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  • Crítica | A Invenção de Hugo Cabret

    Crítica | A Invenção de Hugo Cabret

    É chegada a fatídica hora na qual todo diretor de Cinema alcança seu ápice, por inúmeras razões pessoais, artísticas ou mútuas, e ele se vê obrigado a seguir dois caminhos, por natureza: ou retorna e refaz tudo o que experimentou ao longo da carreira, agora mais hábil, ou apela para novas e ainda inseguras formas de se contar uma história. Essas são as consequências inevitáveis da escalada até o topo que todo profissional almeja, desde o início. Martin Scorsese já deve se sentir um vitorioso por fazer parte da história do Cinema, e ter a nos oferecer obras do calibre de um Touro Indomável. Mesmo assim, ainda em 2011, o velho mestre resolveu, no ápice de sua maturidade artística, nos brindar com uma homenagem a própria linguagem do cinema em si, junto da mais bela das metalinguagens – uma ironia que, quando as belas artes descobriram ser acessível, não pararam e não pararão de usar.

    Logo na primeira cena de A Invenção de Hugo Cabret, é possível denotar uma nítida resolução: esse é um filme de Martin Scorsese, por mais que não pareça ser durante toda a projeção (onde estava o submundo violento do crime?). Apenas não é o filme que Scorsese gostaria que nós fossemos ver, até ali. Ele já havia demonstrado essa vontade por certa imprevisibilidade em Ilha do Medo, e culminou nessa história dinâmica e graciosa que ninguém, realmente, esperava vir de um diretor conhecido por outras características bastante adversas. Se valeu à pena? Logo na primeira cena, é possível denotar que sim. Quando a câmera dá um rasante em direção do interior de uma estação de trem parisiense, nós sabemos estar diante do projeto mais ambicioso de um cineasta, num plano-sequência inesquecível nos apresentando o ambiente extremamente charmoso onde o órfão Hugo, curioso e solitário, irá viver a grande aventura de sua vida.

    Lembro-me de me deslumbrar completamente na sessão, em 2011, tamanho apuro técnico e encantamento que a Paris de Scorsese, no começo do século XX, parecia exalar. James Cameron e o seu 3D revolucionário de Avatar, há dois anos, de fato influenciaram Scorsese para expandir (literalmente) todo o espanto e impacto visuais que o longa poderia causar – e causa. Na trama, o garotinho que mora escondido na estação francesa vive cercado de relógios, e um pequeno androide que o pai, já morto, deixou de herança. Sem saber o que fazer com a máquina, e entre um pequeno roubo e outro para comer, e beber, Hugo encontra a jovem e doce Isabelle. Fica-se sabendo que a garota tem a chave dourada para o autômato funcionar, e inspirados pelos desenhos que o pequeno androide começa a fazer, em sua mão metálica, começa-se uma viagem fantástica pela história do Cinema.

    Ao longo de toda uma narrativa que explora o mundo mágico e ilusório dos filmes, tudo amparado por uma qualidade técnica impecável (A Invenção de Hugo Cabret ganhou cinco merecidos Oscars técnicos), é possível então fazer um paralelo com essa curiosidade infantil dos personagens principais com o próprio deslumbramento de Scorsese com as possibilidades da tecnologia 3D quando usada não para substituir uma boa história, mas para melhorar ainda mais a experiência cinematográfica. Assim, o filme faz questão de evidenciar a magia imortal do cinema do passado, o que fez com que a arte chegasse ao ponto de fazer com que a plateia pudesse quase tocar o que acontece dentro da tela. Nomes e até frames de clássicos imbatíveis de outrora são apresentados para uma geração acostumada a comprar algo sem se interessar como aquilo foi feito.

    O longa é, portanto, uma verdadeira e linda carta de imagens e sons dedicada a algo que até pouco tempo atrás fez os espectadores do filme A Chegada do Trem na Estação, de 1895, se abaixarem com medo do trem sair da tela. E, hoje, faz os espectadores também se abaixarem com medo do trem sair da tela, de tão realista e sofisticado que andam os efeitos 3D. Ademais, ainda em 2011, foi absolutamente prazeroso assistir, na tela do cinema, a versão colorida e remasterizada de Viagem à Lua, clássico jurássico do homenageado e assim finalmente imortalizado cineasta George Méliès, e também alguns frames de O Gabinete do Dr. Caligari, verdadeira joia do expressionismo alemão, e vários outros diamantes de uma arte que tanto amamos. A Invenção de Hugo Cabret é algo feito para engolir quem o assiste, em todos os sentidos, seja por sua beleza, seja por sua nostalgia; ambas arrebatadoras.

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  • Crítica | Suspiria (2018)

    Crítica | Suspiria (2018)

    Quantas vezes o cinema já nos fez questionar a existência de um remake? Em tempos que só grandes marcas atraem pessoas ao cinema, é cada vez mais comum surgirem projetos que buscam revisitar histórias que já deram certo, e na maioria esmagadora das vezes já deram o que tinham que dar. O Suspiria de 1977 realizado pelo italiano Dario Argento, um dos mestres do horror, tem a sua marca na história do gênero e se tornou um clássico, a ideia de fazer um refilmagem pareceu um equívoco desde o início. Porém, Luca Guadagnino entrega exatamente o que prometeu quando assumiu o projeto, uma reimaginação.

    Susie Bannion (Dakota Johnson) é uma dançarina de Ohio que vai até a Berlim de 1977 fazer uma audição para entrar numa renomada escola de dança comandada por Madame Blanc (Tilda Swinton) e um conjunto de mulheres. Após ter sucesso no teste, Susie conhece Sara (Mia Goth) e aos poucos vai construindo uma relação muito íntima com Blanc em ensaios intensos para um espetáculo. Enquanto isso, um psiquiatra da cidade busca o paradeiro de sua paciente Patricia (Chloe Grace Moretz), uma estudante da academia de dança que diz ter descoberto que as mulheres que comandam o lugar são bruxas.

    Desde os primeiros momentos do filme fica bem claro que o lugar é realmente comandado por bruxas, isso possibilita que tenhamos também a perspectiva deste grupo em momentos pontuais da narrativa, as conversas entre elas atravessam as cenas como os suspiros e passos faziam no original. É interessante e muito enriquecedor este núcleo de personagens pois além de humanizá-las de certa forma, também faz com que o exótico sobre a natureza delas não seja superficial, suas ações ganham mais peso. E o roteiro é muito feliz em estender esse trabalho de tridimensionalidade em todas suas outras narrativas, um exemplo é como a mitologia trabalhada por Argento em sua trilogia (Suspiria, Inferno e Mother of Tears) é aprofundada, fica evidente como o roteirista David Kajganich e o diretor entraram de cabeça no universo e beberam da fonte para criarem novos caminhos.

    E ao mesmo tempo que o longa abraça o sinistro de sua temática, é gostoso perceber como isso se relaciona a um mundo frio e de puro horror que a Berlim da época representava. Resulta em um contraste estilizado e bem dosado, Luca brinca com movimentos de câmera audaciosos e pontuais em meio a cores opacas e corpos performáticos, e o seu trabalho com o elenco é tão bom quanto em seus filmes anteriores. Johnson faz uma Susie ambiciosa e com uma coragem no olhar que a torna tão misteriosa quanto as mulheres que cuidam do lugar, de fato a melhor performance de sua carreira até então. Swinton por sua vez brinca com a fama de “camaleoa do cinema” e entrega não só uma performance, mas três, todas fascinantes. O longa não perde em suas coadjuvantes, que são muitas, mas Goth na personagem Sara traz um frescor que lembra as melhores heroínas dos filmes de horror, ansioso para seus próximos trabalhos.

    E quando se fala em entrelinhas, Suspiria deve corresponder de forma diferente para cada um, como já dito é um roteiro de muitas camadas e tridimensionalidades, as temáticas devem chegar das diferentes formas em diferentes espectadores. E deve ser esse um dos motivos da recepção mundial ter sido tão 8 ou 80. Mas Guadagnino não deve ter isso como uma surpresa, é um desafio reimaginar um filme clássico e ele conseguiu com mérito. O novo longa é atual e único, se encaixa no momento social que lidamos nesses tempos, como o feminismo, se encaixa no atual momento do gênero de horror no cinema, e há muito o que dizer. Um filme no ponto. Assustador ao nível de dar espaço ao belo enquanto tudo é caos, o final marcante é um exemplo disso. Dança é poder e poder é arte.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

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  • Crítica | O Mau Exemplo de Cameron Post

    Crítica | O Mau Exemplo de Cameron Post

    Como um irmão gêmeo do aguardado Boy Erased, O Mau Exemplo de Cameron Post fez barulho em Sundance desse ano ganhando o Prêmio do Júri ao trazer uma discussão muito delicada. Nossa personagem principal – interpretada pela veterana de 21 anos Chloe Grace Moretz – tem um namoro morno e uma relação limitada com sua tia, que cuida dela desde que seus pais morreram. Na noite do baile do colégio, Cameron e sua melhor amiga são flagradas aos beijos e isso faz com que ela seja enviada para um lugar que promete acabar com todos os comportamentos não-heterossexuais pelos estudos da Bíblia.

    Se em primeira instância, esperamos que a personagem de Chloe seja fortemente contrária às circunstâncias pelo efeito de narrativa, é neste momento que percebe-se que Desiree Akhavan, diretora do filme, caminha pelas sutilezas. As reações de Cameron refletem bem o turbilhão de pensamentos de uma adolescente em sua situação, elas são confusas, mínimas, praticamente incompletas, como se ela não tivesse certeza nem de quem é, do que sente, e se ela merece ou não estar naquele lugar.

    O filme só ganha quando deixa de lado soluções fáceis e opta por questionamentos carregados de culpa por parte da protagonista, e Chloe Grace Moretz entrega uma das suas melhores interpretações da carreira com esses recursos. O restante do elenco também se mostra bem e presente, mesmo que as personagens parem no meio do caminho de seus próprios desenvolvimentos, ao final da produção fica claro que isso é um problema ainda maior vendo o roteiro como um todo. Apesar da temática iniciar de forma promissora, a conclusão soa como rasa.

    O Mau Exemplo de Cameron Post trata bem de perspectivas divergentes e complexas em um coming of age, e escancara pelos detalhes as óbvias problemáticas de um lugar que usa a Bíblia como arma. É um filme pertinente para o mundo todo, mas se perde em desenvolver suas personagens e sua narrativa linear sem altos e baixos,  sendo quase episódico. Porém, apesar dos problemas, o filme vale pelos ganhos.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

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  • Crítica | Vizinhos 2

    Crítica | Vizinhos 2

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    Sororidade é um conceito do feminismo sobre mulheres tratando-se como irmãs. É a aliança entre mulheres, buscando companheirismo e apoio. É também um paralelo com as tais fraternidades, as repúblicas americanas tradicionais e formadas por meninos. A definição de fraternidade nos EUA é bastante poderosa, chegando a ser forte influenciadora na vida acadêmica e profissional dos seus moradores. Suas festas também são conhecidas por trotes violentos e situações de abuso.

    É irônico iniciar a análise de um filme escrito e protagonizado por Seth Rogen com uma nota informativa, mas Vizinhos 2 (leia nossa crítica sobre Vizinhos) é uma comédia tipicamente maconheira e incorreta que tem muito a informar.

    Próximo de ganhar seu segundo filho, o casal Mac (Seth Rogen) e Kelly Radner (Rose Byrne) precisa enfrentar novamente um grupo de adolescentes na vizinhança, e colocar-se novamente como os velhos responsáveis, especialistas em evitar que adolescentes se divirtam, mesmo que a contragosto. Desta vez, uma república feminina. Uma sororidade, liderada por Shelby (Chloë Grace Moretz), disposta a provar e livrar-se das amarras de suas vidas anteriores, em que era sempre e sempre incentivada a ter como membros moças comportadas. Diante do desafio, convoca Teddy (Zac Efron), que está da mesma forma como foi deixado no filme anterior, de futuro incerto, visto como velho do alto dos seus 25 anos e angustiado por ver-se incapaz de progredir na vida.

    A passagem da adolescência para a vida adulta tem fronteiras que são difíceis de mapear, ainda mais para a geração Y, que tem a oportunidade de alargar todo tipo de fronteira tradicional. Com a falta de um rito de passagem pré-estabelecido, é possível ver uma grande parcela dos jovens perdidos sobre seu lugar no mundo. O casamento e paternidade/maternidade não são mais rituais tão significativos ou tão cheios de certezas.

    Com um humor ainda baseado em maconha, intestino solto e consolos gigantes, o filme continua tão afiado quanto seu anterior, sofrendo, porém, com a falta do excelente Dave Franco para adicionar sua ingenuidade caótica (tal qual seu irmão) ao delivery de piadas feito pelo elenco. Às vezes o resultado é um pouco mais histriônico do que deveria, além de não contar com piadas do nível da “Festa à fantasia dos De Niros” do primeiro filme, suficiente para fazer alguém rir por até três dias. Ainda assim, o resultado é prioritariamente positivo e bastante engraçado.

    Sempre atento aos temas que busca, o filme demonstra ser eficiente ao elencar os temores adolescentes e adultos, inclusive do mundo feminino, tirando o ar de clube do bolinha dos filmes de Seth Rogen, Nicholas Stoller e companhia, e abrindo espaço para as meninas se exporem como força humorística. Vem delas as mesmas piadas de intestino solto e maconha, além da reflexão sobre a necessidade que todos temos de demonstrar que não precisamos de babás ou tutores. Ao final, valem como experiência os tropeços da vida.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | A 5ª Onda

    Crítica | A 5ª Onda

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    Chegando no meio da “onda” de filmes com protagonistas adolescentes em futuros distópicos como Jogos Vorazes, a série Divergente e Maze Runner, A 5ª Onda estreou nos cinemas deixando a desejar.

    Após uma invasão alienígena, os poucos humanos que sobreviveram a quatro ondas distintas de ataques de extra-terrestres, que se revelam hospedeiros, passam a revidar os  invasores a partir da quinta onda.

    O que pode pensar em se salvar no roteiro de Susannah Grant, Akiva Golsman e Jeff Pinkner, baseado no livro de mesmo nome de Rick Yansey é o gênero de invasão alienígena capitaneado por adolescentes. Os jovens foram escolhidos para liderar a humanidade no ataque, a partir daí podemos discutir o envelhecimento cada vez mais rápido da nossa sociedade. Sempre que se ambienta a trama no futuro apocalíptico abre possibilidades diversas para discussões da sociedade atual, o que deixa de acontecer na narrativa, e o roteiro perde muito em qualidade.

    Apesar de clichê, a estrutura narrativa escolhida acabou sendo sólida. No entanto apresenta tantos problemas nos detalhes, deixando forçada a maioria das cenas importantes, que fazem a trama andar quando deveriam soar orgânicas e imperceptíveis. Quando Cassie está em recuperação, a cena que deveria ser uma das mais importantes é mal trabalhada, além de quase tudo o que acontece no exército. O que dizer então da cena em que Evan se revela para Cassie?

    Com exceção da protagonista, e ainda assim com ressalvas, o restante dos personagens são fracos e desinteressantes. O roteiro é tão visível que o espectador consegue enxergar sem dificuldade que o que eles fazem parte de uma engrenagem maior e só estão ali para servir à estrutura narrativa e nada mais.

    A direção de J. Blakeson compromete um roteiro que já era fraco, deixando o filme ainda mais ruim. A falta de tato com o elenco, além das cenas de ação mal executadas, deixa a direção cambaleante.

    A atuação está no controle automático. Nem os bons Chloë Grace Moretz e Liev Schreiber conseguiram deixar a preguiça de lado e apresentar o mínimo que se exige. O restante do elenco, fraco e inexpressivo, nem parece disposto a trabalhar.

    A fotografia de Enrique Chediak e a edição de Paul Rubell são os únicos departamentos técnicos que não erram no filme, junto à direção de arte, figurino e composição de locação e cenários de Julian Ashby, Frank Galline e Sharen Davis, respectivamente.

    A 5ª Onda só vale a pena se o tema futuro apocalíptico ou distópico for de seu interesse.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Lugares Escuros

    Crítica | Lugares Escuros

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    Adaptação da obra de Gillian Flynn, Lugares Escuros é o sétimo filme do francês Gilles Paquet-Brenner, e tenta de maneira nada sutil emular as características do outro filme adaptado do romance da autora, passando longe de todas as qualidades positivas vistas em Garota Exemplar.

    O roteiro, assinado pelo próprio Paquete-Brenner, é bastante didático, mas não compreende as etapas interessantes do romance original, já que todo o arquétipo de moça traumatizada, presente no ideário de Libby Day, é discutido de modo bastante rápido. O passado da personagem de Charlize Theron mostra-se por meio de flashbacks que desenham um background profundo, ao menos em comparação com todo o restante da construção do seu ethos. O grave problema do roteiro é não oferecer ao público o interesse na realidade de Libby, já que ela não é uma figura charmosa, do alto de sua misantropia idealizada; pelo contrário: somente lembra uma mulher sem carisma, tanto na falta do usual quanto nas versões alternativas, como em sua fascinação pelo insociável.

    A aura do filme é bastante semelhante ao de outro filme de David Fincher, Zodíaco, especialmente pela fotografia de Barry Ackroyd, que emula genericamente os bons momentos de Harrys Savides. Os pedaços abordam o passado envolvendo Ben Day – vivido na fase adulta por Corey Stoll e na juventude por Tye Sheridan, já demonstrando fisicamente a diferença de ideários entre as encarnações – e seu suposto culto satânico, que revelaria aos poucos a realidade a respeito do crime.

    Outro fator errático é a falta de suspense em relação à autoria do massacre dos Day, explicitando de modo óbvio que o homem preso não é exatamente a figura que é pintada como o culpado-mor. O ódio do sujeito conservador é observado em discussão com a futilidade juvenil e rebeldia sem causa, mostrados ambos aspectos como fatores primos, com as faces da mesma moeda e partes inexoráveis do mesmo universo.

    No entanto, todo o entorno da personagem principal é demasiado sensacionalista e não consegue repetir os bons argumentos de Garota Exemplar. Lugares Escuros tinha tudo para ser o que Medo da Verdade foi para Sobre Meninos e Lobos, mas se perde em meio a uma condução confusa, que torna a história em uma busca frenética, desesperada e cafona por redenção e que usa o perdão como alicerce para um drama fraco. Um filme que serve para louvar ainda mais os méritos de Fincher, que conseguiu adaptar melhor a literatura de Flynn.

  • Crítica | Acima das Nuvens

    Crítica | Acima das Nuvens

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    A câmera de Olivier Assayas foge de qualquer efeito estático, movimentando-se de modo tremido, como se sofrendo movimentos involuntários. A primeira personagem a ser retratada é Valentine (Kristen Stewart), uma moça ocupada, que usa o telefone para se comunicar com os profissionais que cercam sua cliente. Nas primeiras falas, a intérprete afasta o estereótipo de mulher insensível, conseguindo, com poucas expressões, subverter o julgamento feito a ela e que a fez ficar famosa, fechando o ciclo de críticas azedas a sua performance em tela.

    A trama de Acima das Nuvens gira em torno da obsolescência, focada no drama da atriz veterana Maria Anders (Juliette Binoche), que vê a personagem que a fez tão celebrada ser entregue a uma novata. O caminho que o trem faz, atravessando o continente europeu, serve para levá-la ao confronto com sua contraparte, para ensaiar uma possível interação com a estrela hollywoodiana, contrapondo-se dois mundos no mesmo palco.

    A viagem na estrada sobre trilhos, rumo ao inconveniente embate, é irrompida por uma péssima notícia: a morte de um autor e dramaturgo muito próximo a Maria. Além de realizar  os espetáculos, a artista deveria também receber um prêmio em homenagem ao falecido, além de dividir as honrarias com um antigo desafeto Henryk Wald (Hanns Zischler). O primeiro e revelador encontro físico entre os dois reativa as rusgas do passado, rememorando velhos traumas, depois narrados por Anders. A intimidade da atriz é revelada por verborrágicas conversas dela com sua curiosa assistente Valentine, que contempla ávida todo o discurso de Maria.

    O convite para interpretar outro papel na peça faz a protagonista viajar dentro de si, procurando uma nova motivação válida para executar o trabalho. A partir dali, ela não seria mais a musa, e sim uma coadjuvante, simplista, prostrada ante a beleza e juventude de Jo-An Ellis, cuja trajetória inicial coincide com a de sua intérprete, Chloë Grace Moretz, por ter menos de 20 anos, ser uma estrela em ascensão e ter protagonizado um filme de herói. Ao escrutinar a intimidade da nova “substituta”, Maria se depara com uma pessoa problemática, agressiva com os paparazzi e pouco afeita às gracinhas da imprensa. A fúria e a dor da atriz excedem o comportamento normativo, fazendo dela uma artista errática, que age por instinto, com um senso artístico latente, que não consegue se encerrar internamente, fazendo-a agir como uma louca. A manifestação tresloucada do talento faz Anders mudar de ideia, se preparando para as sobras que sua carreira lhe deixou.

    O desenrolar das emoções da atriz revela um medo de se mostrar decadente, e com um receio ainda maior deste movimento tornar-se uma verdade absoluta. Todas as suas certezas são questionadas, desde seu talento, envelhecimento aos olhos vistos – apesar da ainda mui bela compleição da nudez de Binoche – e as fraquezas de espírito, que a fazem querer desistir de tudo a todo instante. As pressões mentais atingem também a sua auxiliar, que aceita um outro ofício em um continente distante, dando um fim definitivo à extensa e íntima relação de interdependência.

    A heroína da fita percebe suas falhas de relação, repensando todas as suas ações, ao aceitar conversar com Jo-Ann, passando a se afeiçoar pela intrépida jovem, fazendo a aceitação do tal papel mais tragável, apesar de toda a confusão moral que envolve a novata.

    A aceitação do fato de ser obsoleta é quase ofuscado por conhecer uma persona tão ligada aos desígnios de diva presentes no comportamento de Ellis. Assistir à versão mais jovem de si, andando ao seu lado e cometendo erros semelhantes aos que Maria passou é demasiado grotesco, mas é uma sensação subalterna diante do desejo de reinvenção.

    Anders descobre que a transformação é o caminho mais digno a seguir, provando ser superior à sina que estava prestes a abraçá-la. A transformação que sua mente sofre se reflete em sua postura em tela, evoluindo-se a ponto de não precisar mais lançar mão de seu passado e currículo para sentir-se plena. Acima das Nuvens é um filme sobre evolução, que trata as relações inexoráveis à existência humana, tomando o estado de depressão como uma tela em branco, jogando com a alma e espírito humanos para apresentar uma contemplativa história de superação, distante de qualquer melindre ou covardia narrativa.

  • Crítica | O Protetor

    Crítica | O Protetor

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    Em 2001, o diretor Antoine FuquaDenzel Washington fizeram uma parceria que incendiou as telas de cinema. Juntamente com Ethan Hawke e o roteirista David Ayer, a dupla lançou o incensado Dia de Treinamento, excelente filme policial que rendeu o Oscar de Melhor Ator para Denzel por seu controverso personagem Alonzo Harris. Agora, em 2014, Fuqua e Washington retomam a parceira, mas com um resultado aquém do esperado

    Neste O Protetor, Denzel encarna Robert McCall, um cidadão aparentemente comum, com uma estranha mania de cronometrar seus atos mais mundanos. Conhecido por sua camaradagem com seus colegas de trabalho, McCall sofre de insônia e sempre passa suas noites em uma lanchonete próxima à sua casa. Lá, acaba criando amizade com uma prostituta adolescente vivida por Chloë Grace Moretz (em aparição fugaz). Quando a garota é surrada por seus cafetões, Robert resolve tomar a justiça com suas próprias mãos. Entretanto, seus atos acabam levando-o a uma guerra com o crime organizado, guerra essa que vai exigir que McCall desperte algumas habilidades especiais há muito adormecidas.

    O roteiro escrito por Richard Wenk não se aprofunda muito nos personagens. McCall, o personagem de Denzel, é retratado como um homem pacato e metódico. Logo adiante, fica claro que ele possui um transtorno obsessivo-compulsivo. Isso é interessante, mas fica uma sensação de vazio, pois não se apresenta um motivo claro para aquele comportamento e nem como ou quando aquilo se iniciou na vida do personagem. A maneira como esse distúrbio é apresentado nas cenas de ação toma uma clara inspiração em filmes de super-herói, pois o transtorno é filmado quase como um superpoder. Uma saída interessante do diretor Fuqua, mas pouco explorada. Seu passado também é pouco trabalhado, sendo apenas mencionado superficialmente quase ao final do filme. Os personagens secundários são pouco desenvolvidos, provocando uma centralização excessiva do filme na figura do seu protagonista e na prostituta vivida por Chloë Moretz, que, ainda que peça central para o ponto de ignição da trama, pouco aparece. A personagem faz um pouco de falta, mas pelo menos foge-se da figura da donzela em perigo.

    O ritmo do filme é um pouco arrastado em certos momentos, mas pelo menos o diretor Antoine Fuqua está mais contido e não tenta emular o chinês John Woo, seu colaborador em Assassinos Substitutos. Fuqua filma algumas sequências sensacionais, principalmente o primeiro embate de Denzel com os exploradores sexuais. Também se esmera ao filmar algumas sequências mais violentas, tornando-as quase poéticas. Tomem como exemplo a cena do saca-rolha e a da pistola de pregos. Porém, o ritmo um pouco arrastado e alguns exageros da trama acabam por diluir o impacto da obra. A fotografia é estilosa e se aproveita muito bem de algumas paisagens urbanas da cidade de Boston. Entretanto, uma sequência mais carregada de efeitos digitais torna-se superficial e desnecessária em meio ao desenvolvimento do filme.

    Denzel Washington, aqui, atua quase como se estivesse no piloto automático, uma vez que seu personagem não exige muito de seus talentos dramáticos. Mas, mesmo que sua interpretação esteja em modo autômato, ainda está bem acima da média dos atores da atualidade, e seu Robert McCall é um personagem carismático. Merece destaque Marton Csokas, que vive o bizarro vilão incumbido de matar McCall. O restante do elenco apenas desfila pela tela, e nem as participações de Melissa Leo e Bill Pullman acrescentam muita coisa.

    Ainda que possua muita falhas, O Protetor é uma diversão escapista que merece uma espiada. Principalmente porque fica claro que esse filme poderá representar o início de uma nova franquia cinematográfica. Vamos torcer para que o próximo seja mais caprichado que esse filme.

  • Crítica | Se Eu Ficar

    Crítica | Se Eu Ficar

    Nos últimos anos, leitores jovens encontraram uma trilha direta para a literatura graças à popularidade de obras como Harry Potter e derivados, lançados em anos seguintes, além de outras vertentes recentes de dramas urbanos e juvenis, como a obra de John Green, considerado o mais novo tesouro contemporâneo. O sucesso de Gayle Forman vem parcialmente ligado a estas narrativas e ao sucesso do young adult como gênero. O adolescente, como personagem narrador dialogando com um público primariamente desta faixa etária, tem demonstrado rentabilidade como um novo caminho a ser desvendado por editoras e, mais importante do que o sucesso financeiro, tem produzido novos leitores.

    Quarta obra da autora e primeira lançada no país pela Novo Século, Se Eu Ficar transforma uma tragédia em momento metafísico de reflexão. Mia Hall é uma adolescente tradicional vivendo os mesmos anseios que seus colegas. Sente-se deslocada da sociedade e do seio familiar por considerar-se careta em relação aos pais, vindos de um passado badalado e roqueiro, e está indecisa entre permanecer na cidade devido a um amor ou seguir o sonho de maestra musical com uma bolsa na renomada Julliard. A vida entra em suspensão após um acidente quase fatal com sua família.

    A história transita entre o presente pós acidente com a garota em estado comatoso e lembranças recentes do passado. Mia vive uma experiência extra-corpo e acompanha as reações de familiares, amigos e do ex-namorado, ante a possibilidade de sua morte. O acidente se transforma em ponto metafórico de análise. Um momento figurativo em que a personagem, a partir das recordações e das reações de pessoas ao seu redor, decidirá entre a vida ou a morte. Chloë Grace Moretz faz um bom papel principal e, pela primeira vez em anos, foge de uma personagem excêntrica, como tem marcado sua carreira até então (Hitgirl, em Kick Ass e Kick Ass 2, a vampira de Deixe-me Entrar e Carrie – A Estranha).

    Voltado ao público juvenil, este extravagante recurso espiritual é um extremo para focalizar a lição básica sobre amadurecimento e as primeiras escolhas definitivas na vida de um ser humano. Se considerarmos que o young adult, como qualquer outro gênero de nichos específicos, repete naturalmente recursos narrativos, o elemento espiritual é um breve respiro inédito para a história. A reflexão é positiva e visa intensificar para o público alvo a percepção de uma mudança de comportamento, a transição ainda imatura, mas definitiva, que são a adolescência e o amadurecimento.

    Porém, a obra se aproxima mais de um romance adolescente do que uma história sobre o crescimento natural. Dentro desta percepção, temos personagens comportando-se como adolescentes típicos que tratam conflitos com um senso de tragédia exagerado, ainda incapazes de reconhecer caminhos e alternativas viáveis quando as intempéries da vida surgem no caminho. Este excesso de imaturidade – ou excesso dramático – pode não ser eficiente para o público geral em razão do didatismo exagerado desta história de amor.

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  • Crítica | Muppets 2: Procurados e Amados

    Crítica | Muppets 2: Procurados e Amados

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    Quando um filme hollywoodiano faz sucesso, é natural que ele se torne uma franquia, com repetições do que deu certo no primeiro episódio, com mais exagero, convites a celebridades e roteiros sofríveis de repertório pobre e sem ineditismo. A introdução musical de Muppets 2, de James Bobin – o mesmo diretor do filme de 2011 -, brinca com essa questão, usando o artifício como recurso metalinguístico. Na verdade, isso é um pretexto para, como diriam os textos de Monty Python, ir para algo totalmente diferente. Os fantoches que estão de volta à ativa resolvem, aconselhados por Dominic Badguy (Ricky Gervais), partir em turnê mundial para aproveitar a fama recém-adquirida, mesmo sob os protestos de Walter, único remanescente dos protagonistas criados em 2011.

    Logo de início, percebe-se que as intenções de Badguy não são boazinhas e que algo ruim se aproxima da trupe de animais e criaturas de feltro cantantes. Aos poucos, Dominic assume o papel de liderança que sempre foi de Caco, O Sapo (ou Kermit para os americanos). Sua confiança é abalada, e a voz de comando vai decaindo com o tempo. Até o seu bom senso é avariado, assim como a autoestima do personagem. Em Berlim ele cai em uma cilada, onde é confundido com um bandido chamado Constantine, que toma o seu lugar sem levantar maiores suspeitas – a não ser em Animal e Walter – e que demonstra ter uma egocentrismo desnecessário, fazendo sempre questão de demonstrar estar acima de Dominic, a quem chama de Número 2.

    O espetáculo feito no teatro de Berlim serve de fachada para acobertar o roubo das peças de arte de um dos museus. A partir daí, a Interpol e a Cia se envolvem nas investigações lideradas por Jean Pierre Napoleon (Ty Burrell), pelo lado europeu, e por Sam, a Águia, ocasionalmente medindo forças e tamanhos distintos, unicamente para achincalhar a xenofobia dos estadunidenses e reforçar as diferenças de lidar com crimes entre ambas as culturas. A competição é sempre estimulada no roteiro de Nicholas Stoller e Bobin.

    A trama acaba se dividindo em núcleos, mas eles não se rivalizam em importância, uma vez que continuam interessantes por toda a extensão da fita, especialmente quando servem de reflexão ao mostrar mundos ideais, como quando as duas partes do Sapo têm de fingir ser quem não são. Constantine se torna o par ideal para Miss Pig, respondendo positivamente, pela primeira vez, à possibilidade de casamento – ainda que não a engane totalmente -, enquanto Caco tem de se se virar em uma prisão na Sibéria, onde tem contato com Nadya (Tina Fey), que, aos poucos, faz o Sapo ter sua confiança de volta para realizar um número musical – as partes cantadas continuam impressionantes do ponto de vista técnico.

    Walter finalmente descobre o ardil dos malfeitores e comunica o problema a Fozie, o Urso, mas é tarde, pois logo é descoberto por Dominic e Constantine e jogado no frio da Sibéria para morrer à míngua. Antes do grande roubo, o falso Sapo decide pedir Miss Piggy em casamento, em pleno show, para ter o álibi perfeito. É brilhante o modo como os ladrões conseguem elogios da crítica, usando anedoticamente a prática de suborno a profissionais de comunicação para conseguir páginas positivas. O humor é uma boa maneira de fazer críticas, mas sem ser necessariamente ácido.

    O último ato guarda surpresas tremendas, com elementos de filmes de assalto, de superespião e, claro, muito romance. Mesmo uma questão conflitante, como o casamento arruinado entre o Sapo e sua amada, é tratada como um momento edificante dentro da jornada de Caco pela sua restauração enquanto figura artística. Alguns twists são ensaiados próximos ao final, mas nenhum deles se conclui.

    Se a mensagem do filme anterior, estrelado por Jason Segel, era de ressurreição de mitos, este de 2014 fala basicamente do quão valorosa é a união entre os iguais e o quão indispensável é uma amizade verdadeira. Comparando os dois roteiros, este é bem menos incisivo e crítico do que o primeiro, o que reafirma as sentenças ditas logo no início. Apesar de possuir um pouco mais de alma do que as continuações caça-níquéis comuns, Muppets 2 – Procurados e Amados sofre muito sem o carisma de Segel. Sua falta é muitíssimo sentida e faz deste um espécime ordinário na filmografia dos famosos e infames fantoches.

  • Crítica | Carrie: A Estranha (2013)

    Crítica | Carrie: A Estranha (2013)

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    Quarenta anos após o lançamento de seu primeiro romance, Stephen King é considerado um dos melhores escritores de suspense. Influência que transpassa a maioria dos literatos que encontraram no autor uma espécie de precursor contemporâneo do medo.

    Lançado em 1974, marcando sua estreia, Carrie – A Estranha apresenta a inventividade do autor ao narrar a história de uma garota colegial que descobre poderes telecinéticos. O arroubo narrativo, que King considera cru, produz uma história entrecortada com documentos ficcionais, trechos de outros livros, citações de especialistas, promovendo uma falsa veracidade dos fatos.

    Dois anos após o lançamento do romance, Brian de Palma trouxe a história para as telas. O roteiro de Lawrence D. Cohen concretiza uma adaptação eficiente e que, reconhecendo a estrutura narrativa de King (a qual é impossível de ser transportada para as telas sem parecer um falso documentário) escolhe um outro foco sobre a mesma história.

    A primeira cena da produção de 1976 apresenta um grupo de garotas no vestiário. A câmera passeia com naturalidade pela nudez feminina até encontrar a estranha Carrie no final de um corredor. A cena não sexualiza os corpos nus, deixando-os como parte de um cotidiano natural.

    A personagem interpretada por Sissy Spacek se tornou icônica, principalmente quando banhada em sangue em sua formatura. Como filme, Carrie foi bem sucedido tanto como produção de terror quanto destaque da carreira da equipe envolvida. Quase 40 anos após a eficiente versão de De Palma, uma nova produção cinematográfica foi lançada, dirigida por Kimberly Peirce (Meninos Não Choram), e com Chloë Grace Moretz e Julianne Moore no elenco.

    Adaptar uma obra com versões lançadas anteriormente garante uma base de retorno financeiro maior do que um produto inédito, ao mesmo tempo em que nasce a sombra da comparação. Os produtores ficam em um impasse entre reconhecer as adaptações anteriores ou negá-las, afirmando que a obra literária foi a única fonte fiel. Mesmo que se tente esconder, é clara a reprodução do filme anterior na nova produção.

    As mesmas modificações de roteiro e composições cênicas construídas por Cohen e De Palma estão presentes neste Carrie – A Estranha. A cena inicial do chuveiro se repete. Mas, transformada através dos anos, tem a mão da vigília dos bons costumes e esconde a naturalidade da nudez. O que resulta em uma Carrie desesperada a, em boa parte desta cena, manter-se com as mãos retesadas ao corpo, segurando a toalha para esconder a sensualidade e ganhar uma faixa indicativa menor.

    Alem da proximidade exagerada com a versão anterior, a seleção de elenco falha ao colocar Moretz como personagem central. Escolheu-se uma garota bonita demais para um personagem cuja estranheza é uma de suas características. Sem a capacidade cênica de Spacek, a atriz demonstra sua disparidade em relação aos outros alunos com olhares assustados, uma cruz no pescoço e um cabelo mal penteado. Não há o medo de uma garota que se sente deslocada na escola. Sem o reconhecimento do drama, não há ação que se sustente.

    Até mesmo a exímia Julianne Moore não consegue entregar uma interpretação além do comum. Novamente o visual exagera na caracterização de uma cristã fervorosa, parecendo esconder qualquer vontade da atriz em dar credibilidade a uma mãe que vê o mundo como a panela do diabo e as mudanças hormonais da filha como primeiro contato com este mundo pecaminoso.

    Mãe e filha não estabelecem tensão necessária para que a história se sustente, destruindo uma das bases da história. Ainda que os efeitos especiais sejam bem compostos, não deixam de ser um decalque da versão anterior, em que planos cênicos parecem copiados em demasia. Não há espaço para originalidade.

    Sem a credibilidade dramática, sem o suspense aterrorizante, o remake resulta em uma obra sem razão, falha em seus princípios. Ainda que a afirmação caia em uma nostalgia que observa o passado com maior brilhantismo, a produção de De Palma continua tão forte quanto a obra de King, um mestre do gênero até hoje e poucas vezes bem adaptado a outras mídias.

  • Crítica | Kick-Ass 2

    Crítica | Kick-Ass 2

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    Quando foi lançado em 2010, o primeiro Kick-Ass assumiu ares de um pequeno cult. Parodiando super-heróis com humor negro, visual e trilha sonora marcantes e a direção competente de Matthew Vaughn (responsável depois pelo ótimo X-Men: Primeira Classe), o filme surpreendeu e agradou aos desavisados. Mas pra quem havia lido a HQ de Mark Millar e John Romita Jr., o resultado foi até interessante, mas inegavelmente uma versão suavizada da escrotidão existente na mídia original. Dessa forma, se o segundo volume da saga nos quadrinhos já se mostrou repetitivo e menos inspirado, no cinema o prejuízo foi ainda mais evidente.

    Nesta nova aventura, Dave/Kick-Ass (Aaron Taylor-Johnson) junta-se a um grupo de vigilantes mascarados chamado Justiça Eterna, cujo líder é o ex-mafioso e hoje cristão Coronel Estrelas e Listras (Jim Carrey). Mindy/Hit-Girl (Chloe Grace Moretz) vive em conflito entre continuar o legado de seu falecido pai e trucidar marginais, ou respeitar o desejo de seu atual guardião e viver como uma adolescente normal. E o ex-Red Mist e agora MotherFucker (Christopher Mintz-Plasse) usa o dinheiro de sua família mafiosa pra formar uma equipe de supervilões e buscar vingança.

    Ainda que Dave e Mindy tenham algumas divertidas interações (como a garota deixando claro quem é o “Robin” da dupla), na maior parte da história os três protagonistas seguem em tramas paralelas, o que enfraquece a narrativa. Fica a impressão de ser um seriado de tv mal planejado, que não consegue juntar os personagens e investe em encheção de linguiça até o final da temporada. E por incrível que pareça, o vilão acaba sendo o mais interessante. Enquanto Kick-Ass e seus colegas oferecem um sonolento mais do mesmo e a Hit-Girl embarca num dispensável clichê teen/high school, os melhores momentos do filme são com o McLovin. De início ele paga para ter um treinamento ninja hardcore, se achando um Batman do mal (com direito a um “Alfred” vivido por John Leguizamo), mas naturalmente não aguenta o tranco, e resolve contratar outros para lutar por ele – afinal, o dinheiro é seu super-poder.

    Porém, a narrativa entrecortada não é o único, nem o principal, problema do filme. Com Vaughn apenas como produtor, a direção e o roteiro ficaram com o inexpressivo Jeff Wadlow. Ele se limita a emular, sem a mesma habilidade, o estilo do original, enquanto adapta com grande fidelidade a HQ Kick-Ass 2 (e usa também elementos da minissérie solo da Hit-Girl). E com isso, escancara as falhas de Millar. Além da perda do fator novidade, o escritor resolveu exagerar mais, tentando um tom mais grandioso. Tanto o quadrinho quanto o filme se perderam completamente, indecisos entre fazer piadas ou se levar a sério.

    O caso é que no gibi fica mais fácil ignorar isso e se divertir com os absurdos, pensando algo como “ah, é uma história de super-herói, que venham os clichês”. Mas no filme fica muito mais perceptível a ruptura com o conceito inicial de “realismo”. Ao tentar incluir momentos dramáticos, mortes, sofrimento, consequências para a vida pessoal de um mascarado, a violência deixa de ser engraçada e se torna incômoda. O humor não passa mais nem como negro/politicamente incorreto, fica apenas mal-colocado. Até é possível fazer graça com qualquer absurdo, desde que se mantenha o tom de zoeira constante. Aqui, a chave é desligada em algumas cenas, para tentar incluir um peso dramático, e quando é ligada de novo, a estranheza é chocante.

    Chega a ser irônico que a “culpa” maior de Kick-Ass 2 seja sua fidelidade ao material original. Pelo menos fica o exemplo de que na transposição de mídias, a adaptação precisa ser feita com mais cuidado.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | Sombras da Noite

    Crítica | Sombras da Noite

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    A cada nova produção, Tim Burton divide seu público cativo. Grande parcela reconhece que as refilmagens feitas pelo diretor mais mancharam sua imagem do que deram vazão a sua criatividade. O que antigamente era visto como um excepcional estilo com uma parceria consagrada com um ator famoso, hoje pode ser motivo de riso pelo uso constante de Johnny Depp e da esposa Helena Bonham Carter como uma fórmula desgastada.

    Torna-se difícil avaliar mais uma de suas produções sem questionar-se o que aconteceu com Burton, que teve fase excelente na década de noventa e, desde a regravação de Planetas dos Macacos, começou a tropeçar tanto nessas adaptações, tidas como obras contratuais, como naquelas de cunho mais autoral.

    Após o imperdoável Alice No País das Maravilhas, carregado por seu estilo, retorcendo a história original, Sombras da Noite parecia ser uma história de retorno a sua origem gótica e ainda parodiando a demanda atual de filmes vampirescos. Baseada em uma série da década de sessenta, a trama nos apresenta Barnabás Collins, um sedutor que se transforma em vampiro devido a maldição de uma bruxa. Preso em seu caixão por duzentos anos, a personagem desperta e vive as transformações do mundo moderno, reencontrando sua cidade e o legado da família perto da falência, tentando reascendê-la na sociedade.

    Se o ambiente parece uma retomada daquele primordial, o mesmo não pode se dizer da história. Mesmo com liberdade, o diretor teve que caminhar por uma trilha já fundamentada pela série televisiva, o que serve de impedimento para maior escopo criativo. A adaptação cinematográfica não justifica-se pela falta de uma trama interessante que se divide entre o amor e ódio do vampiro e da bruxa que o transformou.

    Estranhamente, Johnny Depp está bem em seu papel de vampiro deslocado, deixando de lado a afetação que, desde o Capitão Jack Sparrow, surgiu em suas interpretações, compondo um personagem excêntrico, mas realista. Quem permanece sem atrativo é a esposa Bonham Carter. É inexplicável compreender, além dos laços familiares, porque o diretor insiste em usá-la sempre para o mesmo tipo de papel, inserindo-a mais como um dever do que como espaço, para que a atriz demonstre seu talento.

    Torna-se impossível não pressupor que Depp, Burton e Bonham Carter reconheçam o declínio desta parceria. Porém, permanece a impressão de que, uma vez definidos, não há nenhuma vontade de inovação, já que este formato foi funcional diversas vezes. Talentosos todos são, mas parece que estão mais preguiçosos do que nunca.