Tag: Jay Baruchel

  • Crítica | Os Brutamontes

    Crítica | Os Brutamontes

    Creio que podemos considerar que de todos os integrantes do elenco masculino jovem de American Pie, Seann William Scott – o alucinado Steve Stifler – foi quem teve a carreira mais destacada. Alguns de seus colegas até mantiveram um certo destaque imediatamente após o filme, mas caíram aos poucos no ostracismo. Ainda que marcado pelo personagem, Scott teve papéis em alguns blockbusters e até pôde se experimentar em outros gêneros, mas sua verve cômica sempre foi seu ponto forte, o que fez com que se tornasse subestimado pela indústria e pelo público que sempre o viu como “o eterno Stifler”. Em Os Brutamontes, ele mais uma vez exercita seu principal atributo, porém captura com maestria a essência melancólica e ingênua do seu personagem e entrega uma ótima atuação.

    Na trama, Scott interpreta Doug “The Thug” Glatt, um educado e bem intencionado segurança de bar. Doug se sente deslocado socialmente e afetivamente porque seu pai e seu irmão são médicos bem sucedidos, mas ele não possui aptidão nenhuma, a não ser um enorme talento para bater em pessoas. Em um momento de crise, ele e seu melhor amigo vão a um jogo da liga amadora de hóquei no gelo. Pat, seu melhor amigo, provoca tanto um jogador de um dos times que esse parte para arquibancada no intuito de espancar o rapaz e ainda faz ofensas homofóbicas. Doug, cujo irmão é gay, toma para si toda a situação e bate no jogador até deixa-lo inconsciente. Logo depois disso, ele é convidado para se juntar ao time de sua cidade como “enforcer”, jogador cuja função é ser o mais violento possível com o outro time. Doug abraça a ideia por considerar ter achado sua verdadeira aptidão e começa a sua jornada na liga de hóquei.

    O roteiro de Evan Goldberg (de Superbad) e Jay Baruchel (também intérprete de Pat, o melhor amigo do protagonista) acerta em cheio ao evitar a comédia pastelão. Logicamente que existem momentos bem escrachados, com ótimas tiradas e diálogos que beiram o ofensivo. Porém, ao mesmo tempo, procura desenvolver cada um dos personagens da história, mesmo aqueles que tem pouco tempo de tela. Evitam também criarem personagem unidimensionais e fogem dos arquétipos. O interesse amoroso do protagonista, vivido pela ótima Alisson Pill, demonstra falhas graves de caráter e expõe isso o tempo todo quando percebe que é idealizada como sendo perfeita. Ela não só verbaliza, mas toma atitudes que mostram sua humanidade e sua falha. A construção da dinâmica do protagonista com seu colega de time Xavier LaFlamme, um craque do esporte que caiu em desgraça, é interessante e natural. Doug tem uma visão esperançosa quase infantil de LaFlamme, que em contraponto se vê como um caso perdido. Esse embate de pontos de vista rende ótimos momentos entre os dois, tanto engraçados quanto comoventes. O vilão da história, vivido pelo sempre craque Liev Schreiber, inicialmente se apresenta como um monstro indestrutível, mas se mostra humano em uma conversa com Doug que incrivelmente emula o diálogo entre Al Pacino e Robert DeNiro em Fogo Contra Fogo.

    O grande acerto da direção de Michael Dowse é mesmo Seann William Scott. O diretor consegue explorar o talento do ator e imprimi-lo em um personagem que tinha tudo para ser mais um bobão unidimensional. Scott, por sua vez, se mostra contido e plenamente ciente do que fazer em cena. Nem dá pra lembrar que um dia ele foi Steve Stifler, seu personagem mais marcante. Dowse também conduz as cenas de jogo de forma intensa, mostrando toda a violência do jogo, sem deixar atos sem consequência. Vale ressaltar que o diretor vai promovendo uma escalada no filme, com cada trecho de jogo tendo a intensidade e a violência caminhando de acordo com a sua importância dentro do campeonato, além de ir dando destaque para os personagens de acordo. Como mencionado, todos os atos tem as suas consequências mostradas depois. Já o embate final entre Doug e Ross Rhea, o vilão interpretado por Schreiber, é orquestrado para demonstrar o caráter épico da situação, onde o veterano e mais violento jogador da história do esporte finalmente encontra o seu jovem nêmesis.

    Pequena joia dos filmes esportivos, Os Brutamontes é uma comédia dramática como poucas, pois sabe equilibrar bem seus momentos, além de contar com ótimas atuações de todo elenco, principalmente do subestimado protagonista.

  • Crítica | Como Treinar o Seu Dragão

    Crítica | Como Treinar o Seu Dragão

    Baseado livremente nos livros de Cressida Cowell, Como Treinar Seu Dragão é o primeiro filme de uma cine serie, dirigido por Dean DeBlois, Chris Sanders era a aposta da Dreamworks para competir na última década com os filmes da Disney e Pixar. A base da historia é mitologia e iconografia viking, onde o jovem Spantosicus Strondus III ou simplesmente Soluço (Jay Baruchel no original e no Brasil dublado por Gustavo Pereira) sonha em ganhar fama em sua aldeia, achando que o caminho mais fácil para isso seria matando um dragão, seres esses que atormentam o lugar onde moram, o problema é que ele não leva o menor jeito para isso, mesmo sendo filho de uma lenda, Stoico, o Imenso (Gerard Butler e na versão nacional Mauro Ramos) que e líder de Berk e um dos guerreiros mais ativos da aldeia.

    A tradição dos Berk é de caçar dragões, e Soluço quer se tornar um bom caçador, mas ele além de não conseguir, é julgado por seu pai como frágil demais para conseguir tal feito. Ele monta uma armadilha e encontra lá um dragão negro, belo, e machucado, mas não tem coragem de matá-lo e dali começa uma estranha parceria, tão boa que o menino passa a usar os ensinamentos do dragão para ludibriar os outros monstros no treinamento comum.

    Soluço passa a adestrar a besta, de maneira escondida obviamente, pois seria proibido. Astrid (America Ferrera e no Brasil por Luisa Palomanes), a menina por quem ele é apaixonado começa a suspeitar, mas o mundo dos adultos pouco se importa com isso. A questão é que as diferenças entre gerações são mostradas não só nos interesses mas no comportamento entre pais e filhos. Soluço é um menino que se sente desprezado por todos, sobretudo por seu pai, e ele encontra em uma figura controversa um alento, alguém com quem pode ser sentimental apesar do óbvio aspecto selvagem e o fato dele esconder essa relação pode ser encarado como um paralelo com diversos aspectos de discussões mais adultas, como segregação de diferentes.

    Os aspectos visuais do filme são muito bem explorados, o lar dos dragões tem um vermelho muito vivido e  uma quantidade enorme dos monstros voadores circulando em torno da rainha, que os explora. Sem panfletar ou sem necessidade de lacrar o roteiro de DeBlois, Sanders e Will Davies mostra como uma casta explora outra e o quanto seres de discursos e linguagens diferentes mal julgam uns aos outros, isso tudo fortificado pela amizade de Soluço e Banguela.

    O destaque de Soluço diante dos treinamentos não ocorre porque ele é ótimo em batalhas como seu pai, e sim porque ele, uma criança, tem uma compreensão mais madura e adulta que os velhos aldeões e caçadores, entendendo finalmente que a relação ideal entre os repteis alados e os homens, e mesmo após ele conseguir conter  os dragões, observado por seu pai e pelos outros anciões, a teimosia predatória dos guerreiros humanos segue, em mais um esforço tolo que visa provar a masculinidade tóxica dos personagens que se acham heroicos.

    Pai e filho tem um discurso alinhado no final, ainda que não aconteça isso sem sacrifícios e sem  a ressignificação revisionista da relação entre homens e dragões, tudo bem que os animais se tornam pets, mas ao menos deixaram de ser objetos de caça de ódio, para receberem carinho a gratidão dos meninos e meninas, que claramente são mais exímios com os animais. Como Treinar Seu Dragão é uma animação simples, de excelência gráfica e com uma historia que desmonta paradigmas como foi nos sucessos maiores da Dreamworks, FormiguinhaZ, Shrek e Megamente, e ainda deu vazão a uma franquia que se preocupa em trazer boas historias, para muito alem do dever de só vender bonecos.

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  • Crítica | Como Treinar o Seu Dragão 2

    Crítica | Como Treinar o Seu Dragão 2

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    Quando Como Treinar o Seu Dragão chegou aos cinemas em 2010, não se imaginava que a nova animação da DreamWorks fizesse tanto sucesso. O estúdio apostou alto adaptando uma série de livros escrita por Cressida Crowell. Com um orçamento gordo de 165 milhões de dólares, o longa – dirigido por Dean DeBlois (Lilo & Stitch) e pelo roteirista de clássicos como O Rei Leão, Chris Sanders – chegou aos 500 milhões de dólares no mundo inteiro, garantindo financiamento para que mais dois filmes fossem encomendados. Como Treinar o Seu Dragão 2 chegou às telas quatro anos após seu antecessor, quase respeitando o tempo da ordem cronológica da história, que é de cinco anos.

    Soluço (voz de Jay Baruchel), o simpático protagonista, agora tem 20 anos de idade, o suficiente para que seu pai, Stoico (Gerard Butler), o coloque no trono, substituindo-o como líder da cidade de Berk. Porém, Soluço não quer nem um pouco assumir as responsabilidade de governar, ainda mais depois dos adventos do primeiro filme, quando a paz entre vikings e dragões passou a reinar. Nesses cinco anos, podemos perceber que a aliança entre dragões e o povo viking trouxe muitos benefícios à cidade, principalmente numa cena completamente inspirada em Os Flintstones, quando animais ajudam os humanos nas tarefas diárias. Vale destacar que Soluço possui vários aparatos “tecnológicos” muito legais, dispondo, inclusive, de uma wing suit, a popular asa de morcego, aparato bastante conhecido entre os paraquedistas.

    O filme começa numa festa em Berk, onde acontece uma corrida de dragões disputada pelos velhos amigos de Soluço: a namorada Astrid (voz de America Ferrera), Melequento (Jonah Hill), Perna de Peixe (Christopher Mintz-Plasse), Cabeça Dura (T.J. Miller), Bocão (Craig Ferguson) e a feia e revoltada, porém irresistível, Cabeça Quente (na voz de Kristen Wiig). Percebe-se que o protagonista deveria estar disputando a prova, porém ele está explorando o mundo com o seu dragão, Banguela, que ainda não consegue voar sozinho. Enquanto Soluço e Banguela voam, nota-se que, na verdade, eles estão mapeando o local, o que faz com que o jovem tenha consigo um enorme mapa da região, descoberta por Soluço e seu amigo.

    Mas a trama, de fato, começa quando, numa dessas explorações junto a Astrid e seu dragão Tempestade, Soluço e Banguela são atacados pelo simpático e divertido viking Eret (voz de Kit Harrington, o Jon Snow, de Game Of Thrones), que deixa escapar que está capturando dragões a mando do temido Drago Sangue Bravo (voz de Djimon Hounsou). E esse contato com Eret muda para sempre a vida de Soluço, interferindo, inclusive, em seu passado, onde algumas coisas são reveladas, como, por exemplo, a verdade sobre sua mãe, desaparecida desde um ataque de dragões a Berk, quando Soluço ainda era um bebê.

    O filme é bastante leve, passa rápido e não erra em nenhum aspecto. É engraçado e triste quando precisa ser e é tenso e suave quando também precisa ser. A história e o visual são mais ricos e abrangentes, dada a facilidade de se viajar por aí com um dragão. Simples assim. Pode-se dizer que os acontecimentos do primeiro filme, além de contribuírem com a trama, colaboram com os aspectos técnicos do segundo. Desta forma, a facilidade que Soluço tem de explorar a região o coloca em contato com a misteriosa guardiã de dragões, Valka (voz de Cate Blanchett), que sabe muito mais sobre os dragões do que qualquer outra pessoa no mundo, além de esconder um grande segredo. Para se ter uma ideia, Soluço é apresentado ao Dragão Alfa, um dragão colossal, talvez maior que o Godzilla, que controla todos os outros dragões.

    Um dos destaques fica por conta da diversidade de dragões que este filme possui. Cada raça possui características bem distintas, o que, infelizmente, deixa Banguela totalmente em segundo plano, ganhando mais importância somente no início do terceiro ato, quando Drago Sangue Bravo se torna, de fato, uma ameaça. Cabe destacar que ele também possui um Dragão Alfa, que resulta no maior combate de dragões já visto no cinema, mesmo que em uma animação. Um elemento grandioso não só pelos dragões alfa, mas porque Drago, assim como Valka, possui uma horda de dragões controlados por seus líderes, resultando numa épica batalha.

    Felizmente, o saldo é bem positivo, e o filme é com certeza uma ótima diversão para as crianças nas férias. Mas, por outro lado, talvez Chris Sanders tenha errado um pouco o tom ao escrever uma cena daquelas em que o herói pega a dama pela cintura e tasca-lhe um beijo, como acontece entre Soluço e Astrid, cena que resulta em um monte de “eca”, “credo” e “blergh” entre as crianças no cinema, causando risos nos adultos pela situação constrangedora e divertida.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | RoboCop (2014)

    Crítica | RoboCop (2014)

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    O cineasta holandês Paul Verhoeven marcou uma geração de jovens dos anos 90 com suas produções marcadas pela violência gráfica e distopias futuristas. Com três clássicos nas mãos (Robocop, Vingador do Futuro e Tropas Estelares), o diretor estabeleceu uma linguagem própria e uma base considerável de fãs mesmo dentro da crítica, mas não resistiu à modernização e ao crescimento da “caretice” de Hollywood no final da década. Tanto é que Verhoeven acabou voltando desiludido para a Holanda e lá produziu o excelente A Espiã e, o ainda não lançado no Brasil, Steekspel. Como já era de se esperar, a onda de remakes atingiu seu legado, e em 2012 foi refilmado O Vingador do Futuro, fracasso retumbante e totalmente esquecido pelo público.

    Agora é a vez de Robocop, considerado por muitos seu melhor filme nos EUA. A MGM já tentou refazer o filme algumas vezes, mas não encontrava a pessoa certa. Após ver o sucesso dos dois Tropa de Elite, acabaram-se as dúvidas. A visão política e social de José Padilha, combinada a intensas cenas de guerra urbana das autoridades contra os “inimigos”, assemelhava-se bastante à proposta de Verhoeven. Logo, o brasileiro foi chamado para dirigir o projeto.

    A história se passa em torno do incorruptível e incansável detetive Alex Murphy (Joel Kinnaman), que investiga, na cidade de Detroit, crimes que sobem cada vez mais na escala de poder. Após seu parceiro Jack Lewis (Michael K. Williams) ser baleado em uma operação, ele decide investigar sozinho a rede de corrupção da cidade, mas sofre um atentado que quase tira sua vida. Nisso entra a Omnicorp e o plano de trazer para o mercado doméstico a produção de soldados robôs com a função de proteger o país. O presidente da companhia, Raymond Sellars (Michael Keaton), empenha-se arduamente com a ajuda do apresentador de TV Pat Novak (Samuel L. Jackson). Assim, decidem transformar o moribundo Murphy em uma máquina, porém os planos da empresa não saem como planejados.

    As comparações com a obra original serão inevitáveis, mas ao contrário dos remakes/reboots lançados atualmente no mercado, o novo Robocop possui história própria a ser contada de forma singular. Esse mérito podemos dar a Padilha, que não caiu na tentativa de recriar o filme de Verhoeven, tampouco de inovar completamente retirando a essência política da história. Porém, faltam ao remake a originalidade e a anarquia criativa do original justamente como sátira de um universo policialesco e anestesiado, sofrendo com a violência endêmica sem conseguir reagir dentro dos moldes de uma sociedade democrática. Dessa forma, Robocop surge como a união dos traços marcantes da modernidade: a automatização robótica e o discurso policial como salvador da pátria. E, neste aspecto, Padilha flerta timidamente com esses temas, sem causar nenhum tipo de reação ao espectador.

    A Detroit do filme de 1987 era realmente suja, decadente e claramente violenta, em uma previsão profética do que se tornaria a cidade hoje. Porém, no remake ela é uma cidade moderna, com policiais honestos morando em bairros de classe média alta sem nenhuma preocupação. Nem de longe passa a imagem falada na história de que Detroit estava entregue à violência.

    As inserções televisivas, e satirizadas ao extremo pelo diretor do original, foram diminuídas em um único personagem, Pat Novak, apresentador de algo como um programa da Fox News, ou mesmo um Datena ou Cidade Alerta no Brasil. Reacionarismo e discurso da ordem através da violência contaminando o debate, mas que não causam nenhum efeito além de informar friamente o espectador. A TV possui esse único papel: o jornalismo-marrom. Não vemos nenhuma propaganda contra a radiação solar ou programas de humor com bordões ridículos que pareciam entreter a todos, elementos que marcaram o tom humorístico televisivo de 1987, ausência essa que transparece sisudez.

    Os acertos do filme se dão pela visão política interna e global, que provavelmente teve o dedo de Padilha. A questão não é somente a segurança interna de uma cidade dos EUA, e sim como o império já se alastrou pelo mundo e os robôs e drones são usados pela máquina militar a fim de estabelecer seu poder, como mostra a cena inicial em Teerã, na qual um ED-209 executa um garoto. Também é interessante o papel da China na história. Murphy é transformado no Robocop em uma linha de montagem na Ásia, e quando foge, sai em uma linha de produção tão automatizada quanto ele, lembrando as fábricas da Samsung, Apple e outras multinacionais. Definitivamente, os EUA deixaram de concentrar todo o poderio industrial do planeta. Porém, isso poderia ter uma contradição, já que o crescimento econômico da China é acompanhado de crescimento político, e nesse contexto talvez uma invasão ao Irã não aconteceria ali tão perto dos chineses.

    O papel da família de Murphy também se tornou muito maior no remake. Enquanto no original sua família era uma simples lembrança distante, agora sua esposa, Clara Murphy (Abbie Cornish), possui participação ativa, na tentativa de humanizar o personagem. O que faria sentido se seu papel não fosse cada vez mais diminuído conforme o filme avança, até chegar a uma cena final um tanto quanto embaraçosa no heliporto. Seu filho então é praticamente um poste. Até o ator mirim de Homem de Ferro 3 foi mais importante.

    Também é menos impactante a figura do vilão. Enquanto Kurtwood Smith dá vida ao impressionante e odiável Clarence Boddicker, em cuja cena da morte de Murphy traumatizou uma geração de crianças, Antoine Vallon (Patrick Garrow) não cativa em momento algum, servindo somente para ser morto no final em estéril cena de tiroteio que causou um pouco de vertigem, tamanha velocidade e quantidade de cortes. Toda a gangue de Boddicker era marcante, enquanto a gangue de Vallon é representada somente por dois policias corruptos, personagens também unidimensionais e sem graça. Também é difícil estabelecer uma violência tão grande em um filme PG-13, a praga do cinema moderno, em que todos os filmes precisam ser “para a família”.

    Como era de se esperar, as cenas de ação do Robocop moderno não suportariam mais aquela velocidade lenta da década de 80, e o protagonista consegue pular e saltar a fim de cumprir objetivos, em cenas bem realizadas e que não incomodam, como era o medo de muita gente. Apesar de ser boa, a estética de videogame e FPS incomoda um pouco não só pela filmagem, mas também pela falta de uma ameaça realmente importante ao espectador. A cena de luta com os ED-209 foi bem feita, e 9 entre 10 espectadores esperaram uma referência ao fato de ED não conseguir descer escadas, o que infelizmente não ocorreu. A referência maior ficou na aparência do protagonista, com traços que lembram a “armadura” original, inclusive seu tom de cinza, que a deixou muito bonita. Depois transformada em preta, perde um pouco esse charme, lembrando mais os soldados do BOPE e a temática de “policialização” do debate político.

    Como elemento em desarmonia, a trilha sonora original, composta por Basil Poledouris, foi repaginada e usada em alguns momentos estranhos, não encaixando neles muito bem. As músicas de cenas de ação e principalmente dos créditos finais tampouco soaram como complemento ao filme, parecendo mais com o restante da produção, dando uma sensação de “faz sentido, mas tem algo errado aqui”.

    A ciência também possui um papel maior no filme de 2014. Explicações técnicas do cientista responsável pelo projeto, Dennett Norton (Gary Oldman), estão sempre presentes, seja em cena, seja em narração, o que se torna algo desnecessário. Também há a boa e velha ciência hollywoodiana com seus termos do tipo “queimadura de 4º grau em 80% do corpo” e “ele está sobrescrevendo as prioridades do sistema”, sempre usadas para justificar uma guinada fácil no roteiro. Como quando Murphy, inexplicavelmente, passa a sentir emoções novamente mesmo quando essa capacidade foi biologicamente retirada. O detalhe da mão humana também é complicado: apesar de eficiente dramaticamente, pois deixa Murphy ainda com toque humano, torna todo o projeto do robô mais difícil, afinal, basta uma queda da moto em alta velocidade, um pisão de ED-209 ou simplesmente um tiro para incapacitar sua mão.

    Robocop (2014) é um bom filme, mas possui os defeitos clássicos do cinema moderno: excesso de explicação, violência sem peso dramático, resoluções fáceis e rápidas e personagens unidimensionais. A impressão presente no final da projeção é que vimos um filme inteiro como robôs “com 2% dopamina” no sangue. A produção tem seus méritos e consegue trazer novos debates, mas sem brilho e empatia. Não será esquecido como o remake de O Vingador do Futuro, mas tampouco figurará entre os clássicos do gênero. Que sirva ao menos para Padilha conseguir se estabelecer no mercado norte-americano e produzir obras melhores por lá.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | É o Fim

    Crítica | É o Fim

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    É muito difícil falar de É o Fim sem entregar um grande e vital spoiler sobre o filme. Talvez você diga: “Ah, mas filmes sobre o fim do mundo têm aos milhares por aí ultimamente”. Mas pode acreditar, nenhum deles é igual a esse. No meio de um mar de filmes com a temática “fim do mundo”, É o Fim consegue ser bem original (dentro dos filmes hollywodianos do gênero), por mais paradoxal que isso possa parecer.

    A história se passa num dia normal onde Jay Baruchel (interpretado por ele mesmo) chega a Los Angeles pra visitar seu amigo Seth Rogen (também interpretado por ele mesmo). Seth então convida Jay para ir a festa de inauguração da casa de James Franco (é, como você imaginou ele é interpretado por James Franco) ao qual Jay aceita relutantemente. E é quando eles estão lá, que o dito Fim do mundo começa a acontecer, deixando o trio preso ao local, junto com Danny Mcbride, o “senhor bom demais pra ser verdade”, Jonah Hill e Craig Robinson.

    E o mais legal é justamente ver os atores interpretando uma versão caricatural de si mesmos, sem medo de se mostrar como um bando de drogados, covardes e egoístas entre outras características mundanas. O filme inclusive lembra muito a pegada de Segurando as Pontas, filme do próprio Rogen, que inclusive é citado seguidas vezes no filme. Vale destacar as hilariantes pontas de outras estrelas de Hollywood como Emma Watson, Rihanna, e o doidão Michael Cera (no melhor papel de sua carreira, provavelmente).

    Obviamente está presente aquele humor escrachado, comumente imoral dos filmes de Rogen, além, é claro, de girar em torno de amizades masculinas (os chamados browmances) outra característica marcante nos filmes roteirizados por ele. Mas o humor nonsense é o principal atributo desse filme. E sim, é o fim do mundo, então vai ter sangue, membros amputados entre outras tiradas que apesar de darem um susto inicialmente, acabam te fazendo morrer de rir do humor negro bem aplicado no roteiro.

    Com sinceridade, no final me encontrei num clima total de incredulidade tentando acreditar no que esses caras foram capazes de fazer, sem saber o que esperar na próxima cena. E a cena final… A cena final só pode ser definida como “What the F#@$…???” Simplesmente a cereja do bolo de loucuras que o filme se propõe.

    É o Fim, dentro de um gênero que se repete exaustivamente com o mesmo tipo de situações e piadas repetitivas, é uma comedia com um plot diferenciado. Se você é menor de 18 anos e meio sensível a sangue, vai assistir qualquer outra coisa, esse filme não é pra você.

    Mas se você tem um humor afiado, sem frescuras e com uma pitada caprichada (bota caprichada nisso) de humor negro, assista, pois é de rachar o crânio (talvez literalmente).

    Texto de autoria de Diogo G.

  • Crítica | É o Fim

    Crítica | É o Fim

    77 - This is the End (É o Fim)

    Qualquer pessoa que se identifique com os valores padrões da classe média branca tradicional do século XXI, com toda certeza irá se identificar com esse novo filme de Seth Rogen e Evan Goldberg, responsáveis por outros filmes de sua turma como Superbad, Pineapple Express e Besouro Verde. Com um grande elenco de amigos (Seth Rogen, Jonah Hill, James Franco, Jay Baruchel, Jason Segel, Craig Robinson, Paul Rudd, Michael Cera, Rihanna, David Krumholtz, Mindy Kaling, Aziz Ansari, Danny McBride, Emma Watson, Kevin Hart entre outros), o filme é uma grande piada interna que não faz questão alguma de situar o espectador não familiarizado com as outras obras do grupo, pois é cheio de autorreferências e situações tipicamente vividas por atores ricos de Hollywood, também um grande foco do filme.

    A base do humor do filme é essa. Apesar de divertir e garantir boas risadas ao longo da projeção, This is the End (É o Fim), quem esperar algo a mais do que uma diversão adolescente com piadas de masturbação feitas por trintões poderá sair um pouco incomodado. Usando e abusando das referências tanto a seus próprios filmes, (principalmente Pineapple Express, que é recomendado ter visto antes para entender algumas piadas) quanto a clássicos de Hollywood, como O Exorcista e Mad Max, cada ator usa e abusa dos estereótipos que os consagraram em filmes anteriores, como Seth Rogen sendo o empolgado contido que grita sussurrando, Jay Baruchel e sua crítica a tudo e a todos travestido de um grito de solidão (o que rende um ótimo diálogo no início do filme, com Craig Robertson e Emma Watson), James Franco como o rico excêntrico, Jonah Hill como o gordinho tímido, afetado e orgulhoso pela indicação ao Oscar, Craig Robertson como o side-kick de sempre e por último o sempre desprezível e dispensável Danny McBride, antagonizando da forma mais baixa possível.

     A trama que começa com um clássico filme de desastre, vai se aprofundando até ganhar contornos bíblicos e um simbolismo religioso infantil, mas que nunca se leva a sério, então conseguimos comprar todas aquelas situações ridículas sem nenhuma sensação de culpa, até mesmo quando todos conseguem chegar ao céu e dançam junto com os Backstreet Boys (!!!). Porém, a maior qualidade do filme é também seu maior defeito. A despretensão com que é feito, na base do amadorismo e da “brincadeira”, faz com que falte a ele uma seriedade mínima na hora de considerá-lo uma produção, então o espectador o assiste da mesma forma que ele foi feito, sem dar muito valor. Mas só se sentirá ofendido com This is the End (É o Fim) aquele espectador extremamente desavisado e que estiver procurando um filme desastre clássico, como está na moda em Hollywood atualmente. Este não chega nem a ser uma sátira desse gênero clássico, mas apenas uma brincadeira entre amigos. Claro, uma brincadeira milionária, que todos sonhamos em fazer com os amigos de escola, mas nunca tivemos a chance.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.