Creio que podemos considerar que de todos os integrantes do elenco masculino jovem de American Pie, Seann William Scott – o alucinado Steve Stifler – foi quem teve a carreira mais destacada. Alguns de seus colegas até mantiveram um certo destaque imediatamente após o filme, mas caíram aos poucos no ostracismo. Ainda que marcado pelo personagem, Scott teve papéis em alguns blockbusters e até pôde se experimentar em outros gêneros, mas sua verve cômica sempre foi seu ponto forte, o que fez com que se tornasse subestimado pela indústria e pelo público que sempre o viu como “o eterno Stifler”. Em Os Brutamontes, ele mais uma vez exercita seu principal atributo, porém captura com maestria a essência melancólica e ingênua do seu personagem e entrega uma ótima atuação.
Na trama, Scott interpreta Doug “The Thug” Glatt, um educado e bem intencionado segurança de bar. Doug se sente deslocado socialmente e afetivamente porque seu pai e seu irmão são médicos bem sucedidos, mas ele não possui aptidão nenhuma, a não ser um enorme talento para bater em pessoas. Em um momento de crise, ele e seu melhor amigo vão a um jogo da liga amadora de hóquei no gelo. Pat, seu melhor amigo, provoca tanto um jogador de um dos times que esse parte para arquibancada no intuito de espancar o rapaz e ainda faz ofensas homofóbicas. Doug, cujo irmão é gay, toma para si toda a situação e bate no jogador até deixa-lo inconsciente. Logo depois disso, ele é convidado para se juntar ao time de sua cidade como “enforcer”, jogador cuja função é ser o mais violento possível com o outro time. Doug abraça a ideia por considerar ter achado sua verdadeira aptidão e começa a sua jornada na liga de hóquei.
O roteiro de Evan Goldberg (de Superbad) e Jay Baruchel (também intérprete de Pat, o melhor amigo do protagonista) acerta em cheio ao evitar a comédia pastelão. Logicamente que existem momentos bem escrachados, com ótimas tiradas e diálogos que beiram o ofensivo. Porém, ao mesmo tempo, procura desenvolver cada um dos personagens da história, mesmo aqueles que tem pouco tempo de tela. Evitam também criarem personagem unidimensionais e fogem dos arquétipos. O interesse amoroso do protagonista, vivido pela ótima Alisson Pill, demonstra falhas graves de caráter e expõe isso o tempo todo quando percebe que é idealizada como sendo perfeita. Ela não só verbaliza, mas toma atitudes que mostram sua humanidade e sua falha. A construção da dinâmica do protagonista com seu colega de time Xavier LaFlamme, um craque do esporte que caiu em desgraça, é interessante e natural. Doug tem uma visão esperançosa quase infantil de LaFlamme, que em contraponto se vê como um caso perdido. Esse embate de pontos de vista rende ótimos momentos entre os dois, tanto engraçados quanto comoventes. O vilão da história, vivido pelo sempre craque Liev Schreiber, inicialmente se apresenta como um monstro indestrutível, mas se mostra humano em uma conversa com Doug que incrivelmente emula o diálogo entre Al Pacino e Robert DeNiro em Fogo Contra Fogo.
O grande acerto da direção de Michael Dowse é mesmo Seann William Scott. O diretor consegue explorar o talento do ator e imprimi-lo em um personagem que tinha tudo para ser mais um bobão unidimensional. Scott, por sua vez, se mostra contido e plenamente ciente do que fazer em cena. Nem dá pra lembrar que um dia ele foi Steve Stifler, seu personagem mais marcante. Dowse também conduz as cenas de jogo de forma intensa, mostrando toda a violência do jogo, sem deixar atos sem consequência. Vale ressaltar que o diretor vai promovendo uma escalada no filme, com cada trecho de jogo tendo a intensidade e a violência caminhando de acordo com a sua importância dentro do campeonato, além de ir dando destaque para os personagens de acordo. Como mencionado, todos os atos tem as suas consequências mostradas depois. Já o embate final entre Doug e Ross Rhea, o vilão interpretado por Schreiber, é orquestrado para demonstrar o caráter épico da situação, onde o veterano e mais violento jogador da história do esporte finalmente encontra o seu jovem nêmesis.
Pequena joia dos filmes esportivos, Os Brutamontes é uma comédia dramática como poucas, pois sabe equilibrar bem seus momentos, além de contar com ótimas atuações de todo elenco, principalmente do subestimado protagonista.
Um Dia de Chuva em Nova York começa com os tradicionais letreiros dos filmes de Woody Allen, e logo após os créditos, mostra aulas em um campus de faculdade, onde Gatsby de Timothée Chalamet estuda e narra sua própria historia, em primeira pessoa. Ao longo dos pouco mais de noventa minutos, o que se vê é uma mini odisseia, onde ele e sua namorada Ashleigh (Elle Fanning) tem programado um final de semana romântico em Nova York, e quase nada sai como ele planejou.
Como é de se esperar, Allen coloca alguns personagens como versões de si mesmo, e isso se vê não só no jovem apaixonado por Nova York que Chalamet vive, mas também em outros avatares, e esses outros aparecem depois, quando sua amada Ash resolve aceitar um trabalho em Manhattan, enquanto os dois deveriam ter seus momentos de intimidade.
A narração de Gatsby é um bocado invasiva, mas também dá o tom de como ele vive e funciona, mostra também suas fragilidades emocionais, carências e defeitos de auto estima. A historia é repleta de flertes que por sua vez são muito verborrágicos. As discussões sobre sexo, traições e frescuras casa bem com todas as polêmicas envolvendo a imposição do sexo como forma de subir no showbussines.
Rollard, o diretor vivido por Liev Schreiber não demora a aparecer, e seus defeitos e inseguranças com o filme que está sendo rodado o tornam um ser atraente a jovem Ashley. É incrível como esse roteiro conversa bem com parte da biografia de Allen, mas não no mal sentido, de certa forma, os personagens centrais mostram uma faceta de seu realizador, em algum ponto de seus mais de cinquenta anos de carreira. Apesar desse advento de vaidade extrema, como sua historia é simples e cheia de personagens jovens e carismáticos, beira o impossível não ter simpatia por cada um dos enlaces e romances apresentados no filme, desta obra que quase não conseguiu ver a luz do dia graças ao resgate da polêmica envolvendo a acusação de sua ex-mulher e filha adotiva.
Fanning interpreta uma personagem soberba, Ash é apaixonante, não só pela beleza física de sua interprete, mas também pela curiosidade em entender os meandros do cinema de pessoas, além disso, Um Dia de Chuva em Nova York trabalha demais a melancolia do pseudo traído, mas sem deixar de ser leve na abordagem dramática.
Filme pra TV, da HBO, Magic & Bird: A Courtship of Rivals de Ezra Edelman começa com Larry Bird afirmando que não importa onde ele está, e a ocasião, ele é sempre perguntado onde está Magic Johnson. Das rivalidades do basquete, essa sem dúvida é a mais duradouras e respeitosa, e que fez mais tradição. O longa busca explorar isso, retornando a 1979, numa final NCAA. Os dois atletas, bem promissores estavam lado a lado, competindo de maneira assertiva e já em alto nível, mostrando a historia até o estabelecimento da ligação direta que jamais será quebrada e será levada para o tumulo.
Narrado por Liev Schreiber, o filme se debruça sobre a infância difícil e pobre de Magic, a época apenas chamado Earvin, em comparação com Bird, que vinha de família um pouco mais abastada, mas também com uma série de restrições financeiras, em Indiana. Johnson afirma novamente que não imaginava ser possível jogar em alto nível, ele queria ser empresário, mas foi surpreendido pelo destino. Fato é que esse mesmo destino fez os dois competidores jogar pela seleção de seu país.
O documentário tem um bom serviço, de informar não só detalhes da vida dos jogadores, como a limitação física que Bird tinha ao não conseguir pular muito, como também a situação estranha pela qual passava a NBA, que era cada vez mais olhada como uma liga marginalizada, onde usuários de drogas entravam livremente, além do crescente acréscimo de negro nela, fato que aviltava a mentalidade racista dos conservadores americanos.
Larry recusava a pecha de salvador branco, do Celtics e da NBA como um todo, e é bizarro o choque racial ainda nesses tempos, pois havia uma rejeição dos jogadores negros a ele – agravada diga-se pela timidez, caladice e falta de esforço físico dele – e intolerância de torcedores caucasianos em verem os negros em quadra, não só pela cor, mas também ao estilo de competição, denominado em inglês como Black Game.
É incrível como, mesmo após tantos anos, depois de Wilt Chamberlain e Bill Russell, a ideia de Black Game ainda existia, assim como uma forma bem preconceituosa e tosca de enxergar os negros como mais propensos a utilizar drogas, até por isso, Jonhson era visto como radical contra as drogas, até sofrendo com uma pecha de ser Caxias. Bird, por ser menos midiático também não se envolvia muito em polêmcias, mas como Earvin era mais conhecido, ele acaba sendo também, e a rivalidade entre Leste e Oeste fez bem ao basquete nacional – até então, a maiorias das rivalidades eram internos nas conferencias, como as do Philadelphia 76ers e Celtics – mas ainda se apelava demais para a questão racial, esbarrando na mentalidade meio Apartheid que ainda imperava no esporte. O Celtics ainda era encarado como um time de brancos, basicamente porque sua estrela era Larry, mesmo que a maioria dos companheiros de Bird fossem negros.
O fato de terem se tornado estrelas do esporte tornou os dois atletas ideais para comerciais e propagandas, e o fato disso não ser tão comum para a época. Isso foi uma quebra de paradigma, para o bem e para o mal. Eles passaram a ser julgados como vendidos, ao passo que também tiveram suas marcas elevadas a um enorme nível, viraram alvo de muita discussão, abordados até no filme de Spike Lee, Faça a Coisa Certa.
A parte que aborda a soropositividade de Johnson é um pouco carregada de emoção, mas isso é melhor abordado em outro filme, da HBO também, O Anúncio (The Announcement), e Larry sentiu uma vontade enorme de falar com seu adversário de quadras, em choque, por isso ter ocorrido com um dos seus. Com o tempo a relação dos dois evoluiu para a camaradagem.
É justo que os atos finais do filme em homenagem a rivalidade e ao bromance, seja no Dream Team que conquistou o ouro em Barcelona, logo após a primeira aposentadoria de Johnson, onde pela segunda vez pós 78 os antigos inimigos estariam juntos. Se o filme de Edelman é um bocado quadrado e desconstrói pouco o racismo que imperava e impera nos EUA, há sobras de emoção e sentimentalismo, e essa barreira é difícil de romper.
Desde que fez Homem-Aranha 2, de Sam Raimi, a Sony parece tatear quanto a conduzir bem um filme sobre o herói da Marvel que lhe cabe. Homem Aranha 3 foi muito achincalhado, O Espetacular Homem-Aranha e sua sequência, O Espetacular Homem Aranha 2 : A Ameaça de Electro, não tiveram vida fácil, Venomfoi um fracasso de critica e até Homem-Aranha: De Volta ao Lar não é uma unanimidade, mesmo entre os fãs. Por conta disso, a nova animação era cercada de expectativas, e a maior parte delas foram correspondidas.
Homem-Aranha no Aranhaverso começa narrado por Peter Parker, o herói aracnídeo original, que goza de grande popularidade nesta versão e que conversa diretamente com as fases Ultimate do herói, escritas por Brian Michael Bendis e desenhadas por Mark Bagley. Outra característica própria e que cria uma boa conexão do filme com o espectador é a narração engraçadinha, que flerta com uma camada fina de metalinguagem, quase quebrando a quarta parede. Parker é dublado por Chris Pine, e sua personificação é bem semelhante ao auge que o herói teve após o casamento com Mary Jane.
A animação causa um certo estranhamento, em especial quando Miles Morales (Shameik Moore) é introduzido. A velocidade dos quadros soa esquisita por conta da pigmentação da pele dos personagens, quando eles usam máscara isso não parece tão evidente, mas aos poucos isso passa a ser algo comum. O roteiro de Phil Lord e Rodney Rothman trata muito bem de Morales e é fácil entender o deslocamento dele na nova escola, que ele julga elitista – e de fato é, ainda mais para um garoto negro e latino como ele – bem como no seu cotidiano, uma vez que ele tem o desejo de manifestar sua arte do grafite de alguma forma, mas é sempre proibido por seu pai, Jefferson Davis (Brian Tyree Henry). Ele encontra eco na figura do tio Aaron (Mahershala Ali), e divide com ele o mesmo hobby pela arte.
É aí que mora o diferencial do filme de Bob Persichetti, Peter Ramsey e Rothman, ele obviamente alude as crianças, mas traz tramas complexas. Mesmo o Peter Parker desse dimensão, forte, famoso e loiro (em uma alusão clara ao clone Ben Reilly) tem seus defeitos, e quando este sai de cena, deixa pontas soltas, seja pelo fracasso de não ter detido o vilão Rei Do Crime (Liev Schreiber) ou por não ter sido o exemplar mentor de Miles. O choque dimensional traz à tona outras versões do amigão da vizinhança, e é nesse crossover que habita boa parte do carisma, principalmente com a figura de Peter B. Parker, de Jake Johnson.
Apesar de algumas divergências criativas e pessoais, fato é que os dois criadores do Homem-Aranha, Steve Ditko e Stan Lee tinham em mente que seu personagem deveria inspirar o público, mostrando que qualquer pessoa pode ser heroica mesmo com todos os percalços mundanos e cotidianos, e nesse ponto, o filme talvez seja o produto em áudio visual mais acertado, incluindo aí até o Homem-Aranha de Sam Raimi. Tanto Morales, quanto B. Parker e até a jovem Gwen (Hailee Steinfield), transpiram isso, obviamente com a sardinha puxada para o lado do jovem negro e latino,que está em fase de amadurecimento e numa jornada rumo ao conhecimento do que é ser um herói e de como lidar com o clichê de com grandes poderes vem grandes responsabilidades. Destaque também para o engraçado Homem-Aranha Noir, feito por Nicolas Cage, um personagem sério mas com ótimas piadas, e mais uma participação do ator em adaptação de quadrinhos.
O humor do filme é muito presente, Miles é engraçado e seu mal jeito e timidez dão a ele um charme exótico, variando entre as descobertas típicas da adolescência bem como o alvorecer do heroísmo. Há também um largo uso de onomatopeias e balões típicos dos quadrinhos, que reverberam as falas e pensamentos dos personagens. O grupo de personagens, tanto vilanescos quanto de benfeitores é grande, diverso e ambos os lados desafiam Morales, para finalmente entender qual é a sua vocação.
Qualquer uma das contra-partes do Aranha tem algo em comum, que é a perda de um ente querido, que serviu como manifestação física da perda e esse luto, seja recente ou não é bem explorado, unindo assim os personagens tão diferentes, que trabalham bem em equipe graças a um inconsciente coletivo muito forte, que pode ou não ter a ver claro com o sentido de aranha que a maioria deles tem. O filme tem um ritmo frenético e mal parece que tem pouco menos de duas horas, mas o maior acerto de Homem Aranha no Aranhaverso certamente é o fato de que ele é carregado de alma e sentimento, com expressões que funcionam bem com todas as referencias que Lee e Ditko pensaram para seu personagem mais humano, servindo como reverência ao primeiro desses que faleceu recentemente e com uma carga emotiva muito forte, sem medo de parecer um produto de super herói, super colorido e cheio de escapismos, como os bons momentos da Era de Prata dos quadrinhos.
Em 2009, surfando na onda de extrema popularidade da trilogia X-Men, iniciada pelo diretor Bryan Singer, começava a primeira tentativa de aventura solo do universo mutante, e coube a Gavin Hood, diretor de Infância Roubada e que ganhou três anos antes o Oscar de melhor filme em língua estrangeira, comandar essa iniciativa. O filme já começa mostrando a que veio, quando traz o jovem e frágil James Howlett (Troye Silvan) saindo do seu leito, onde claramente estava doente, para desferir um golpe no assassino de seu pai de criação. A cena, que deveria adaptar o clímax da revista clássica Origem consegue ser um evento dos mais mal construídos do cinema de ação recente, dada a artificialidade do movimento do jovem em direção a figura assassinada, só não aparecendo o cabo que o faz ter esse movimento por muito pouco.
Logo após essa apresentação, os irmãos Victor Creed (Liev Schreiber) e James Howlett (Hugh Jackman) são mostrados em uma montagem parecida com a que abre Watchmen, onde aparecem juntos lutando em eventos importantes da história. Ainda que lembre muitos dos clichês de filmes da Segunda Guerra e Vietnã, esse é o melhor momento do filme até o seu encerramento.
X-Men Origens: Wolverine sofreu de um mal parecido com o de Tropa de Elite, ainda que os efeitos para si fossem totalmente avessos ao que ocorreu no filme de José Padilha. Um release inacabado caiu na internet, com efeitos especiais a serem finalizados, e isso causou uma má impressão tremenda, com campanhas da parte dos produtores para que as pessoas fossem ao cinema conferir o resultado final. A grande questão aí é que Tropa realmente justificava o ingresso por sua qualidade, enquanto esse é tão repleto de falhas de concepção que assisti-lo sem os efeitos especiais de computação gráfica por completo não tornaria o filme pior.
O filme transita muito mal entre grandes espaços temporais. Depois da famigerada montagem videocliptica, o público é apresentado a um grupo de mutantes, liderados por William Stryker (Danny Huston), que funciona como uma força-tarefa que deveria adentrar em uma republiqueta típica dos filmes genéricos de brucutus, onde acontece mais uma vez uma demonstração de ruptura entre James e Victor, com o primeiro impedindo o outro de matar alguém. Essa parte serve tão somente para introduzir Wade Wilson, de Ryan Reynolds, que faria anos depois o filme Deadpool, o personagem descolado Espectro do rapper Will I Am, e outros mutantes genéricos, como Blob (Kevin Durand) e outros, formadores da Equipe X.
Seis anos depois, James está casado com Kayla (Lynn Collins), vive uma vida calma, no campo, sem maiores preocupações, enquanto isso, os outros coadjuvantes são abatidos um a um. O mutante de garras parece sentir a ausência desses, pois tem pesadelos quase premonitórios, acompanhados de um despertar no susto, onde põe suas garras para fora. Essa representação é de uma ignorância atroz e de uma tentativa de imprimir uma gravidade à situação, além da própria sensação de premonição que nunca existiu com o personagem. Wolverine não é Xavier ou Jean Grey, tampouco é Sina (personagem secundária dos X-Men que tinha poderes sensitivos fortes), ele é tão somente o melhor no que ele faz, e aparentemente, não poderia ter uma vida tranquila e feliz exatamente por conta desses predicados e de seu passado.
Poucas coisas irritam tanto no filme quanto o cabelo de galã do personagem principal. Não combina com ele, aliás toda a postura dele não faz sentido, ele é pacífico, menos impulsivo que seu irmão – a ideia do roteiro em mostrá-lo como uma fera anestesiada é até boa, mas não cabe aqui porque o único momento em que ele realmente age como um predador é no seu início, em uma das cenas mais constrangedoras de uma obra que é equivocada em quase tudo que se propõe. Quando os antigos patrões vão atrás do homem que assumiu a alcunha de Logan, o impacto pelas perdas pessoais que ele tem é completamente suavizado, pois esse claramente não é o sujeito sem escrúpulos e de natureza selvagem que o leitor ou fã dos filmes do universo dos mutantes se acostumou a ver.
Reza a lenda que a iniciativa Origens contemplaria não só Wolverine, mas outros tantos personagens mutantes, como Magneto, e para muitos, X-Men: Primeira Classe é a evolução desse pensamento, e dada a total falta de complexidade desse filme de 2009, é natural que o projeto tenha mudado. Logan aceita a proposta de Stryker em inserir adamantium em si, graças a perseguição que Victor faz ao seu antigo esquadrão que, é bom lembrar, teve apenas uma missão com o personagem principal, e que aparentemente, causa alguma preocupação nele.
A escolha por essa atitude é tardia, e não é mostrado em tela momento algum que o homem que perdeu tudo não conseguiria vencer seu irmão mais velho em uma luta sem a utilização do adamantium. A cena inicial do processo cirúrgico e traumático em que ele viria a sofrer a experiência é mostrada de maneira fria, sem um clímax, toda colorida e iluminada, sem a violência e sujeira com que era premeditada em X-Men de 1998 ou no quadrinho Arma X, aliás, a sequencia dela é ainda mais irreal, já que ao sair da mesa de cirurgia, Logan, já com a dogtag de Wolverine sai nu da pós-operatório, mas quando sofreu a interferência o sujeito estava de cueca boxe. Talvez a tentativa do filme fosse utilizar o corpo do galã para alcançar um novo público, ainda que a via seja mais gratuita que Michelle Pfeiffer em uma roupa de couro em Batman: O Retorno, pois até no filme de Tim Burton isso era mais justificado.
Por mais que rejeite a ideia de ser encarado como herói, Logan age de maneira muito correta, sem parecer o anti-herói que o tornou conhecido nos quadrinhos. Ele se refugia em uma fazenda com dois velhinhos simpáticos, que fazem as vezes de Martha e Jonathan Kent, e que são postos ali só para serem mais uma perda irreparável (desimportante, na verdade) para o protagonista. É tudo tão tolo que faz perguntar se os roteiristas David Benioff e Skip Woods estavam realmente levando a sério a história que estavam propondo ao público.
Há desfiles em slow motion (talvez mais de uma dezena, ao longo apenas 107 minutos), show off de garrinha de adamantium — Wolverine a usa pra ver o céu e até para acender uma linha de álcool que está no chão. Há também a pretensão do roteiro em dar uma origem até para outro rival de Logan que não Dentes-de-Sabre, em uma personificação de Scott Summers ainda mais caricata e sem profundidade do que a que fizeram com James Marsdem.
Por mais que Ciclope seja mostrado de forma torta, nada se compara ao que fizeram com Blob. Ele é mostrado mais velho e obeso, mas a forma como isso ocorre retira qualquer peso (sem trocadilhos das escolhas e dos eventos que ocorreram até agora no filme), e a justificativa para acontecer uma briga entre eles é completamente ilógica e estúpida.
Por outro lado, Creed é mostrado perseguindo mais mutantes, demonstrando de forma didática ao espectador e ao personagem o quanto ele estava sendo manipulado no final das contas. Ver X-Men Origens: Wolverine é basicamente um pretexto para assistir Jackman atravessando o universo dos X-Men (ou uma paródia bem mal feita deste) para ter mini crossovers com personagens que não se fizeram presentes nos filmes da equipe, e claro, tendo essas inserções da maneira mais gratuita possível. Remmy Lebeau, por exemplo, tinha tido seu nome prenunciado nos arquivos da Arma X em X-Men 2, mas aparece aqui, como o Gambit de Taylor Kitsch, que é basicamente um show off do carteado, e nada mais.
Na época de seu lançamento, muitos elogiavam a performance de Liev Schreiber, até se comparando com Jackman, mas a realidade é que ambos tem papéis tão fracos e ilógicos que elogiá-los beira o ofensivo. Não há nada. Nem complexidade e nem gravidade em suas ações. Tudo que o roteiro dedica aos atores soa extremamente bobo, quando não risível.
Uma nova ameaça surge, a Arma XI, e ela é tratada como o guerreiro superior, que reúne todos os poderes dos mutantes que passaram pelo projeto genético. Supostamente não seria Deadpool a identidade inicial do algoz, mas aparentemente Reynolds agradou muito nas exibições testes, e seus olhos foram inseridos em cima da péssima animação inserida em cima do ator e dublê Scott Adkins. Mesmo a cooperação entre irmãos é mostrada de forma burra, não há tática, não há justificativa para aquilo, mas ainda haveria de piorar muito nos momentos finais.
Stryker para deter Logan usa uma bala de adamantium que seguindo os tecnobables, apagaria sua memória (?!). Raposa Prateada se vinga do vilão, usando seus poderes para convencer o mesmo a andar até seus pés sangrarem. Gambit ao cair do céu gira seu bastão, como se fosse um helicóptero (e como tem helicóptero esse filme…), e Xavier aparece no final, para salvar as crianças em uma tentativa horrorosa de rejuvenescer Patrick Stewart por computação gráfica. Toda a ideia por trás de X-Men Origens: Wolverine é extremamente bem intencionada, tanto Origem quanto Arma X são revistas incríveis e poderiam gerar ótimos filmes, e caso esse fosse um longa apenas sobre as ações de Wolverine nas guerras, poderia ter sido algo melhor, mas claramente não era essa a pretensão, o que resulta em um filme sem alma, sem história e equivocado até em suas cenas pós-créditos, tão asquerosas quanto todo o decorrer de suas tramas.
Chuck Wepner era um boxeador conhecido por levar muitos golpes sem cair. Sua trajetória de vida teve mais a ver com trabalhos alheios ao boxe do que exatamente no esporte, mas seus feitos atléticos foram grandes pra um desconhecido, uma vez que ele foi chamado para lutar contra o campeão dos pesos pesados, Muhammed Ali. Foi na história dele que Sylvester Stallone se inspirou para escrever o roteiro de Rocky: Um Lutador, e é esse background real que Phillipe Falardeau usa para montar seu filme, claro, adicionando uma série de detalhes da rotina do homem para apimentar sua fórmula.
Liev Schreiber usa uma caracterização pesada para se assemelhar a figura de Chuck, e Punhos de Sangue tem uma carga dramática tão ou mais pesada que o filme setentista que elevou Sly ao estrelato, ainda que o cunho escolhido pela produção seja bastante diferente. A linha moral de Chuck em nada se assemelha a figura criada por Sly. Há veracidade e consistência nos dias de Wepner.
O mergulho na rotina de Wepner é profundo e o modo de contar a história escolhido por Falardeau aproxima o espectador do personagem principal. A busca por notoriedade do pugilista é curiosa e contém elementos sentimentais bastante universais. A aura de verossimilhança é fortalecida pela carga de realidade nua e crua exemplificada pelas lentes do diretor.
A reconstituição da época é quase perfeita e só não é mais esmerada que o esforço de Schreiber em parecer com o verdadeiro Chuck. Os momentos em que ele tenta reerguer-se após algumas humilhações são mostrados sob um ponto de vista melancólico e extremamente emocional, fazendo esse se parecer ainda mais com a inspiração de Réquiem Para Um Lutador, de Ralph Nelson, filme esse que tem cenas exaustivamente expostas durante a exibição deste, inclusive com o personagem principal revivendo alguns momentos de Quinn em tela. De fato, Punhos de Sangue segue bem a tradição de mistura de boxe com drama, tendo uma carga sentimental extremamente forte, como um golpe seco e certeiro no espectador.
O Dono do Jogo, de Edward Zwick, resume duas características do ano de 1972 nos Estados Unidos: a paranoia desencadeada pela propaganda anticomunista e a popularização do xadrez em todo o território nacional. O motivo disso tudo é bastante claro: a final do campeonato mundial de xadrez envolvendo o atual campeão, o soviético Boris Spassky (Liev Schreiber) e seu desafiante, o norte-americano Bobby Fischer (Tobey Maguire).
Na trama, acompanhamos a história de Fischer desde sua infância, criado por uma mãe solteira socialista e judaica (Robin Weigert), os primeiros traços de paranoia e a aproximação com o xadrez que o faria campeão nacional ainda em sua adolescência. A explosão ao estrelato ainda jovem o levaria, alguns anos depois, a famosa final Fischer-Spassky, e serviria como propaganda nacionalista, uma esperança norte-americana para encerrar os 24 anos de dominação soviética no xadrez.
Curiosamente, o título original Pawn Sacrifice remete a uma jogada clássica no xadrez em que, propositalmente, abre-se mão dos peões para a construção de uma jogada maior ou para ainda ganhar tempo no desenvolvimento de outras peças. Uma metáfora bastante óbvia para Fischer e o próprio xadrez, que acabam se tornando peões em um jogo muito maior do que eles, travado pelas duas superpotências da época, Estados Unidos e União Soviética.
Pena que isso seja tão mal aproveitado pelo roteiro, pois assim que inserido qualquer sub-texto político, a trama vai pelo ares. O mesmo pode ser dito sobre a genialidade de Fischer no xadrez, já que em nenhum momento a direção de Zwick e o roteiro de Steven Knight procuram mostrar ao espectador a razão da genialidade do enxadrista, com exceção do jogo final com Spassky. Afinal, todas as partidas anteriores são cortadas e sabemos dos resultados por meio de diálogos entre as personagens.
É difícil encontrar explicações para as escolhas da direção e roteiro: a construção das personagens são abandonadas assim que aparecem em tela; não há justificativas plausíveis para o que leva Fischer, um judeu, a ser influenciado por extremistas religiosos antissemitas; nenhuma explicação sobre seu relacionamento conturbado com a mãe, uma socialista; ou por fim, o que o leva a sofrer cada vez mais de uma suposta doença mental. Nada disso é desenvolvido, personificando a figura de Fischer à um simplismo massificado, bobo e infantil típico da já recorrente fórmula hollywoodiana em cinebiografias.
A aproximação com a política soa rasteira e sequer desenvolve a forma como o governo norte-americano utiliza Fischer como peão durante a Guerra Fria e o descarta em seguida, devido a seus frequentes colapsos públicos, vindo a ser preso e, no final da vida, exilado dos Estados Unidos e refugiado na Islândia. Este fato é mencionado apenas por um epílogo final e em alguns trechos de época do próprio Fischer, o que se torna um dos grandes momentos do filme. Somente nos créditos conseguimos entender minimamente a complexidade da personagem, que convenhamos, Zwick tenta se aproximar, mas falha ao tentar envolvê-lo de forma significativa em seu filme.
Ainda assim, o longa tem bons momentos, principalmente em sua fotografia ambientada nos anos 1950, 60 e 70, com emulações à filmagens de época e rápidas cenas da história do mundo intercaladas com jogadas em um tabuleiro de xadrez. Infelizmente, o clima de tensão e urgência típicos da Guerra Fria não se caracterizam em tela, como também a paranoia de Fischer, e em alguns momentos de Spassky, também não é transmutada para a sua direção. A atuação de Maguire deixa a desejar, abusando de tiques e exageros na composição de sua personagem, soando superficial para explicar essa figura controversa. Schreiber se mostra apenas correto como o enxadrista russo. A forma como sua personagem é apresentada incomoda pelo emprego de um vilanismo que deixa a dúvida se Boris Spassky era um jogador de xadrez ou um soldado da máfia russa. Um estereótipo certamente imposto ao ator, já que tem sido bastante comum vê-lo trabalhar em ótimas composições de outros papéis. Ainda assim, Michael Stuhlbarg e Peter Sarsgaard têm um bom trabalho como elenco de suporte à Maguire, roubando a cena em alguns momentos.
Zwick está longe de ser um mal diretor, já se mostrou competente em Um Ato de Liberdade, Diamante de Sangue, Tempo de Glória. Mas em O Dono do Jogo erra magistralmente em todas as frentes que procura abordar, seja ela ao caracterizar um jogo de xadrez, o cenário político da época ou as idiossincrasias de seu protagonista, se resumindo a um filme engessado, cômodo, repleto de clichês e com um viés excessivamente nacionalista e maniqueísta. Ao tenta ser neutro em suas discussões, o filme se resume a mais uma peça nacionalista de Hollywood: convencional, inofensiva e correta, muito aquém da personagem errática, arrogante e desequilibrada de Bobby Fischer.
Chegando no meio da “onda” de filmes com protagonistas adolescentes em futuros distópicos como Jogos Vorazes, a série Divergentee Maze Runner, A 5ª Onda estreou nos cinemas deixando a desejar.
Após uma invasão alienígena, os poucos humanos que sobreviveram a quatro ondas distintas de ataques de extra-terrestres, que se revelam hospedeiros, passam a revidar os invasores a partir da quinta onda.
O que pode pensar em se salvar no roteiro de Susannah Grant, Akiva Golsman e Jeff Pinkner, baseado no livro de mesmo nome de Rick Yansey é o gênero de invasão alienígena capitaneado por adolescentes. Os jovens foram escolhidos para liderar a humanidade no ataque, a partir daí podemos discutir o envelhecimento cada vez mais rápido da nossa sociedade. Sempre que se ambienta a trama no futuro apocalíptico abre possibilidades diversas para discussões da sociedade atual, o que deixa de acontecer na narrativa, e o roteiro perde muito em qualidade.
Apesar de clichê, a estrutura narrativa escolhida acabou sendo sólida. No entanto apresenta tantos problemas nos detalhes, deixando forçada a maioria das cenas importantes, que fazem a trama andar quando deveriam soar orgânicas e imperceptíveis. Quando Cassie está em recuperação, a cena que deveria ser uma das mais importantes é mal trabalhada, além de quase tudo o que acontece no exército. O que dizer então da cena em que Evan se revela para Cassie?
Com exceção da protagonista, e ainda assim com ressalvas, o restante dos personagens são fracos e desinteressantes. O roteiro é tão visível que o espectador consegue enxergar sem dificuldade que o que eles fazem parte de uma engrenagem maior e só estão ali para servir à estrutura narrativa e nada mais.
A direção de J. Blakeson compromete um roteiro que já era fraco, deixando o filme ainda mais ruim. A falta de tato com o elenco, além das cenas de ação mal executadas, deixa a direção cambaleante.
A atuação está no controle automático. Nem os bons Chloë Grace Moretz e Liev Schreiber conseguiram deixar a preguiça de lado e apresentar o mínimo que se exige. O restante do elenco, fraco e inexpressivo, nem parece disposto a trabalhar.
A fotografia de Enrique Chediak e a edição de Paul Rubell são os únicos departamentos técnicos que não erram no filme, junto à direção de arte, figurino e composição de locação e cenários de Julian Ashby, Frank Galline e Sharen Davis, respectivamente.
A 5ª Onda só vale a pena se o tema futuro apocalíptico ou distópico for de seu interesse.
A preocupação de TomMcCarthy em emular Alan J. Pakula em Todos Os Homens do Presidente é tamanho que todo o visual da redação do Boston Globe faz lembrar os clássicos momentos em que os repórteres setentistas desvelaram o Watergate. Nada à toa, mas os esforços de Spotlight Segredos Revelados são bem maiores do que uma simples cópia, apesar da clara aproximação dramática entre a fita de 1976 e esta.
O plot se inicia com a aposentadoria anunciada de Walter Robby Robinson (Michael Keaton), e segue a partir dos seus últimos esforços enquanto chefe de um pequeno grupo de jornalistas, tendo como base uma acusação de corrupção envolvendo uma das instituições mais tradicionais no país, tocando em pecados graves e tradicionalmente associados ao catolicismo romano moderno. A manutenção do tabu é exatamente o inverso do ideário dos homens e mulheres que formam a equipe de Robby, e um extensivo trabalho conjunto se inicia já nos primeiros minutos de fita.
O grupo de jornalistas, não necessariamente subordinados ou diretamente ligados a Robinson, formado por Ben Bradlee Jr. (John Slattery), Marty Baron (Liev Schreiber), Michael Rezendes (Mark Ruffalo), Matt Carroll (Brian d’Arcy James) e Sacha Pfeiffer (Rachel McAdams) é muito bem desenvolvido, com momentos únicos de brilho para cada personagem e intérprete. É no desenrolar dos depoimentos das vítimas que mora a maior emoção do roteiro baseado em fatos de McCarthy e John Singer (Quinto Poder), já que nas declarações dos antigos infantes abusados mora não só o trauma pelo temível abuso, bem como a morte de sua fé em uma crença maior, tirada de seu imaginário sem qualquer possibilidade de escolha ou refuto.
Há um cuidado em registrar nuances e diferenciações básicas no comportamento dos entrevistados, mostrando como tais violências podem afetar homens e mulheres adultos, marcados tão fortemente em uma fase em que o ethos e a sexualidade não foram desenvolvidos. Desde sujeitos absolutamente inseguros e retraídos, até homens broncos, passivos, ativos, agressivos e mais dóceis, todos são marcados na alma. Os detalhes incluem até jogos de falsidade em níveis de aceitação e falácias por parte dos abusadores que visavam aproveitar-se da carência de meninos, incluindo os comumente excluídos por identificarem cedo a homossexualidade latente, e que viam nos sacerdotes o primeiro sinal positivo para sua orientação sexual, claro, pautados no engano mesquinho.
A gravidade da situação faz unir dois comunicólogos de perfis diferentes, uma vez que Rezendes procura Mitchell Garabedian (Stanley Tucci) para ajudar a popularizar a causa através dos meios de comunicação por rádio. O impressionante dentro do proceder dos atores, em especial de Schreiber e Tucci, é a discrição e silêncio que produzem, gerando gama de emoções de modo comedido e nada histriônico. A contenção da indignação é algo comum também às personagens de McAdams e Ruffalo especialmente, já que a distância para o estourar da repulsa com a ética da apuração dos fatos é um aspecto em que a passionalidade deve, ao menos em tese, não fazer parte do conjunto de fatores que compõem a denúncia.
Alguns dos investigados demonstram uma atitude estranha, por vezes assumindo a responsabilidade por seus atos, mas sem conseguir expressar culpa, já que a rede de agressão é antiga, passando de geração a geração e causando um impacto de normalização assustador, aspecto tão amedrontador quanto a letargia paralisação anestésica apresentada por alguns ex-padres, que em sua senilidade não conseguiam enxergar a extensão de suas graves transgressões, que atingiam tanto a Deus quanto aos homens criados à imagem e semelhança do primeiro.
Há um mérito enorme na direção econômica de McCarthy, já que o realizador sabe dosar um roteiro que se desembrulha de modo gradativo e pontual, além de equilibrar como poucos um elenco tão multi talentoso e de perfis tão diferenciados. Conduzir um Michael Keaton pós Birdman e em um papel completamente diferente, mas igualmente exigente, não deve ter sido uma tarefa das mas fáceis, e o ator só brilha graças a toda a base que a fita lhe dedica, bem como Ruffalo só consegue exercer seu repórter inquieto graças à urgência de um assunto bem conduzido.
A duração do filme faz o texto e abordagem amadurecerem ainda mais, fazendo um eco narrativo com as atitudes de seu protagonista, que nos primeiros dois terços permite aos seus subalternos fascinarem o público, com a procura e as descobertas dos sujos segredos sagrados. O arremate é inteiro de Walter, que se torna cada vez mais agressivo em sua abordagem, servindo como o canto de um cisne, a despedida silenciosa de toda uma carreira bem combatida. A composição da comparação metalinguística é tão cabível que se torna um crime achar que tais fatores casam por coincidência e não planejamento, já que Robinson e Keaton se misturam em uma intimidade muito maior do que a simplicidade de personagem e intérprete.
A condução é elegante e correta, faz deslanchar uma história repleta de terríveis acontecimentos trazidos à luz em um momento de crise externa no país. Spotlight mostra parafilias terríveis de pessoas ditas normais, e que são comumente protegidas por um verniz social terrível. A cena final na redação da Boston Globe encerra o ciclo de trabalho e negligência de modo redentório, emocional e denunciativo, sob equilíbrio distante demais do comum a obras laureadas.
O filme começa com uma filmagem em Super 8, de aspecto bem caseiro, simbolizando um tom amadorístico, prenunciando a profissão que Fioravante – ou Virgil – teria. Também é possível interpretar isto como uma referência a carreira de diretor de John Turturro, com apenas cinco filmes, pouco se comparado a seu currículo como ator – que soma quase uma centena de obras. Quase tudo no roteiro de Fading Gigolo é carregado de mensagens ocultas.
A direção de Turturro está muito mais madura, ele parece ter aprendido muito com seus amigos, em especial Joel Cohen. Seus ângulos são precisos e capturam todos os sentimentos em volta, a fragilidade, a dificuldade em se viver só, o humor característico e quase sempre racial, e é claro a sensualidade – aliás, o elenco feminino é de primeira qualidade, com destaque para a veterana Sharon Stone (passável, se comparada às bombas recentes) e a maravilhosa Sofia Vergara.
A história é focada em dois amigos, Fioravante – o próprio diretor, numa demonstração de desapego sem igual visto com quem é obrigado a atuar – e o judeu Murray, interpretado por Woody Allen de várzea, engraçadíssimo, com toda a afetação, comportamento gestual exagerado e verborragia típica de seus papéis clássicos. Após ser obrigado a fechar o seu antiquário, Murray logo nos primeiros minutos faz uma proposta bastante incomum para que o amigo, um homem de meia idade e sem muitos atrativos físicos, participe de um ménage, e para isto seria pago e então ele se vê diante de uma “nova carreira”.
Com o tempo, Fioravante pega gosto pelo ofício, e passa de um estado tímido e avergonhado a de um profissional decidido e à vontade com o seu trabalho. Não é só a direção que é excepcionalmente caprichosa, há um enorme cuidado também com a fotografia e departamento de arte – com cores mais vivas nos quartos femininos e tons escuros no subúrbio judeu, onde há toda uma comunidade. A regência de atores também é primorosa, e o esmero com a parte visual não é um pretexto para descuidar da trama, que tem em si muito pouco moralismo. Seus discursos fogem da banalidade do complexo de bom mocismo.
Na parte final acontece um evento emblemático, que pode ser encarado como a recusa ao chamado da aventura. A virilidade de Virgil, o gigolô, falha na eminência do “amor verdadeiro” que jamais se cumpre. Há uma análise do papel de submissão da mulher na religião judaica onde se contesta se a tradição deve passar por cima das necessidades humanas. Virgil se apaixona pela única pessoa que o recusa. Tal coisa o faz repensar sua vida, ainda que a história dê a entender que tal mudança é apenas temporária, como se a inexorabilidade fosse um fato consumado. Fading Gigolo é uma comédia de incômodos que estuda até onde é válido explorar a vulnerabilidade das pessoas.
O filme se inicia com uma emblemática citação a Martin Luther King “A escuridão não pode expulsar a escuridão, apenas a luz pode fazer isso.”. The Butler mostra a trajetória do negro Cecil Gaines – Forest Whitaker – desde sua traumática e trágica infância, até a vida adulta, onde atuou como um servil mordomo na casa presidencial americana por longevos anos, passando por grande parte dos momentos marcantes da história americana, em especial pelos martírios e conquistas executadas pelo povo negro.
No ato primeiro, Cecil é mostrado ainda como uma criança, aparentemente feliz, mas que logo teria sua vida marcada. Seu pai deixa claro como são as regras: “não se meta com esse homem (branco), o mundo é dele, e nós só vivemos aqui” – após essa fala a sua mãe é levada para fora de sua vista, para satisfazer o desejo de seu “patrão” e logo em seguida seu pai é morto, mesmo não apresentando nenhuma resistência. O trauma ocasionou nele a vontade de fugir, e garantir que seus herdeiros não tivessem acesso aquele mau, encarnado como o Sul dos Estados Unidos, uma região intolerante por si só.
Cecil cresce, e se torna um “negro de casa”. Após consumar sua fuga, encontra em seu caminho um sujeito que o ajuda, lhe dá emprego e toma para si a máscara de mentor, dando-lhe um tapa no rosto ao ver o rapaz dizendo a palavra nigger – “este é um termo feito por brancos, carregado de ódio”. Já adulto, o protagonista passa a trabalhar em Washington DC, e graças à sua boa postura – cabeça baixa, submissão, e capacidade de invisibilidade – é convidado a trabalhar na Casa Branca.
A magnífica atuação de Forest Whitaker faz o espectador crer em cada um dos seus dilemas, seja o medo de perder o bom emprego que tem, as preocupações com as reclamações de sua esposa – Oprah Winfrey, competente em sua proposta – ou com o bem estar de seus filhos. Louis, personagem de David Oyelowo, evolui de um menino próximo do pensamento rebelde americano, para um “revolucionário” membro dos panteras negras. A cena intercalada entre um protesto numa lanchonete no sul do país e o salão de jantar na casa branca é emblemática em mostrar a atitude geral do povo negro, alguns como inconformados, e outros serviçais leais ao homem branco.
A trajetória de pai e filho vai em direções bastante opostas, mas igualmente emocionantes. A luta não é leve, é tratada como visceral e cheia de significados. A primeira-dama chorando após o assassinato de JFK, ensanguentada pelos restos do marido é de partir o coração, muito bem montada, e faz Cecil retornar à triste memória da morte de seu pai – mais uma figura inspiradora se foi.
Os filhos de Cecil se engajam cada um para um lado, enquanto Louis torna-se um ativista político e evolui, deixando de lado a luta “rebelde” para se tornar um combatente intelectual, Charlie alista-se para a guerra do Vietnã. Quando indagado pelo irmão mais velho, o personagem, cômico a maior parte do tempo, diz seriamente que quer lutar a favor de seu país, e não contra ele, mostrando que ele enxerga a situação tão mal quanto o seu pai. A morte do filho faz Cecil rever alguns de seus conceitos. O convite do jantar impingido pelo presidente Reagan causa constrangimento no mordomo, que se sente como um mentiroso, um fantoche feito para exibição de uma falsa aceitação. A postura do político ajuda-o a enxergar o real valor de seu filho, igualando-o a um herói e não há mais um simples marginal. O reatar da relação acontece num primeiro passo com o pedido de demissão depois com o engajamento por parte do patriarca, e no último ato são os únicos dois que permanecem.
O paralelo com os presidentes também é interessante, os mais importantes para o negro foram Jack Kennedy (James Marsden), que o fez começar a mudar o seu pensamento em relação à causa, e Ronald Reagan (Alan Rickman), que se mostra contra o término da segregação ignorando o apartheid – mesmo sobre protesto do seu próprio gabinete. Reagan é mostrado como um bufão, apresentado quase sempre de forma jocosa e pouco reflexiva, bastante parecida com a interpretação recente de George W. Bush, ambos encarados como imbecis por uma boa parte da opinião pública.
Ao visitar Barack Obama – um novo tempo – Cecil lança mão dos presentes dados pela senhora Kennedy e por Reagan, e quando entra na sala de espera é enquadrado junto a uma foto de Abraham Lincoln, com um claro simbolismo de que ali começava mais uma etapa na guerra pela igualdade. O registro de Lee Daniels é muito bonito, repleto de simbolismo e demonstrações realistas da história, obviamente escolhendo o lado oprimido, mas em momento panfletário de forma gratuita. Tem todo o cunho político que a Academia tanto gosta e sem dúvida merece atenção especial por parte do espectador.