Invasão Ao Serviço Secreto é a terceira parte da trilogia Has Fallen, conhecida no Brasil como “Invasão a algo ou alguma coisa“, e seu início é silencioso, mostrando o método e ação de Mike Banning, personagem de Gerard Butler que em outras oportunidades já havia salvado a pátria e também o mundo. Os ângulos fechados lembram estilos de filmagem bem diferenciados, unindo a realidade semi documental de Tropa de Elite e outros filmes de ação brasileiros com os cortes secos e enfoques mais fechados da trilogia Bourne, em especial os filmes de Paul Greengrass. As cenas impressionam pela habilidade de Ric Roman Waugh em registrar a urgência, apesar de não ocorrer ali um fato tão agressivo quanto aparenta, quase numa reimaginação da peça shakesperiana Muito Barulho por Nada.
Há uma clara tentativa de tornar grave a vivencia de Mike. Ele toma pílulas, para lidar com o dia a dia estressante, com a proximidade da morte e com a violência corriqueira. Claramente ele não imaginou que viveria tanto, nem que passaria por tantas operações ileso como está, e entre uma ida e outra para casa, onde encontra sua família e amigos, ele vai sentindo a pressão aumentar.
O filme não é sutil, vai direto ao ponto especialmente no que toca a promoção do heroi dentro do órgão em que trabalha, e isso é feito pelo presidente novamente vivido por Morgan Freman, tal qual em Invasão a Londres – e ele recém assumido como líder de operações do serviço de proteção nacional vê um ataque hiper tecnológico e bem orquestrado ocorrer sobre si e sobre suas unidades. As não sutilezas não ocorrem só nas cenas de ação que são repletas de slow motion datado, mas também no fato de os ataques por drone ocorrerem logo após ele quase passar mal ante o comandante em chefe da nação soberana no continente americano.
As aproximadamente duas horas de filme resultam em uma obra de ação um bocado genérica, que se distanciam demais do bom potencial prometido por seu início avassalador. Butler está visivelmente velho demais para esse tipo de papel, Freeman também parece apenas se repetir em um tipo de arquétipo que já fazia quando Clint Eastwood era astro de ação.
Toda a questão envolvendo sua possível traição também é mal conduzida. A agente Thompson de Jada Pinkett Smith é uma personagem genérica, não passa de arquétipo, assim como a obvia inversão de perseguição ao herói. Há espaço também para reencontros com pessoas importantes de seu passado, os mesmos que antes não eram sequer mencionados, tudo para fazer Nick Nolte agir mais uma vez como velho louco e Danny Huston, que desde sua primeira aparição já parece um traidor.
O roteiro de Waugh, Matt Cook e Robert Mark Kamen surpreende praticamente nada, todos os rumos parecem telegrafados, com rumos decididos e desenhados muitos momentos antes de ocorrerem. O desfecho é doce demais para os heróis, mostra os vilões corruptos sendo presos, em um maniqueísmo exacerbado, com direito a colocarem o presidente Morgan Freeman em uma cena com políticos reais – entre eles Michel Temer e Vladimir Putin, no lugar de Donald Trump – e um resgate familiar envolvendo os novos personagens, incluindo momentos adocicados, com um bebê de poucos meses pavimentando uma nova relação de pai e avô.
Em 2009, surfando na onda de extrema popularidade da trilogia X-Men, iniciada pelo diretor Bryan Singer, começava a primeira tentativa de aventura solo do universo mutante, e coube a Gavin Hood, diretor de Infância Roubada e que ganhou três anos antes o Oscar de melhor filme em língua estrangeira, comandar essa iniciativa. O filme já começa mostrando a que veio, quando traz o jovem e frágil James Howlett (Troye Silvan) saindo do seu leito, onde claramente estava doente, para desferir um golpe no assassino de seu pai de criação. A cena, que deveria adaptar o clímax da revista clássica Origem consegue ser um evento dos mais mal construídos do cinema de ação recente, dada a artificialidade do movimento do jovem em direção a figura assassinada, só não aparecendo o cabo que o faz ter esse movimento por muito pouco.
Logo após essa apresentação, os irmãos Victor Creed (Liev Schreiber) e James Howlett (Hugh Jackman) são mostrados em uma montagem parecida com a que abre Watchmen, onde aparecem juntos lutando em eventos importantes da história. Ainda que lembre muitos dos clichês de filmes da Segunda Guerra e Vietnã, esse é o melhor momento do filme até o seu encerramento.
X-Men Origens: Wolverine sofreu de um mal parecido com o de Tropa de Elite, ainda que os efeitos para si fossem totalmente avessos ao que ocorreu no filme de José Padilha. Um release inacabado caiu na internet, com efeitos especiais a serem finalizados, e isso causou uma má impressão tremenda, com campanhas da parte dos produtores para que as pessoas fossem ao cinema conferir o resultado final. A grande questão aí é que Tropa realmente justificava o ingresso por sua qualidade, enquanto esse é tão repleto de falhas de concepção que assisti-lo sem os efeitos especiais de computação gráfica por completo não tornaria o filme pior.
O filme transita muito mal entre grandes espaços temporais. Depois da famigerada montagem videocliptica, o público é apresentado a um grupo de mutantes, liderados por William Stryker (Danny Huston), que funciona como uma força-tarefa que deveria adentrar em uma republiqueta típica dos filmes genéricos de brucutus, onde acontece mais uma vez uma demonstração de ruptura entre James e Victor, com o primeiro impedindo o outro de matar alguém. Essa parte serve tão somente para introduzir Wade Wilson, de Ryan Reynolds, que faria anos depois o filme Deadpool, o personagem descolado Espectro do rapper Will I Am, e outros mutantes genéricos, como Blob (Kevin Durand) e outros, formadores da Equipe X.
Seis anos depois, James está casado com Kayla (Lynn Collins), vive uma vida calma, no campo, sem maiores preocupações, enquanto isso, os outros coadjuvantes são abatidos um a um. O mutante de garras parece sentir a ausência desses, pois tem pesadelos quase premonitórios, acompanhados de um despertar no susto, onde põe suas garras para fora. Essa representação é de uma ignorância atroz e de uma tentativa de imprimir uma gravidade à situação, além da própria sensação de premonição que nunca existiu com o personagem. Wolverine não é Xavier ou Jean Grey, tampouco é Sina (personagem secundária dos X-Men que tinha poderes sensitivos fortes), ele é tão somente o melhor no que ele faz, e aparentemente, não poderia ter uma vida tranquila e feliz exatamente por conta desses predicados e de seu passado.
Poucas coisas irritam tanto no filme quanto o cabelo de galã do personagem principal. Não combina com ele, aliás toda a postura dele não faz sentido, ele é pacífico, menos impulsivo que seu irmão – a ideia do roteiro em mostrá-lo como uma fera anestesiada é até boa, mas não cabe aqui porque o único momento em que ele realmente age como um predador é no seu início, em uma das cenas mais constrangedoras de uma obra que é equivocada em quase tudo que se propõe. Quando os antigos patrões vão atrás do homem que assumiu a alcunha de Logan, o impacto pelas perdas pessoais que ele tem é completamente suavizado, pois esse claramente não é o sujeito sem escrúpulos e de natureza selvagem que o leitor ou fã dos filmes do universo dos mutantes se acostumou a ver.
Reza a lenda que a iniciativa Origens contemplaria não só Wolverine, mas outros tantos personagens mutantes, como Magneto, e para muitos, X-Men: Primeira Classe é a evolução desse pensamento, e dada a total falta de complexidade desse filme de 2009, é natural que o projeto tenha mudado. Logan aceita a proposta de Stryker em inserir adamantium em si, graças a perseguição que Victor faz ao seu antigo esquadrão que, é bom lembrar, teve apenas uma missão com o personagem principal, e que aparentemente, causa alguma preocupação nele.
A escolha por essa atitude é tardia, e não é mostrado em tela momento algum que o homem que perdeu tudo não conseguiria vencer seu irmão mais velho em uma luta sem a utilização do adamantium. A cena inicial do processo cirúrgico e traumático em que ele viria a sofrer a experiência é mostrada de maneira fria, sem um clímax, toda colorida e iluminada, sem a violência e sujeira com que era premeditada em X-Men de 1998 ou no quadrinho Arma X, aliás, a sequencia dela é ainda mais irreal, já que ao sair da mesa de cirurgia, Logan, já com a dogtag de Wolverine sai nu da pós-operatório, mas quando sofreu a interferência o sujeito estava de cueca boxe. Talvez a tentativa do filme fosse utilizar o corpo do galã para alcançar um novo público, ainda que a via seja mais gratuita que Michelle Pfeiffer em uma roupa de couro em Batman: O Retorno, pois até no filme de Tim Burton isso era mais justificado.
Por mais que rejeite a ideia de ser encarado como herói, Logan age de maneira muito correta, sem parecer o anti-herói que o tornou conhecido nos quadrinhos. Ele se refugia em uma fazenda com dois velhinhos simpáticos, que fazem as vezes de Martha e Jonathan Kent, e que são postos ali só para serem mais uma perda irreparável (desimportante, na verdade) para o protagonista. É tudo tão tolo que faz perguntar se os roteiristas David Benioff e Skip Woods estavam realmente levando a sério a história que estavam propondo ao público.
Há desfiles em slow motion (talvez mais de uma dezena, ao longo apenas 107 minutos), show off de garrinha de adamantium — Wolverine a usa pra ver o céu e até para acender uma linha de álcool que está no chão. Há também a pretensão do roteiro em dar uma origem até para outro rival de Logan que não Dentes-de-Sabre, em uma personificação de Scott Summers ainda mais caricata e sem profundidade do que a que fizeram com James Marsdem.
Por mais que Ciclope seja mostrado de forma torta, nada se compara ao que fizeram com Blob. Ele é mostrado mais velho e obeso, mas a forma como isso ocorre retira qualquer peso (sem trocadilhos das escolhas e dos eventos que ocorreram até agora no filme), e a justificativa para acontecer uma briga entre eles é completamente ilógica e estúpida.
Por outro lado, Creed é mostrado perseguindo mais mutantes, demonstrando de forma didática ao espectador e ao personagem o quanto ele estava sendo manipulado no final das contas. Ver X-Men Origens: Wolverine é basicamente um pretexto para assistir Jackman atravessando o universo dos X-Men (ou uma paródia bem mal feita deste) para ter mini crossovers com personagens que não se fizeram presentes nos filmes da equipe, e claro, tendo essas inserções da maneira mais gratuita possível. Remmy Lebeau, por exemplo, tinha tido seu nome prenunciado nos arquivos da Arma X em X-Men 2, mas aparece aqui, como o Gambit de Taylor Kitsch, que é basicamente um show off do carteado, e nada mais.
Na época de seu lançamento, muitos elogiavam a performance de Liev Schreiber, até se comparando com Jackman, mas a realidade é que ambos tem papéis tão fracos e ilógicos que elogiá-los beira o ofensivo. Não há nada. Nem complexidade e nem gravidade em suas ações. Tudo que o roteiro dedica aos atores soa extremamente bobo, quando não risível.
Uma nova ameaça surge, a Arma XI, e ela é tratada como o guerreiro superior, que reúne todos os poderes dos mutantes que passaram pelo projeto genético. Supostamente não seria Deadpool a identidade inicial do algoz, mas aparentemente Reynolds agradou muito nas exibições testes, e seus olhos foram inseridos em cima da péssima animação inserida em cima do ator e dublê Scott Adkins. Mesmo a cooperação entre irmãos é mostrada de forma burra, não há tática, não há justificativa para aquilo, mas ainda haveria de piorar muito nos momentos finais.
Stryker para deter Logan usa uma bala de adamantium que seguindo os tecnobables, apagaria sua memória (?!). Raposa Prateada se vinga do vilão, usando seus poderes para convencer o mesmo a andar até seus pés sangrarem. Gambit ao cair do céu gira seu bastão, como se fosse um helicóptero (e como tem helicóptero esse filme…), e Xavier aparece no final, para salvar as crianças em uma tentativa horrorosa de rejuvenescer Patrick Stewart por computação gráfica. Toda a ideia por trás de X-Men Origens: Wolverine é extremamente bem intencionada, tanto Origem quanto Arma X são revistas incríveis e poderiam gerar ótimos filmes, e caso esse fosse um longa apenas sobre as ações de Wolverine nas guerras, poderia ter sido algo melhor, mas claramente não era essa a pretensão, o que resulta em um filme sem alma, sem história e equivocado até em suas cenas pós-créditos, tão asquerosas quanto todo o decorrer de suas tramas.
Em plena audiência, diante do juiz e sob o olhar atento dos jurados, uma mulher vai deslizando seu pincel pela tela, imprimindo no espaço em branco traços de melancolia que transbordam dos grandes olhos de um rosto de criança!
Parece cena de um filme, e o é, na verdade! Mas é também uma cena que retrata a realidade da vida de uma mulher dos anos 50, e marca o emergir de sua liberdade. No entanto, tanto quanto um discurso feminista ou uma evidência de como o papel da mulher, fora dos afazeres domésticos, nada mais era do que uma apagada sombra do marido, Grandes Olhos é quase uma metalinguagem. É uma criação visual (paleta de cores que sussurram e que gritam), orquestrada com sensibilidade, onde o diretor expõe a dualidade de Margaret (silêncio e voz), a qual, por sua vez, se mostra através das expressões dela mesma e do que nos falam os grandes olhos das suas obras.
Em sua segunda cinebiografia (a primeira foi Ed Wood, de 1994), Tim Burton conta a história da artista plástica Margaret Keane, cujos quadros, com nuances peculiarmente perturbadores, representavam o conjunto de obras mais rentáveis comercialmente das décadas de 1950 e 1960. Ainda que ela e sua filha pudessem usufruir do conforto proporcionado pela venda dos quadros, e das cópias impressas que os popularizaram, era Walter Keane, seu marido, quem recebia os holofotes da fama pelo sucesso das obras, já que induzira sua mulher a assinar com o sobrenome comum aos dois.
Trancada em seu estúdio, escondida do mundo e mesmo da filha, era no movimento do pincel e no preencher da tela, que Margaret (Amy Adams) desabafava sua frustração e melancolia. A sociedade estabelecia as regras! Artistas do sexo feminino eram colocados à margem, ou sequer percebidos! E Walter (Christoph Waltz), que não mostrava qualquer talento para a pintura, o tinha de sobra para convencer a esposa a curvar-se diante das normas. Mas não para sempre! A angústia que se contorcia em sua alma, ao perceber que lhe eram roubadas suas sensações mais íntimas, refletidas na pintura, resolve rasgar as amarras da submissão, e enfrentar um tribunal para legitimar a autoria das obras.
Christoph Waltz tem em seu histórico dois brilhantes desempenhos, os quais, sob a direção de Quentin Tarantino, lhe renderam dois troféus no Oscar (e outras premiações) como Melhor Ator Coadjuvante. Quem não se lembra do incrível personagem Landa, em Bastardos Inglórios, e do Dr. King Schultz em Django Livre? Mas permita-me confessar que, ainda que alguns tenham ovacionado a atuação de Waltz em Grandes Olhos, destacando a cena do tribunal, eu o vejo uma tanto caricato, e é inegável que perde a cena para Adams.
Amy Adams incorporou, com intensidade, uma mulher dos anos 50, cuja alma de artista lhe dá a capacidade de tecer traduções sobre os códigos da vida, mas que se vê transitando entre a coragem em romper padrões sociais e a coragem (sim, eu escrevi “coragem”) em se curvar a eles.
Não é por acaso que esta atuação lhe rendeu o Globo de Ouro de Melhor Atriz de Filme Musical ou Comédia. No ano anterior, havia ganho também por Trapaça, filme pelo qual também recebeu uma indicação ao Oscar, após outras nomeações ao prêmio da Academia como Melhor Atriz Coadjuvante em Retratos da Vida, Dúvida, O Lutador e O Mestre.
Talvez, numa primeira impressão, você não reconheça a assinatura de Burton em razão do realismo do filme, em contraste com o tema fantasioso do envolvente Edward Mãos de Tesoura, Batman: O Retorno e Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas, entre outros. Mas perceba como Tim deixa as suas digitais! Se não por outros aspectos, pincelados aqui e ali, elas estão visualmente traçadas nas olheiras escuras das crianças, pintadas por Margaret, numa incrível identificação com a mesma característica constante em tantos outros personagens do diretor, como o tímido Edward, o barbeiro Benjamin Baker, o corajoso Jack Sparrow… Seria isto apenas uma coincidência? E coincidências existem, principalmente em um universo onde cada detalhe, sob a lente da câmera, é minuciosamente escolhido?
Grandes Olhos, novo filme de Tim Burton, é uma autobiografia velada do diretor e ao mesmo tempo o filme com a assinatura menos marcante de Burton. O cineasta, outrora tão profícuo, é frequentemente visto como alguém que se tornou refém de si mesmo e da marca que ele mesmo criou. Desde as participações de Johnny Deep e Helena Bonham Carter em seus filmes, até o uso que faz da estética padrão, tudo é apontado como mais do mesmo, como uma caricatura de si. Sendo assim, a obra nasce com duas grandes oportunidades: discutir o lugar da arte e do artista, e agarrar com unhas e dentes sua assinatura de diretor. Infelizmente, desperdiça ambas cena por cena.
O filme baseia-se na vida da pintora Margaret Keane (Amy Adams – aqui, subaproveitada) e seu marido, o falso pintor Walter Keane (Chistopher Waltz – magnético como sempre), e na vida daqueles que redefiniram o mercado da arte durante a década de 1950 ao licenciarem seus produtos para estampar todo tipo de coisa. Negados em galerias de arte, e como artistas pela crítica, argumentam em certo momento que a arte não precisa ser elaborada ou sequer ser chamada de arte. Só precisa impactar.
Um dos pontos mais marcantes de uma obra de sucesso não são suas qualidades, mas sim seu apelo popular. A reação da academia e da crítica profissional então é rapidamente rejeitar aquela obra como arte, aplicando então o rótulo de obra comercial. Não é incomum que esta seja a crítica máxima a uma obra quando esta suscita alguma emoção mais passional. A grande dificuldade de entender o lugar da arte atualmente é que “contemporânea” é um termo esgarçado, pois é capaz de aceitar tudo. Neste ponto, mesmo o pior artista irá tornar-se um grande artista caso explique suas motivações artísticas com argumentos convincentes. Esta situação não é ruim ou degradadora da “verdadeira arte”, mas deixa as coisas mais confusas para aquele que buscar encaixar tudo em gavetas.
É inevitável neste ponto pensarmos em artistas como Romero Britto e outros que são abominados por chamarem-se artistas, mas estampam mais produtos licenciados do que galerias. Claro que há como defender Britto como artista, mas ele não parece se importar muito com isso, e se mostra feliz nas caixas de lenço de papel. Burton, aqui, assume a mesma postura, já que a forma que encontrou para defender a arte de Margaret não é através de argumentos, mas sim pela exploração de sua meiguice e a contraposição desse seu predicado com a maledicência de seu marido, tão atraente e maldoso quanto o mercado artístico. Sem conseguir comunicar algo de relevante, a película vende a artista sob o mesmo pretexto de suas obras, que é sua fofura, o que acaba por tornar a narrativa um exercício de futilidade. Não à toa, embora a simpatia com a personagem formulada por Adams seja imediata, o que atrai realmente no filme é seu marido. Como grande vendedor que é, vende sua persona falsificada para todos, com eficiência e elegância. E talvez este seja mais um dos pontos fracos do filme, pois escanteia sua Margaret fazendo dela uma mera espectadora de sua própria vida.
Nos poucos momentos em que foi possível tratar o assunto de forma producente, Burton se desloca do projeto e insere cenas constrangedoramente inverossímeis que acabam por destoar de todo o resto do projeto, como quando um crítico de arte interpretado por Terrence Stamp se digladia com Keane em um jantar, chegando a assumir habilidades sobre-humanas. Outro desperdício foi a tentativa de relacionar suas figuras de grandes olhos com o estado mental de Margaret − que só vale por ser um dos poucos momentos em que vemos características de Burton no filme −, que por não conduzir a narrativa, ou exigir demasiada boa vontade do espectador em buscar o conteúdo semiótico das cenas onde isso ocorre, novamente soa gratuito e fútil, exatamente como tenta negar ser.
A implacável ira do cenário desértico do Oeste Americano pré-século XIX é exibida antes mesmo do início das cenas, com uma abertura levada por uma música doce, exibindo fotos de cemitérios e de outros massacres que ocorrem naquela terra. O intenso tiroteio envolvendo os personagens Charles Burn (Guy Pearce) e seu irmão, Mike (Richard Wilson), ambienta o espectador na espiral de morte em que entrará por mais de cem minutos, no mundo particular que John Hillcoat costuma exibir em sua filmografia.
Capturados pelo Capitão Stanley (Ray Winstone), os dois foras da lei olham ao redor, vendo cada um dos que os acompanhavam, mortos. Charles, o mais maduro e talhado para a vida, recebe então uma proposta que traria a redenção a ele e ao caçula, mas que o atingiria em cheio no coração. A alternativa pesada assemelha-se mais a uma sentença de se colocar em desgraça perante os seus, com a incumbência de assassinar o mais velho dos irmãos Burns, principal responsável por um massacre no passado.
A sujeira presente nos dentes e no suor da têmpora dos personagens faz A Proposta se diferenciar dos westerns clássicos de John Ford & Wayne, passando um pouco pelo cinismo da trilogia dos dólares de Sergio Leone com a mesma alma encruada e mal cheirosa de Os Imperdoáveis, sobretudo nos personagens periféricos, como o beberrão Jellon Lamb (John Hurt), decadente em essência e caráter, amoral como todo o background dos anti-heróis do faroeste.
Após alucinações, provenientes do torpor do veneno que faz Charles quase ir para o outro mundo, o personagem finalmente encontra o primogênito dos Burns, interpretado por um diferenciado Jack Huston, de cabelos longos e aparência tão surrada e mal cuidada quanto a dos outros membros do clã. A miséria é comum tanto a suas posses materiais quanto no comportamento de sua alma, mas não há qualquer capacidade mútua de fazer mal aos membros da família.
O desprezo pelas leis se reflete também no comportamento errático de Arthur com os seus. Mesmo que suas intenções sejam boas para com seus semelhantes, falta ação e atitudes mais sinceras, o que faz Charlie balançar, não o bastante para ceder à proposta de fácil execução. Ele precisa ainda experimentar o pior de seu irmão ao vê-lo cometendo um ato imperdoável, tanto de negligência dos seus quanto de crueldade de espírito.
Seu inimigos se postam em uma mesa figurativa à sua frente, como no conto bíblico que pede que se prepare um jantar diante de seus adversários, e o principal fator aviltante a ele é a intimidade com os que lhe impingem mal. Curiosa é a base do roteiro de Nick Cave, que usa as tragédias gregas de Sófocles como inspiração para os conflitos, algo semelhante ao que faziam os realizadores de western spaghetti com os filmes de samurai de Akira Kurosawa. A profundidade do texto está nas sutilezas que apresentam uma resistência interessante, mesmo diante de toda a violência que a fita apresenta. A forma não substitui o conteúdo, pelo contrário, fortalece o argumento repleto de viradas, dualidades e podridões de espírito.
A indefinição do futuro é analisada, distorcida e reinventada em demasia. Ultrapassa a barreira de um mero exercício imaginativo, tocando o cerne do homem moderno e sua angústia de não saber ao certo o que lhe espera em um tempo vindouro. Especulações e projeções surgem de diversas áreas e se popularizam por meio da cultura. Recentemente, a visão de um futuro pessimista tem assolado as narrativas ficcionais, de trilogias de sucesso, que repetem sua fórmula de distopia, à retomada de grandes obras que ganham nova atenção pela análise deste momento vago.
Baseado na obra do polaco Stanisław Lem, O Congresso do Futuro, o filme propõe uma alegórica metaficção sobre os rumos da sociedade e da representação desta por meio da cultura e do entretenimento. Interpretando uma versão de si mesma, Robin Wright é uma consagrada atriz de Hollywood considerada um ponto de resistência em meio aos recursos tecnológicos disponíveis à narrativa cinematográfica, uma das últimas atrizes que ainda não cederam ao contrato de fornecer sua imagem definitiva à captação de movimentos para, depois, se aposentarem da profissão.
A narrativa contrapõe a tecnologia e a concepção artística, ponderando-as em uma dicotomia existencial. A tecnologia evolui a favor da arte ou a arte necessita da tecnologia como forma de existir? É evidente que, desde a criação do Cinema, especificamente, os avanços caminharam simultaneamente. Porém, diante de uma gama cada vez maior de tecnologia inserida nas produções, até onde o papel do ator será importante na elaboração de uma história?
A indústria cinematográfica é vista como um gigante inescrupuloso, impossível de ser parado pelo descontentamento de uma atriz. Muito se discute sobre a figura pública por detrás dos atores e seu papel em relação à sociedade. Aprofundando esta análise, a captura integral dos movimentos de um ator e, consequentemente, a composição de seus papéis feita inteiramente por sistemas digitais discute a questão da própria identidade. Se reconhecemos uma pessoa pela sua composição física, como reconhecer os outros sem esta forma de identificação?
Após uma melancólica cena em que Robin Wright aceita se transformar em um personagem digital, a trama avança dois anos e modifica sua estrutura narrativa e mergulha em um universo colorido, brilhante, composto de animação gráfica. A atriz ainda é uma das estrelas do estúdio, mesmo que não esteja presente de corpo e alma nas interpretações de seus filmes. Ao contrário de uma visão depressiva e obscura de um futuro distópico dominado por máquinas tecnológicas, são os avanços da ciência que permitem a existência deste universo fictício. Uma realidade alternativa composta por uma droga que, quando consumida, libera um universo químico no cérebro de cada um, permitindo que este seja quem ele quiser. Não há mais espaço para adequar-se a um ideal imposto por uma sociedade. Dentro da própria alquimia cerebral, qualquer fantasia é aceita e incorporada. É um mundo vivido na imaginação, no onírico, onde o que é imaginado se torna real, pois, imaginado.
A reflexão ultrapassa o Cinema e a concepção artística, focalizando o próprio humano – aproximando-se da angústia que o homem sente em relação ao futuro indefinido. Se todos são aquilo que desejam, como é possível reconhecer o próximo, se tudo é um jogo de máscaras? Questiona a personagem de Wright. Dentro deste cenário, a personagem procura seu filho, um garoto que sofre de uma doença degenerativa no ouvido, perdendo assim seu contato auditivo com o mundo. Um paralelo que demonstra que, enquanto uma maioria decide pela alienação em um mundo falso composto pela química, o filho, mesmo desejando manter contato com certa realidade, perde, pouco a pouco, esta comunicação e, contra a própria vontade, se isola. A família de Wright.
Também neste aspecto, a produção não deixa de ser fabular ao narrar uma história que apresenta em seu interior uma moral reflexiva sobre a conduta humana e o uso da própria ciência e da tecnologia como forma de sobrevivência. Se desde tempos remotos a sociedade progrediu com tais usos, nos tornamos escravos de nossa própria evolução? A animação dirigida por Ari Folman é o meio que representa este falso mundo imagético. São cenas que abusam da qualidade técnica e das cores apuradas a favor de uma poesia visual que se justifica pelo tema abordado na produção, que produz com qualidade uma reflexão sobre a própria arte e a humanidade, fazendo de si própria uma bela peça artística.