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  • Crítica | À Procura

    Crítica | À Procura

    Sob planícies geladas, destacando a alva cor que a neve produz sobre o solo, À Procura remete a um estado de tranquilidade gerado por um ambiente onde quase não se percebe a ação humana. Exceto pela habitação isolada de seus personagens, indivíduos que vivem suas vidas normalmente dentro de casas modernas, ambiente que contrasta com o extremo frio que predomina do lado externo.

    A trama de À Procura envolve uma forte sensação de impotência por mostrar um pai – Mathew, vivido por Ryan Reynolds, num dos raros momentos em sua filmografia em que seus talentos são exibidos de modo conveniente – que tem suas habilidades de protetor postas à prova, fracassando de modo retumbante enquanto guardião de sua família. Na primeira conversa mais longa que seu personagem protagoniza, percebe-se um claro incômodo de quem está do outro lado da linha, forçando um sentimento de amor correspondido que não condiz com a realidade, ou com a expressão de Tina (Mireille Enos). A sensação de isolamento é novamente flagrada pela câmera num momento ainda mais evidente e palpável que o anterior.

    Um caso policial seria o motivo da discórdia, o que envolve um outro núcleo de personagens ligado à investigação criminal. O mistério quanto à origem do abismo emocional entre o antigo par logo é revelado, com informações gradativamente liberadas. Ao buscar Cass (Peyton Kennedy), Mathew se descuida, e a menina é raptada, ficando anos longe de seus parentes e tornando-se adulta, agora interpretada por Alexia Fast. O peso sobre as costas do pai é esmagador, mesmo após tantos anos. O que antes foi causado por um misto de displicência e ingenuidade provoca no emocional do sujeito uma culpa atroz, graças ao impacto gerado em seu cotidiano e, claro, nos seus sentimentos.

    O desenrolar das investigações encabeçadas por Nicole (Rosario Dawson) fazem os ecos do descuido soarem ainda mais amedrontadores na psiquê de Mathew ao ser indagado se ele teria estado em algum outro ponto antes do desparecimento de Cassandra. Mesmo a rotina dos inquéritos policiais o ofendem, uma vez que sua autoestima está abalada. O auxiliar de detetive, Jeffrey (Scott Speedman) tenta aplacar a situação, cavando ainda mais fundo dentro da cabeça do confuso pai.

    A câmera de Atom Egoyan registra o cativeiro de Cassandra, exibindo o narcisista raptor, que ao mesmo tempo que vigia sua presa, tem um espelho à sua frente, o símbolo da paranoia e da eterna autoanálise, o cuidado supremo para que nenhum detalhe fuja aos seus olhos, para que nenhum eventual acontecimento frustre seus planos. A motivação de Mika (Kevin Durand) é tão misteriosa quanto seu semblante, especialmente no que tange Cassandra. A moça é o intermediário entre uma intricada rede de exploração sexual infantil, e é ela quem faz contato com as crianças, ainda em sua cela moderna, no frio lugar exibido no começo da fita.

    A sociedade da informação se mune da alta tecnologia para praticar seus pecados morais, voltando os arquétipos pensados em 1984 por George Orwell para um dos aspectos mais podres da alma humana. Seis anos passados do incidente inicial, ambos os casos caem na rede de averiguação de Jeffrey, que logo trata de falar a mãe da menina, que enxerga na participação da filha uma monstruosidade quase tão grande quanto a que aquelas pessoas fizeram a ela, claro, culpando mais uma vez seu já débil marido.

    O viés escolhido pelo roteiro peca demais em sutileza, inserindo convenientemente os policiais no mesmo contexto dos marginais que praticam a rede de mentiras e que obviamente emboscam-nos. O mesmo se pode dizer das cenas de reencontro entre os parentes, há muito separados. Apesar de reafirmar a crueldade dos vilões, quase nada se acrescenta nos momentos de embate entre os justiceiros e os bandidos, fazendo o que deveria ser um intrigado suspense tornar-se uma desnecessária batalha maniqueísta.

    O modo como a história se fecha apresenta uma estranha sensação de que finalmente os eventos voltarão ao normal, apesar do número crescente de mortes. Além disso, a resolução é bastante estranha, como se tentasse emular a capacidade de pensamento dos que arquitetaram todo o circo emocional ao redor do rapto de Cassandra. Como em Sem Evidências, Egoyan tem em mãos uma premissa muito boa, mas apresenta uma condução equivocada, que se enrola nas próprias regras dramáticas que ele engendra.

  • Crítica | Se Eu Ficar

    Crítica | Se Eu Ficar

    Nos últimos anos, leitores jovens encontraram uma trilha direta para a literatura graças à popularidade de obras como Harry Potter e derivados, lançados em anos seguintes, além de outras vertentes recentes de dramas urbanos e juvenis, como a obra de John Green, considerado o mais novo tesouro contemporâneo. O sucesso de Gayle Forman vem parcialmente ligado a estas narrativas e ao sucesso do young adult como gênero. O adolescente, como personagem narrador dialogando com um público primariamente desta faixa etária, tem demonstrado rentabilidade como um novo caminho a ser desvendado por editoras e, mais importante do que o sucesso financeiro, tem produzido novos leitores.

    Quarta obra da autora e primeira lançada no país pela Novo Século, Se Eu Ficar transforma uma tragédia em momento metafísico de reflexão. Mia Hall é uma adolescente tradicional vivendo os mesmos anseios que seus colegas. Sente-se deslocada da sociedade e do seio familiar por considerar-se careta em relação aos pais, vindos de um passado badalado e roqueiro, e está indecisa entre permanecer na cidade devido a um amor ou seguir o sonho de maestra musical com uma bolsa na renomada Julliard. A vida entra em suspensão após um acidente quase fatal com sua família.

    A história transita entre o presente pós acidente com a garota em estado comatoso e lembranças recentes do passado. Mia vive uma experiência extra-corpo e acompanha as reações de familiares, amigos e do ex-namorado, ante a possibilidade de sua morte. O acidente se transforma em ponto metafórico de análise. Um momento figurativo em que a personagem, a partir das recordações e das reações de pessoas ao seu redor, decidirá entre a vida ou a morte. Chloë Grace Moretz faz um bom papel principal e, pela primeira vez em anos, foge de uma personagem excêntrica, como tem marcado sua carreira até então (Hitgirl, em Kick Ass e Kick Ass 2, a vampira de Deixe-me Entrar e Carrie – A Estranha).

    Voltado ao público juvenil, este extravagante recurso espiritual é um extremo para focalizar a lição básica sobre amadurecimento e as primeiras escolhas definitivas na vida de um ser humano. Se considerarmos que o young adult, como qualquer outro gênero de nichos específicos, repete naturalmente recursos narrativos, o elemento espiritual é um breve respiro inédito para a história. A reflexão é positiva e visa intensificar para o público alvo a percepção de uma mudança de comportamento, a transição ainda imatura, mas definitiva, que são a adolescência e o amadurecimento.

    Porém, a obra se aproxima mais de um romance adolescente do que uma história sobre o crescimento natural. Dentro desta percepção, temos personagens comportando-se como adolescentes típicos que tratam conflitos com um senso de tragédia exagerado, ainda incapazes de reconhecer caminhos e alternativas viáveis quando as intempéries da vida surgem no caminho. Este excesso de imaturidade – ou excesso dramático – pode não ser eficiente para o público geral em razão do didatismo exagerado desta história de amor.

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  • Crítica | Sem Evidências

    Crítica | Sem Evidências

    O crime como ação, subtração de uma vida e causador de desordem na sociedade é sempre um ato chocante. Um vandalismo que ultrapassa a lei invisível – ou divina, dependendo de sua crença – de que não se deve matar um semelhante. Ação suficiente brutal para modificar estruturas à sua volta.

    Sem Evidências analisa um famoso caso de assassinato, reconhecido, principalmente, pela investigação e condução confusas e errôneas. Trata-se da investigação e do julgamento que culparam três adolescentes – conhecidos como os Três de West Memphis – pela morte de três crianças em 1993. Um crime brutal ocorrido no interior de uma floresta e apontado, na época, como um ritual satânico.

    A morte de infantes atribuída a um ritual satânico são contornos que aprofundam o choque destes assassinatos violentos. Comum em séculos passados, o infanticídio é visto com maior atenção e espanto pela sociedade, em parte, devido à percepção psicológica de que a criança é um ser em formação, ainda puro e inocente, que nunca deveria ser submetido a qualquer ato grotesco. Em um país com parte da população cristã, referir-se a estas mortes como um ato satânico foi o suficiente para que surgissem hordas revoltosas desejando vingança, além de colocar nos holofotes a investigação da polícia, que deveria ser minuciosa, à procura dos culpados.

    A intenção da obra é trazer à tona a parcialidade da verdade em um caso que foi construído sem a clareza necessária e, em julgamento, descartou evidências importantes para o desfecho e a sentença dos adolescentes envolvidos. O enredo acompanha tanto as famílias em luto, centralizadas no drama de Pam Hobbes (Reese Witherspoon), mãe de uma das crianças, quanto a investigação paralela de um detetive (Colin Firth) contrário à condenação e que, em meio aos erros da polícia, tenta descobrir a verdade para salvar os adolescentes.

    Baseado no livro investigativo de Mara Leveritt, a história aproxima-se mais de uma exibição assistida e reconstituída do que um suspense dramático sobre assassinatos brutais. Como um estudo de caso, é fiel em apresentar datas e acontecimentos factuais, mas não se trata de uma filmagem-documentário, e não há nenhum ponto de tensão desenvolvido para uma narrativa ficcional.

    Se parte de um crime consiste na recepção da sociedade e da mídia e na punição dos culpados, é necessário um viés dramático que conduza a experiência. Ao apresentar cenas distantes e imparciais, a história dá a dimensão completa de como o assassinato foi repercutido e os erros perpetuados durante sua execução judicial. No entanto, faz do público uma mera testemunha de uma história criminal que, anos depois, apresentou novas provas, demonstrando o mal andamento da investigação local.

  • Review | The Killing

    Review | The Killing

    the-killingA série canadense-americana de quatro temporadas, produzida pela Fox e distribuída pela AMC, é um remake da bem-sucedida série dinamarquesa Forbrydelsen, de 2007. A série se passa em Seattle e acompanha a investigação do assassinato da adolescente Rosie Larsen (Katie Findlay). Cada episódio é, aproximadamente, um dia na investigação conduzida por Sarah Linden (Mireille Enos) e seu novo parceiro Stephen Holder (Joel Kinnaman).

    O roteiro se apoia em alguns clichês que, mesmo sendo clichês, ainda funcionam bem por estarem cuidadosamente estruturados:

    O investigador que está prestes a abandonar seu cargo, trocando-o por uma nova vida e que se vê “obrigado” a ficar e resolver um último caso. Na série, Linden vai se mudar para outra cidade com o filho e seu futuro marido, mas vê-se envolvida demais com a história da vítima e protela a viagem indefinidamente.

    Uma parceria não desejada – e não planejada – que desagrada o protagonista, ao menos no início. Na série, Holder chega à divisão de Homicídios, vindo da divisão de Narcóticos, para ocupar a vaga deixada por Linden. Como ela vai ficando, decidida a resolver o caso, acabam se tornando parceiros.

    Parceiros com personalidades diferentes – este é um clássico, quase obrigatório em filmes com duplas. Na série, enquanto Linden é a veterana mal-humorada, calada e durona, Holder é o recém-chegado falastrão, descolado e com ginga de malandro. Ele fuma feito uma chaminé; ela largou o vício e passa o tempo todo mascando chicletes com nicotina. Ela tem família, mas a negligencia em detrimento das investigações; ele está sozinho, tentando resgatar a confiança da irmã e o convívio com o sobrinho. E mais um rol de características que se opõem e, ao mesmo tempo, se completam.

    Há alguns detalhes que fazem lembrar bastante Twin Peaks. Além da referência óbvia, já que a premissa de ambas é o assassinato de uma jovem, aparentemente sem motivos. Troca-se “Quem matou Laura Palmer?” por “Quem matou Rosie Larsen?”. Mas não é apenas isso. A investigação, encontrando pistas falsas que levam a falsas suspeitas, apesar de todos os envolvidos serem culpados de alguma coisa – não exatamente do crime sendo investigado. As revelações sobre as atividades extra-curriculares da adolescente, totalmente desconhecidas dos familiares. Some-se a isso o fato de que as suspeitas apontam para um cassino em território indígena, de que uma das pistas vem de um reflexo num vídeo, de que há uma rede de prostituição que permeia a trama. Mas diferente da obra de David Lynch, esta não tem um pé no fantástico, nem se vale do nonsense para envolver o público.

    A primeira temporada cobre as duas primeiras semanas da investigação. E para desgosto dos espectadores, termina sem ter resolvido efetivamente o caso. Na verdade, há uma suspeita muito forte sobre um dos personagens dada por uma prova cuja autenticidade é questionada nos últimos minutos do episódio. A segunda temporada abarca mais duas semanas de investigação, em que, além de caçar pistas que apontem o verdadeiro assassino, Linden e Holder vêem-se enredados em tramas cada vez mais complexas que colocam em risco inclusive sua confiança mútua, além de questionar a integridade da força policial de Seattle.

    A terceira temporada reaviva um caso do passado, resolvido por Linden e seu ex-parceiro – e ex-amante – James Skinner (Elias Koteas), quando um assassinato apresenta várias coincidências no modus operandi com esse outro. As investigações fazem Linden mergulhar no passado e mexer em “cicatrizes” mal fechadas. Com o roteiro um pouco mais enxuto que as duas primeiras temporadas, talvez com ritmo um pouco lento no início para alguns espectadores, tem um arco dramático cujo desfecho é de tirar o fôlego. O final é daqueles que dá vontade de “voltar a fita” e rever para se certificar de que foi aquilo mesmo que ocorreu. Há outros, mas esse é o “momento PQP” mais significante de toda a série.

    A série que, para desagrado do público, havia sido cancelada após o término da terceira temporada, voltou para uma quarta temporada graças à Netflix, que solicitou que fosse dado ao público um desfecho decente numa temporada de encerramento. Lógico que não foi apenas boa vontade da empresa. A Netflix notou o desempenho que a série vinha tendo no chamado binge watching (mais conhecido como maratona de série), acreditou nesse potencial e bancou a quarta temporada. Nela, enquanto Linden e Holder lidam com as consequências dos atos do final da terceira temporada, investigam o assassinato de toda uma família em que o filho mais velho, principal suspeito, foi baleado na cabeça e perdeu a memória do acontecido.

    É lógico que a resolução dos crimes é importante, mas vale notar que nem por isso as tramas secundárias são deixadas de lado. Mesmo que eventualmente alguns arcos menores possam ser classificados como fillers (no popular, “encheção de linguiça”), pouco agregando ao arco narrativo principal – principalmente na segunda temporada – , é inegável o cuidado no seu desenvolvimento. Mais incrível foi a forma como pequenos detalhes da primeira temporada foram resgatados de modo a se encaixarem nos eventos da terceira. A convergência dos arcos narrativos foi bastante consistente, não deixando pontas soltas nem perguntas sem respostas.

    Mas de nada adianta uma boa história, se os personagens não cativam o público. E a construção dos personagens é mais um trunfo da série. Nenhum deles é raso, uni ou bidimensional. Todos são tridimensionais e complexos como qualquer pessoa. E como qualquer pessoa, o espectador vai conhecendo cada um deles aos poucos, reunindo informações que vão sendo dadas com parcimônia. E por se ter tão poucas informações, inicialmente nem é assim tão fácil se identificar com Linden ou Holder. Não há flashbacks lacrimosos, explicando essa ou aquela motivação do personagem, nem mesmo atos altruístas ou heroicos no intuito de cativar o público imediatamente. Não há qualquer didatismo, o roteiro confia que o espectador tem capacidade de pensar suficiente para juntar os pontos sozinho.

    Emendando, não bastam bons personagens se os atores não tiverem boas performances. E Enos e Kinnaman formam uma das melhores duplas policiais dos últimos anos. Não dá para saber o quanto estava no roteiro e o quanto se deve aos dois, mas a interação entre eles vai além do contraste entre duas personalidades fortes e distintas. Certamente, o sorrisinho cínico que Linden dá para quase tudo foi uma adição muito bem-sucedida feita por Enos, assim como a fala malemolente de Holder. Mas além dos protagonistas, vale destacar o vilão da terceira temporada, Ray Seward (Peter Sarsgaard). Sarsgaard representa com perfeição a ambiguidade do personagem que, mesmo condenado à morte, ainda destila sua verve violenta sem poupar ninguém.

    Num primeiro olhar, a série pode parecer depressiva, principalmente por ser ambientada num local em que sempre chove, o que contribui para o clima mais lúgubre. Mas, ao final, recompensa o espectador por privilegiar sua inteligência, entregando uma season finale que faz jus ao restante da série.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Sabotage

    Crítica | Sabotage

    Sabotage

    A ação desenfreada é notada logo nos primeiros segundos de filme, pouco após os créditos do estúdio. Uma situação de sequestro é aventada e assistida por John ‘Breacher’ Wharton, personagem do geriátrico astro de ação Arnold Schwarzenegger. Logo após o preâmbulo, uma ação impingida pelo esquadrão do DEA é executada, muito semelhante ao tom do segundo filme da franquia Os Mercenários, logicamente com um cunho muito menos galhofado. Sabotage é um legítimo tributo aos bem montados filmes de ação oitentistas, com uma dose de violência ainda mais evidente, graças a classificação etária elevada.

    Apesar de toda a construção do mundo comum que contemplaria mitologias semelhantes a Comando Para Matar e Cobra, as semelhanças são interrompidas, para dar lugar a uma trama um pouco mais séria. Na tal ação mostrada no começo há um roubo aos espólios do cartel, cuja soma excede dez milhões de dólares, e todo o grupo liderado por Breacher passa a ser suspeito, tendo os seus passos seguidos e monitorados por outros agentes da lei. Com o tempo, o caso é arquivado, e John é liberado para reunir seu esquadrão novamente, já que ninguém mais dentro da agência confiaria ou daria crédito a ele.

    A retomada é acompanhada de uma série de eventos suspeitos, em que os subalternos a Breacher vão sendo abatidos, como em uma “Queima de Arquivo“. A experiência de David Ayer em conduzir thrillers policiais o faz uma ótima escolha para conduzir o drama cheio de mistérios, conspirações, assassinatos e traições. A questão de mexer com cartéis de drogas já havia sido abordada em Dia de Treinamento, cujo roteiro era seu, assim como em Marcados Para Morrer, onde sua câmera na mão era o meio pelo qual contava sua história. Em Sabotage, o aspecto parece mais aprimorado, visto que ele usa a primeira pessoa para grafar algumas das sensações conflitantes dos personagens, como Paul Greengrass cansou de fazer na Trilogia Bourne.

    O personagem cujas nuances são mais verificadas pela câmera é a da investigadora Caroline Brentwood, vivida por Olivia Williams. Ela é a responsável pelo departamento de homicídios, por verificar a origem dos assassinatos ao grupo de federais. A investigadora é o alvo perfeito para a inserção do público na história, inclusive ao tomar noção das questões pessoais e de vingança que motivam Breacher.

    A questão é que, com o tempo, Caroline se vê em uma encruzilhada moral, entre ter de acreditar em John – já que ela, de maneira ingênua, se envolve emocionalmente com ele – ou dar prosseguimento a investigação da qual ele é um dos principais suspeitos. O roteiro de Skip Woods e Ayer consegue passar uma tensão interessante na troca de acusações entre os parceiros de ações, conseguindo bons momentos a despeito até das já esperadas atuações pífias de Sam Worthington, fazendo o ciumento e segundo em comando Monster.

    Não há qualquer complacência com o receptor, a fita inteira é violentíssima e completamente não condizente com o grande público, mesmo para o fã de filmes de ação do austríaco é necessário um pouco de estômago para tragar este Sabotage. A sanguinolência faz lembrar os filmes gore de terror, ou os espécimes de Quentin Tarantino e Takashi Miike, mas sem a capa de exagero irrealista típica da filmografia dos dois diretores. Todas as dilacerações são plenamente justificáveis dentro da lógica do filme, não existe qualquer pedido abusivo de suspensão de descrença.

    O peso dos anos denegriram o físico de Arnold, mas também o tornou um bocado mais afeito a passar através de suas expressões alguns sentimentos que antes não eram possíveis ver em suas participações. Seu papel permanece o de um homem duro e talhado pelo destino, com características de brucutu, mas ao analisar o seu rosto, nota-se uma carga escondida atrás do semblante fechado. Não há como esperar algo semelhante a Brando ou Pacino, mas nota-se que o papel encaixa bem em suas pretensões. As limitações dele servem à trama, a rigidez com que ele se move propicia um álibi perfeito, fazendo dele um improvável suspeito para quaisquer atos possivelmente ruins.

    Nos minutos finais o filme muda de gênero, fazendo crer que toda retórica mostrada antes era um despiste, um mcguffin para a questão maior, ligada à motivação do personagem principal. Toda a trajetória de John Wharton é muito bem construída, e é isso que faz com que o público compre a sua proposta e se afeiçoe a ele, claro, com a ajuda da face carismática de Schwarzenegger, mas sem abrir mão de uma condução de trama muito competente, como é a levada por David Ayer.

  • Crítica | Guerra Mundial Z

    Crítica | Guerra Mundial Z

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    O gênero zumbi é conhecidíssimo do grande público nos tempos atuais, principalmente por causa do sucesso da série de TV The Walking Dead. Grande parte deste sucesso é devido ao fato de que o criador do gênero moderno de zumbis, George Romero, usou essa temática para fazer analogias, sempre críticas, da sociedade naquele momento.

    Nos anos 2000, o gênero “zumbi” voltou com tudo após ficar em dormência durante os anos 80 e 90. Os expoentes desta retomada foram Extermínio e Madrugada dos Mortos. Porém, a estética dos zumbis se alterou. Ao invés de criaturas decrépitas e lentas, agora temos zumbis super-rápidos e que se movem sempre em grupos enormes com um comportamento irracional, e é aqui que se encaixa a analogia aos tempos modernos, a crítica ao consumismo, as grandes massas que se movimentam sem pensar, somente seguindo impulsos primários, aglomerando-se e brigando por aquilo que consideram vital. Quem já passou por uma liquidação, ou mesmo vivenciou uma Black Friday, deve ter experimentado algo parecido.

    Guerra Mundial Z segue nessa linha, porém, à sua própria forma. Terminou de ser filmado em 2011, mas problemas de produção, brigas entre o ator/produtor Brad Pitt e o diretor Marc Foster atrasaram o lançamento do longa, que até teve o final refilmado. Geralmente filmes com problemas assim acabam dando um resultado ruim, mas não foi este o caso. Guerra Mundial Z convence como filme-catástrofe e como ação. Consegue prender a atenção do espectador e criar momentos genuínos de tensão sem apelar a (muitos) clichês do gênero.

    Na história, Gerry Lane (Pitt) é um ex-funcionário da ONU especialista em trabalhar em regiões de conflito pelo mundo, por isso sua intensa experiência em fugas de situações de risco. Porém, agora ele está aposentado. E o filme se inicia justamente em seu cotidiano familiar na Filadélfia, ao mesmo tempo em que somos apresentados gradualmente a notícias de uma estranha infecção estar se espalhando pelo mundo (também excepcionalmente apresentada na abertura, com a também boa música-tema executada pela banda britânica Muse).

    Durante também uma excelente sequência no trânsito congestionado, somos apresentados a infecção de uma hora para outra, o que não pareceu fazer muito sentido, porque por mais que Lane conte o tempo de infecção através de mordida em 12 segundos, uma onda como a que atravessa a cidade seria sentida bem antes, de forma mais gradual. Neste aspecto, o avanço da infecção mostrado em Todo Mundo Quase Morto parece muito melhor construído, mesmo se tratando de uma paródia do gênero.

    A partir daí, o 1º ato é todo de Lane e sua família tentando fugir da infecção, conseguir mantimentos e procurar abrigo, o que também tem dois pontos negativos: a cena do supermercado, onde sua mulher é atacada sem mais nem menos em meio a uma multidão, para criar uma tensão que soou um pouco artificial, e a vitimização e o excesso de bondade e hospitalidade de imigrantes latinos que recebem Lane em sua família. Há a clara tentativa de sensibilizar o espectador, que também soa um pouco artificial. Pequenos problemas e situações ao mesmo tempo forçadas e sem sentido naquele contexto se repetem algumas vezes durante a exibição, o que talvez possa ser creditado a tantos problemas de filmagem e produção.

    No entanto, após o 2º ato seguimos Lane por sua investigação no mundo a respeito de como a doença surgiu e como poderia pará-la. E o comportamento de Lane frente à ameaça é um dos pontos mais interessantes do filme, já que geralmente protagonistas de filmes desse gênero não conseguem aprender com a prática, observando e tirando conclusões, o que Lane faz de maneira bem clara e inteligente, e sempre com o propósito de avançar a história. As sequências na Coreia do Sul e principalmente em Israel são boas, apesar dos zumbis escalando o muro e correndo em hordas parecerem artificiais demais em alguns momentos.

    Na parte final, no laboratório da OMS, momentos de tensão são muito bem construídos, com o som ambiente silencioso, construindo uma crescente e lenta angústia no espectador, consciente que o menor ato pode desencadear uma tragédia. No final, a história tem um desfecho aceitável, e que provavelmente será retomada em continuações.

    Apesar de alguns problemas, Guerra Mundial Z convence ao criar momentos honestos de tensão e medo, e um senso de urgência real frente ao perigo apresentado, onde conseguimos nos identificar com o protagonista, suas intenções e reações. Em um gênero tão desgastado por filmes e séries de TV, é sempre bom ver algo que tente apresentar algo de novo.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.