Tag: david lynch

  • Crítica | Contato Visceral

    Crítica | Contato Visceral

    Contato Visceral é mais uma das várias recentes produções da Netflix. Juntamente com outros filmes da gigante de streaming como Fratura, Eli, Campo do Medo e Cascavel, o filme é um terror psicológico, focado mais no suspense do que na parte gráfica de outras produções.

    Logo no início, na cidade de New Orleans, somos apresentados a seu protagonista, Will, vivido por Armie Hammer. O rapaz trabalha num bar local e parece não querer muito mais de sua vida fútil, a não ser trabalhar no bar e beber de graça junto de sua amiga Alicia (Zazie Beetz), por quem tem certa queda. Will namora Carrie (Dakota Johnson), mas parece que o relacionamento dos dois está próximo do fim. O bar é frequentado por pessoas bastante conhecidas por Will (algumas muito excêntricas) e sua vida começa a mudar quando um grupo de jovens menores de idade decide ir ao bar. Mesmo sabendo que o grupo é menor de idade, Will faz vista grossa e permite que o grupo beba no bar. Acontece que o grupo acaba se envolvendo em uma briga entre velhos frequentadores do local, sendo que um dos amigos de Will fica gravemente ferido. O grupo vai embora, mas acaba esquecendo um aparelho celular que fica com o Will. A partir daí, o filme abre espaço para o terror psicológico mencionado no início deste texto, uma vez que Will passa a receber sinistras mensagens pelo aparelho, colocando em risco sua vida e de todos que estão ao seu redor.

    Dirigido pelo jovem talento, o britânico Babak Anvari que foi contratado após o bom À Sombra do Medo, seu primeiro longa, o filme até tenta se espelhar em ótimos clássicos do cinema, como Bug ou em escritores, como H. P. Lovecraft. Fã de Cronenberg, o diretor tenta emular o clima retratado em A Mosca, adiciona uma “pitada” de David Lynch e um “aconchego” de Roman Polanski, como ele mesmo diz. Mas por algum motivo, ele falha. Anvari também assina o roteiro do filme, que na verdade é uma adaptação do livro The Visible Filth, escrito por Nathan Ballingrud e o fato dele querer ser um cineasta que dirige e assina a história, foi uma decisão bastante ousada logo em sua primeira experiência em Hollywood. O elenco tem um certo peso, mas todos eles soam apáticos em tela. Johnson parece que está ali somente porque pagaram suas despesas de viagem e alimentação, assim como a personagem de Beetz, que é boa, mas falta consistência no roteiro para aprofundar ainda mais sua trama. Aquele que foi melhor explorado foi Will, sendo que, Hammer sabe muito bem fazer esse tipo de papel. Contudo, como dito, o filme poderia explorar muito mais os arcos de seus coadjuvantes, mas o tempo de fita (pouco mais de uma hora e meia) impede esse desenvolvimento. Então podemos dizer que talvez tenha faltado o dedo de Anvari para extrair um pouco mais do seu elenco, assim como um roteirista mais gabaritado e obviamente, pelo menos quarenta minutos a mais de filme.

    Ainda assim, o que salva é a atuação de Hammer, aliada à algumas poucas situações que envolvem o grupo de amigos, o bar, Carrie e Alicia. As partes de suspense são realmente bem feitas e é possível perceber facilmente a transformação de Will no transcorrer da fita, o que é de fato ponto positivo. De qualquer forma, se você é fã desse gênero de filme, vale a pena conferir.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

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  • Crítica | Lucky

    Crítica | Lucky

    Um dos últimos filmes do veterano ator Harry Dean Stanton, Lucky começa exatamente colocando-o como principal personagem enfocado, fato raro em sua larga carreira. Dirigido por John Carroll Lynch, a jornada mostrada é de um sujeito ativo, madrugador, que se exercita e vive seus dias entre a pacata rotina de uma cidade pequena e as tentativas de driblar a velhice de seus 90 anos.

    Lucky é ranzinza, não gosta de lidar com qualquer cobrança, ao mesmo tempo em que é extremamente simpático com quem também é afável com ele. Depois de um desmaio e de uma ida ao medico, preocupa-se com sua saúde, atento inclusive a quantidade de maços de cigarro consumidos ao dia. Seu diagnostico é impreciso, mas indica que o desmaio nada tem a ver com o tabaco que consome. Ainda assim, pela alta idade, o doutor indica que seu corpo continuará falhando, e que para descobrir a causa do infortúnio seria necessário uma alta quantidade de exames, fato que seria demasiado cansativo.

    Caroll se expressa bem em seu longa de estréia na direção. Uma historia cara, emocional e envolvente, com personagens que se não são muito aprofundados, transbordam carisma, e servem como apoio para que o ator central consiga brilhar como um sujeito que, apesar de não parecer se importar muito com o seu destino, ainda aparenta querer viver.

    A sensação de querer se manter operante na vida, ainda que não hajam tantas atividades para um sujeito já a beira de ser centenário é uma alternativa que representa um sentimento de universalidade, evidenciando o desejo pela vida. Lucky contém um roteiro e uma trajetória simples, mas que ganha em qualidade por conseguir expressar sentimentos sem soar piegas, vitimista ou demasiadamente melancólico. Um exercício de atuação magistral de Stanton, além de ter uma condução certeira e econômica do diretor, apresentando marcas próprias e com qualidades que o fazem bem diferente do cinema que seu pai, David Lynch, costuma fazer.

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  • Crítica | David Lynch: A Vida de um Artista

    Crítica | David Lynch: A Vida de um Artista

    Focado na faceta de artista plástico do prolífico diretor – aspecto esse que influenciou especialmente a parte inicial de sua filmografia, principalmente os curtas – David Lynch: A Vida de Um Artista é um documentário de Jon Nguyen e Olivia Neergaard-Holm, que busca mergulhar na intimidade do cineasta, através das palavras do próprio. É curioso assistir aos quase noventa minutos de fita, ao som da voz peculiar do artista, que está lá basicamente para filosofar a respeito de seus quadros e obras.

    Lynch não costuma gostar de falar sobre suas obras cinematográfica, há poucos momentos onde ele parece realmente ter prazer de discutir os temas que propõe com a câmera na mão. Um dos poucos momentos onde se pode apreciar ele falando é quando faz as vezes de ator – especialmente em Twin Peaks, com o personagem Agente Gordon – e o compilado com seus vídeos curtos, The Short Films of David Lynch. De qualquer forma, mesmo nesses momentos não se percebe o mesmo prazer no tom de voz do sujeito como é visto nesse, nem mesmo em comparação a outro documentário, Meditation, Creativity, Peace, que é dirigido pelo próprio. Em A Vida de Um Artista ele é bastante prolixo, se sentindo completamente a vontade para discorrer sobre suas outras obras de arte que não a sétima.

    As câmeras flagram o processo artístico do homem, que coloca a mão na massa, montando suas obras, quando não, resgatam imagens em vídeo e foto bastante antigos, que remetem ao passado dele, ainda infante, com seus familiares. Ali, mal parecia ser o sujeito anárquico que viria a se tornar. Vale muito apena ver isso até para se entender como o pensar lynchiano tem pés bem fincados na realidade comum a todos.

    Seja por curiosidade ou por pura necessidade de estudar arte, o filme de Nguyen e Neergard-Holm serve bem ao propósito de mostrar outra faceta de Lynch, exibindo um sujeito sensível e desejoso por expressar mais de sua alma e criatividade, fato que deixa seus fãs otimistas, dado o hiato entre seu último filme e o retorno de Twin Peaks.

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  • 11 Filmes Inspirados pelo Expressionismo Alemão

    11 Filmes Inspirados pelo Expressionismo Alemão

    O expressionismo alemão foi sem dúvida um dos movimentos artísticos mais influentes no início do século passado, especialmente quando o assunto é cinema. Essencialmente, seus artistas procuravam um sentido mais profundo na realidade, sacrificando o realismo figurativo em pro do emocional a partir de formas distorcidas e principalmente exageradas. Dessa forma, a percepção subjetiva da vida levou ao controle objetivo pela maneira como as coisas são descritas, agora focadas num mundo interno ao invés de externo.

    Nu Junto a cadeira de Vine, Edward Munch (1929)

    É difícil apontar os aspectos mais importantes do expressionismo no cinema, mas é relativamente fácil de encontrar trabalhos que se encaixam na sua premissa básica. Então através das do que foi definido entre os anos 10 aos 30 por mestres alemães como Fritz Lang, F.W Murnau e Robert Wiene, realizadores de outros tempos, lugares e contextos deram sua contribuição a sétima arte de maneiras similares.

    Esse artigo procura explorar alguns pontos e analisar exemplos do expressionismo alemão que não foram feitos no ápice de seu movimento, mas compartilham seu estilo, estética e temática com esse rico movimento do cinema.

    Os tradicionais Noir e Neo-Noir foram deliberadamente retirados dessa lista (principalmente filmes como M, O Vampiro de Dusseldorf). Essa lista propõe uma abordagem mais diversa, do experimentalismo francês a blockbusters de Hollywood.

    10. Pi (Darren Aronofsky, 1998)

    De diversas maneiras Pi ecoa com o trabalho do expressionista alemão Paul Wegener, especialmente quando revemos a trilogia Der Golem, uma serie sobre uma criatura monstruosa criada por um místico Judeu (o rabino Juda Loew ben Besaliel) para defender os Judeus do Império Romano.

    A esquerda, o rabino de  Arronofsky; A direita, o rabino de Wegener

    A exposição exagerada do preto e branco de fotografia de Pi entrega um pacote de luz e contraste que se assemelha muito a estética de chiaroscuro nos filmes de Wegener. As sombras e luz saturadas parecem espelhar a condição instável e obsessiva do protagonista Max da mesma maneira que Wegener a usa para acentuar a criatura quase Frankenstein que é a natureza do Golem.

    O filme de Aronofsky não só se assemelha visualmente a obra de Wegener, mas em temática também. O Golem narra em três partes a natureza destrutiva da criação se não criada e tratada com responsabilidade, enquanto Pi mostra o terror do uso de profundo conhecimento formal para intenções sociopolíticas, com um uso místico dela se aproximando a ciência.

    Isso se tornar cada vez mais visível quando percebemos na comparação que o lar no rabino na série Golem é uma caverna profunda, repleta de mistérios escritos em hebraico, enquanto o apartamento de Max é um local de estudo, mobilhado com computadores enormes, com paredes cobertas por números e símbolos matemáticos. Para o leigo, os inscritos matemáticos são tão ocultos quanto inscritos numa linguá pouco usada.

    A esquerda, lar do Rabino em o Golem; A Esquerda, o Apartamento de Max

    Um dos cenários principais na série Golem é a cidade medieval de praga, representada como sombria, um local de tensão claustrofóbica, uma opção visual recorrente na estética de cidades no expressionismo alemão. Em Pi, a cidade de Nova York parece muitas vezes mimetizar a desordem da vida urbana, com diversos enquadramentos debaixo da terra, fazendo aquela ambientação cosmopolita sufocante e distorcida. Sendo assim, podemos considerar que Pi representa o medo inerente ao desconhecido da ciência. Ainda mais quando o aplicamos a nosso momento na era pós moderna.

    9. The Wall (Alan Parker, 1982)

    Pink Floyd não é uma banda que possa ser comparada visualmente a alguma outra coisa. Da sua psicodélica cheia de luz ao seu tom mais sombrio dos anos 70 aos 80, as ambições experimentais da banda sempre estiveram agregadas a diferentes fundamentos em movimentos artísticos que não só na música.

    Em 1982, Pink Floyd lançou o filme The Wall; um estudo de personagem de Pink, um rockstar que se perdeu durante a vida nas drogas, instabilidade emocional e problemas com a família, The Wall reflete fortemente elementos principais presentes dentro do expressionismo quanto no surrealismo.

    Começando com o próprio poster do filme que se assemelha ao grito, obra mais famosa do pintor Edward Munch, um dos marcos do expressionismo. A pintura do rosto gritando, representando o desespero de Pink prepara o terreno para a abordagem do longa e seus temas recorrentes: loucura e opressão.

    Através de uma narrativa não linear, o protagonista vai cada vez mas se afogando em loucura. A falta de diálogos em geral compeliram o diretor Alan Parker a compensar o silêncio em pura narrativa visual, muitas vezes abusando do imagético expressionista para transmitir sua mensagem.

    Esse tema e a maneira como é destrinchado podem facilmente ser assimilado ao clássico de 1920 dirigido por Robert Wiene, “O Gabinete do Dr. Caligari”, o filme possui alguns paralelos com The Wall:

    O Uso de paisagens distorcidas e oníricas para expressar as divagações da mente

    O exagero negativo para as figuras de autoridade

    E ainda um similar uso de sombras nos closes:

    Esses exemplos não são os únicos elementos do expressionismo presentes nessa obra: o uso simbólico de espelhos como pontos de reflexão e o claro abstracionismo também se mostram como pontos chaves para comparação.

    Superfícies que refletem são uma mise-en-scène para os antigos diretores do expressionismo e eram usada frequentemente. a primeira vista, o espelho é usado como janela para o desejo de Pink se libertar da inevitável vida adulta; ele se encara profundamente, e raspa todo o pelo do seu corpo, uma maneira catártica ao desejo de renascer. Outro objeto que reflete presente no longa inteiro é a televisão, a tela em que Pink tenta incessantemente escapar da sua realidade. O Antropomorfismo é particularmente tangível. As flores em formato de vagina que ficam se mordendo e serpentes cantantes são exemplos de não humanos agindo como humanos.

    8. Nosferatu, O Vampiro da Noite (Werner Herzog, 1979)

    A filmografia de Werner Herzog foi claramente influenciada de maneira geral pelo expressionismo alemão. O clima inquietante de Os Anões também começam pequenos (1985), o surrealismo sobrenatural de Aguire, A Cólera dos deuses (1972), e o suspense noir do preto e branco de Meu Filho, Meu Filho, Olha o que fizeste? (2009) são exemplos do recorrente, emocional, do subjetivo oferecidos em temáticas violentas sobre um pano de fundo tanto romântico quanto sombrio.

    Nosferatu, o vampiro da noite”, uma refilmagem estilosa da obra de F.W Murnau de 1922, paga uma homenagem ao movimento expressionista como um todo. Uma carta de amor ao gênero, o longa de Herzog super a tarefa de transmitir todo o clima sombrio e teatral da atmosfera que habita no longa original para um filme moderno, colorido e com vozes.

    O Nosferatu de Herzog também toma uma liberdade poética, e foca a maior parte do tempo na natureza solitária do conde amaldiçoado do que na sua natureza mórbida como no original. O uso da luz e sombra, maquiagem e atuação gestual serve para mostrar a mensagem que os vampiros são tanto vitimas quanto culpador, devidos a sua condição.

    7. O Homem Elefante (David Lynch, 1980)

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    A tragica biográfia transformada em conto de fadas, depois em trágica novamente. O longa de Lynch de estilo comumente surreal se rende a um roteiro um pouco mais tradicional, focado muito mais no desenvolvimento do personagem e na seguinte pergunta: O que te torna um monstro?

    O monstro é um arquétipo muito presente no expressionismo alemão. Do Vampiro de Murnau ao esquizofrênico Cesare no Gabinete do Dr Caligari, o que é ser um monstro acaba se tornando um ponto de vista.

    Seguindo a tradição de livros românticos, parece que é algo recorrente nos expressionistas o desejo de convidar o espectador a sentir empatia pelo monstro. Em muitos casos o monstro é um incompreendido invalido social, transformado em algo por uma percepção moral num mal violento.

    The-Elephant-Man

    John Merrick, o Homem Elefante. O homem possui uma doença que deformou seu rosto e esticou sua pele lhe proporcionando uma aparência grotesca. nesse forasteiro monstruoso esconde um doce e inteligente interior. Talvez o mais sensível dos personagens do filme, Merrick desenvolve um gosto por intelectualidade e procura evitar se comunicar com outros humanos.

    Então, em contrapartida, o inescrupuloso dono do show Bytes. Um desagradável e mesquinho homem que destrata e força Merrick a ser exposto num circo, como um animal de zoológico, como a criatura mais secreta da terra. Apesar de sua crueldade, ele não era em essência um homem mau. Suas decisões e comportamento foram resultados de anos de pobreza e aspereza, derramada sobre um homem que sucumbiu ao desejo de usar a violência e abusar de seu acesso ao cuidador do hospital e vigiar pessoas.

    The Elephant Man

    No fim, o Homem Elefante é cercado de crítica social sobre a natureza do homem. Personagem não são apenas indivíduos, eles são formatos a partir do meio em que habitam, não sendo exatamente bom ou mau, apenas um caleidoscópio moral.

    Em função de focar no chiaroscuro, Lynch optou por uma alta e expressiva estética. A filmografia em PB é sólida no uso de luz e sombra, novamente perfomances teatrais e ângulos de câmera dão ao filme uma sensação de pré segunda guerra.

    6. Mephisto (István Szabó, 1981)

    Mephisto (1981)

    A peça Fausto de Goethe é um marco tanto na literatura romântica quanto na cultura alemã em geral. A trágica narrativa de um alquimista ambicioso que entrega sua alma ao demônio em troca de conhecimento foi recontada em várias outras mídias; O poema de Lord Byron Manfred, as muitas canções de Robert Johnson e o balé de 1848 de Jules Perrot são alguns dos muitos exemplos que podem ser citados.

    O conto soturno e dramático da obra dá o tom natural para uma adaptação dentro do expressionismo alemão. Obscuro, temas místicos e a incessante procura de significado através do poder, e o sentimento geral de desconforto inerente ao enredo foram então representados pelas lentes sombrias de  F.W Murnau, in 1926.

    O longa de István Szabó’s dirigido em 1981, Mephisto, traz influências tanto da obra escrita por Goethe quanto do movimento expressionista. O longa conta a história de Hendrik Höfgen, um promissor ator de teatro nos anos 30, que começa a colaborar com o partido nazista procurando fama e fortuna, e conseguir o papel de Fausto.

    Mephisto se relaciona ao expressionismo muito além de uma simples refilmagem. O plot do longa de Murnau em si é uma adaptação do romance de Klaus Mann que conta a história de Gustav Gründgens, (um ator mais velho muito influente que apareceu em filmes como M, o vampiro de Dusseldorf, dirigido com Fritz Lang em 1937).

    Höfgen, a contraparte de Gründgens na refilmagem é intepretado pelo ator Klaus Brandauer de maneira muito histérica, que procura mimetizar a maneira exagerada com que os atores no expressionismo atuavam. Isso fica acentuado na cena em que os personagens estão encenando.

    Gustav Gründgens como Mephisto

    Klaus Brandauer como Hofgen (Caracterizado como Mephisto)

    A narrativa, a atuação e finalmente as cenas metalinguisticas são claras referências ao expressionismo de muitas maneiras. A refilmagem de Albeit Szabó oferece um trabalho mais conciso e realista quanto a sua identidade visual.

    5. Dark City (Alex Proyas,1998)

    Hollywood parece ser a única rerefência para faroestes mainstream hoje em dia. Do mais alto orçamento, mais assistido e mais relembrado pelas audiência casual de algum lugar de Los Angeles. Porém, nem sempre foi assim. No início deo século passado França e Alemanha também detinham poderosas industrias de cinema especialmente devido ao protecionismo dos dois governos. Para citar dois exemplos, a francesa Gaumont Film Company e a alemã Babelsberg Studio eram ambas competidoras saudaveis e tão promissoras quanto a Warner Brothers na época.

    Após a segunda guerra, o cinema americano virou a norma, com os competidores franceses e alemães mudando o curso de ambos para mercados de Nicho. A audiência convencional se acostumou a certas estruturas estéticas e estilos visuais definidos por hollywood.

    Dark City de Alex Proyas desafiou essa padronização americana desdo inicio. Apesar de ser produzido pela New Line, o filme foi concebido para fugir da tradição americana (menos no valor de efeitos especiais) em razão de reviver o expressionismo alemão.

    Era como se a era de ouro de Babelsberg, patrão de diretores como Robert Wiene e Fritz Lang, tivesse vendo a luz do dia denovo um pouco antes da virada do século. CGI, maquiagens de técnica contemporânea e câmeras de alta definição contrastavam com os antigos métodos de filmagem no set.

    Uma cidade que nunca faz dia parece um motivo ingênuo para sempre manter o filme na escuridão. Dessa forma, as luzes e sombras podem ser onipresentes, da mesma maneira que um filme PB deveria ser. A arquitetura em si faz uma homenagem a Metrópolis de Fritz Lang: A tecnologia, arranha céus banhados com tons de cinza e claro, um prédio maior ainda no centro.

    Os estranhos parecem evocar muito da vibe noir que M, o Vampiro de Dusseldorf (1931) trazia. Chapéus Fedora pretos, casacos pretos, e uma atitude de desdém.

    O prédio ao centro do filme de Proyas com uma cabeça de metal gigante mimetiza a máquina coração de Fredersen do clássico de 27.

    Dark City é um incrível exemplo e exercicio de estilo e efeitos especiais, que depois influenciaram filmes como a trilogia Matrix e tantos outros longas.

    4. O Último Combate (Luc Besson, 1983)

    Apesar de ser a primeira produção de Luc Besson, feita com apenas 24 anos, O Último combate é um trabalho consideravelmente substancial. Focado nos instintos primitivos e necessidades humanas que extrapolam quando a sociedade entre em colapso.

    Fica claro que, de uma visão teórica do filme, que Besson deixou-se influenciar por duas escolas de cinema: O expressionismo alemão e a Nouvelle Vague. A mistura de dois estilos improváveis de filmar resultaram num trabalho muito autêntico.

    Temos a primeira vista a escolha nada tradicional de terreno. Enquanto muitos filmes pós apocalípticos se desenvolvem em cima de desastres nucleares, epidemias globais ou qualquer outra explicação cientifica para o desgaste do planeta, esse filme francês lida com um evento muito mais metafísico: E se pessoas simplesmente ficassem sem nenhuma língua para comunicação? Com essa imersão ja proposta o diretor então molda a estrutura e o sentimento geral da obra. Primeiro de tudo, o filme é mudo, já que ninguém mais se comunica, os atores tem que trabalhar sem nenhum tipo de discuso, apenas linguagem facial e corporal.

    O segundo ponto é a imagem. Em razão de experimentas tipo de luz e sombra, Besson optou por explorar as escolas de Fritz Lang e Jean-Luc Godard, fazendo do filme então PB. Isso também parece refletir numa escolha metalinguística, com propósito de demonstrar as escolhas morais que resultaram no plano em que a trama se passa, tons de cinza parecem os ideias para o filme.

    De uma maneira mais direta, é possível dizer que o diretor usou tanto a Nouvelle Vague para edição etérea para o plot quanto misturou isso ao chiaroscuro expressionista adicionando o cinema mudo a proposta desse mundo.

    3. Cidade dos Sonhos (David Lynch, 2001)

    “Uma mulher tentando se tornar estrela em Hollywood, ao mesmo tempo se encontra se tornando uma detetive e adentrando num mundo perigoso.”

    Com essa premissa, David Lynch lapidou uma obra prima da narrativa não linear, surrealista e experimenta. A trama toda é moldada em cima de um sonho, sem nenhum tipo de sequência concreta de eventos. Lynch alcança o tom de seu longa através de uma fusão das estéticas surrealistas e expressionistas. Essa fusão e perceptível logo na abertura do filme, onde casais dançam freneticamente o swing num cenário roxo.

    Tirando o contexto absurdo da cena, existem sombras nessa cena: silhuetas de casais dançando são parte integral do plano, e é difícil definir qual silhueta pertence a quem, e logo terminar com um saturado close no rosto de nossa protagonista na tela, rindo. O filme então corta para as ruas de Los Angeles.

    Essa passagem uma um tratamento antigo de sombras como uma mise-en-scène, pioneirismo dos mestres da Babelsberg, mas também adiciona uma pinta de surrealismo. O corte abrupto para o branco e brilhante personagem e então para um cena em que o preto predomina e guia o espectador a adentrar ao mundo de luz e sombras certamente já marca sua abertura como essencial para o conceito do filme como um todo.

    Os closes nos atores gerando catárticas cenas de emoção são um recurso também varias vezes revisitado durante o filme, especialmente em uma das cenas finais, onde as atrizes se derramam em lágrimas.

    Lynch nos entrega uma obra mais que bem executada. Das cenas de perseguição, remetendo aos filmes noir, até o climax no bizarro Clube Silencio, o diretor permeia cada enquadramento com onírico, as vezes com lúz e as vezes duvidoso. Essa oscilação entre pesadelo e sonho, luz e sombra identidade e natureza estão no cerne de qualquer experiência expressionista.

    2. O Cremador (Juraj Herz, 1968)

    Esse longa da nova onda de cinema checa dos anos 60 apesar de não dividir estética, temática e estrutura com os seus iguais ele segue ainda caminha da mesma maneira progressiva, trazendo autenticidade e identidade artística para uma indústria que ficou carimbada por ideologia socialista. O Cremador, de Juraj Herz, é uma comedia de humor negro ambientada nos anos 30 na Checoslováquia, a trama segue Karl Kopfrkingl, um cremador que entender seu trabalho com um ponto de vista bastante espiritualístico após entrar em contato com o livro tibetano da morte. Ele mergulha num fanatismo que ao queimar os corpos das pessoas isso facilitaria sua passagem para o além vida. Como seu país foi anexado pelos nazistas, os mesmo utilizam os talentos de Karl para propósitos holocausticos.

    O filme todo PB é focado na mente perturbada de Karl beirando a insanidade. Em função de estruturar o seu desenvolvimento como personagem, o diretor monta a narrativa de maneira subjetiva, estilizando-a de maneira muito expressionista. Dessa maneira, o espectador é sempre colocando numa posição de desconforto, não só pelas viradas de roteiros mas na forma agressiva que a imagem é mostrada.

    Os extremos closes usados na cena de abertura, em que animais são colocados em paralelos com imagens de Karl e sua família são estilosos e elegantes formas de insinuar ao espectador o que ele pode esperar: uma jornada através da mente de um homem louco.

    1. Quase todo o trabalho do Tim Burton

    Burton é talvez o maior diretor mainstream a deixar claro sua profunda influência do expressionismo alemão através de seu trabalho. Sua descrição de Gotham em Batman O Retorno (1992), a estética escolhida para retratar a fábrica em Edward Mãos de Tesoura (1990) e o uso das sombras na narrativa de Noiva Cadaver (2005) são claros exemplos (fora tantos outros) da relação do diretor com esse movimento.

    Suas referências são claras a ponto de nomear um personagem da série do Batman de Max Schreck, nome do ator alemão de Nosferatu (1922). Você também pode encontrar relações no:

    Figurino,

    Cenários

    E até reencenações

    Filme bônus – A Viagem de Alice (Neco Z Alenky), Jan Svankmajer 1987

    Talvez pegar qualquer filme baseado na obra de Lewis Carrol pra compor essa lista seja covardia, mas o longa do Checo Jan Svankmajer sucede a loucura e o surreal através da mente de uma criança nesse conto que as vezes soa terror e vezes fábula de maneira que ele merece sua presença aqui.

    O filme faz uma releitura do primeiro livro das aventuras de Alice misturando Stop-Motion com narração em off e quebra de quarta parede como numa atuação de teatro, mas é na maneira que a decupagem desenrola sua narrativa que podemos ver o brilho expressionista da obra. Logo na primeira cena do filme a continuidade do quarto da pequena Alice é distorcido para liga-lo á um deserto árido com uma escrivaninha como podem ver na imagem logo acima. O longa não chega a ser sombrio visualmente mas mesmo na luz ele sugere uma distorção exagerada do figurativo nos animais e principais personagens da obra de Carrol, e por não contar com uma trilha sonora presente, quase toda a inserção sonora é alta e tenta incomodar de alguma forma.

    É fascinante como a morte é expressa nesta película, os cadáveres e corpos mortos são elementos quase onipresentes, eu diria que esta é praticamente um ensaio sobre a morte reescrito em cima do precursor do nosense na narrativa infantil.

    Fonte: Taste of Cinema

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • 10 Filmes de Terror em Preto e Branco, por Nicolas Pesce

    10 Filmes de Terror em Preto e Branco, por Nicolas Pesce

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    O filme “The Eyes of my mother” lançou seu segundo trailer há algumas semanas e parece apresentar uma trama interessante e mais uma vez um retorno por opção a fotográfia em Preto e Branco.

    É interessante que filmes como Frankenweenie, Blancanieves e Frances Ha vão na contramão do que parece o óbvio a se fazer hoje e apostam novamente na velha maneira de se fazer cinema. Até o diretor de Mad Max: Fury Road, George Miller está lançando esse mês em DVD/Blu-ray e cinemas nos EUA a versão em “Black and Chrome” de Estrada da Fúria (será que vem pro Brasil essa?) Pensando nisso talvez, o diretor estreante de Eyes of My Mother, Nicolas Pesce, lançou no facebook oficial de seu filme de estréia um top 10 filmes de terror preto e branco que foram influência para sua produção e com pequenos comentários. Confira abaixo:

    10 – Eraserhead – David Lynch (1977)

    “Não há ninguém melhor para manipular o clima de uma situação que David Lynch. E não há nada mais aterrorizante que sentir algo estranho e não saber porque”

    9 -Titicut Follies – Frederick Wiseman (1967)

    O Diretor Frederick Wiseman registrou em 67 um hospital para doentes mentais e o tipo de vivência diária que eles passavam, o documentário foi alvo de processos e sua exibição foi proibida até o inicio dos anos 90.

    8 – Repulsa ao Sexo – Roman Polanski (1965)

    “Ele é impecavelmente simples mas faz uso de efeitos práticos de uma maneira bela e surreal. Não importa quão estranho a trama fica, no seu âmago tudo é sobre solidão e ansiedade. E sempre foi dessa maneira que eu absorvi ele.”

    7 – Almas Mortas – William Castle (1964) 

    “Um poster com Joan Crawford segurando um machado? Por favor né … O visual se encaixa entre um mundo hiper estilizado do cinema noir com todo o gótico que existe no expressionismo alemão, adoro esse filme!”

    6 – Desafio do Além – Robert Wise (1963)

    “Esse é aquele filme que eu vi adulto e me assustou de verdade. Você nunca vê nada assustador e essa é a melhor parte.”

    https://www.youtube.com/watch?v=YWU9zRb4RPY

    5 – Psicose – Alfred Hitchcock (1960)

    “Psicose é como uma cartilha pra mim. Além do seu mérito técnico e artesanal, eu amo como Hitchcock faz com que o público simpatize com um assassino. Acho que não existe nada mais assustador que isso.”

    4 – A Casa Mau Assombrada – William Castle (1959)

    “A voz de Vincent Price vai ecoar eternamente no meu cérebro sempre que pensar em horror gótico, e é por causa desse filme. A voz dele no monólogo de abertura é assustadora e e icônica. “

    3 – O Mensageiro do Diabo – Charles Laughton, Robert Mitchum (1955)

    “Esse é a maior influência para meu filme. Eu amo como o conto gótico minimalista se contrasta com as qualidades de uma fantasia com momentos de terror autênticos.”

    2 – O Solar das Almas perdidas – Lewis Allen (1944)

    “Vi esse filme com minha mãe quando ainda era criança. Foi minha primeira experiência com filmes de terror e foi a primeira vez que eu vi muitos maneirismos que viraram mais tarde trunfos de direção.”

    1 – A Sétima Vitima – Mark Robson (1943)

    “Com um clima pesado, luz atmosférica, e uma femme fatale gótica, é um conto pulp mas ao mesmo tempo um elegante cult de horror. Como não gostar?”

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • Review | The Killing

    Review | The Killing

    the-killingA série canadense-americana de quatro temporadas, produzida pela Fox e distribuída pela AMC, é um remake da bem-sucedida série dinamarquesa Forbrydelsen, de 2007. A série se passa em Seattle e acompanha a investigação do assassinato da adolescente Rosie Larsen (Katie Findlay). Cada episódio é, aproximadamente, um dia na investigação conduzida por Sarah Linden (Mireille Enos) e seu novo parceiro Stephen Holder (Joel Kinnaman).

    O roteiro se apoia em alguns clichês que, mesmo sendo clichês, ainda funcionam bem por estarem cuidadosamente estruturados:

    O investigador que está prestes a abandonar seu cargo, trocando-o por uma nova vida e que se vê “obrigado” a ficar e resolver um último caso. Na série, Linden vai se mudar para outra cidade com o filho e seu futuro marido, mas vê-se envolvida demais com a história da vítima e protela a viagem indefinidamente.

    Uma parceria não desejada – e não planejada – que desagrada o protagonista, ao menos no início. Na série, Holder chega à divisão de Homicídios, vindo da divisão de Narcóticos, para ocupar a vaga deixada por Linden. Como ela vai ficando, decidida a resolver o caso, acabam se tornando parceiros.

    Parceiros com personalidades diferentes – este é um clássico, quase obrigatório em filmes com duplas. Na série, enquanto Linden é a veterana mal-humorada, calada e durona, Holder é o recém-chegado falastrão, descolado e com ginga de malandro. Ele fuma feito uma chaminé; ela largou o vício e passa o tempo todo mascando chicletes com nicotina. Ela tem família, mas a negligencia em detrimento das investigações; ele está sozinho, tentando resgatar a confiança da irmã e o convívio com o sobrinho. E mais um rol de características que se opõem e, ao mesmo tempo, se completam.

    Há alguns detalhes que fazem lembrar bastante Twin Peaks. Além da referência óbvia, já que a premissa de ambas é o assassinato de uma jovem, aparentemente sem motivos. Troca-se “Quem matou Laura Palmer?” por “Quem matou Rosie Larsen?”. Mas não é apenas isso. A investigação, encontrando pistas falsas que levam a falsas suspeitas, apesar de todos os envolvidos serem culpados de alguma coisa – não exatamente do crime sendo investigado. As revelações sobre as atividades extra-curriculares da adolescente, totalmente desconhecidas dos familiares. Some-se a isso o fato de que as suspeitas apontam para um cassino em território indígena, de que uma das pistas vem de um reflexo num vídeo, de que há uma rede de prostituição que permeia a trama. Mas diferente da obra de David Lynch, esta não tem um pé no fantástico, nem se vale do nonsense para envolver o público.

    A primeira temporada cobre as duas primeiras semanas da investigação. E para desgosto dos espectadores, termina sem ter resolvido efetivamente o caso. Na verdade, há uma suspeita muito forte sobre um dos personagens dada por uma prova cuja autenticidade é questionada nos últimos minutos do episódio. A segunda temporada abarca mais duas semanas de investigação, em que, além de caçar pistas que apontem o verdadeiro assassino, Linden e Holder vêem-se enredados em tramas cada vez mais complexas que colocam em risco inclusive sua confiança mútua, além de questionar a integridade da força policial de Seattle.

    A terceira temporada reaviva um caso do passado, resolvido por Linden e seu ex-parceiro – e ex-amante – James Skinner (Elias Koteas), quando um assassinato apresenta várias coincidências no modus operandi com esse outro. As investigações fazem Linden mergulhar no passado e mexer em “cicatrizes” mal fechadas. Com o roteiro um pouco mais enxuto que as duas primeiras temporadas, talvez com ritmo um pouco lento no início para alguns espectadores, tem um arco dramático cujo desfecho é de tirar o fôlego. O final é daqueles que dá vontade de “voltar a fita” e rever para se certificar de que foi aquilo mesmo que ocorreu. Há outros, mas esse é o “momento PQP” mais significante de toda a série.

    A série que, para desagrado do público, havia sido cancelada após o término da terceira temporada, voltou para uma quarta temporada graças à Netflix, que solicitou que fosse dado ao público um desfecho decente numa temporada de encerramento. Lógico que não foi apenas boa vontade da empresa. A Netflix notou o desempenho que a série vinha tendo no chamado binge watching (mais conhecido como maratona de série), acreditou nesse potencial e bancou a quarta temporada. Nela, enquanto Linden e Holder lidam com as consequências dos atos do final da terceira temporada, investigam o assassinato de toda uma família em que o filho mais velho, principal suspeito, foi baleado na cabeça e perdeu a memória do acontecido.

    É lógico que a resolução dos crimes é importante, mas vale notar que nem por isso as tramas secundárias são deixadas de lado. Mesmo que eventualmente alguns arcos menores possam ser classificados como fillers (no popular, “encheção de linguiça”), pouco agregando ao arco narrativo principal – principalmente na segunda temporada – , é inegável o cuidado no seu desenvolvimento. Mais incrível foi a forma como pequenos detalhes da primeira temporada foram resgatados de modo a se encaixarem nos eventos da terceira. A convergência dos arcos narrativos foi bastante consistente, não deixando pontas soltas nem perguntas sem respostas.

    Mas de nada adianta uma boa história, se os personagens não cativam o público. E a construção dos personagens é mais um trunfo da série. Nenhum deles é raso, uni ou bidimensional. Todos são tridimensionais e complexos como qualquer pessoa. E como qualquer pessoa, o espectador vai conhecendo cada um deles aos poucos, reunindo informações que vão sendo dadas com parcimônia. E por se ter tão poucas informações, inicialmente nem é assim tão fácil se identificar com Linden ou Holder. Não há flashbacks lacrimosos, explicando essa ou aquela motivação do personagem, nem mesmo atos altruístas ou heroicos no intuito de cativar o público imediatamente. Não há qualquer didatismo, o roteiro confia que o espectador tem capacidade de pensar suficiente para juntar os pontos sozinho.

    Emendando, não bastam bons personagens se os atores não tiverem boas performances. E Enos e Kinnaman formam uma das melhores duplas policiais dos últimos anos. Não dá para saber o quanto estava no roteiro e o quanto se deve aos dois, mas a interação entre eles vai além do contraste entre duas personalidades fortes e distintas. Certamente, o sorrisinho cínico que Linden dá para quase tudo foi uma adição muito bem-sucedida feita por Enos, assim como a fala malemolente de Holder. Mas além dos protagonistas, vale destacar o vilão da terceira temporada, Ray Seward (Peter Sarsgaard). Sarsgaard representa com perfeição a ambiguidade do personagem que, mesmo condenado à morte, ainda destila sua verve violenta sem poupar ninguém.

    Num primeiro olhar, a série pode parecer depressiva, principalmente por ser ambientada num local em que sempre chove, o que contribui para o clima mais lúgubre. Mas, ao final, recompensa o espectador por privilegiar sua inteligência, entregando uma season finale que faz jus ao restante da série.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Lado a Lado

    Crítica | Lado a Lado

    O cinema é, de todas as artes, aquela que mais depende da tecnologia para ser produzida. Segundo Walter Benjamin, essa condição torna o cinema uma obra de arte única, fruto do avanço tecnológico e industrial do século XX. Ainda mais singular que a fotografia, o cinema irá gerar debates imensos e comparações sobre o “valor” de sua arte (pode ser um pintor comparado a um operador de câmera?). Portanto, o documentário Lado a Lado, dirigido por Christopher Kenneally e protagonizado por Keanu Reeves, atualiza um pouco o debate nesse sentido, ao confrontar várias personalidades da indústria cinematográfica (como George Lucas, Martin Scorsese, James Cameron, Lars von Trier, Andy e Lana Wachowski, David Fincher, Joel Schumacher, Robert RodriguezSteven Soderbergh, David Lynch etc) com a questão da substituição da película pelo filme digital.

    Com uma proposta didática de ensinar ao espectador o básico da diferença entre os formatos, o documentário assume uma postura um pouco cansativa a quem não é muito interessado no aspecto técnico do cinema. Porém, ao público alvo, possui um formato muito interessante e de fácil compreensão. Dividido em várias partes com subtemas que vão e voltam (tanto na parte criativa, quanto técnica), e entrevistando um grande número de pessoas com frases curtas e cortes muito rápidos, às vezes um pouco da informação é perdida. Mas nada que afete a compreensão geral da obra.

    O filme começa com um debate sobre a facilidade do processo de filmagem digital atualmente, onde tudo pode ser visto enquanto é filmado, enquanto no uso da película é necessário, após o término da filmagem, levá-la a um laboratório onde será revelada e o diretor só poderá ver o que foi filmado no outro dia. São colocados argumentos muito bons dos dois lados do debate, tanto no lado criativo quanto técnico.

    Após essa breve explanação, somos levados a um histórico das câmeras digitais, desde o surgimento do primeiro chip de captação digital de imagem, criado pela Sony nos anos 60, até sua popularização nos anos 90 e seus primeiros usos como ferramenta na produção cinematográfica com o movimento Dogma 95, que depois influenciou outros cineastas, como o inglês Danny Boyle a usar o digital na filmagem do seu longa de zumbis Extermínio em 2003.

    Porém, ainda nessa época a qualidade de resolução do digital era muito pequena em relação à película, e chegava no máximo ao HD (1280 x 720), enquanto a película em 35mm poderia chegar a 4096 x 3072. Mas tudo isso mudou com a chegada de novas câmeras no mercado no final dos anos 2000, onde a resolução começou a dar saltos exponenciais e o argumento a favor da película começou a ficar mais fraco.

    Outra vantagem citada do digital era não precisar mais das pausas para trocar os rolos de filmes nas câmeras, que duravam aproximadamente 10 minutos, e eram muito caros. Então havia uma pressão para o ator enquanto ouvisse o barulho do filme rodando, enquanto no digital não há pausa e nem cortes. Depois tudo é editado digitalmente (o processo de edição também é brevemente citado). Após a filmagem, o filme ainda tinha de ser entregue ao laboratório, revelado, preparado, encaixotado e transportado para depois ser visto, e dependendo da quantidade de vezes que era exibido, poderia se deteriorar. Já no digital, nada disso acontece, e a equipe tem todo o fruto do trabalho nas mãos imediatamente.

    Portanto, o filme se foca muito na questão do custo de produção, que cai absurdamente com o digital, o que tem feito muitos estúdios optarem principalmente por este formato. Tudo isso também graças ao pioneirismo de George Lucas que, vendo o potencial do digital, forçou seu uso ao experimentar esse tipo de projeção com seu Episódio I em 1999 e ao filmar, pela primeira vez na história, um longa 100% em digital, com o Episódio II. Porém, Christopher Nolan assume a defesa incondicional da película pela sua qualidade em captar as nuances de cores e as profundidades (já que utilizou esse formato para filmar a trilogia nova do Batman), mas sem menosprezar o digital, que já dá sinais de ser um verdadeiro tsunami tecnológico dentro da indústria.

    Outro ponto interessante debatido em relação ao digital é a massificação não só da produção, como também do consumo, e como o digital afeta essa relação, pois gerações mais novas estão habituadas a assistirem filmes em celulares e laptops em suas casas, e não mais somente no cinema, o que pode ser considerado vantagem por alguns e desvantagem para outros, em um tópico bem interessante, que se relaciona também com a quantidade crescente de obras sendo produzidas. É melhor mais com menos qualidade ou menos com mais qualidade? Um afeta diretamente o outro? São proporcionais? Inversamente proporcionais? Hoje em dia praticamente qualquer pessoa pode fazer um filme em casa com um orçamento baixíssimo devido ao digital. Mas isso significa algo em termos de qualidade? É o debate proposto, cabendo ao espectador a resposta.

    No final, há a especulação de a película se tornar obsoleta ou morrer de vez enquanto formato (já que nenhuma fábrica de câmera está produzindo mais modelos novos para película). Mas, um dos dados mais interessantes apresentados pelo documentário é em relação justamente a preservação. A indústria do digital muda muito, e a cada década novos meios de reprodução e mídias de armazenamento são inventados, inutilizando seu predecessor, enquanto a película se mantém viva, sendo ao mesmo tempo a mídia de reprodução e de armazenamento com grande qualidade. Esse fato gera uma situação irônica, pois os grandes defensores do formato digital dizem ter várias cópias de filmes em mídias digitais, mas que não conseguem reproduzi-las simplesmente por não existirem mais os aparelhos que o façam.

    Sem tomar um lado ou propor uma solução, o documentário termina mostrando que, apesar da briga, o digital veio para ficar e é somente uma ferramenta a mais, que depende muito da forma como é usada. Portanto, é um filme indispensável a qualquer um que se interesse por cinema de forma mais profunda.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.