Tag: Tim Burton

  • Agenda Cultural 70 | Infiltrado na Klan, Green Book, Shazam!

    Agenda Cultural 70 | Infiltrado na Klan, Green Book, Shazam!

    Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira) e Filipe Pereira se reúnem para resgatar os filmes não comentados nos últimos tempos na Agenda Cultural. Plot-twist é uma assinatura de M. Night Shyamalan? Podemos ter otimismo com o progressismo da academia do Oscar? Shazam! é mesmo um filme bobo? Tudo isso e muito mais na agenda deste mês.

    Duração: 103 min.
    Edição: Julio Assano Júnior
    Trilha Sonora: Julio Assano Júnior e Flávio Vieira
    Arte do Banner:
     Bruno Gaspar

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    Comentados na Edição

    Crítica Vidro
    Crítica Infiltrado na Klan
    Crítica Green Book: O Guia
    Crítica Se a Rua Beale Falasse
    Crítica Vice
    Crítica Homem-Aranha no Aranhaverso
    Crítica Creed II
    Crítica Alita: Anjo de Combate
    Crítica Dumbo
    Crítica Shazam!

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  • Crítica | Dumbo (2019)

    Crítica | Dumbo (2019)

    Tim Burton há muito tempo não reprisa o bom cinema pelo qual ficou conhecido, e coube a Disney entregar-lhe um projeto que poderia faze-lo retomar a aura fantástica que começou a fazer em Edward Mãos de Tesoura, e o resultado final de Dumbo condiz demais com essa expectativa, conseguindo sabiamente fugir dos exageros que ele mesmo fez em Alice no País das Maravilhas, que foi uma das parcerias  mais recentes do diretor com o estúdio. O filme do elefantinho voador é emotivo, belo e transpira poesia.

    Evidentemente que liberdades  criativas precisaram ser tomadas, para tornar o clássico Dumbo de 1941 em um filme palatável não só para plateias mais novas, mas também para o novo formato, mas seja no roteiro de Ehren Kruger ou na direção de Burton há inúmeras referencias ao clássico, elementos como o trem que leva o circo dos Irmãos Medici ter um sorriso na frente, o uso das penas como combustível para o paquiderme (ainda que em uma espécie de Placebo), o uso de ratinhos amestrados para alegrar o filhote e os animais de espuma psicodélicos  estão lá, embora bem diferentes, e a repaginação deles é bem reverencial ao tom da versão antiga.

    No entanto a narrativa é mais feita pelos humanos e não pelos animais, e faz sentido, em especial por fortalecer um discurso de liberdade contra escravidão. Os dois plots principais funcionam muito bem juntos, tanto o dos animais que tem seus destinos decididos por humanos que são escrupulosos ou inescrupulosos de acordo com seu humor e necessidades básicas, há também os animais que apesar de lidar com o circo, tem personalidade própria, e é dada a atenção a ambos os núcleos, desenvolvendo mais obviamente a faceta que tem mais atores consagrados, ainda que eles tenham menos importância dramática que o animal “mágico” e as crianças que o cercam.

    Para muitos críticos da carreira de Burton é composta só de maneirismos, esse poderia soar como um filme seu sem parte de suas marcas, mas  isso não é verdade. O cineasta abre mão de um visual mais barroco, mas mantém parcerias com boa parte do seu elenco, como Danny DeVito (que repagina um personagem seu de Peixe Grande), Eva Green, Michael Keaton e Cia, além de ter consigo Danny Elfman fazendo uma das trilhas mais inspiradas de sua carreira, que dão o tom hiper fantástico necessária para todas as plateias embarcarem. É fato que o diretor está em uma coleira, e é bom que esteja, para não cometer os exageros que fez em Olhos Grandes ou O Lar das Crianças Peculiares, que não são seus piores filmes, mas ainda assim causam uma estranheza em quem gosta de sua obra anterior.

    Outra assunto que o realizador normalmente aborda e que é revisitado aqui são os problemas familiares, aqui representados pelo lado materno do parentesco, seja com a dupla de protagonistas infantis, Nico Parker e Finley Hobbins, que fazem respectivamente Milly e Joe Farrier, os órfãos filhos de Colin Farrell, que faz Holt, um veterano de guerra que adestrava equinos, além obviamente de Dumbo, que vê a Senhora Jumbo ser afastada de si por ser considerada louca. Em comum entre os dois plots, há a sensação de não pertencimento aquele lugar, ao circo dos Médici, não por falta de carinho dos que ali habitam, mas simplesmente porque eles não se encaixam ali apesar de serem formidáveis, mas tanto a jovem Milly não é circense, e sim uma cientista que quer dar vazão aos seus desejos, como os elefantes não se sentem bem no cativeiro.

    Ao menos em um ponto o filme não se diferencia muito da média, pois depende demais das coincidências para ter as reuniões de personagens que precisa. Elas soam irritantes de tão convenientes que são, mas nada que torne vã toda a jornada Dumbo, dos Holt e até do Circo Medici, que finalmente muda seu nome no final para algo mais justo. Cada um dos núcleos de desajustados, a sua maneira, alcançam o seu apogeu e seu modo mais justo de brilhar junto as luzes da ribalta, mesmo a menina que quer ser cientista atende seus próprios desejos de uma maneira que por hora, lhe serve. Ao final de Dumbo, não é só o pequeno elefante que consegue  alçar voo como uma borboleta, mas todos os  que foram agraciados pela sua convivência, e mesmo que não faça muito sentido o final adocicado da obra de Burton, ela condiz demais com a fantasia presente nos clássicos animados de Walt Disney nos anos quarenta e cinqüenta, e é uma versão ainda mais poetizada da obra de 1941.

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  • VortCast 62 | Tim Burton – Parte 1

    VortCast 62 | Tim Burton – Parte 1

    Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira), Filipe Pereira (@filipepereiral),  Bernardo Mazzei e Bruno Gaspar recebem o convidado Alexandre Luiz (@alexluizbr), do Cine Alerta, retornam para mais uma edição do VortCast, e dessa vez comentando sobre a filmografia de um dos cineastas mais originais da Hollywood nas últimas décadas, Tim Burton, criador de um universo próprio, marcado pelos tons imaginativos, soturnos e góticos, e repletos de personagens desajustados.

    Duração: 127 min.
    Edição: Julio Assano Junior
    Trilha Sonora: Julio Assano Junior e Flávio Vieira
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    Filmografia Comentada

    As Grandes Aventuras de Pee-wee
    Crítica Os Fantasmas se Divertem
    Crítica Batman
    Crítica Edward Mãos de Tesoura
    Crítica Batman: O Retorno
    Crítica Ed Wood
    Crítica Marte Ataca!
    Crítica A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça
    Crítica Planeta dos Macacos
    Crítica Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas

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  • Crítica | A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça

    Crítica | A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça

    O brasão dos Van Garrett é o primeiro objeto que aparece no filme que Tim Burton conduziu em 1999, o mais gore, violento e mais repleto de elementos de terror de sua filmografia. Antes mesmo de qualquer fato, ele se auto referencia, mostrando um espantalho com cabeça de abobora assistindo um brutal assassinato por meio de decapitação. A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça reúne elementos dos curtas do diretor, um bocado de Edward Mãos de Tesoura não só por conta de seu protagonista também ser Jonny Depp, mas também por perverter historias clássicas que tem elementos de Contos de Fadas.

    Depp vive investigador Ichabod Crane, que em 1799 é enviado ao condado bucólico de Sleepy Hollow (que também é o nome original do filme), para desvendar uma série de assassinatos estranhos. Lá, ele se depara com uma justiça morosa e pouco disposta a resolver a questão dos assssinatos. Já nesse inicio se nota uma direção de arte muito bem conduzida por Rick Heinrichs, que remonta muito bem o século XXVIII, além de uma fotografia de Emmanuel Lubezki que mira muito em tons acinzentados, ajudando a produzir no espectador uma expectativa de podridão em relação as pessoas que aparecerão no roteiro de Andrew Kevin Walker. Fora Crane, não há muito por quem torcer, nem mesmo para a mocinha.

    A musica de Danny Elfman também ajuda a estabelecer que aquela historia não é algo comum, e a abordagem barroca de Burton é ainda mais utilizada aqui, não só nas relações entre personagens, mas também no tom pessimista. Há a óbvia reverencia do cineasta aos filmes da Hammer, seja na escolha de personagens coadjuvante como Christopher Lee, assim como o modo de retratar as mulheres, com espartilhos e decotes super generosos, como eram as vampiras que cercavam o Drácula de Lee, ou as mulheres que viviam na época das cavernas, ou os penteados e perucas dos homens, com madeixas descuidadas e que parecem não serem lavadas nunca ou quase nunca.

    A figura do Mercenário/Cavaleiro sem cabeça é muito bem montada, seja nos flashbacks de 79 onde Christopher Walken aparece como um assassino assustador de dentes afiados manualmente só para parecer mais feio, ou na boca dos cidadãos supersticiosos que tem medo só de lembrar de sues feitos. A sensação de estar se assistindo uma historia mitológica já é estabelecida independente até quaisquer palavras, o visual diz por si só, assim como todo o misticismo dos habitantes do local.

    Toda a violência retida nos filmes do Batman e nos seus demais filmes pode finalmente ter vazão, finalmente podem ser postas em prática e a mistura de elementos faz muito bem ao filme. O ceticismo aberto do personagem principal, a beleza angelical unida a teimosia da mocinha Katrina Van Tassel de Cristina Ricci, o passado lúdico de Crane envolvendo sua bela mãe, os elementos de feitiçaria, ate o desempenho de Ray Park como o cavaleiro, tudo flui em uma harmonia única, e isso tudo é conduzido pelo caráter detetivesco de Ichabod, que faz as vezes de Sherlock Holmes mais covarde em alguns pontos.

    A cena em que Crane encontra uma bruxa, em que ela faz um movimento cortando a cabeça de um morcego vivo é bem visceral. Alias, há uma referencia bem curiosa, na cena que a mãe  de Ichabod, interpretada por Lisa Marie Smith é mostrada morta, pendurada em um sarcófago de tortura,o objeto em si lembra muito o que Bruce Wayne utiliza para escorregar em Batman: o Retorno, com o detalhe de que os espinhos são recolhidos quando o Morcego tem de entrar na caverna, evidentemente.

    O fato da vilã contar todo o seu plano é obviamente algo clichê e previsível, mas cabe muito bem dentro dessa historia que tenta remontar. Uma historia clássica precisa de bordões, e os engendrados em A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça fazem o filme soar como um jovem clássico, que mesmo após vinte anos, ainda soa moderno, inteligente e bem construído, até seus exageros são charmosos e rivaliza com Ed Wood como o filme mais artístico e bonito de Burton, tendo a favor de si a força do seu final apoteótico e grotesco, que faz poetizar violentamente a obsessão do vingador decapitado, rumo ao inferno para onde ele já deveria estar há muito e não podia ir, já que era conjurado.

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  • Crítica | Marte Ataca!

    Crítica | Marte Ataca!

    “Uma rampa está descendo… como uma língua gigante!”

    Homenagem é o sobrenome de Marte Ataca!, uma das mais icônicas produções de Tim Burton, nos saudosos anos 90. Ainda colhendo os louros pelos sucessos de bilheteria que foram os dois primeiros Batman, e logo após Ed Wood, um dos seus melhores projetos, quiçá o seu melhor, Burton já tinha a confiança da Warner Bros. para comandar uma milionária invasão alienígena a Terra, e assim o fez. Dispondo de um grande elenco que incluía Jack Nicholson, Glenn Close e outras inúmeras estrelas reagindo a iminência de um primeiro contato extra terrestre, e das mais amalucadas formas de reação, o diretor de Os Fantasmas se Divertem e outros inúmeros filmes cuja estranheza e excentricidade ganharam o amor popular fez o tributo pop definitivo ao clássico trash Plano 9 do Espaço Sideral.

    Se em plena década de 50, espaçonaves eram literalmente pratos pendurados em barbantes, e filmados com orçamento risível por um louco apaixonado por Cinema chamado Ed Wood, esses mesmos veículos alienígenas em formato oval descem das nuvens, em Marte Ataca!, sendo efeitos especiais propositalmente horríveis, remetendo-os com essa intenção de escracho as inesquecíveis e bizarras obras do ídolo de Burton, massacradas na época por suas péssimas qualidades. Aqui, a bizarrice é generalizada muito antes de vermos os alienígenas, sendo nós muito mais estranhos em nossos costumes que eles, esquisitos muitos mais na sua aparência do que nos atos hostis muito parecidos aos da nossa espécie.

    Temos aqui a icônica cena dos homenzinhos verdes, um clichê orgulhoso do que é, assim como os velhos filmes testamento de Wood, o famoso pior cineasta de todos os tempos, entrando enfileirados na Suprema Corte norte-americana antes de incinerar a todos, sem motivo aparente. Em cenas como essa, ou na própria apresentação dos marcianos violentos aos “dóceis” militares americanos, ainda no começo do filme, Burton promove aqui usar a mesma selvageria que os EUA usam no trato com outras nações nas guerras que se envolvem, sendo não à toa os donos do mundo, seja por conta do poderio militar, ou através do poder midiático que produzem para fortalecer o american way of life. Essa intolerância aqui, mesmo vista pela ótica do ridículo e do humor, nunca esgota sua cumplicidade com a realidade política dos fatos que só agravaram-se com a presidência de Donald Trump.

    É interessante como o filme não tem pressa alguma de mostrar as suas criaturas de outro planeta, e o caos que elas fazem acontecer. Enquanto toda essa bizarrice de duas cabeças apaixonadas voando sem corpo passa, pouco a pouco, a ser o fator principal de uma trama baseada em como a loucura e a paranoia regem os EUA, e Las Vegas e Washington começarem a ser atacadas em divertidas e exageradas sequências de ação, fazendo pouco dessas cenas que Hollywood refaz todo ano em um sem número de filmes ruins, a crítica à política americana e ao modo de vida do Tio Sam é nítida, metaforizada aqui por um presidente incompetente, cidadãos abestados e uma cultura de espetáculo que explode pelo ar e ninguém liga porque tudo é descartável, assim como os cenários falsos e brilhantes que cercam pessoas falsas, de roupas brilhantes. De ingênuo, e ridículo, o ótimo Marte Ataca! tem apenas a sua casca, sendo uma ode apaixonada as raízes de um cineasta que nunca escondeu suas influências.

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  • Crítica | Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas

    Crítica | Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas

    Talvez Peixe Grande e Suas Historias Maravilhosas tenha sido a ultima parte da Era de Ouro da filmografia de Tim Burton, não que não haja filmes bons posteriores a 2003, as animações Noiva Cadáver e Frankenweenie são realmente muito boas e inventivas, mas algo em Burton foi encerrado com esta produção, ele jamais voltaria a ser o mesmo, ao menos como regente de filmes, suas produções seriam mais comerciais e menos comprometidas com o lúdico.

    Não há uma enorme introdução ao drama presente no roteiro de John August por sua vez baseado no livro de Daniel Wallace. A historia é narrada por Ed Bloom, em sua versão mais moça, nessa encarnação feito por Ewan McGregor, mas no tempo presente era interpretado por Albert Finney. Ele, já idoso, adora contar suas historias, mas sempre que o faz, é cortado por seu filho, Will Bloom (Billy Crudup), que está cansado da mania do pai em contar as historias de seu passado, em especial porque ele as ficcionaliza demais.

    A estrutura dramática de Peixe Grande é bem simples, a narração ajuda a colar os momentos distintos, entre o presente com Ed já velho e seus mini contos hiper fantasiosos, servindo assim de epitáfio pelo mal que em breve deve atingi-lo, uma vez que ele está doente, ao ponto de inclusive largar a quimioterapia que fazia. A relação do velho com seu herdeiro segue apesar do desprezo do segundo, que até começa a mudar sua postura, ligeiramente, se tornando simpático ao paterno basicamente por compaixão via convalescência.

    Por ser um filme dividido por contos, a historia é episódica, semelhante a Amazing Stories, uma série antiga que Steven Spielberg produziu, essa por sua vez tentava modernizar os temas de Twilight Zone e Quinta Dimensão com uma roupagem mais fantasiosa e lúdica. A abordagem circense que Burton produz aqui já reúne alguns dos elementos visuais que se desgastariam em sua filmografia, há muito em comum dessa obra com os futuros A Fantástica Fábrica de Chocolate e Alice no País das Maravilhas e até O Lar das Crianças Peculiares, em especial na questão de envernizar figuras bizarras com uma atmosfera hiper colorida e repleta de fofura, mas aqui, cabe, já que até isso é discreto. O que pesa contra a obra  é que a fotografia e direção de arte em alguns pontos se confrontam, e dessa forma, a fotografia de Philippe Rousselot de Emannuel Lubezki em A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça, até por conta de serem espíritos bem diferente entre um filme e outro, mesmo que Rousselot fosse conhecido por seu trabalho em Entrevista com Vampiro, que foi inclusive premiado nessa categoria.

    Ao mesmo tempo, o filme dá voz a quem geralmente não tem, não só a flagelados e excluídos, mas também aos que não são agressivos. O modo como Ed conquista o amor de uma garota por exemplo é inusual por completo, pois geralmente quem usa de força e ganha uma batalha é que se torna o par ideal e aqui o sujeito consegue o feito apanhando.

    Apesar de alguns segmentos serem mais legais, divertidos e interessantes que outros, Peixe Grande e Suas Historias Maravilhosas tem uma tônica muito bem seguida, e serve bem de epitáfio ao personagem central. Se as historietas contadas tem ou não base na realidade, pouco importa, a fantasia estabelecida no carisma de Ed é propagada assim mesmo, e por fim, o longa é um belo epitáfio, orquestrado com ares grandiosos por seu realizador, que dali para frente, já não seria tão prolífico e criativo.

    https://www.youtube.com/watch?v=E0M6WNm8LHg

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  • Crítica | Planeta dos Macacos (2001)

    Crítica | Planeta dos Macacos (2001)

    A versão de Tim Burton para o clássico Planeta dos Macacos de Franklin J. Shaffner começa com uma música imponente, de Danny Elfman, e com uma abertura lindíssima, com vasos e objetos de artes cuja temática tem a ver com os símios que em breve aparecerão. O primeiro personagem vivo a ser mostrado é exatamente um chimpanzé de tamanho comum, que está dentro de um simulador. Pericles é cuidado por Leo Davidson, o cientista que Mark Wahlberg vive e faz as vezes de Charlton Heston que alias, faz uma ponta neste. Esse começo parece promissor, ao menos até mostrar Leo, e mesmo assim, a historia desandaria mais ainda depois.

    O ano da historia 2029 e o roteiro começa mostrando a estação Oberon onde Davidson trabalha, e é enviado ao vazio do espaço onde é pego em um vortex que o joga para outro lugar no espaço e aparentemente no tempo, e ele pousa em um planeta que vive em uma espécie de Era Medieval, mas habitado por macacos, que tem toda uma sociedade, dividida em castas, e que se munem de armaduras super estilizadas, com um roteiro de Mark Rosenthal, Lawrence Konner e William Broyles Jr. mais fiel ao menos em ambientação ao livro de Pierre Boulle do que o que Michael Wilson e Rod Serling fizeram em 68.

    O grande problema do filme é a caricatura em que ele se insere. Há um exagero e uma mão muito pesada de Burton. As atuações são ou genéricas ou histriônicas, como a de Tim Roth fazendo o vilão Thalos, um chimpanzé inteligente e agressivo, que tenta impor sempre sua vontade através da força. Há momentos risíveis e referencias escabrosas, reunidas juntas, como uma cena em que um casal está se preparando para transar e a fêmea – na verdade, Nova, interpretada por Lisa Marie até então esposa de Burton –  dança para seu marido, em uma dança de acasalamento terrível, ou jovens macacos que imitam roqueiros punks, de jaqueta, fato que mistura linhas temporais ou referências visuis distintas demais para conviverem juntas. Alem do que, os humanos (que falam, contrariando a ideia de que seriam muito inferiores aos macacos) ao fugirem conseguem entrar em algumas casas, como se as mesmas não tivessem qualquer proteção, trancas ou algo que os valha. Mesmo em épocas bíblicas há relatos de utilização de algum método de segurança para proteger a moradia do povo de saques ou furtos.

    Os atores tiveram um trabalho árduo de preparação, para emular de maneira completamente bípede alguns dos movimentos animalescos típicos, mas até esses falham, pois em alguns momentos são utilizados e em outros tantos, não. Além disso, há uma grande banalização dos momentos do clássico, com as frases que foram icônicas, em especial as ditas pelo personagem de Heston, tem seu sentido invertido, e não por algum motivo válido, pois parecem apenas piadas de mal gosto.

    As lutas entre o exercito símio e os humanos tentam ser emocionantes, mas tem coreografias estranhas, e a sequencia como um todo é bagunçada, e tem um evento meio Deus Ex Machina ali, que debocha dos mitos  que o filme tentou estabelecer e banaliza o todo, mostrando Semos – na verdade, Pericles – como um macaquinho adestrado que é soberano diante dos outros inteligente e capazes de dividir uma sociedade inteira. É tudo muito conveniente, e a tentativa de falar sobre religião esbarra em uma abordagem rasa e meio simplista.

    Há momentos grotescos no filme, incluindo ai  o confuso final, que faz referencia mais ao livro de Boulle e tenta (em vão) soar mais poderosa que a do clássico sessentista. Toda a questão sobre o desfecho e a estátua de Thade no lugar de Abraham Lincoln é terrível, seja a crença de que ele conseguiu reativar a Oberon mesmo jamais tendo contato com esse tipo de tecnologia, ativando a rota para a Terra repovoando o planeta com símios ou levando em conta que a nave de Leo errou a rota e voltou ao mesmo planeta em que se passa o filme inteiro, qualquer uma dessas teorias ou outras possuem furos e não constituem um final poderoso como o filme quis soar, o que é uma pena, pois esse Planeta dos Macacos de Tim Burton tinha um claro potencial. A declaração de Burton sobre essa sequencia foi presunçosa – O final parece não ter lógica, mas tem. O objetivo é fazer você usar ambos os lados do cérebro ao mesmo tempo – e destaca o quanto o realizador estava fora da realidade ao analisar seus próprios méritos.

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  • Crítica | Ed Wood

    Crítica | Ed Wood

    Nenhum cineasta que amou de verdade o cinema pode ser o pior dos piores. Todavia, amor não coloca comida na mesa, e as vezes uma certa dose de talento e precisão são necessários para o coração devotado. Entre todos os Tim Burton’s que já tivemos, em mais de quatro décadas de sua carreira,revisitando-se e reafirmando a cada passo dado sua identidade, o Tim Burton pós Alice no País das Maravilhas virou o que muitos profetizaram quando foi divulgado o primeiro trailer da aventura feita sob medida para a Disney: um lego flexível, precificado e que se encaixa fácil, fácil nas diretrizes de um vasto cinemão americano, cheio de intenções e vícios de linguagem. No jogo de Hollywood, e estamos falando especificamente sobre ele, poucos sabem manter casados os fatores qualitativos e identitários a ponto de sua paixão primordial pelo Cinema se manter intacta por todo o caminho, este longo e penoso como sabemos ser para todos os(as) envolvidos(as).

    Olhando para esta pérola, filmada em um belíssimo e invejável preto e branco que lava o mundo das filmografias americanas de tons prata e grafite de forma quase ímpar, o Burton raiz ainda estava vivo, ou melhor, nascendo, no que pode ser chamado seu melhor filme sob a teimosia alucinante dos fãs em eleger Edward Mãos de Tesoura para este pódio. O cineasta ainda foi zeloso o suficiente, após o enorme sucesso de Batman e Batman: O Retorno, para não sobrepor a estética a essência da história por trás da figura amalucada e naturalmente esquisita do “pior cineasta de todos”, Edward Davis Wood Junior, e que por isso mesmo se tornou inesquecível, tal Tommy Wiseau do infame The Room para as audiências modernas, e homenageado em 2017 em O Artista do Desastre. Ed pode ser visto até hoje, e de forma reiterada, como “o alfa e o ômega do subgênero trash”. Filmes que, de tão ruins, ganham uma legião de fãs justamente por seu apelo ridículo, péssimo gosto em todos os sentidos e humor desproposital e insano.

    Sua trajetória na máquina hollywoodiana de sonhos não foi nada engraçada, porém, com Ed experimentado toda a sorte de pesadelos possíveis para realizar suas ‘obras-primas” na Era de Ouro dos grandes estúdios do passado,mas extremamente (no sentido literal da palavra) massacradas e marginalizadas pela crítica especializada e um público que o desprezava, colocando clássicos trash como Glen e Glenda, A Noiva do Monstro, e o mais famoso e ambicioso de todos, Plano 9 do Espaço Sideral (todos disponíveis no YouTube), abaixo de tudo o que se pode imaginar. Amante do macabro e do desconhecido tal qual o seu velho ídolo, Burton viu nos anos 90 a chance perfeita de edificar a cinebiografia do gênio dos anti-sucessos, devotando para isso toda a sua paixão pelos aspectos que o tornaram tão reconhecido, após ter morrido no mais completo e pesado ostracismo nos anos 50, mas não sem antes encontrar sua maior inspiração, um outro gênio da lâmpada, esse sim reconhecido ainda em vida: Orson Welles, o menino prodígio que aos 26 anos rodou Cidadão Kane e reinventou a roda.

    Ironicamente, temos aqui um filme sobre um dos maiores vira-latas de Hollywood em que Burton e Johnny Depp usam de suas charmosas peculiaridades notórias a fim de recriarem, juntos, com toda a elegância e o dinamismo possíveis, uma época onde sonhos ainda eram possíveis e eram mais fortes que tudo, dialogando sobre a própria vontade de produzir esses sonhos de uma maneira tão sólida e bem resolvida que fica difícil encontrar um candidato à altura, desde 1994, dentro ou fora do cinema americano, que nos faça cair inadvertidamente de amores pelo amor de lutar, contra todo um sistema, para se contar história sobre travestis, policiais ou alienígenas – ou tudo junto, misturado, porque não? Depp, um grande ator quando quer ser, e na época mais ator que celebridade, exala a paixão de Ed Wood pela câmera, pela luz, pela ação que movia seus atores; lendas como Bela Lugosi, o primeiro Drácula, do longínquo ano de 1931.

    Wood apenas queria trabalhar, sob o pecado de ser uma criança perdida numa loja de doces – e como ele amava doces, um mais do que o outro. Wood atuava como cineasta de um tempo mais inocente, que Charles Chaplin ainda era um malandro, Walt Disney ainda lutava para ser o mito que é, e tudo não passava de um exercício caro mas unilateral, sem grandes intenções por trás de nada. Cena após cena, Burton e Depp, no auge de ambos, mostram o lado sombrio, ganancioso e duro de se trabalhar na ilusória Hollywood, pois sabiam, após várias experiências, que nos anos 90 o jogo já era outro, completamente oposto ao mundo de sonhos e diversão de um homem que acreditava em seu coração para guiá-lo com suas lentes em um campo cada vez mais tomado por lobos, e que não aceitam ovelhas sentimentais. Ao recriar uma época, Ed Wood recria com força impressionante o espírito de se fazer filmes, sendo um respiro, uma dose de reflexão, e/ou uma ode para qualquer um que sonha em fazer o mesmo, ou que apenas admira os que tem coragem para tanto.

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  • Crítica | Os Fantasmas Se Divertem

    Crítica | Os Fantasmas Se Divertem

    Os Fantasmas se Divertem (Beetlejuice, 1988) talvez seja o primeiro filme que pode ser considerado um sucesso real dentro da filmografia de Tim Burton, ao menos o primeiro longa-metragem em que ele está livre para dar vazão a todas as maluquices que passavam por sua cabeça. O cenário inicial é o de uma cidade suburbana americana, com o casal recém-arranjado Adam (Alec Baldwin) e Bárbara (Geena Davis).

    Na trama, eles se envolvem em um acidente de carro, e voltam para casa como se nada tivesse acontecido, exceto pelo fato de estarem mortos. Não há sequer dez minuto decorridos e os dois percebem que muitas coisas estão erradas. O além que Burton propõe é engraçado, repleto de elementos góticos e curiosos. Após uma breve introdução onde só se vê a silhueta de Beetlejuice (ou Besouro Suco, nas versões dubladas), a dupla de recém-falecidos percebe que não será nada fácil assombrar uma casa, e apelam então para o consultor fantasmagórico vivido por Michael Keaton, uma vez que sozinhos não conseguem assombrar os novos moradores de sua antiga casa.

    Por sua vez, Keaton vive exatamente o resumo do que Burton acha agradável em matéria de cinema, suas falas e composições visuais tem muito a ver com os antigos curtas do realizador, especialmente Vincent (1982) e Frankenweenie (1984), enquanto seu modus operandi é completamente debochado, como nas comédias inglesas rasgadas. Apesar de carregar em si o nome original do filme, a jornada mostrada não é a de Beetlejuice, e sim do casal que não demora a encontrar entre os vivos que habitam a nova casa uma pessoa a quem se aliar, a adolescente problemática Lydia (Wynona Ryder), que diverge e muito dos parentes — novos ricos que só pensam em ascensão social e afins.

    O desafio para Adam e Barbara é o de romper a condição de mortos-vivos bonzinhos, para enfim assombrar, e com isso, afugentar os compradores do lugar onde moravam. A cena do jantar com a dança Day-O’Dance, canção de Harry Belafonte, é homérica e inesquecível, mas não é assustadora o suficiente, e para variar as coisas saem do controle quando uma aparição de uma cobra sobrenatural ocorre, assustando a todos, mas sem grandes conseqüências. A sequência se utiliza de animações em stop motion, que ao menos aqui parecem defasadas, em comparação com o que viria em matéria de efeitos digitais, ainda que em alguns momentos referencie o cinema expressionista alemão.

    Os momentos finais guardam uma boa convivência entre os residentes e as criaturas do além, tendo em Lydia o ponto de ligação entre os mundos. Essa questão poderia ter sido melhor trabalhada, já que haviam lacunas ali a serem preenchidas, e o final adocicado destoa um pouco da ambição de desconstrução do sub-gênero comédia de horror, mas ainda assim não invalida toda as bobagens nonsenses que Burton conduz através do texto de Michael McDowell, Larry Wilson e Warren Skaaren, que apesar de não ser a coisa mais bem urdida do mundo, ainda soa inteligente para as pretensões do filme.

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  • Crítica | O Estranho Mundo de Jack

    Crítica | O Estranho Mundo de Jack

    Animação não-convencional dos estúdios Disney, O Estranho Mundo de Jack reúne elementos dos personagens criados por Tim Burton que habitam uma cidade temática de Halloween para contar uma história musical sobre o feriado natalino. Henry Selick se vale de efeitos comuns em duas dimensões e um bocado de stop-motion para introduzir esse novo universo, que apesar de ter momentos interessantes para as crianças, também reúne elementos típicos dos filmes de terror clássicos.

    Em meio a criaturas fantasmagóricas, lobisomens e toda sorte de outros mortos-vivos, se apresenta Jack Skellington, dublado por Chris Sarandon. O jovem esqueleto se mostra enfadado de todo ano preparar todos os eventos apenas para a comemoração do Halloween em outubro, até que em meio as suas cantorias – protagonizadas pela voz do compositor Danny Elfman, que também dubla outros personagens – Jack decide se aventurar pela floresta em busca de novas experiências.

    Trazer o natal as criaturas monstruosas tem um preço, de quase descaracterização de todo o cenário gótico existente. Apesar de não haver muita complexidade nos personagens, há um conflito válido entre os que não entendem o intuito de Skellington. O desenrolar dos fatos pós-decisão de levar à frente o natal é engraçado e grotesco na medida certa, brincando inclusive com o conceito de susto infantil, uma vez que os presentes macabros que Jack distribui assusta os adultos, e não as crianças que consideram cabeças decepadas e restos mortais como objetos comuns.

    Quando foi lançado, a Disney ficou com medo de ter sua marca associada a uma criatura tão horrenda quanto o protagonista, e por isso colocou o filme no selo da Touchstone, mais tarde mudando isso, trazendo o personagem para o seu hall da fama, como era merecido. O final de O Estranho Mundo de Jack remete ao resgate às origens e retorno ao status quo, basicamente para referenciar a necessidade de se preservar sua própria essência. A demora com que isso ocorre é válida para que se valorize o que acontece consigo, e a tradução que Michael McDowell faz a partir do poema de Burton ajuda a detalhar e enriquecer a história, apresentando um conjunto de eventos que faz valer sua atmosfera tragicômica.

    https://www.youtube.com/watch?v=LuvdeINbNhM

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  • Crítica | Batman: O Retorno

    Crítica | Batman: O Retorno

    Após o sucesso da primeira empreitada de Tim Burton a frente das histórias do homem-morcego – em Batman – finalmente a Warner e seus produtores deram carta branca para o diretor e criador dar vazão a sua visão a respeito do cruzado encapuzado e o cenário ao redor, em especial o espírito que de certa forma, rondava Gotham. Se em Edward Mãos de Tesoura, ele critica fortemente a postura hipócrita e excludente dos suburbanos, a vez agora é a de analisar a ganância e egoísmo dos moradores das grandes cidades.

    Batman: O Retorno não tem os nomes de Michelle Pfeiffer e Danny DeVito antes do herói Michael Keaton, mas é certamente é um filme sobre seus antagonistas, Mulher-Gato e Pinguim, além é claro do vilão especialmente convidado, Max Shreck (Christopher Walken). O prelúdio se passa anos antes do presente da trama, com os Coblepott abandonando seu filho recém-nascido, basicamente por conta de sua aparência monstruosa. Antes de ser abandonado, o bebê come o gato da família, para só então ser jogado em um cesto, indo direto para os esgotos da cidade.

    No tempo corrente, a cidade do morcego sofre com a assombração de um bandido ligado a aves, uma lenda urbana que logo se mostra real, ao aparecer em meio ao discurso do pretenso Papai Noel da cidade, o magnata Shrek. A gangue do circo que acompanha o chefe do crime tem mais semelhanças com o Coringa, de Jack Nicholson, do que com o Pinguim. Wayne prossegue na batcaverna, entediado, a espera da chegada do batsinal. Bruce não tem vida, nada mais o entretêm, exceto quando está vestido com o objeto de seu medo, sempre na tentativa de vingar a memória de seus pais.

    Família também é a palavra chave quando se fala Pinguim e Shrek, o homem deformado que mora com os excluídos da cidade e com seus próprios pinguins – por mais bizarro que possa ser terem aves invernais em um esgoto – raptam o magnata a fim de chantageá-lo, ameaçando declarar o seu envolvimento com despejo de dejetos tóxicos, em troca ele tentaria tornar a figura pitoresca do rotundo e baixinho antagonista em algo palatável e amável.

    Enquanto isso, Selina Kyle é uma frustrada secretária de Shrek, uma mulher que se esconde atrás de seu uniforme de garota desinteressante um apetite voraz e uma vontade de vencer escondida pela monotonia do cotidiano e pelas humilhações que passa diariamente com seu patrão. Após, perceber o mal que o empregador faria a Gotham, sugando energia da cidade ao invés de gerar, ela é brutalmente assassinada, e na queda, é pega por um grupo de gatos, que após lamber suas feridas, e de alguma forma inexplicável, fazem ela retornar, anárquica e completamente maluca. Ao retornar para sua casa, ela repete a cena de introdução, dessa vez debochando do quão repetitivos sãos seus dias, e após um ataque de fúria que a faz destruir seus bichos de pelúcia e esticar um pedaço de couro, ao ponto de conseguir cobrir seu corpo magro em um traje pra lá de fetichista, que lembra muito aqueles usados em rituais de bondage. Toda essa sequência é pontuada por uma música tema poderosa, mais uma vez orquestrada por Danny Elfman.

    Aos poucos, é construído em volta do Pinguim uma aura de normalidade. Ele descobre seu nome real, Oswald, e a partir daí a reação do povo é favorável a ele. O burburinho dos cidadãos soa completamente artificial e pueril, em mais uma demonstração gráfica do quão falsa é a base da sociedade moderna e não só a parte mais abastada. Em torno do bandido antagonista que DeVito executa  é mostrado um humanoide de hábitos rudimentares, quase selvagens, tanto que Maximilian se aproxima dele oferecendo um peixe cru, além dele responder ao assessor da campanha com uma mordida no nariz, que faz o sujeito jorrar sangue. Suas vestes em casa são imundas, e ele parece estar sempre coberto de óleo.

    A farsa não demora a ser descoberta, basicamente porque o personagem por mais insano e complexo que pareça, ainda assim é elemental e arquetípico, precisando sempre relembrar que é um vilão, um vilão que sente prazer em subjugar seu adversário heroico, no caso específico, o morcego. A fotografia de Stefan Czapsky compõe um quadro interessante junto a direção de arte de Bo Welch, tanto os cenários externos, cobertos de neve quanto as luzes contrastando com os ambientes fechados ficam lindos quando registrados pela cuidadosa câmera de Burton. A arquitetura também evoluiu, agora a cidade esfumaçada dá lugar a um lugar repleto de estátuas enormes, como se fossem parte de um circo enorme, o mesmo que Oswald Pinguim comanda. O apreço pelo expressionismo do diretor fica evidente.

    Batman: O Retorno resgata elementos bíblicos para mostrar o terror da nova criatura de ódio criada para este capítulo, primeiro relembrando a tentativa de sacrifício dos primogênitos que ocorreu no livro do Êxodo a fim de matar Moisés, depois com um sacrifício do homem mau junto aos seus amigos incondicionais, que são os pinguins polares segurando bombas, semelhante ao que Abraão faria com Jacó, seu filho. A ideia de animais pilotando bombas é bastante ridícula, no entanto, a desculpa para mostrar novos equipamentos do Batman é muito bem-vinda, especialmente no que tange o veículo anfíbio do personagem, pois como lembrava o letreiro da série dos anos sessenta, essa é uma aventura escapista, que se parece e tem aroma das revistas em quadrinho antigas, fiel principalmente as HQs do período pós segunda guerra mundial onde os absurdos eram maiores, apesar do personagem ser tipicamente urbano e sem poderes.

    Os trinta minutos finais são dedicados a finalmente fechar os arcos dos vilões, com a derrocada do Pinguim, que mais uma vez termina um ciclo sendo rejeitado, com Selina indo de encontro a Max para também ter sua vingança do homem que quase a matou e do herói percebendo tudo atônito, passivo e impotente. Em alguns momentos, Burton esquece que o heroísmo deveria recair sobre Wayne e sua real identidade, isso talvez porque o diretor queria fazer filmes episódicos, como eram os quadrinhos de linha, onde em alguns momentos o personagem título triunfa e em outros, apenas sobrevive. Infelizmente essa jornada foi interrompida, e o cineasta daria lugar à direção de Joel Schumacher, em Batman Eternamente, tendo quase todos os elementos plantados sumariamente ignorados nos filmes seguintes.

    A neve que cai sobre o agora viúvo Bruce Wayne é a mostra singela de que o seu destino também ocorre graças a sorte e ao acaso, mostrando mais uma vez o herói sofredor ao não poder contar com sua amada ao lado, e nesse ponto, o texto de Daniel Waters e Sam Hamm não poderia ser mais fiel a lenda do Batman, um personagem trágico em essência.

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  • Crítica | Edward Mãos De Tesoura

    Crítica | Edward Mãos De Tesoura

    Uma das obsessões de Tim Burton são os contos de fadas. Ele já havia participado de Teatro de Contas de Fada, com um episódio sobre o conto de Aladdin e a Lâmpada Maravilhosa, mas ainda carecia de algo original em formato longa-metragem, e um pouco depois do sucesso que foi o seu Batman, ele viria com o lúdico Edward Mãos de Tesoura, um filme que se vale da nostalgia e de uma América que apesar de um pouco idealizada, reúne muita realidade em torno de sua história escapista.

    Os primeiros momentos se assiste uma avó já bastante idosa colocando sua neta para dormir, e para que ela possa finalmente descansar, a senhora conta uma história passada, em um subúrbio sem nome – as gravações foram em um bairro pacato, de Tampa, Flórida – cujas casas e lugares tem cores gritantes ou pastéis. Nesse lugar, a vendedora e mãe de família Peg Bogg (Dianne Wiest) bate de casa em casa, inconvenientemente tentando vender seus produtos, até que depois de ser ignorada por todos os vizinhos, ela encontra um castelo, cujo jardim é todo decorado com belos arbustos personalizados.

    A casa aparentemente abandonada é na verdade lar de um sujeito diferente, que vive nas profundezas da escuridão, vestido de couro, de cor pálida e com pequenas cicatrizes no rosto. Esse é Edward, vivido pelo ator em ascensão Johnny Depp, antes de toda badalação que o faria ser um intérprete mecânico de seus arquétipos. Peg decide retirar o rapaz de sua solidão e levá-lo para morar com sua família, ignorando até mesmo o seu potencial destrutivo, uma vez que Edward tem lâminas de tesouras no lugar das mãos.

    A adaptação de Edward ao mundo comum é curiosa, já que ele jamais havia tido qualquer contato com outras pessoas que não o seu criador. O filme se mostra gradual em demonstrar a ambientação do personagem neste novo mundo, e nesses primeiros momentos os eventos mais engraçados são a chegada de todas as donas de casa que querem saber quem é o novo visitante na casa dos Bogg, o fato do rapaz dormir em um  colchão de água que é um objeto bastante frágil tendo em vista suas mãos, e a primeira cena do jantar em família, onde os demais não entendem muito bem quem ou o que ele é.

    Burton filma os carros saindo das casas pelo alto, quase todos em fila, referenciando um método e rotina compartilhado por absolutamente todos. Os moradores daquele vilarejo são exatamente iguais, e não fogem nunca do usual. Edward é diferente, o único capaz de aprender coisas novas, e ele não demora a se soltar, mostrando a Bill (Alan Arkin), pai da família o que ele é capaz de fazer com uma simples planta a ser podada.

    Burton sempre foi conhecido por ser um diretor que ignorava o trabalho dos roteiristas e esse certamente é exceção à regra. O argumento é assinado por si e Caroline Thompson (com roteiro de Thompson), e a forma como é mostrada a origem do protagonista, sem apelos grandiosos, com flashbacks econômicos, que mostram um cientista já idoso – Vincent Price, ídolo de Burton – chamado apenas de O Inventor, que tem o sonho de dar sentimentos as máquinas que o ajudam na fabricação dos biscoitos e demais doces de natal. A sua sina é parecida em essência com a de outros cientistas, com a diferença clara de que não há ganância nele ou uma vontade incontrolável por poder, ao contrário, ele é um sujeito altruísta, e passa essa condição a Edward.

    Por incrível que pareça, a pessoa que menos explora Edward é justamente a pessoa que o rejeitou de início, a bela e jovem Kim (Winona Ryder), ao se assustar com o sujeito ocupando seu quarto. A família se aproveita de suas habilidades com tesouras para decorar os jardins da vizinhança, tosar os cachorros das madames e até replicar a excentricidade dessas donas de casa também em seus cabelos. Esse quadro muda quando a menina cede a pressão de seu namorado, para que convença Edward para ajudá-lo a assaltar um lugar, se tornando então um pária para toda a comunidade.

    A proximidade com o natal vem junto com um evento curioso, que é o de revelar a total hipocrisia do povo suburbano, que passa a culpar o elemento externo por tudo de ruim que houve naquela vizinhança. Essa dicotomia torna-se um evento inteligente do texto, já que o pregado em cantatas e teatros natalinos é a solidariedade e união suprema entre os povos, e não o preconceito que se vê aqui. Os corais que entoam os temas de Danny Elfman ajudam a restabelecer a magia do conto, mesmo após a enxurrada de hipocrisia e demonstração da podridão da alma humana, presente no discurso preconceituoso e ressentido dos vizinhos. A cena em que o personagem principal faz uma escultura no gelo é fechada com um acidente em que ele corta Kim, logo no momento em que os dois finalmente começam uma conexão sentimental. Ferido emocionalmente, ele age de maneira instintiva e foge, causando pequenos transtornos pelo caminho, assim como no romance de Mary Shelley, sobre o monstro de Frankenstein.

    Edward Mãos de Tesoura possui uma singeleza e sensibilidade ímpar em sua historia, realizando uma fantasia com tons modernos que mesmo atualmente segue poderosa em essência.

    https://www.youtube.com/watch?v=__dB7t0853U

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  • 11 Filmes Inspirados pelo Expressionismo Alemão

    11 Filmes Inspirados pelo Expressionismo Alemão

    O expressionismo alemão foi sem dúvida um dos movimentos artísticos mais influentes no início do século passado, especialmente quando o assunto é cinema. Essencialmente, seus artistas procuravam um sentido mais profundo na realidade, sacrificando o realismo figurativo em pro do emocional a partir de formas distorcidas e principalmente exageradas. Dessa forma, a percepção subjetiva da vida levou ao controle objetivo pela maneira como as coisas são descritas, agora focadas num mundo interno ao invés de externo.

    Nu Junto a cadeira de Vine, Edward Munch (1929)

    É difícil apontar os aspectos mais importantes do expressionismo no cinema, mas é relativamente fácil de encontrar trabalhos que se encaixam na sua premissa básica. Então através das do que foi definido entre os anos 10 aos 30 por mestres alemães como Fritz Lang, F.W Murnau e Robert Wiene, realizadores de outros tempos, lugares e contextos deram sua contribuição a sétima arte de maneiras similares.

    Esse artigo procura explorar alguns pontos e analisar exemplos do expressionismo alemão que não foram feitos no ápice de seu movimento, mas compartilham seu estilo, estética e temática com esse rico movimento do cinema.

    Os tradicionais Noir e Neo-Noir foram deliberadamente retirados dessa lista (principalmente filmes como M, O Vampiro de Dusseldorf). Essa lista propõe uma abordagem mais diversa, do experimentalismo francês a blockbusters de Hollywood.

    10. Pi (Darren Aronofsky, 1998)

    De diversas maneiras Pi ecoa com o trabalho do expressionista alemão Paul Wegener, especialmente quando revemos a trilogia Der Golem, uma serie sobre uma criatura monstruosa criada por um místico Judeu (o rabino Juda Loew ben Besaliel) para defender os Judeus do Império Romano.

    A esquerda, o rabino de  Arronofsky; A direita, o rabino de Wegener

    A exposição exagerada do preto e branco de fotografia de Pi entrega um pacote de luz e contraste que se assemelha muito a estética de chiaroscuro nos filmes de Wegener. As sombras e luz saturadas parecem espelhar a condição instável e obsessiva do protagonista Max da mesma maneira que Wegener a usa para acentuar a criatura quase Frankenstein que é a natureza do Golem.

    O filme de Aronofsky não só se assemelha visualmente a obra de Wegener, mas em temática também. O Golem narra em três partes a natureza destrutiva da criação se não criada e tratada com responsabilidade, enquanto Pi mostra o terror do uso de profundo conhecimento formal para intenções sociopolíticas, com um uso místico dela se aproximando a ciência.

    Isso se tornar cada vez mais visível quando percebemos na comparação que o lar no rabino na série Golem é uma caverna profunda, repleta de mistérios escritos em hebraico, enquanto o apartamento de Max é um local de estudo, mobilhado com computadores enormes, com paredes cobertas por números e símbolos matemáticos. Para o leigo, os inscritos matemáticos são tão ocultos quanto inscritos numa linguá pouco usada.

    A esquerda, lar do Rabino em o Golem; A Esquerda, o Apartamento de Max

    Um dos cenários principais na série Golem é a cidade medieval de praga, representada como sombria, um local de tensão claustrofóbica, uma opção visual recorrente na estética de cidades no expressionismo alemão. Em Pi, a cidade de Nova York parece muitas vezes mimetizar a desordem da vida urbana, com diversos enquadramentos debaixo da terra, fazendo aquela ambientação cosmopolita sufocante e distorcida. Sendo assim, podemos considerar que Pi representa o medo inerente ao desconhecido da ciência. Ainda mais quando o aplicamos a nosso momento na era pós moderna.

    9. The Wall (Alan Parker, 1982)

    Pink Floyd não é uma banda que possa ser comparada visualmente a alguma outra coisa. Da sua psicodélica cheia de luz ao seu tom mais sombrio dos anos 70 aos 80, as ambições experimentais da banda sempre estiveram agregadas a diferentes fundamentos em movimentos artísticos que não só na música.

    Em 1982, Pink Floyd lançou o filme The Wall; um estudo de personagem de Pink, um rockstar que se perdeu durante a vida nas drogas, instabilidade emocional e problemas com a família, The Wall reflete fortemente elementos principais presentes dentro do expressionismo quanto no surrealismo.

    Começando com o próprio poster do filme que se assemelha ao grito, obra mais famosa do pintor Edward Munch, um dos marcos do expressionismo. A pintura do rosto gritando, representando o desespero de Pink prepara o terreno para a abordagem do longa e seus temas recorrentes: loucura e opressão.

    Através de uma narrativa não linear, o protagonista vai cada vez mas se afogando em loucura. A falta de diálogos em geral compeliram o diretor Alan Parker a compensar o silêncio em pura narrativa visual, muitas vezes abusando do imagético expressionista para transmitir sua mensagem.

    Esse tema e a maneira como é destrinchado podem facilmente ser assimilado ao clássico de 1920 dirigido por Robert Wiene, “O Gabinete do Dr. Caligari”, o filme possui alguns paralelos com The Wall:

    O Uso de paisagens distorcidas e oníricas para expressar as divagações da mente

    O exagero negativo para as figuras de autoridade

    E ainda um similar uso de sombras nos closes:

    Esses exemplos não são os únicos elementos do expressionismo presentes nessa obra: o uso simbólico de espelhos como pontos de reflexão e o claro abstracionismo também se mostram como pontos chaves para comparação.

    Superfícies que refletem são uma mise-en-scène para os antigos diretores do expressionismo e eram usada frequentemente. a primeira vista, o espelho é usado como janela para o desejo de Pink se libertar da inevitável vida adulta; ele se encara profundamente, e raspa todo o pelo do seu corpo, uma maneira catártica ao desejo de renascer. Outro objeto que reflete presente no longa inteiro é a televisão, a tela em que Pink tenta incessantemente escapar da sua realidade. O Antropomorfismo é particularmente tangível. As flores em formato de vagina que ficam se mordendo e serpentes cantantes são exemplos de não humanos agindo como humanos.

    8. Nosferatu, O Vampiro da Noite (Werner Herzog, 1979)

    A filmografia de Werner Herzog foi claramente influenciada de maneira geral pelo expressionismo alemão. O clima inquietante de Os Anões também começam pequenos (1985), o surrealismo sobrenatural de Aguire, A Cólera dos deuses (1972), e o suspense noir do preto e branco de Meu Filho, Meu Filho, Olha o que fizeste? (2009) são exemplos do recorrente, emocional, do subjetivo oferecidos em temáticas violentas sobre um pano de fundo tanto romântico quanto sombrio.

    Nosferatu, o vampiro da noite”, uma refilmagem estilosa da obra de F.W Murnau de 1922, paga uma homenagem ao movimento expressionista como um todo. Uma carta de amor ao gênero, o longa de Herzog super a tarefa de transmitir todo o clima sombrio e teatral da atmosfera que habita no longa original para um filme moderno, colorido e com vozes.

    O Nosferatu de Herzog também toma uma liberdade poética, e foca a maior parte do tempo na natureza solitária do conde amaldiçoado do que na sua natureza mórbida como no original. O uso da luz e sombra, maquiagem e atuação gestual serve para mostrar a mensagem que os vampiros são tanto vitimas quanto culpador, devidos a sua condição.

    7. O Homem Elefante (David Lynch, 1980)

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    A tragica biográfia transformada em conto de fadas, depois em trágica novamente. O longa de Lynch de estilo comumente surreal se rende a um roteiro um pouco mais tradicional, focado muito mais no desenvolvimento do personagem e na seguinte pergunta: O que te torna um monstro?

    O monstro é um arquétipo muito presente no expressionismo alemão. Do Vampiro de Murnau ao esquizofrênico Cesare no Gabinete do Dr Caligari, o que é ser um monstro acaba se tornando um ponto de vista.

    Seguindo a tradição de livros românticos, parece que é algo recorrente nos expressionistas o desejo de convidar o espectador a sentir empatia pelo monstro. Em muitos casos o monstro é um incompreendido invalido social, transformado em algo por uma percepção moral num mal violento.

    The-Elephant-Man

    John Merrick, o Homem Elefante. O homem possui uma doença que deformou seu rosto e esticou sua pele lhe proporcionando uma aparência grotesca. nesse forasteiro monstruoso esconde um doce e inteligente interior. Talvez o mais sensível dos personagens do filme, Merrick desenvolve um gosto por intelectualidade e procura evitar se comunicar com outros humanos.

    Então, em contrapartida, o inescrupuloso dono do show Bytes. Um desagradável e mesquinho homem que destrata e força Merrick a ser exposto num circo, como um animal de zoológico, como a criatura mais secreta da terra. Apesar de sua crueldade, ele não era em essência um homem mau. Suas decisões e comportamento foram resultados de anos de pobreza e aspereza, derramada sobre um homem que sucumbiu ao desejo de usar a violência e abusar de seu acesso ao cuidador do hospital e vigiar pessoas.

    The Elephant Man

    No fim, o Homem Elefante é cercado de crítica social sobre a natureza do homem. Personagem não são apenas indivíduos, eles são formatos a partir do meio em que habitam, não sendo exatamente bom ou mau, apenas um caleidoscópio moral.

    Em função de focar no chiaroscuro, Lynch optou por uma alta e expressiva estética. A filmografia em PB é sólida no uso de luz e sombra, novamente perfomances teatrais e ângulos de câmera dão ao filme uma sensação de pré segunda guerra.

    6. Mephisto (István Szabó, 1981)

    Mephisto (1981)

    A peça Fausto de Goethe é um marco tanto na literatura romântica quanto na cultura alemã em geral. A trágica narrativa de um alquimista ambicioso que entrega sua alma ao demônio em troca de conhecimento foi recontada em várias outras mídias; O poema de Lord Byron Manfred, as muitas canções de Robert Johnson e o balé de 1848 de Jules Perrot são alguns dos muitos exemplos que podem ser citados.

    O conto soturno e dramático da obra dá o tom natural para uma adaptação dentro do expressionismo alemão. Obscuro, temas místicos e a incessante procura de significado através do poder, e o sentimento geral de desconforto inerente ao enredo foram então representados pelas lentes sombrias de  F.W Murnau, in 1926.

    O longa de István Szabó’s dirigido em 1981, Mephisto, traz influências tanto da obra escrita por Goethe quanto do movimento expressionista. O longa conta a história de Hendrik Höfgen, um promissor ator de teatro nos anos 30, que começa a colaborar com o partido nazista procurando fama e fortuna, e conseguir o papel de Fausto.

    Mephisto se relaciona ao expressionismo muito além de uma simples refilmagem. O plot do longa de Murnau em si é uma adaptação do romance de Klaus Mann que conta a história de Gustav Gründgens, (um ator mais velho muito influente que apareceu em filmes como M, o vampiro de Dusseldorf, dirigido com Fritz Lang em 1937).

    Höfgen, a contraparte de Gründgens na refilmagem é intepretado pelo ator Klaus Brandauer de maneira muito histérica, que procura mimetizar a maneira exagerada com que os atores no expressionismo atuavam. Isso fica acentuado na cena em que os personagens estão encenando.

    Gustav Gründgens como Mephisto

    Klaus Brandauer como Hofgen (Caracterizado como Mephisto)

    A narrativa, a atuação e finalmente as cenas metalinguisticas são claras referências ao expressionismo de muitas maneiras. A refilmagem de Albeit Szabó oferece um trabalho mais conciso e realista quanto a sua identidade visual.

    5. Dark City (Alex Proyas,1998)

    Hollywood parece ser a única rerefência para faroestes mainstream hoje em dia. Do mais alto orçamento, mais assistido e mais relembrado pelas audiência casual de algum lugar de Los Angeles. Porém, nem sempre foi assim. No início deo século passado França e Alemanha também detinham poderosas industrias de cinema especialmente devido ao protecionismo dos dois governos. Para citar dois exemplos, a francesa Gaumont Film Company e a alemã Babelsberg Studio eram ambas competidoras saudaveis e tão promissoras quanto a Warner Brothers na época.

    Após a segunda guerra, o cinema americano virou a norma, com os competidores franceses e alemães mudando o curso de ambos para mercados de Nicho. A audiência convencional se acostumou a certas estruturas estéticas e estilos visuais definidos por hollywood.

    Dark City de Alex Proyas desafiou essa padronização americana desdo inicio. Apesar de ser produzido pela New Line, o filme foi concebido para fugir da tradição americana (menos no valor de efeitos especiais) em razão de reviver o expressionismo alemão.

    Era como se a era de ouro de Babelsberg, patrão de diretores como Robert Wiene e Fritz Lang, tivesse vendo a luz do dia denovo um pouco antes da virada do século. CGI, maquiagens de técnica contemporânea e câmeras de alta definição contrastavam com os antigos métodos de filmagem no set.

    Uma cidade que nunca faz dia parece um motivo ingênuo para sempre manter o filme na escuridão. Dessa forma, as luzes e sombras podem ser onipresentes, da mesma maneira que um filme PB deveria ser. A arquitetura em si faz uma homenagem a Metrópolis de Fritz Lang: A tecnologia, arranha céus banhados com tons de cinza e claro, um prédio maior ainda no centro.

    Os estranhos parecem evocar muito da vibe noir que M, o Vampiro de Dusseldorf (1931) trazia. Chapéus Fedora pretos, casacos pretos, e uma atitude de desdém.

    O prédio ao centro do filme de Proyas com uma cabeça de metal gigante mimetiza a máquina coração de Fredersen do clássico de 27.

    Dark City é um incrível exemplo e exercicio de estilo e efeitos especiais, que depois influenciaram filmes como a trilogia Matrix e tantos outros longas.

    4. O Último Combate (Luc Besson, 1983)

    Apesar de ser a primeira produção de Luc Besson, feita com apenas 24 anos, O Último combate é um trabalho consideravelmente substancial. Focado nos instintos primitivos e necessidades humanas que extrapolam quando a sociedade entre em colapso.

    Fica claro que, de uma visão teórica do filme, que Besson deixou-se influenciar por duas escolas de cinema: O expressionismo alemão e a Nouvelle Vague. A mistura de dois estilos improváveis de filmar resultaram num trabalho muito autêntico.

    Temos a primeira vista a escolha nada tradicional de terreno. Enquanto muitos filmes pós apocalípticos se desenvolvem em cima de desastres nucleares, epidemias globais ou qualquer outra explicação cientifica para o desgaste do planeta, esse filme francês lida com um evento muito mais metafísico: E se pessoas simplesmente ficassem sem nenhuma língua para comunicação? Com essa imersão ja proposta o diretor então molda a estrutura e o sentimento geral da obra. Primeiro de tudo, o filme é mudo, já que ninguém mais se comunica, os atores tem que trabalhar sem nenhum tipo de discuso, apenas linguagem facial e corporal.

    O segundo ponto é a imagem. Em razão de experimentas tipo de luz e sombra, Besson optou por explorar as escolas de Fritz Lang e Jean-Luc Godard, fazendo do filme então PB. Isso também parece refletir numa escolha metalinguística, com propósito de demonstrar as escolhas morais que resultaram no plano em que a trama se passa, tons de cinza parecem os ideias para o filme.

    De uma maneira mais direta, é possível dizer que o diretor usou tanto a Nouvelle Vague para edição etérea para o plot quanto misturou isso ao chiaroscuro expressionista adicionando o cinema mudo a proposta desse mundo.

    3. Cidade dos Sonhos (David Lynch, 2001)

    “Uma mulher tentando se tornar estrela em Hollywood, ao mesmo tempo se encontra se tornando uma detetive e adentrando num mundo perigoso.”

    Com essa premissa, David Lynch lapidou uma obra prima da narrativa não linear, surrealista e experimenta. A trama toda é moldada em cima de um sonho, sem nenhum tipo de sequência concreta de eventos. Lynch alcança o tom de seu longa através de uma fusão das estéticas surrealistas e expressionistas. Essa fusão e perceptível logo na abertura do filme, onde casais dançam freneticamente o swing num cenário roxo.

    Tirando o contexto absurdo da cena, existem sombras nessa cena: silhuetas de casais dançando são parte integral do plano, e é difícil definir qual silhueta pertence a quem, e logo terminar com um saturado close no rosto de nossa protagonista na tela, rindo. O filme então corta para as ruas de Los Angeles.

    Essa passagem uma um tratamento antigo de sombras como uma mise-en-scène, pioneirismo dos mestres da Babelsberg, mas também adiciona uma pinta de surrealismo. O corte abrupto para o branco e brilhante personagem e então para um cena em que o preto predomina e guia o espectador a adentrar ao mundo de luz e sombras certamente já marca sua abertura como essencial para o conceito do filme como um todo.

    Os closes nos atores gerando catárticas cenas de emoção são um recurso também varias vezes revisitado durante o filme, especialmente em uma das cenas finais, onde as atrizes se derramam em lágrimas.

    Lynch nos entrega uma obra mais que bem executada. Das cenas de perseguição, remetendo aos filmes noir, até o climax no bizarro Clube Silencio, o diretor permeia cada enquadramento com onírico, as vezes com lúz e as vezes duvidoso. Essa oscilação entre pesadelo e sonho, luz e sombra identidade e natureza estão no cerne de qualquer experiência expressionista.

    2. O Cremador (Juraj Herz, 1968)

    Esse longa da nova onda de cinema checa dos anos 60 apesar de não dividir estética, temática e estrutura com os seus iguais ele segue ainda caminha da mesma maneira progressiva, trazendo autenticidade e identidade artística para uma indústria que ficou carimbada por ideologia socialista. O Cremador, de Juraj Herz, é uma comedia de humor negro ambientada nos anos 30 na Checoslováquia, a trama segue Karl Kopfrkingl, um cremador que entender seu trabalho com um ponto de vista bastante espiritualístico após entrar em contato com o livro tibetano da morte. Ele mergulha num fanatismo que ao queimar os corpos das pessoas isso facilitaria sua passagem para o além vida. Como seu país foi anexado pelos nazistas, os mesmo utilizam os talentos de Karl para propósitos holocausticos.

    O filme todo PB é focado na mente perturbada de Karl beirando a insanidade. Em função de estruturar o seu desenvolvimento como personagem, o diretor monta a narrativa de maneira subjetiva, estilizando-a de maneira muito expressionista. Dessa maneira, o espectador é sempre colocando numa posição de desconforto, não só pelas viradas de roteiros mas na forma agressiva que a imagem é mostrada.

    Os extremos closes usados na cena de abertura, em que animais são colocados em paralelos com imagens de Karl e sua família são estilosos e elegantes formas de insinuar ao espectador o que ele pode esperar: uma jornada através da mente de um homem louco.

    1. Quase todo o trabalho do Tim Burton

    Burton é talvez o maior diretor mainstream a deixar claro sua profunda influência do expressionismo alemão através de seu trabalho. Sua descrição de Gotham em Batman O Retorno (1992), a estética escolhida para retratar a fábrica em Edward Mãos de Tesoura (1990) e o uso das sombras na narrativa de Noiva Cadaver (2005) são claros exemplos (fora tantos outros) da relação do diretor com esse movimento.

    Suas referências são claras a ponto de nomear um personagem da série do Batman de Max Schreck, nome do ator alemão de Nosferatu (1922). Você também pode encontrar relações no:

    Figurino,

    Cenários

    E até reencenações

    Filme bônus – A Viagem de Alice (Neco Z Alenky), Jan Svankmajer 1987

    Talvez pegar qualquer filme baseado na obra de Lewis Carrol pra compor essa lista seja covardia, mas o longa do Checo Jan Svankmajer sucede a loucura e o surreal através da mente de uma criança nesse conto que as vezes soa terror e vezes fábula de maneira que ele merece sua presença aqui.

    O filme faz uma releitura do primeiro livro das aventuras de Alice misturando Stop-Motion com narração em off e quebra de quarta parede como numa atuação de teatro, mas é na maneira que a decupagem desenrola sua narrativa que podemos ver o brilho expressionista da obra. Logo na primeira cena do filme a continuidade do quarto da pequena Alice é distorcido para liga-lo á um deserto árido com uma escrivaninha como podem ver na imagem logo acima. O longa não chega a ser sombrio visualmente mas mesmo na luz ele sugere uma distorção exagerada do figurativo nos animais e principais personagens da obra de Carrol, e por não contar com uma trilha sonora presente, quase toda a inserção sonora é alta e tenta incomodar de alguma forma.

    É fascinante como a morte é expressa nesta película, os cadáveres e corpos mortos são elementos quase onipresentes, eu diria que esta é praticamente um ensaio sobre a morte reescrito em cima do precursor do nosense na narrativa infantil.

    Fonte: Taste of Cinema

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • Crítica | O Lar das Crianças Peculiares

    Crítica | O Lar das Crianças Peculiares

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    O Lar das Crianças Peculiares é o nome da adaptação cinematográfica do livro de Ransom Riggs, mas também serve em perfeição como adjetivação à filmografia recente de seu diretor Tim Burton, que coleciona fracassos de críticas em meio a poucos sucessos de qualidade indiscutível, como foi com a excelente animação em longa Frankenweenie. Não à toa, este último filme citado era um retorno às origens, como também o objeto analisado, que mistura elementos de A Fantástica Fábrica de Chocolate no visual colorido, e Edward Mãos de Tesoura ao exibir um ideário gótico e repleto de criaturas anormais e simpáticas.

    A história é contada a partir da visão de Jake, interpretado pelo mesmo Asa Buterfield que fez A Invenção de Hugo Cabret. Seu personagem é bastante parecido com o visto no filme de Martin Scorsese, mostrando um garoto excluído socialmente e com sérios problemas psicológicos. A única pessoa que tem por hábito conversar francamente com o menino, é seu avô Abe (Terence Stamp), que é um homem já muito idoso e portador de demência. O medo do rapaz logo vai de encontro ao infortúnio de seu avô, com o receio de cair no mesmo problema de saúde pelo qual passa seu antigo mentor.

    O grande truque da história, que é baseada no livro O Orfanato da Srta. Peregrine Para Crianças Peculiares, é o de estabelecer uma dubiedade entre o argumento de loucura propriamente dita e o mundo novo a qual Jake é convidado a entrar. Variando entre a crença nas ultimas palavras de seu avô e o receio de estar ficando louco, ele viaja com seu pai, Franklin Portman (Chris O’Dowd), para o País de Gales, onde é apresentado as mesmas criaturas fantásticas narradas nas historias infantis estranhas que seu parente contava. A persona do pai aliás é uma face polêmica, já que é um homem claramente ausente e ainda assim preocupado, muito crítico a figura de Abe por também ter sido um pai que mantinha distância da família, repetindo assim o ciclo de erros ainda que por uma via bem diferente da geração anterior.

    É a partir desse mote que Burton pode soltar sua imaginação estranha para construir personagens que variam entre um CGI muito bem feito e técnicas de stop motion maravilhosamente bem conduzidas, sendo este o fator mais elogiável do longa metragem. Os personagens periféricos são críveis, apesar de suas habilidades estranhas, e carismáticas cada um ao seu jeito. Há pouco tempo de tela para cada um deles, mas é fácil estabelecer qual é o drama de cada um e as motivações. O destaque maior vai para duas personagens femininas, a primeira é Miss Alma LeFay Perigrine (Eva Green), que varia entre emoções fortes e bem interpretadas e excentricidades bem exageradas, e claro, a mocinha, Emma (Ella Purnell), uma moça graciosa que arrebata a atenção tanto do protagonista quanto do público quase que instantaneamente.

    A mitologia em torno do cenário fantástico e das regras daquele universo particular soam um pouco confusas, mas logo se tornam naturais para o público, apesar de algumas baboseiras fantasiosas e erros crassos de congruência. O roteiro de Jane Goldman sofre de uma irregularidade atroz, aliás praxe nos filmes de Burton (mesmo os bons), já que tem um final como uma solução um pouco fácil na escolha entre nutrir a história de amor em detrimento da completa falta de preocupação do herói com seus familiares, exceção claro ao seu avô. No fim, as jornadas dos dois homens do clã se repetem, mostrando que o destino tem de a seguir o mesmo fluxo sempre.

    Dadas expectativas em relação ao filme, O Lar das Crianças Peculiares é o melhor filme live action de Tim Burton em anos, superando em muito inclusive Grandes Olhos, esbarrando somente em Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas. Talvez este seja um início (ainda que tímido) do realizador em tentar resgatar um cinema com menos maneirismos, iguais as suas primeiras produções, sendo menos ambicioso e preso a trucagens bobas e em exibir seus amigos e mais preocupado em mostrar um filme coeso e interessante, ao menos para o nicho buscado.

  • Crítica | A Morte de “Superman Lives”: O Que Aconteceu?

    Crítica | A Morte de “Superman Lives”: O Que Aconteceu?

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    Projeto antigo, A Morte de “Superman Lives”: O Que Aconteceu? somente foi finalizado graças a ações de marketing ligadas à colaboração voluntária de espectadores, unicamente movidos pelo desejo de saber toda a verdade sobre a produção de Superman Lives, filme de Tim Burton que jamais viu a luz do dia, e que traria Nicolas Cage com Kal El, o kriptoniano super poderoso e principal super herói da cultura pop norte-americana.

    Jon Schnepp começa a narrar os fatos a partir de um monólogo, direto, conversando com o público de maneira incisiva, para logo depois coletar depoimentos de populares e ilustres, dentre eles Grant Morrison e homens do cinema, envolvidos na produção de Superman: O Retorno. Logo de início, revela-se a presença dos vilões Apocalipse – que teria abatido o azulão em A Morte de Superman – o tradicional e Lex Luthor, e a força robô/alienígena Brainiac, que não pôde ser o antagonista de Superman 3.

    A obra resgata uma abertura semelhante a dos filmes de Richard Donner e Richard Lester, com recriações da silhueta de Cage caminhando com sua peruca e capa, para logo depois contar com o depoimento de Kevin Smith, a respeito da filmografia do herói. Smith diz em sua entrevista algo interessante, como o desprezo dos mandatários do estúdio com os artistas ligados aos quadrinhos, como se fossem pessoas incautas, que não entendiam a ideia do cinema. A partir dali, começaria uma enorme discussão dele enquanto roteirista, com John Peters, produtor, sobre o que seria o argumento, incluindo boatos sobre ele não poder voar, não usar sua roupa clássica, além de batalhar com uma aranha gigante, sendo alguns desses fatos negados pelo próprio Peters, ao ser indagado por Schnepp.

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    Ao se investigar mais, percebe-se que a ideia de Tim Burton dirigir o filme ocorreria bastante tempo após o rascunho do primeiro roteiro. O documentarista visita o diretor, que o recebe em um espaço de sua residência repleto de pôsteres e brinquedos de filmes de terror, onde se percebe a maioria de suas influências obscuras e góticas.

    O cineasta revela suas escolhas para o cast, que iam desde a já conhecida e pitoresca escolha de Cage como o último sobrevivente de seu planeta, até Sandra Bullock como Lois Lane, Chris Rock como Jimmy Olsen, além de uma dúvida entre Jim Carrey e Christopher Walken para o papel de Brainiac. A persona de Lex Luthor era cogitada para Kevin Spacey, que acabou por fazê-lo em Superman: O Retorno de Bryan Singer.

    As cenas de bastidores, com o ator testando uma das roupas que usaria junto a uma estranha peruca, prenunciam o que poderia ter sido uma tragédia visual imensa. Ao analisar os concept arts, veem-se referências a trajes metálicos negros, todos influenciados pelo vestuário do alienígena nos quadrinhos da época, mas que destoavam por completo da visão clássica vista nos filmes de Christopher Reeve e nos muitos seriados.

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    Nota-se no ideal artístico de Sylvain Despretz muita influência do hermético e jamais filmado também Duna de Jodorowsky, com rascunhos bastante ácidos e viajandões, ainda que não se aproximem tanto dos conceitos bolados por Moebius. Ainda sim, o que se nota é muita beleza, e semelhanças com Logans Run (ou Fuga do Século 23). Até a contribuição de Dan Gilroy é analisada, anos antes de seu interessante O Abutre.

    A história em torno de Superman Lives é tão repleta de absurdos, que mesmo no filme que o investiga, não há uma resposta certeira sobre o cancelamento. As suspeitas recaem sobre os muitos filmes da produtora, que foram fracasso de bilheteria à época –  entre eles espécimes como Aço e Batman & Robin  – além é claro da excentricidade de Burton, seja nos recentes Marte Ataca e Batman O Retorno, bem como no que se envolveu desta versão de Super Homem.

    O lamento de Tim Burton, de que ainda gostaria de rodar o longa, revela um profundo ressentimento, não só dele, mas dos demais preteridos de executar o filme, do que poderia ter sido mais um dos clássicos trash dos filmes de super heróis, junto a Mulher Gato, Lanterna Verde, Liga Extraordinária etc.  A direção de Schnepp não ousa muito, cinematograficamente, e possui alguns problemas quanto ao formato, mas elucida temas que até então eram desconhecidos do público em geral, em especial dos nerds, que são os que o diretor mais tenta alcançar.

  • Crítica | Grandes Olhos

    Crítica | Grandes Olhos

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    Em plena audiência, diante do juiz e sob o olhar atento dos jurados, uma mulher vai deslizando seu pincel pela tela, imprimindo no espaço em branco traços de melancolia que transbordam dos grandes olhos de um rosto de criança!

    Parece cena de um filme, e o é, na verdade! Mas é também uma cena que retrata a realidade da vida de uma mulher dos anos 50, e marca o emergir de sua liberdade. No entanto, tanto quanto um discurso feminista ou uma evidência de como o papel da mulher, fora dos afazeres domésticos, nada mais era do que uma apagada sombra do marido, Grandes Olhos é quase uma metalinguagem. É uma criação visual (paleta de cores que sussurram e que gritam), orquestrada com sensibilidade, onde o diretor expõe a dualidade de Margaret (silêncio e voz), a qual, por sua vez, se mostra através das expressões dela mesma e do que nos falam os grandes olhos das suas obras.

    Em sua segunda cinebiografia (a primeira foi Ed Wood, de 1994), Tim Burton conta a história da artista plástica Margaret Keane, cujos quadros, com nuances peculiarmente perturbadores, representavam o conjunto de obras mais rentáveis comercialmente das décadas de 1950 e 1960. Ainda que ela e sua filha pudessem usufruir do conforto proporcionado pela venda dos quadros, e das cópias impressas que os popularizaram, era Walter Keane, seu marido, quem recebia os holofotes da fama pelo sucesso das obras, já que induzira sua mulher a assinar com o sobrenome comum aos dois.

    Trancada em seu estúdio, escondida do mundo e mesmo da filha, era no movimento do pincel e no preencher da tela, que Margaret (Amy Adams) desabafava sua frustração e melancolia. A sociedade estabelecia as regras! Artistas do sexo feminino eram colocados à margem, ou sequer percebidos! E Walter (Christoph Waltz), que não mostrava qualquer talento para a pintura, o tinha de sobra para convencer a esposa a curvar-se diante das normas. Mas não para sempre! A angústia que se contorcia em sua alma, ao perceber que lhe eram roubadas suas sensações mais íntimas, refletidas na pintura, resolve rasgar as amarras da submissão, e enfrentar um tribunal para legitimar a autoria das obras.

    Christoph Waltz tem em seu histórico dois brilhantes desempenhos, os quais, sob a direção de Quentin Tarantino, lhe renderam dois troféus no Oscar (e outras premiações) como Melhor Ator Coadjuvante. Quem não se lembra do incrível personagem Landa, em Bastardos Inglórios, e do Dr. King Schultz em Django Livre? Mas permita-me confessar que, ainda que alguns tenham ovacionado a atuação de Waltz em Grandes Olhos, destacando a cena do tribunal, eu o vejo uma tanto caricato, e é inegável que perde a cena para Adams.

    Amy Adams incorporou, com intensidade, uma mulher dos anos 50, cuja alma de artista lhe dá a capacidade de tecer traduções sobre os códigos da vida, mas que se vê transitando entre a coragem em romper padrões sociais e a coragem (sim, eu escrevi “coragem”) em se curvar a eles.

    Não é por acaso que esta atuação lhe rendeu o Globo de Ouro de Melhor Atriz de Filme Musical ou Comédia. No ano anterior, havia ganho também por Trapaça, filme pelo qual também recebeu uma indicação ao Oscar, após outras nomeações ao prêmio da Academia como Melhor Atriz Coadjuvante em Retratos da Vida, Dúvida, O Lutador e O Mestre.

    Talvez, numa primeira impressão, você não reconheça a assinatura de Burton em razão do realismo do filme, em contraste com o tema fantasioso do envolvente Edward Mãos de Tesoura, Batman: O Retorno e Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas, entre outros. Mas perceba como Tim deixa as suas digitais! Se não por outros aspectos, pincelados aqui e ali, elas estão visualmente traçadas nas olheiras escuras das crianças, pintadas por Margaret, numa incrível identificação com a mesma característica constante em tantos outros personagens do diretor, como o tímido Edward, o barbeiro Benjamin Baker, o corajoso Jack Sparrow… Seria isto apenas uma coincidência? E coincidências existem, principalmente em um universo onde cada detalhe, sob a lente da câmera, é minuciosamente escolhido?

    Texto de autoria de Cristina Ribeiro.

  • Crítica | Alice no País das Maravilhas

    Crítica | Alice no País das Maravilhas

    O conceito de re-conto permeia toda a produção do filme da Disney encabeçado por Tim Burton, não só pelas dezenas de outras adaptações do romance de Lewis Carroll, mas também por apresentar a personagem-título vivendo outros paradigmas, que não só os de discutir os devaneios que teve ao ter contato com o mágico mundo visitado em sua infância. Aproximadamente dez anos após os eventos do livro, Alice (Mia Wasikowska) não se lembra da viagem ácida que fez no passado, sempre relegando estes eventos a lembranças de sonhos, destacando um ou outro elemento enquanto frequenta uma festa pomposa, repleta de socialites.

    Já próxima da fase adulta, Alice vê em si a responsabilidade de salvar sua família da crise financeira que a acometeu desde que sua mãe (Lindsay Duncan) ficou viúva, restando à garota um casamento forçado com uma figura efeminada, que certamente não supriria quaisquer de suas necessidades maritais, factoide este aplacado, claro, pelo fato desta obra ser uma fábula infantil.

    Para Alice, mais interessante é dar vazão à perseguição ao Coelho. A busca pela clarividência dos fatos esquecidos pela personagem principal ocorre em meio a um grotesco cenário, com uma paleta de cores que não tem identidade, nem ser clara o suficiente para remeter aos desenhos animados dos tempos áureos de Walt Disney, mas não tão escura o suficiente para reproduzir o barroco comum da filmografia de Burton. É curioso como a completa falta de espírito alastra-se na fita tanto quanto com a representação de sua heroína, fazendo se perguntar se o erro não é proposital, desconsiderando a costumeira incompetência do diretor em apresentar histórias simples.

    Os desencontros seguem com uma enorme gama de personagens descartáveis e sem carisma, praticamente proibindo qualquer rastro de empatia com a jornada. O script de Linda Woolverton é banguela, sem qualquer possibilidade de uma digestão saudável por parte do público. Tudo é motivado pelo péssimo e enorme conjunto de falhas e incongruências que fazem discutir a culpabilidade da ruim qualidade da obra, se da roteirista ou do diretor. Burton costuma transformar bons textos em apresentações demasiadamente incongruentes, fator que faz pesar a responsabilidade, uma vez que Woolverton coleciona muito menos pecados filmográficos que o cineasta.

     O Chapeleiro Louco de Johnny Depp nem é tão irritante se comparado ao pastiche do ator através dos anos com a saturação de Jack Sparrow, Tonto, seu personagem em Sombras da Noite – também de Burton –, e, claro, se confrontado com o porre causado pela Rainha de Copas de Helena Bonham Carter. O grotesco da maquiagem e as colocações verbais não conseguem ofuscar todo o equívoco que é sua performance dramática, certamente um dos mais lamentáveis aspectos do já combalido filme.

    Outra infeliz coincidência de erro dentro da trama é a aleatoriedade do tamanho de Alice, que em muitos momentos tomava algum tipo de poção que a fazia aumentar e diminuir de tamanho, uma tentativa óbvia de exibir que, para uma adulta, aquele mundo louco já não era cabível, tornando a inadequação o ponto máximo do incômodo que é terminar de assistir à película. Evidencia-se, assim, o quão banal é toda aquela caracterização grotesca e descabida, que serve quase que somente para desvirtuar os rumos dos personagens clássicos de Lewis Carroll. A falta de resolução de tamanhos também remete à dificuldade de propor uma identidade do filme, que demonstra problemas em demonstrar o variável entre pesado e/ou infantil, sendo enfadonho em ambos os aspectos.

    O ponto de partida, onde o roteiro poderia finalmente ser maduro, é completamente ignorado, dando lugar a uma pífia batalha épica, que seria comum no futuro em outros filmes semelhantes – a lembrar-se de Branca de Neve e o Caçador – jogando por terra qualquer possibilidade de discussão minimamente interessante, tudo para apelar ao óbvio hype de Game of Thrones que tomava as noites da HBO.

    De todas as criaturas birutas que habitam aquele cenário, Absolem (voz de Alan Rickman), que, assim como Alice, também está em fase de maturação, tornando física – também igual à personagem-título – sua transformação em algo maior. A máscara de mentor lhe serve perfeitamente, pois é no drama que Alice perceberá que são necessários uma movimentação maior e um desprendimento das certezas pseudo-amadurecidas que tem, tendo no encontro com a forma em casulo do seu mestre a ciência de tudo que viveu quando ainda era muito jovem.

    Basicamente, o roteiro demoniza os deformados, mostrando-os como seres ressentidos e amargurados, que têm sua dor causada pela rejeição, uma vez que a tirania é vazada a partir de um deles. O pretenso crescimento espiritual da protagonista é interrompida por dancinhas constrangedoras com a intenção de quebrar o decoro da forçada cordialidade dos nobres presentes no mundo real, mas que, em essência, só ridicularizam a nova postura da personagem. Mia Wasokwska, aliás, não parece inspiradora mesmo quando consegue vencer os preconceitos que a cercam. A versão de Burton acerta em poucos aspectos, tendo uma trilha sonora acertada, mas que nem incorre como deveria. A sensação da análise final é de que Alice no País das Maravilhas é um equívoco completo: bobo, patético e deslocado.

  • Crítica | Grandes Olhos

    Crítica | Grandes Olhos

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    Grandes Olhos, novo filme de Tim Burton, é uma autobiografia velada do diretor e ao mesmo tempo o filme com a assinatura menos marcante de Burton. O cineasta, outrora tão profícuo, é frequentemente visto como alguém que se tornou refém de si mesmo e da marca que ele mesmo criou. Desde as participações de Johnny Deep e Helena Bonham Carter em seus filmes, até o uso que faz da estética padrão, tudo é apontado como mais do mesmo, como uma caricatura de si. Sendo assim, a obra nasce com duas grandes oportunidades: discutir o lugar da arte e do artista, e agarrar com unhas e dentes sua assinatura de diretor. Infelizmente, desperdiça ambas cena por cena.

    O filme baseia-se na vida da pintora Margaret Keane (Amy Adams – aqui, subaproveitada) e seu marido, o falso pintor Walter Keane (Chistopher Waltz – magnético como sempre), e na vida daqueles que redefiniram o mercado da arte durante a década de 1950 ao licenciarem seus produtos para estampar todo tipo de coisa. Negados em galerias de arte, e como artistas pela crítica, argumentam em certo momento que a arte não precisa ser elaborada ou sequer ser chamada de arte. Só precisa impactar.

    Um dos pontos mais marcantes de uma obra de sucesso não são suas qualidades, mas sim seu apelo popular. A reação da academia e da crítica profissional então é rapidamente rejeitar aquela obra como arte, aplicando então o rótulo de obra comercial. Não é incomum que esta seja a crítica máxima a uma obra quando esta suscita alguma emoção mais passional. A grande dificuldade de entender o lugar da arte atualmente é que “contemporânea” é um termo esgarçado, pois é capaz de aceitar tudo. Neste ponto, mesmo o pior artista irá tornar-se um grande artista caso explique suas motivações artísticas com argumentos convincentes. Esta situação não é ruim ou degradadora da “verdadeira arte”, mas deixa as coisas mais confusas para aquele que buscar encaixar tudo em gavetas.

    É inevitável neste ponto pensarmos em artistas como Romero Britto e outros que são abominados por chamarem-se artistas, mas estampam mais produtos licenciados do que galerias. Claro que há como defender Britto como artista, mas ele não parece se importar muito com isso, e se mostra feliz nas caixas de lenço de papel. Burton, aqui, assume a mesma postura, já que a forma que encontrou para defender a arte de Margaret não é através de argumentos, mas sim pela exploração de sua meiguice e a contraposição desse seu predicado com a maledicência de seu marido, tão atraente e maldoso quanto o mercado artístico. Sem conseguir comunicar algo de relevante, a película vende a artista sob o mesmo pretexto de suas obras, que é sua fofura, o que acaba por tornar a narrativa um exercício de futilidade. Não à toa, embora a simpatia com a personagem formulada por Adams seja imediata, o que atrai realmente no filme é seu marido. Como grande vendedor que é, vende sua persona falsificada para todos, com eficiência e elegância. E talvez este seja mais um dos pontos fracos do filme, pois escanteia sua Margaret fazendo dela uma mera espectadora de sua própria vida.

    Nos poucos momentos em que foi possível tratar o assunto de forma producente, Burton se desloca do projeto e insere cenas constrangedoramente inverossímeis que acabam por destoar de todo o resto do projeto, como quando um crítico de arte interpretado por Terrence Stamp se digladia com Keane em um jantar, chegando a assumir habilidades sobre-humanas. Outro desperdício foi a tentativa de relacionar suas figuras de grandes olhos com o estado mental de Margaret − que só vale por ser um dos poucos momentos em que vemos características de Burton no filme −, que por não conduzir a narrativa, ou exigir demasiada boa vontade do espectador em buscar o conteúdo semiótico das cenas onde isso ocorre, novamente soa gratuito e fútil, exatamente como tenta negar ser.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | Batman Eternamente

    Crítica | Batman Eternamente

    O sucesso de Batman e Batman – O Retorno, dirigidos por Tim Burton, não impediu o descontentamento por parte da Warner, incomodada com o resultado da bilheteria da segunda produção, aquém do esperado pelo estúdio. A fotografia escura e tradicional do diretor, além da violência em cena, foi motivo que inspirou uma nova leitura do Morcego nos cinemas, com Burton delegado à função de produtor, e Joel Schumacher, escolhido para assumir a cadeira de direção.

    Para compreender o sucesso de Batman Eternamente, devemos observar a época de seu lançamento. Em 1995, o Morcego era o único herói nas telas em um período em que não havia uma demanda cinematográfica favorável aos quadrinhos. A popularidade de Batman foi suficiente para atrair o público, mas é difícil levar a produção a sério e não imaginá-la como um diálogo explícito com a série sessentista.

    Desde a primeira cena, é notável a transformação do ambiente. As cenas são iluminadas, e há uma comicidade que anteriormente existia somente em comentários pontuais. Na cena de apresentação do herói, não há traço de verossimilhança quando, em resposta a Alfred e ao jantar, Batman informa ao mordomo que comerá em algum drive thru. Como se a personagem risse de sua própria concepção.

    Devido ao rumo diferente desta produção, Michael Keaton declinou o convite para retornar como o personagem, e coube a Val Kilmer vestir o manto, em uma interpretação que nada acrescenta ao personagem. Se Keaton apresentava um Batman/Wayne correto e um pouco inócuo, Kilmer funciona como um chamariz para o público feminino.

    O vilão Coringa, apresentado no primeiro filme e, nesta cronologia, responsável por matar os pais de Batman, não é citado. Uma nova origem é apresentada e sem confirmá-lo como assassino. Uma prova de que não só as origens dos quadrinhos são frágeis como também, conforme o desejo dos roteiristas, passam por modificações ou atualizações. Desta vez, dois novos vilões são introduzidos na trama: Duas-Caras e Charada, porém somente acompanhamos a trajetória de origem de um deles. Interpretado por Tommy Lee Jones, o promotor Harvey Dent está transformado em Duas Caras, mas sem nenhuma explicação além da inferência de que a mudança aconteceu há aproximadamente dois anos. Quem se transforma em cena é Edward Nigma, um empregado das empresas Wayne que, após uma experiência mal sucedida e rejeitada por Bruce Wayne, transmuta-se no exagerado Charada. Além dos vilões, um novo interesse amoroso surge para Wayne no papel da psiquiatra Chase Meridian (Nicole Kidman), obcecada pela figura do Cavaleiro das Trevas. O excesso no elenco piora quando entra em cena Dick Grayson, o órfão que se torna Robin, o sidekick do Morcego.

    Se já não bastasse a quantidade exagerada de personagens em cena e um roteiro que não os desenvolve ao menos de maneira satisfatória, comentários dizem que Jones e Carey não conheciam a essência de suas personagem e não procuraram leituras a respeito. Comentam que Jones foi orientado pelo diretor a seguir o estilo de Carey e seu Charada, um motivo coerente para explicar tanta afetação em dois vilões. Duas Caras parece acompanhar literalmente o estilo histriônico de Charada, e, além de mostrar uma descaracterização da figura de vilão, a dupla não parece em nenhum momento ameaçadora.

    O plano estabelecido para destruir a cidade é um recurso digno de produções antigas vindas de uma visão de mundo maniqueísta. Um sistema inserido na televisão que extrai os pensamentos da população de Gotham City. Outro aspecto em que é impossível não se recordar das estratégias de roteiro Soc! Tum! Pof! do seriado com Adam West.

    Se considerarmos o pastiche cômico e essa referência clássica, a produção pode ter certo valor como uma visão alternativa do Morcego, mas não como obra cuja intensão era se tornar sequência cinematográfica do bom ponto de partida estabelecido por Burton.

    Dentro das situações propostas, nada parece bem desenvolvido. Duas-Caras e Charada são exagerados, e a presença de Robin não chega a ser um definitivo estrago final, até porque os personagens contracenam apenas nas cenas finais. No entanto, parece um argumento precipitado. Assim como nas demais interpretações, Chris O´Donell também está exagerado e nos entrega algumas cenas que passam do limite de qualquer constrangimento ou riso.

    A direção de Schumacher é espantosamente errada. Gotham transformou-se em um cenário falso, misturado com luzes exageradas, como uma festa rave eterna. Não há frame que não contenha ao menos duas cores aberrantes em cena. Se a concepção era fazer uma Gotham diferente, acertaram em cheio, mas com exagero grotesco. Talvez a concepção da cidade fosse propositadamente abusiva nos elementos sensoriais, como um grande município. Mas nada justifica um local que não pareça em nada com uma metrópole real.

    Vista hoje, parece impossível compreender como a obra conseguiu se destacar e fazer sucesso na época, com bilheteria de 336 milhões. Triste é saber que este ainda não seria o momento mais baixo do Morcego. A seguir, veríamos uma Batgirl, mais uniformes com mamilos em relevo e um Batcard para qualquer momento de necessidade.

  • Crítica | Batman (1989)

    Crítica | Batman (1989)

    Em 1989, Tim Burton era um proeminente diretor. No currículo tinha alguns curtas e duas produções cinematográficas elogiadas: As Aventuras de Pee-Wee e Os Fantasmas Se Divertem. Bases que permitiram assumir a cadeira de diretor em Batman, filme de um dos grandes heróis dos quadrinhos que ansiava por uma versão nas telas.

    Na época, heróis ainda eram um nicho restrito nos Estados Unidos. Tinham um mercado sólido, formavam personagens presentes no coletivo popular, mas estavam na periferia da arte. Não eram considerados um material bruto, rico e criativo para um filme-pipoca. E o sucesso de Superman – O Filme foi considerado um acerto que poderia não ser repetido em um futuro próximo.

    Anterior ao mercado de filmes-pipoca quadrinescos, a aventura não contém a tradicional jornada de origem presente em um primeiro filme. A morte dos pais de Bruce Wayne é desenvolvida em um pequeno flashback durante a narrativa, dando maior dinamismo ao embate entre herói e vilão.

    A abertura de Batman, de 1989, adentra de maneira eficiente o universo do Morcego e apresenta os recursos cênicos que tornariam Burton um grande diretor. Gotham City é um cenário escuro e esfumaçado, composto com leves referências góticas. Ambiente ideal para o surgimento do lendário morcego.

    Na década de oitenta, a composição de uma produção cinematográfica voltada para o entretenimento era conduzida de maneira diferente da contemporânea. Visto em comparativo, o hiper-realismo dos filmes atuais, no qual a trilogia de Christopher Nolan está inserida, faz desta produção um reflexo menos realista da personagem.

    Além da mudança natural da linguagem cinematográfica, os quadrinhos também estavam em um momento diferente. Na DC Comics, a Crise Das Infinitas Terras havia zerado a cronologia do estúdio cinco anos atrás, e Batman passava por uma transição lenta que o transformava cada vez mais em um herói soturno e indestrutível, um recurso que se potencializou após a Queda do Morcego na década seguinte.

    Nos papéis centrais, Michael Keaton e Jack Nicholson foram escolhidos para representar Batman/Bruce Wayne e Coringa. Keaton havia participado do filme anterior de Burton e, mesmo com baixa estatura, parecia uma escolha certa pela parceria com o diretor. A interpretação seria razão para reclamação de fãs durante muito tempo mesmo que, devido à ausência de carga dramática da personagem – e, por consequência, sem um aprofundamento interpretativo – o comentário seja injustificado.

    A grande estrela é Jack Nicholson, tanto pela responsabilidade de interpretar o vilão mais conhecido do personagem como pelo gordo salário que recebeu pelo papel. Uma visão do Coringa bem diferente da defendida por Heath Ledger anos depois, mas que é fiel com a personagem da época: um palhaço insano mas também apoiado na ironia cômica.

    O ator produz veracidade na insanidade da personagem e, inevitavelmente, se destaca mais do que o raso herói. Em relação aos quadrinhos, a origem é a mesma, exceto que o vilão também é responsável pela morte dos pais de Bruce Wayne. Um dos poucos elementos que enfocam o drama nesta história aventureira.

    Mesmo sem aprofundar-se na psicologia de Batman – outro conceito que se tornaria primordial a partir da década de noventa e na nova trilogia – a produção apresenta com eficiência a personagem e a luta contra a violência e o mal. No quesito das cenas de ação, as batalhas estão longe das bem elaboradas e sincrônicas coreografias atuais, mas resultam em bons momentos pelo clima cênico do Morcego. Como na cena do museu em que o Coringa, destruindo peças de arte de maneira iconoclasta, é interrompido por um herói que quebra a claraboia e adentra o local.

    Mesmo com o embate primordial de Batman x Coringa, demais elementos da mitologia são utilizados brevemente. O promotor Harvey Dent e o Comissário Gordon mal aparecem em cena; a batcaverna, embora não seja exibida em nenhuma cena extensa, apresenta-se bem ambientada, como um local lúgubre e tecnológico, bem registrado pelos quadrinhos da época; assim como o arsenal do Cavaleiro das Trevas com tecnologia de ponta para a época; e um uniforme que, embora aparente imobilidade na luta corporal, assemelha-se a uma armadura rígida (sem nenhuma possibilidade de mamilos desenhados sobre o peito). Contornos definitivos que representam com adequação a figura tradicional do herói.

    Vinte e cinco anos após sua realização, o filme continua vivaz e fiel à personagem. A produção, que foi supervisionada pelo criador Bob Kane, é uma das grandes referências culturais, com diversas representações visuais em mídias diferentes. Não se poderia prever que, anos depois, os heróis se tornariam presença obrigatória no verão americano e que Tim Burton pareceria tão esgotado em sua temática de árvores retorcidas, utilizando a participação da esposa, Helena Bonham Carter, e de Johnny Depp em quase todas as suas obras.

  • Crítica | Sombras da Noite

    Crítica | Sombras da Noite

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    A cada nova produção, Tim Burton divide seu público cativo. Grande parcela reconhece que as refilmagens feitas pelo diretor mais mancharam sua imagem do que deram vazão a sua criatividade. O que antigamente era visto como um excepcional estilo com uma parceria consagrada com um ator famoso, hoje pode ser motivo de riso pelo uso constante de Johnny Depp e da esposa Helena Bonham Carter como uma fórmula desgastada.

    Torna-se difícil avaliar mais uma de suas produções sem questionar-se o que aconteceu com Burton, que teve fase excelente na década de noventa e, desde a regravação de Planetas dos Macacos, começou a tropeçar tanto nessas adaptações, tidas como obras contratuais, como naquelas de cunho mais autoral.

    Após o imperdoável Alice No País das Maravilhas, carregado por seu estilo, retorcendo a história original, Sombras da Noite parecia ser uma história de retorno a sua origem gótica e ainda parodiando a demanda atual de filmes vampirescos. Baseada em uma série da década de sessenta, a trama nos apresenta Barnabás Collins, um sedutor que se transforma em vampiro devido a maldição de uma bruxa. Preso em seu caixão por duzentos anos, a personagem desperta e vive as transformações do mundo moderno, reencontrando sua cidade e o legado da família perto da falência, tentando reascendê-la na sociedade.

    Se o ambiente parece uma retomada daquele primordial, o mesmo não pode se dizer da história. Mesmo com liberdade, o diretor teve que caminhar por uma trilha já fundamentada pela série televisiva, o que serve de impedimento para maior escopo criativo. A adaptação cinematográfica não justifica-se pela falta de uma trama interessante que se divide entre o amor e ódio do vampiro e da bruxa que o transformou.

    Estranhamente, Johnny Depp está bem em seu papel de vampiro deslocado, deixando de lado a afetação que, desde o Capitão Jack Sparrow, surgiu em suas interpretações, compondo um personagem excêntrico, mas realista. Quem permanece sem atrativo é a esposa Bonham Carter. É inexplicável compreender, além dos laços familiares, porque o diretor insiste em usá-la sempre para o mesmo tipo de papel, inserindo-a mais como um dever do que como espaço, para que a atriz demonstre seu talento.

    Torna-se impossível não pressupor que Depp, Burton e Bonham Carter reconheçam o declínio desta parceria. Porém, permanece a impressão de que, uma vez definidos, não há nenhuma vontade de inovação, já que este formato foi funcional diversas vezes. Talentosos todos são, mas parece que estão mais preguiçosos do que nunca.