrie Gershon (Phoebe Fox), de certa forma representando o espectador, questionam as decisões tomadas e as ordens recebidas. No QG, a coronel Powell se esforça para chegar a termo da missão, driblando meandros legais. No gabinete do Ministério da Defesa estão o ministro Brian Woodale (Jeremy Northam), o procurador-geral George Matherson (Richard McCab), a conselheira parlamentar Angela Northman (Monica Dolan) deliberando sobre a decisão a ser tomada e pesando as implicações éticas, legais e políticas, sempre mediados pelo general Benson. Sem se demorar demais em cada um dos quatro locais, a montagem consegue dar ao filme o ritmo correto, nem lento nem corrido demais, fazendo as mudanças de locação agirem de forma a manter a tensão da narrativa.

    A direção de fotografia também está muito bem feita. Sem exagerar nos close-ups, consegue deixar o cubículo em que estão os operadores ainda mais claustrofóbico. Usa alguns enquadramentos das filmagens aéreas para intensificar a tensão e o suspense da trama. E, sendo um filme de guerra, sem ser um filme de ação, a câmera mantém-se sóbria, sem muitas movimentações, muitas vezes sendo apenas mera espectadora dos eventos.

    Além de os personagens serem suficientemente bem construídos a ponto de fazer o espectador se importar com eles, o elenco garante boas atuações. Helen Mirren e Alan Rickman (em seu último papel no cinema) em ótimas performances, dão a seus personagens a dose correta de seriedade e de urgência nas cenas. Aaron Paul, assim como o Jesse Pinkman em Breaking Bad, dá à trama a carga emocional necessária. E vale destacar Barkhad Abdi, que dá a seu personagem a justa dimensão da dificuldade de ação de um agente disfarçado num local como aquele.

    Um filme de guerra sem oficiais berrando ordens no campo de batalha, nem saraivadas de tiros, nem soldados olhando fotos da família. Um roteiro que facilmente poderia pender para a pieguice, mas que consegue não apenas se sustentar como um ótimo suspense mas também instigar o público a (tentar) escolher um lado.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Review | Narcos – 1ª Temporada

    Review | Narcos – 1ª Temporada

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    Pautada no ideal de seriado típica do formato Netflix, Narcos consegue reunir em seu piloto as principais influências dos dois produtos mais notórios e distintos da filmografia do diretor José Padilha, com o caráter informativo e documental de Ônibus 174, e com a intenção dramática e denunciativa de Tropa de Elite, aproveitando-se da dubiedade típica da guerra civil instaurada nas ruas do Rio de Janeiro, emulando-as sobre a realidade vista nas ruas e estradas ermas da Colômbia e de todo o cone sul.

    A pauta do seriado criado por Cris Brancato, Paul Eckstein e Doug Miro é o realismo fantástico, onde os eventos corriqueiros seriam vistos por uma ótica escapista, utópica e até glamourizada, mas ainda assim verossímil dentro da abordagem narrativa, de certa forma referenciando a obra do autor colombiano Gabriel Garcia Márquez. Através de uma narração em off do agente da DEA Steve Murphy (Boyd Holbroock), o drama mostra os avanços gradativos dos policiais nas investigações sobre o tráfico de narcóticos, com uma abordagem íntima e invasiva, especialmente na construção de seu “herói”, Pablo Emilio Escobar Gaviria. A personificação de Wagner Moura, apesar da dificuldade de não projetar seu regionalismo na voz, convence em cada passo, apresentando uma faceta que equilibra assustadoramente bem carisma e imponência.

    O modus operandi da equipe de transporte internacional só não é mais surpreendente do que o detalhamento das expansões dentro do território colombiano, que envolvem dinheiro, poder e posturas mais enérgicas, bem como a demonstração de uma personalidade bastante ácida, e um modo de lidar com os subalternos, seus e os da autoridade, bastante ímpar e de empáfia quase irreal. O estilo que mescla documentário com cenas dramatizadas faz aviltar o quão contraditório é o modo como os Estados Unidos combatia a “epidemia” de drogas, apelando para aspectos agridoces de deboche, elevando a discussão que incrimina o capitalismo como regente de todos os males a um nível inteligente, sem apelar para o lugar comum, sendo palatável até para o espectador médio e incauto.

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    A intimidade de Pablo é analisada de modo enérgico, sexual e sanguinário, bem ao modo de seu estilo de vida, ostentado por dinheiro e poder. Sua tomada de influência é inteligente: utilizou o mesmo capital que escravizou seus antepassados para contrapor e contra-atacar os colonizadores que exploraram o seu povo, através de um ataque direto a figura internacional que detinha o poder até então.

    O projeto de vida marginal de Escobar passa também por uma edificação de sua figura controversa, mas bastante popular, que despertava o apreço do povo pelas construções que causavam no povo um maior conforto rotineiro. A diversão mostrada em seu cotidiano quase suplanta o processo enfadonho pelo qual passa Murphy como investigador, responsável por rastrear o encalço do homem poderoso. Os lados distintos também são diferenciados pela atmosfera que os cerca, apesar de haver crises claras de relações nas duas ambientações.

    O formato episódico lembra demais as recentes séries que envolvem o crime organizado, especialmente Família Soprano e Boardwalk Empire, que também visavam humanizar figuras marginais, normalmente demonizadas pela opinião pública, primeiro pela imprensa, depois através do conservadorismo imposto a patuleia. No entanto, não há qualquer aplacar culposo, já que os atos terroristas são narrados pelo agente da DEA.

    A incriminação apontada no texto não está evidentemente na figura do protagonista, mas sim no hipócrita discurso americano, que visa combater a lei de oferta e procura do modo mais imbecil possível ao caçar quem lucra de modo clandestino, ignorando os que lucram às custas de seu povo e de seus esforços. Ainda que as manifestações de vigor e restrição sejam comportamentos típicos das autoridades, o sofrimento é um aspecto comum aos subalternos, a parte da população comum e ordinária, que tem em sua carne as reais consequências e baixas. Murphy, em sua narração, deixa claro que os motivos das investigações ocorrerem é a quantidade de dinheiro ilegal que corre pelo país “livre” de impostos, algo que incomoda os lobistas, que tentam reaver o somatório de dinheiro como se este bem fosse exclusivo a eles.

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    A música de abertura, Tuyo, executada por Rodrigo Amarante remete a uma melancolia simplista, que exatamente por não combinar com o conteúdo complexo discutido nos roteiros, serve de contraponto à violência extrema narrada em partes documentais e dramatúrgicas.

    A partir do oitavo episódio, o glamour antes aviltado finalmente dá lugar em definitivo ao processo de perseguição, que faz todo o estilo de vida de Escobar deflagrar em uma franca deterioração, que emula, entre outros sentimentos, a também flagrante ruína moral pelo qual o personagem sofre e impõe a si mesmo.

    Narcos reúne em seu conteúdo um caráter denunciativo, em premissa, mas não em relação ao tráfico internacional de drogas, já demonizado pela sociedade tipicamente conservadora e pela imprensa. Mas pela abordagem. A maioria dos governantes realiza a chamada guerra às drogas primeiro em uma autocrítica ligeiramente enfática na atitude dos norte-americanos, em uma versão mais leve do que a da filmografia recente de Oliver Stone, e depois, criticando algumas das atitudes do Congresso colombiano, que se sentia protegido pelo mandante maior. Ao menos nas operações escondidas, o seriado é bastante acentuado, algumas vezes exigindo de seu espectador uma atenção maior para capturar as nuances da manipulação, muito além dos grossos e pesados investimentos financeiros na manutenção de um exército de coerção.

    A fala comum sobre o sotaque de Vagner Moura revela – entre tantos outros fatores – uma pobreza de espírito bastante comum por grande parte dos analistas críticos brasileiros. Negar que há alguns muitos tropeços gramaticais e de dialeto por parte do ator baiano é ignorar o óbvio, mas a atuação do protagonista vai muito além disso, pois é baseado em um profundo estudo dos trejeitos do empresário do pó, em uma ação até mais teatral do audiovisual, que supera e muito qualquer falta de semelhança física entre Moura e Escobar. É no comportamento e postura que o ator consegue apresentar um diferencial, suficiente para ofuscar qualquer indiscrição linguística, já que toda a identidade da lendária figura lá está. Curioso é como tal “fator” é encarado em terras brasileiras, revelando um conceito rodriguiano bastante forte, além de aludir a um seletivo modo de retrucar. O reducionismo e generalização torpe, artigos tão refutados pela crítica em geral, por vezes permeiam o comentário geral, o que afasta a análise da coerência que deveria pressupô-la.

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    O desfecho, no décimo episódio, finalmente abraça a condição de perseguição repleta de infelicidade e pesar, pondo Murphy e Escobar em pontos muito próximos, exibindo em detalhes sórdidos as ações de captura da DEA, mostrando a invasão de modo tático e eficiente, com um esmero para retratar a violência de um modo poucas vezes visto no audiovisual, condizente demais com a produção orquestrada por José Padilha e dirigida por tantos outros realizadores prolíficos, especialmente Fernando Coimbra, de Lobo Atrás da Porta, que apresenta um maravilhoso plano sequência em sua participação.

    O enlace finda de maneira misteriosa, em nada simples, provavelmente emulando as ambíguas questões a respeito do negócio e do consumo das substâncias que fazem este microuniverso girar. A semelhança de Narcos com Família Soprano não se dá somente pela abordagem fantástica da violência, mas também pela universalidade de seus temas, já que o fato de tocar na indústria que negocia entorpecentes serviria em abordagens diversas, ao menos em seu esqueleto. Em uma análise mais aprofundada, existe uma complexidade na discussão sobre economia, humanidade e especialmente sobre o consumo de um estilo de vida por parte da sociedade norte-americana baseado em hipocrisia e em exploração de prazeres proibidos, utilizando-se de pessoas reais para contar uma história quimérica, repleta de carisma, sangue, volúpia e vício, localizada entre muitos dos pecados capitais condenados pelo espectro conservador vigente.

  • Crítica | RoboCop (2014)

    Crítica | RoboCop (2014)

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    O cineasta holandês Paul Verhoeven marcou uma geração de jovens dos anos 90 com suas produções marcadas pela violência gráfica e distopias futuristas. Com três clássicos nas mãos (Robocop, Vingador do Futuro e Tropas Estelares), o diretor estabeleceu uma linguagem própria e uma base considerável de fãs mesmo dentro da crítica, mas não resistiu à modernização e ao crescimento da “caretice” de Hollywood no final da década. Tanto é que Verhoeven acabou voltando desiludido para a Holanda e lá produziu o excelente A Espiã e, o ainda não lançado no Brasil, Steekspel. Como já era de se esperar, a onda de remakes atingiu seu legado, e em 2012 foi refilmado O Vingador do Futuro, fracasso retumbante e totalmente esquecido pelo público.

    Agora é a vez de Robocop, considerado por muitos seu melhor filme nos EUA. A MGM já tentou refazer o filme algumas vezes, mas não encontrava a pessoa certa. Após ver o sucesso dos dois Tropa de Elite, acabaram-se as dúvidas. A visão política e social de José Padilha, combinada a intensas cenas de guerra urbana das autoridades contra os “inimigos”, assemelhava-se bastante à proposta de Verhoeven. Logo, o brasileiro foi chamado para dirigir o projeto.

    A história se passa em torno do incorruptível e incansável detetive Alex Murphy (Joel Kinnaman), que investiga, na cidade de Detroit, crimes que sobem cada vez mais na escala de poder. Após seu parceiro Jack Lewis (Michael K. Williams) ser baleado em uma operação, ele decide investigar sozinho a rede de corrupção da cidade, mas sofre um atentado que quase tira sua vida. Nisso entra a Omnicorp e o plano de trazer para o mercado doméstico a produção de soldados robôs com a função de proteger o país. O presidente da companhia, Raymond Sellars (Michael Keaton), empenha-se arduamente com a ajuda do apresentador de TV Pat Novak (Samuel L. Jackson). Assim, decidem transformar o moribundo Murphy em uma máquina, porém os planos da empresa não saem como planejados.

    As comparações com a obra original serão inevitáveis, mas ao contrário dos remakes/reboots lançados atualmente no mercado, o novo Robocop possui história própria a ser contada de forma singular. Esse mérito podemos dar a Padilha, que não caiu na tentativa de recriar o filme de Verhoeven, tampouco de inovar completamente retirando a essência política da história. Porém, faltam ao remake a originalidade e a anarquia criativa do original justamente como sátira de um universo policialesco e anestesiado, sofrendo com a violência endêmica sem conseguir reagir dentro dos moldes de uma sociedade democrática. Dessa forma, Robocop surge como a união dos traços marcantes da modernidade: a automatização robótica e o discurso policial como salvador da pátria. E, neste aspecto, Padilha flerta timidamente com esses temas, sem causar nenhum tipo de reação ao espectador.

    A Detroit do filme de 1987 era realmente suja, decadente e claramente violenta, em uma previsão profética do que se tornaria a cidade hoje. Porém, no remake ela é uma cidade moderna, com policiais honestos morando em bairros de classe média alta sem nenhuma preocupação. Nem de longe passa a imagem falada na história de que Detroit estava entregue à violência.

    As inserções televisivas, e satirizadas ao extremo pelo diretor do original, foram diminuídas em um único personagem, Pat Novak, apresentador de algo como um programa da Fox News, ou mesmo um Datena ou Cidade Alerta no Brasil. Reacionarismo e discurso da ordem através da violência contaminando o debate, mas que não causam nenhum efeito além de informar friamente o espectador. A TV possui esse único papel: o jornalismo-marrom. Não vemos nenhuma propaganda contra a radiação solar ou programas de humor com bordões ridículos que pareciam entreter a todos, elementos que marcaram o tom humorístico televisivo de 1987, ausência essa que transparece sisudez.

    Os acertos do filme se dão pela visão política interna e global, que provavelmente teve o dedo de Padilha. A questão não é somente a segurança interna de uma cidade dos EUA, e sim como o império já se alastrou pelo mundo e os robôs e drones são usados pela máquina militar a fim de estabelecer seu poder, como mostra a cena inicial em Teerã, na qual um ED-209 executa um garoto. Também é interessante o papel da China na história. Murphy é transformado no Robocop em uma linha de montagem na Ásia, e quando foge, sai em uma linha de produção tão automatizada quanto ele, lembrando as fábricas da Samsung, Apple e outras multinacionais. Definitivamente, os EUA deixaram de concentrar todo o poderio industrial do planeta. Porém, isso poderia ter uma contradição, já que o crescimento econômico da China é acompanhado de crescimento político, e nesse contexto talvez uma invasão ao Irã não aconteceria ali tão perto dos chineses.

    O papel da família de Murphy também se tornou muito maior no remake. Enquanto no original sua família era uma simples lembrança distante, agora sua esposa, Clara Murphy (Abbie Cornish), possui participação ativa, na tentativa de humanizar o personagem. O que faria sentido se seu papel não fosse cada vez mais diminuído conforme o filme avança, até chegar a uma cena final um tanto quanto embaraçosa no heliporto. Seu filho então é praticamente um poste. Até o ator mirim de Homem de Ferro 3 foi mais importante.

    Também é menos impactante a figura do vilão. Enquanto Kurtwood Smith dá vida ao impressionante e odiável Clarence Boddicker, em cuja cena da morte de Murphy traumatizou uma geração de crianças, Antoine Vallon (Patrick Garrow) não cativa em momento algum, servindo somente para ser morto no final em estéril cena de tiroteio que causou um pouco de vertigem, tamanha velocidade e quantidade de cortes. Toda a gangue de Boddicker era marcante, enquanto a gangue de Vallon é representada somente por dois policias corruptos, personagens também unidimensionais e sem graça. Também é difícil estabelecer uma violência tão grande em um filme PG-13, a praga do cinema moderno, em que todos os filmes precisam ser “para a família”.

    Como era de se esperar, as cenas de ação do Robocop moderno não suportariam mais aquela velocidade lenta da década de 80, e o protagonista consegue pular e saltar a fim de cumprir objetivos, em cenas bem realizadas e que não incomodam, como era o medo de muita gente. Apesar de ser boa, a estética de videogame e FPS incomoda um pouco não só pela filmagem, mas também pela falta de uma ameaça realmente importante ao espectador. A cena de luta com os ED-209 foi bem feita, e 9 entre 10 espectadores esperaram uma referência ao fato de ED não conseguir descer escadas, o que infelizmente não ocorreu. A referência maior ficou na aparência do protagonista, com traços que lembram a “armadura” original, inclusive seu tom de cinza, que a deixou muito bonita. Depois transformada em preta, perde um pouco esse charme, lembrando mais os soldados do BOPE e a temática de “policialização” do debate político.

    Como elemento em desarmonia, a trilha sonora original, composta por Basil Poledouris, foi repaginada e usada em alguns momentos estranhos, não encaixando neles muito bem. As músicas de cenas de ação e principalmente dos créditos finais tampouco soaram como complemento ao filme, parecendo mais com o restante da produção, dando uma sensação de “faz sentido, mas tem algo errado aqui”.

    A ciência também possui um papel maior no filme de 2014. Explicações técnicas do cientista responsável pelo projeto, Dennett Norton (Gary Oldman), estão sempre presentes, seja em cena, seja em narração, o que se torna algo desnecessário. Também há a boa e velha ciência hollywoodiana com seus termos do tipo “queimadura de 4º grau em 80% do corpo” e “ele está sobrescrevendo as prioridades do sistema”, sempre usadas para justificar uma guinada fácil no roteiro. Como quando Murphy, inexplicavelmente, passa a sentir emoções novamente mesmo quando essa capacidade foi biologicamente retirada. O detalhe da mão humana também é complicado: apesar de eficiente dramaticamente, pois deixa Murphy ainda com toque humano, torna todo o projeto do robô mais difícil, afinal, basta uma queda da moto em alta velocidade, um pisão de ED-209 ou simplesmente um tiro para incapacitar sua mão.

    Robocop (2014) é um bom filme, mas possui os defeitos clássicos do cinema moderno: excesso de explicação, violência sem peso dramático, resoluções fáceis e rápidas e personagens unidimensionais. A impressão presente no final da projeção é que vimos um filme inteiro como robôs “com 2% dopamina” no sangue. A produção tem seus méritos e consegue trazer novos debates, mas sem brilho e empatia. Não será esquecido como o remake de O Vingador do Futuro, mas tampouco figurará entre os clássicos do gênero. Que sirva ao menos para Padilha conseguir se estabelecer no mercado norte-americano e produzir obras melhores por lá.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Paraísos Artificiais

    Crítica | Paraísos Artificiais

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    Paraísos Artificiais é uma reflexão acerca de escolhas, e por consequente, consequências. Marcos Prado, diretor e roteirista, além de produtor dos filmes de José Padilha (Tropa de Elite), trabalha com a ideia de uma juventude desvirtuada e/ou incomum. Sexo. Drogas.

    O fato do longa ser conduzido de forma leve, não afeta a intensidade da trama. Esta que, basicamente, entrelaça as histórias de Erika (Nathalia Dill), Lara (Lívia de Bueno), e Nando (Luca Bianchi).

    Erika, DJ que luta por um espaço no cenário da música eletrônica, vive uma relação de amor e amizade intensa com Lara. Adeptas das drogas e das polêmicas raves, cruzam com Nando e Patrick (Bernardo Melo Barreto) em uma festa paradisíaca que dura dias a fio, onde em suma preferem viver estados alucinógenos inconsequentes, ou melhor dizendo – Paraísos Artificiais.

    Prado, não faz da produção uma crítica social às drogas, e faz uso delas como intensificadoras de emoções, sejam elas boas ou ruins. Há sequências em que é impossível não ceder a viagem psicotrópica acompanhada da marcante trilha sonora de Rodrigo Coelho. Isso tudo, aliadado à direção de fotografia de Lula Carvalho (Tropa de Elite 2), que é inegavelmente  magistral em seus planos com ótima iluminação.

    Anos após a festa, Nando reencontra Erika em Amsterdã. Já estabelecida como DJ e com um filho, só ela lembra em que circunstâncias os dois realmente se conheceram, e o que resultou daquilo tudo. A despeito disso, acabam se envolvendo novamente.

    As atuações são excelentes. É incrível como os atores realmente se entregaram aos personagens – inclusive em cenas eróticas, extremamente presentes no filme, mas que são tratadas sob um ponto de vista sedutor, prazeroso, e envolvente. É essencial citar também a montagem do longa, que mesmo trabalhando com duas linhas do tempo juntas, flui de maneira a não deixar quem assiste perdido. Esse formato de construção é quase como um jogo de perguntas e respostas, onde a dúvida que surge em uma linha é respondida em seguida pela outra.

    O debut (ficção) magnífico mostra o que hoje é realidade para muitos jovens. Mostra o quão cíclico esse tipo de pensamento que não tem medo do futuro pode ser. Mostra sim, que Paraísos Artificiais, apesar de intensos, são literalmente – artificiais. Um bom drama definitivamente; que foge de ser um outro entre tantos filmes com a temática droga – é mais sobre, culpa, ódio, amizade, e arrependimentos.

    Texto de autoria de Matheus Porto.

  • Agenda Cultural 21 | O Retorno do Rei, A Canção dos Bardos e a Volta do Coronel

    Agenda Cultural 21 | O Retorno do Rei, A Canção dos Bardos e a Volta do Coronel

    Sincronizem suas Agendas. Nesta edição Flávio Vieira (@flaviopvieira), Amilton Brandão (@amiltonsena) e Mario Abbade (@fanaticc) se reúnem para comentar sobre Medievos X Alienígenas, a desgraceira envolvendo o último romance de Tolkien e um pouco sobre o cineasta, José Padilha e seus homens de preto. Idade Média, Terra Média e a banalização da classe média.

    Para informações detalhadas sobre a cobertura do Festival de Montreal, acessem: www.almanaquevirtual.com.br.

    Duração: 83 min.
    Edição: Flávio Vieira
    Trilha Sonora: Flávio Vieira

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    Comentados na edição

    Quadrinhos

    Camelot 3000 – Ed. Luxo

    Literatura

    Os Filhos de Húrin – J. R. R. Tolkien

    Games

    Games For Windows – O “Steam” da Microsoft?

    Música

    Blind Guardian – At The Edge of Time
    Principais Shows: Greenday, Bon Jovi, Rush, Air, Cranberries e Peter Frampton

    Cinema

    Contos da Era Dourada
    Atividade Paranormal 2
    Homens em Fúria
    Piranhas 3D
    O Solteirão
    Tropa de Elite 2 – O Inimigo Agora é Outro
    Resenha – Tropa de Elite 2

    Produto da Semana

    Singing Toilet Paper

  • Crítica | Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora É Outro

    Crítica | Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora É Outro

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    Demorei cinco “longos dias” para juntar coragem em entrar numa sala de cinema que tivesse o cartaz do novo filme de José Padilha. Tentar anestesiar o monstro da ansiedade sobre o que esse diretor traria talvez tenha sido o motivo dessa minha letargia inicial.

    Vacinado com o modismo que se apropriou, no primeiro filme do BOPE e de seu fictício capitão, não me permitia acreditar nos (até o momento deste post) mais de 2 milhões de espectadores que foram, antes de mim, dar os olhos à surpresa das novas agressões que Padilha nos traria dessa vez.

    Mais que números e toda sorte de merchandising pós-filme-febre, minha reserva em ser levado pelas massas estava direcionada à dúvida sobre como os responsáveis pelo longa desenvolveriam ainda mais uma história que, desde o documentário Ônibus 174 já estava lustrada o suficiente para mostrar outros personagens que não apenas a díade de mocinhos e bandidos: nós próprios, “cidadãos de bem”, em nossa cativa passividade. Como, nessa sequência, o BOPE poderia ser mais “dissecado” do que fora anteriormente? Haveria um novo banho de sangue? Conheceríamos um novo repertório de palavrões e frases de efeito, entre fanfarrões e pedidos para sair? O que Padilha, agora associado a Mantovani (um dos nomes por trás de Cidade de Deus) teriam preparado para nós?!

    Quando a tela do cinema focou no filme, deixando para trás toda propaganda barata e efêmera, essa que pinta uma realidade rósea, bombardeando nossos sentidos dia a dia, foi projetada uma frase, que além de contrastar com o cenário habitual e comercial descrito neste parágrafo, colocava em transe não só o que as milhões de pessoas veriam a seguir, mas o próprio contexto social e político-eleitoral latente, porta do cinema afora:

    “Qualquer semelhança com a realidade é apenas uma coincidência. Essa é uma obra de ficção.”

    Pois, a “ficção” que ali se desenrolava trazia um problema de coordenação à dinâmica de quem a assistia: pensar sem respirar.

    Refletir sobre um Estado que, ao invés de coibir a violência e todos os seus derivados, está engendrado a estimulá-la por suas próprias instituições, no filme representadas pelo Poder Judiciário, na “idônea” polícia militar fluminense (tal qual aconteceu no primeiro filme), já era mote esperado nesta sequência. Contudo, Padilha fez mais: desdobrou a corrupção aos quinhões dos Poderes Executivo (representados na figura de um Governador inexistente e de um Prefeito estético e estático) e Legislativo (capaz de acomodar as mais caricatas figuras ao corpo dirigente, de um apresentador televisivo sensacionalista a um palhaço iletrado. Opa, perdão, não há palhaço iletrado na “ficção” de Padilha).

    A trama que o roteirista e diretor fez questão de mapear como irreal mostra um período posterior à saga do primeiro filme, mas que corresponde à nossa atualidade, onde o crime na “Cidade Maravilhosa” teria sido desorganizado pelo BOPE, agora mais estruturado e com maior campo de ação no combate à criminalidade carioca. Contudo, no vácuo desse poder paralelo, então supostamente erradicado, outra fonte de poder se apossou dessas fronteiras periféricas: as milícias. Constituídas e aparelhadas por policiais e políticos, fazendo com que a elite da tropa, representada na figura do, ainda, arrogante, inflexível, bad-ass-motherfucker e, acima de todas as demais características, determinado Nascimento. Esse que, de Comandante Geral do Bope à Sub Secretário de Inteligência, percebe a complexidade do sistema corrupto que assola nosso País e sua incapacidade de modificá-lo pelas vias “legais e pacíficas”.

    Os atores que dão personalidade aos personagens “cumprem a missão dada”. Enquanto Wagner Moura ratifica o principal personagem de sua talentosa carreira, Milhem Cortaz e André Ramiro mantém a maturidade de suas interpretações e reavivam a nostalgia dicotômica de seus personagens: a volta do malandro (tipicamente brasileiro) Capitão Fábio, contrastando com a severidade e disciplina militar de André Mathias. Somando esses altos patamares, outros personagens menores recebem nomes e interpretações muito além do que se esperaria desses na trama. Destaques que faço às representações de Antré Mattos, como o típico político que temos escolhido, Seu Jorge, num “Zé Pequeno” amadurecido e Irandhir Santos, que de figura secundária conseguiu elevar seu personagem a um embate paralelo na trama com Wagner Moura: as duas facetas (ou as “Duas-Caras”) da justiça.

    O desafio de respirar (asfixiado por um saco, parágrafos atrás) foi a acrobacia que todo espectador teve de realizar para refletir enquanto era esbofeteado por uma produção cara, importada e refinada, com direito a tomadas aéreas ausentes no primeiro filme, câmera dinâmica nas cenas de ação, roteiro truncado entre quem morria, como falecia e os porquês de cada “baixa”, uma fotografia propositalmente crua, oscilando entre cores fortes nas dependências abastadas, oficiais e, claro, no sangue jorrado, contrapondo com a opacidade desbotada da miserabilidade e condição rudimentar das comunidades.

    A edição, ainda que sem ineditismo algum em relação ao primeiro filme (iniciando um pouti-porri de cenas do primeiro e sucedido por uma apresentação que, tal qual em Cidade de Deus ou no primeiro Tropa, estampava uma cena-chave complementada e explicada ao longo da história), dá ritmo aos nossos fôlegos, de forma inteligente a cada salto da atividade profissional de Nascimento, assim como a cada tropeço na relação desse com seus entes: filho, ex-esposa e Mathias.

    A trilha sonora não se mostrou impactante como no primeiro. Fixar o grupo Tihuana na música tema, ainda que em nova versão, foi um voto pela preservação de uma imagem que já fora construída, assim como optar por um repertório bem conhecido entre faixas e artistas, caso de Paralamas, Marcelo D2 etc. Ademais, os efeitos sonoros ficaram bem alinhados com as cenas de ação.

    Extasiado, vi as cenas aéreas e audaciosas (não tecnicamente) finais desse filme cru, cruel e NADA fictício, com certo otimismo. Não se tratava de esperança nos dirigentes de nosso País que, ao meu ver, já estão de “pomba-gírice” há muito tempo, mas sobre o futuro da mensagem de Padilha que, tal qual fazia Sérgio Bianchi em seus filmes, mas sem arrebatar milhões de expectadores, novamente nos coloca em xeque:

    Se nada acontecer para mudar o cenário cancerígeno de nossos sistemas político e social, fodeu para todos nós. E, parafraseando Capitão Fábio (o modelo de nossa brasilidade), se “quer me foder? Então me beija!”

    Texto de autoria de Luciano Francisco.