Brinquedo Assassino 3 foi apressadamente lançado em 1991, um ano após Brinquedo Assassino 2. Na trama, após um período, a Play Pals Toys resolve reativar sua fábrica, e acaba restaurando o boneco que comporta a alma de Charles Lee Ray. Dessa vez, Andy Barclay (Justin Whalin) — oito anos mais velho que no filme anterior — vive em uma instituição militar, já que o garoto foi tão traumatizado que resolveu treinar e se armar para eventualmente enfrentar o boneco novamente.
Essa parte três carece de originalidade, se parecendo demais com o início dos outros filmes, incluindo Brinquedo Assassino. O comentário mais inteligente se dá fora da trama entre a ganância da companhia de brinquedos, e claro, o desespero do estúdio por espremer cada vez mais a fórmula da franquia.
Outro bom ponto é a reconstrução do boneco ocorrendo com os créditos iniciais. Jack Bender, de Hora do Terror dirige a produção. Ele ficaria mais famoso pela participação em séries como Sr. Mercedes e Família Soprano, mas pouco se percebe seus talentos nessa produção, exceção feita as mortes no quartel, que destacam o sadismo do personagem dublado por Brad Dourif.
Outro destaque é Whalin, famoso após o filme por interpretar Jimmy Olsen nas primeiras temporadas de Lois & Clark: As Novas Aventuras de Superman, além de Mamãe é de Morte, de John Waters, e pelo esquecível Dungeons & Dragons: A Aventura ComeçaAgora. O protagonista claramente não capturou a essência de Andy Barclay, mas isso não é condenável completamente, até porque a última vez que ele foi visto, ainda era uma criança. O grave problema é não haver personagens secundários minimamente carismáticos para dar suporte ao protagonista, são todos genéricos. O filme ainda possui boas sacadas, como o início da criatura atacando seu “criador”, com Chucky assassinando o dono da Play Pals Toys, além das cenas com outros bonecos Good Guys.
Ao menos a obra tem boas cenas do boneco que David Kirschner criou, a movimentação dele está cada vez melhor, embora siga não fazendo sentido um assassino de menos de um metro ser tão eficiente. Brinquedo Assassino 3 fica no limiar entre a abordagem mais séria e as versões mais humorísticas que Don Mancini empregaria anos depois, mas certamente seria melhor construído caso tivesse mais tempo para amadurecer as boas ideias e podar as ruins.
Produção espanhola conduzida por Óscar Mártin, Amigo foi uma das boa surpresas do recente Cinefantasy. A trama consiste na discussão a respeito da relação entre dois amigos que se veem obrigados a conviver juntos depois de um acidente de carro. Davi se sente culpado pelo que ocorreu com Javi, agora deficiente e dependente de cuidados de seu amigo. Após o incidente, os dois vão para um lugar remoto, onde a mudança aparentemente é maior que apenas que a troca de domicílio.
A viagem propicia a possibilidade de explorar vários clichês de filmes de horror, embora no começo exista um foco maior no drama e nas dificuldades que o personagem de Javier Botet tem em se adaptar a sua nova rotina. Em contrapartida, acompanhamos o sentimento que consome o cuidador, interpretado por David Pareja. O filme mostra uma relação que se deteriora aos poucos. A questão moral mais evidente reside nas tentativas de Davi de parecer abnegado, onde pode se discutir a validade e sinceridade desses atos.
O filme usa um comentário metalinguístico inteligente. O personagem convalescente gosta de assistir filmes de horror em sua TV, e isso ajuda a inserir elementos típicos desses filmes dentro da trama, temperando ainda mais as diferenças entre os dois homens. Tanto o sujeito expansivo quanto o indócil são manipuladores e utilizam de suas condições para justificar seus atos, ambos se julgam injustiçados, bons amigos ou caridosos, e os dois exigem tolerância com seus próprios defeitos.
O filme trabalha bem sua cronologia, não é expositivo, e aos poucos injeta novos elementos de julgamento, deixando o espectador confuso em relação aos personagens. O drama de Amigo é bem construído, seu final poetiza a violência como um evento natural da vida e surpreende sobretudo pela carga sentimental que vai aumentando a medida que a relação de Javi e Davi se deteriora.
Jogos de terror são, para muitos, o suprassumo do gênero. Quando você lê alguma coisa de terror você imagina os monstros e situações baseado na descrição do autor, mas porque você monta as figuras narradas utilizando sua imaginação, é muito difícil que elas o deixem verdadeiramente aterrorizado. Ao assistir um filme de terror, você pula na cadeira quando algo aparece do nada, mas passa a maioria do tempo dando ordens para o protagonista (que nunca escuta) então o máximo que um filme consegue é te deixar assustado e isso é muito diferente de ficar aterrorizado. Jogos de terror são os únicos que conseguem me deixar arrepiado e tem a capacidade de mimetizar o verdadeiro terror.
Geralmente esses jogos são desenvolvidos em primeira pessoa e precisam ter uma história muito boa. Se você não se envolve com o enredo do game, fica o tempo inteiro procurando o jumpscare e por isso ele não funciona de verdade com você. Se o jogo é em primeira pessoa, tem uma história bem contada em um ambiente imersivo e possui uma edição de som bem-feita, está feito o estrago. Sala escura, fone estéreo e um PC/console bom o suficiente pra mostrar o melhor gráfico possível, e você vai ficar arrepiado e suando frio durante todas as horas que passar brincando de “passar nervoso”. O jogo do post de hoje tem isso tudo e foi uma das coisas mais aterrorizantes que já me aconteceu.
O ano é 2084. Implantes biotecnológicos se tornaram uma realidade trivial décadas atrás e praticamente todas as pessoas tiveram alguma parte de seus corpos substituída por peças manufaturada em uma fábrica. Quando a maior parte da população se tornou aumentada, veio a praga cibernética. A “nanophage” foi a doença de uma geração recém melhorada que afetou milhares de pessoas que irromperam em um frenesi violento. Quando os episódios da doença ficaram cada vez mais espaçados o mundo entrou em uma guerra mundial que elevou uma única empresa à hegemonia cibernética: A Chiron International tornou-se o “grande irmão” que zela pela humanidade. Quando a polícia precisa interrogar algum suspeito aumentado, eles chamam oficiais como você. Você é um dos únicos oficiais poloneses em toda a Cracóvia com a capacidade de interagir com cérebros aumentados, literalmente invadindo as memórias do suspeito e extraindo o necessário para resolução do crime. Quando seu filho desaparece em um cortiço nas partes mais pobres da cidade, você precisa utilizar suas habilidades para descobrir o paradeiro de Adam que parece envolvido em algo muito grande. Somente um “observer” consegue, e ninguém além de você pode resolver essa situação.
Observer é um jogo de terror psicológico com temática cyberpunk desenvolvido pela Bloober Team SA (de Layers of Fear) e lançado no segundo semestre de 2017. No jogo, você controla o oficial Daniel Lazarski (impecavelmente dublado por Hudger Hauer) em sua busca pelo paradeiro do filho Adam Lazarski em um prédio de apartamentos na parte mais pobre da cidade polonesa de Cracóvia. Ao chegar no prédio, você descobre que o edifício entrou em lockdown e todos os habitantes do lugar encontram-se trancados em seus apartamentos. Durante o jogo, você descobre uma série de assassinatos recém cometidos e precisa investigar o paradeiro do assassino enquanto tenta encontrar seu filho.
De cara, o jogo mostra gráficos bastante competentes e que resistem bem aos anos de seu lançamento original, apesar do investimento modesto da Bloober Team. O game tem uma temática de enredo e gráfica bastante adulta, com cenas bem pesadas e não recomendada para crianças. As mecânicas do jogo são bastante simples e basicamente se resumem a movimentação no teclado e interação do seu personagem através dos dois botões do mouse. Não há um HUD com marcadores para vida, estamina ou qualquer outro recurso e isso mostra de forma bem simplificada a que o jogo se propõe: um adventure/walk simulator que se explica durante a jornada de Lazarski pelo prédio físico e por dentro das memórias daqueles que o oficial encontra pelo caminho.
E é justamente durante a invasão das memórias dos outros personagens que o jogo mostra as suas garras e a qualidade de seu leveldesign. Quando invade a mente de um personagem utilizando o implante cerebral do alvo, você se depara com uma série de puzzles refinados para avançar a narrativa e o jogo o leva através desses cenários sem pop-ups de missões e sem nenhum tipo de tutorial. É durante esses hacks de memória que estão as melhores passagens da narrativa. A história dos personagens é contada quando Lazarski tenta remontar e compreender os fatos utilizando fragmentos de memória completamente desconexos em uma verdadeira “viagem de ácido” por dentro de cenários psicodélicos e estroboscópios. O jogo dá um aviso no início, mas é necessário frisar: se você sofre de episódios convulsivos, fique longe de Observer.
O mais legal no trabalho dos programadores da Bloober Team é a forma como a narrativa do jogo caminha sem pegar na sua mão nem uma vez. Todos os elementos para entender a trama estão na interação com o cenário, mas não há um resumo ou arquivos para confirmar se você captou a mensagem.
O ator Hudger Hauer (de, não por acaso, Blade Runner) faz um trabalho magnífico na dublagem do personagem principal e, num geral, todas as outras vozes empregadas no game são irretocáveis em suas interações com Lazarski. A edição de som do jogo é monumentalmente bem-feita e não encontrei nenhum bug durante minhas horas (5 horas, pra ser exato) com Observer. Como comentei, a narrativa é bem linear, mas durante o jogo são apresentadas duas ou três sidequests não obrigatórias que são fáceis de abandonar. O jogador fica tão envolvido na história e tão ansioso por encontrar Adam que só percebe que as missões ficaram para trás quando o jogo terminou. Ao fim da primeira jornada pela história do game, não fica a impressão de que as missões paralelas são imprescindíveis para o perfeito entendimento da aventura principal.
Como já comentei, o jogo se assemelha bastante a um filme interativo. Não há combate, armas ou qualquer outra interação que não envolva andar por dentro do prédio e conhecer a história. Andar pelos corredores e pelos ambientes psicodélicos das memórias é basicamente tudo o que você faz e, infelizmente, isso é implementado de uma maneira pouco enriquecedora. Talvez para aumentar a tensão, ou pelo adiantado de sua idade, o personagem controlado pelo jogador se movimenta de forma muito lenta e, mesmo quando está correndo, percorrer grandes distâncias é algo um pouco monótono. Se você não presta atenção e se perde dentro dos corredores do cortiço, achar o lugar que você quer pode ser um pouco enfadonho entre um ponto importante e outro. Isso diminui drasticamente a capacidade de replay do game e conta um ponto extremamente negativo neste review.
Com alguns jumpscares bem posicionados, a ambientação mantém o jogador com o coração na boca durante praticamente o jogo inteiro, e isso é outro ponto muito importante. Dados os ambientes soturnos do prédio e seu contraste com as luzes e psicodélicas já citadas nas cenas de invasão das memórias, sessões muito prolongadas podem cansar, principalmente a visão do jogador, mas a possibilidade de chegar ao fim da narrativa com duas ou três sessões na frente do PC, colocam Observer como um jogo de tamanho adequado para o que se propõe e, nesse ponto, não ser muito comprido e arrastado conta como um ponto extremamente positivo também.
Com gráficos viscerais, ambientação e edição de som bem construídos e roteiro bem dentro do que se espera de um terror cyberpunk, Observer é uma excelente alternativa para quem gosta de uma narrativa linear de terror que vai te deixar de pelos eriçados como nenhum filme ou livro no mesmo tema será capaz de fazê-lo. Um bom jogo para deixar na lista de desejos esperando por uma promoção na sua loja virtual preferida. Uma experiência aterrorizante no mesmo nível de Layers of Fear, para quem precisa de mais do que um O Exorcista para fazer o sangue gelar.
A obra de H.P. Lovecraft é bem vasta dentro do formato de contos. Possivelmente, se suas histórias fossem mais longas, em romances, talvez ele tivesse conseguido uma melhor sorte comercial, dado que morreu sem fama, na pobreza, sendo reconhecido como gênio inventivo só após sua morte. Muitas compilações de sua carreira povoam as prateleiras do Brasil, entre elas, essa da editora Chronos, cujas capas são bonitas e simples, contando com uma tradução de Bárbara Lima, Fátima Pinho e Marsely de Marco. Seu primeiro volume tem a alcunha de O Chamado de Cthulhu e Outros Contos.
As notas dos editores abordam o modo como os negros, indígenas e outras minorias econômicas são retratadas dentro da literatura de Lovecraft, e apesar de não fazer muito juízo de valor a respeito dos claros preconceitos do escritor, o leitor é convidado a tirar suas próprias conclusões, e consequentemente, não se passa por cima dessas questões como se elas não existissem. Ao mesmo tempo, a editoria não cai na problemática de modificar o texto original, como ocorreu recentemente em algumas versões dos contos e crônicas do autor. Lovecraft é fruto de seu meio, mesmo suas histórias se passam nesse cenário mais conservador e retrógado, no Sul dos Estados Unidos, que em sua maioria, onde o povo e autoridades perseguem tudo o que não é branco.
Dentre os contos compilados estão o conto que dá nome ao livro além de Dagon, A Música de Erich Zhan, Os Gatos de Ulthar, A Verdade Sobre o Falecido Arthur Jermyn e sua Família. As descrições variam entre o detalhismo lírico e a incredulidade com o encontro com o sobrenatural. Muito se fala que as histórias de Lovecraft tocam o desconhecido, não só na óbvia questão de mostrar cores desconhecidas, mas também nas sensações de terror únicas e jamais vistas, sendo algumas dessas, não abordadas sequer após a literatura dele, quando muito, sendo copiadas de maneira tola. No conto maior, há uma mistura de diferentes tipos de narrativas, variando entre o documental com uma fala franca em primeira pessoa, e relatos mais crédulos no espiritual. Essa mistura ajuda a aumentar a tensão, uma vez que ela tem um pé na realidade, mesmo que os rituais com sangue e sexo grupal sejam bastante explícitos nessa escrita.
Em comum os textos tem um clima desesperançoso, com desejo de que toda a descrição ocular seja apenas uma viagem mental, principalmente no final das histórias. Os contos também abordam momentos bem corriqueiros, com breves interferências sobrenaturais, a premissa básica do escrito é do homem comum e ordinário que vive seus dias igualmente aos outros, encontrando algo monstruoso se assustando com aquilo e deseja jamais ver a tal criatura. Os monstros tem elementos de descrição tão diferenciadas que a mera tradução de sua aparência é um exercício de dificuldade extrema.
Há uma boa parte do livro dedicada a falar do autor, explicando um pouco de sua biografia, das dificuldades financeiras pelas quais passaram sua família materna – saindo da extrema riqueza para a falência quase total – além de falar da condição de saúde bem complicada dele, herdada de seus parentes, tanto da parte de mãe como de pai. Sempre que esteve longe de Providence, ele se sentia mal, e boa parte dos motivos atribuídos a isso seria a condição racial mista das cidades que habitou.
O autor claramente não tem tanto sucesso em suas histórias mais longas, as menores parecem mais acertadas quanto ao ritmo e à narrativa. O leitor ávido por todo um mundo diferente se frustra, mas para quem gosta de prosa e de um escapismo pragmático, o livro é um prato cheio, pois os personagens são bastante humanos, cheios de falhas, preconceitos e defeitos inerentes à vida comum.
As histórias, contos e cartas de Lovecraft acertam muito na prosa, fruto de uma cabeça perturbada, mal resolvida, isolada e capaz dos pesadelos mais tristes e assustadores, e como contrapartida, geraram escritos de qualidade e assombro singular, que ultrapassam inclusive a figura segregadora e confusa de seu autor.
Dizem que os fins justificam os meios, e muita gente bota fé nisso – principalmente, hoje em dia. Seja como for, se Alan Moore não tivesse criado em 1985 uma ameaça forte o bastante para aniquilar o Monstro do Pântano, o poderoso e tempestuoso elemental capaz de tudo para proteger sua amada, e o pântano na Louisiana que ele faz de morada, nunca seriamos apresentados ao mago John Constantine, logo na edição nº 37 da clássica saga escrita por Moore, e desenhada nos traços icônicos de uma verdadeira gangue de ilustradores a serviço do maior roteirista de HQ’s da história. É curioso observar a forte expressividade de alguns quadros em função do impacto da narrativa, numa impecável fusão artística tão almejada entre a força do texto, e o brilho do visual. Temos, portanto, a trajetória e o destino esculpido de um herói sem rostinho bonito, cujo uniforme é asqueroso, e assim como o verde que resguarda, e incorpora em suas aventuras, faz de si o mais resistente de todos os seres vivos.
E é justamente a queda dessa resistência por um vilão radioativo que a natureza, em toda a sua soberba, não consegue vencer, que assistimos assombrados em uma gama de imagens e painéis impressionantes em Notícias do Fuça Radioativa, história essa dividida em duas partes que abre o volume 3 da saga publicada com capricho pela editora Panini, no Brasil. Nesta clara alusão aos maus-tratos do ser humano ao meio-ambiente, a temível entidade de musgo e olhos vermelhos padece para, em seguida, virar um insignificante broto na mata, na esperança de germinar, de voltar a ser o que era: um biossistema ambulante em toda a sua glória. Um renascimento este que chama a atenção de Constantine, sempre antenado em tudo de bizarro que rola no mundo, como se este fosse seu quintal e nada escapasse de seus olhos de águia. Uma figura que surge para despertar a consciência do Monstro do Pântano sobre ele mesmo, seus poderes e a sua importância para eventos futuros que irão testar Terra e humanidade diante de perigos apocalípticos.
Constantine faz sua primeira aparição como um anúncio de tempestade, um arauto dos males, sendo ele um dos melhores personagens da carreira de Alan Moore. Com seu cigarro e casaco inconfundível, logo ele e o Monstro do Pântano lutariam juntos na publicação da DC Liga da Justiça Sombria, sempre envoltos com demônios, magia e outras dimensões ao invés dos desafios mais mundanos que Batman e Superman geralmente enfrentam. A presença de Constantine serve para apresentar ao nosso anti-herói verdão ameaças que deixam Coringa e Lex Luthor no chinelo: em Águas Paradas, uma raça de vampiros subaquáticos (você leu certo) planeja dominar o plano terrestre a fim de nunca faltar alimento para sua força materna, a repousar no fundo de um lago enquanto espera por carne humana – de preferência, bem jovem. Ou ainda em A Maldição, na qual uma dona de casa carrega em si uma enorme força sobrenatural que vive a controlar, mas que após o seu marido Roy se tornar uma ameaça a ela, Phoebe decide inverter o jogo de poder em uma quente, e sangrenta noite de lua cheia.
Contudo, talvez seja a história de conclusão deste terceiro volume a mais simbólica e memorável da coletânea, na qual espíritos e cadáveres de escravos decidem voltar à Terra, mais precisamente no sul dos Estados Unidos, e infernizar um grupo de atores de uma novela sobre os tempos da escravidão americana. Em Mudança Sulista e Estranhos Frutos, esses zumbis finalmente ganham a liberdade pela qual morreram lutando, e sua vingança coletiva será terrível, mesmo após tantas e tantas décadas sepultados. Em uma intensa e sublime alegoria do mais puro horror gótico, Alan Moore discute o papel da violência no passado de certas regiões marcadas pelo sofrimento, e como essa tensão sempre pode retornar no menor descuido das pessoas e autoridades diante do racismo, e de outras práticas monstruosas. O mal vive à espreita, e “O que foi enterrado não desapareceu.”. A mensagem é clara, e vire-e-mexe nos lembramos disso quando se faz necessário.
O terror e o romance geralmente são dois gêneros tratados como opostos, na maioria das estórias que temos acesso e nos marcam, no decorrer dos tempos. Difícil lembrarmos de bons exemplos que, ao abordarem o lado sombrio e a face romântica da vida e das relações, equilibram de forma marcante o Terror, junto ao mais lenitivo dos amores e paixões; uma alegoria clara e direta a Dante, e seus famosos círculos do inferno. Neste segundo volume da clássica saga do Monstro do Pântano, Romeu desce até o reino da besta-fera para recuperar a sua amada flor Julieta das garras dos condenados, no centro do vale da escuridão (e não de fogo como muitos pregam, por ai), logo antes de apresentar o mundo selvagem dos pântanos da Terra para pequeninos e inocentes alienígenas que desembarcam em seu reino, sem saber dos perigos daqui.
E quem melhor que Alan Moore para compor quadros e tramas de soberba magnitude criativa, enquanto que, ao longo de duzentas páginas de pura genialidade narrativa que tanto marcaram a nona-arte nos anos 1980, nos perguntamos de queixo-caído: como eu pude viver e pensar ser feliz sem nunca ter lido isso? Moore sempre escolheu seus desenhistas a dedo, talentos que pudessem traduzir em uma dinâmica visual perfeita todas as suas loucas e extasiantes ideias – e na sua melhor saga, para muitos, a necessidade segue imperial. Em dados momentos, O Monstro do Pântano nos brinda com painéis que tornam certas sensações inesquecíveis, tal como o sexo absurdo entre uma criatura asquerosa, de musgo e raízes, e a mulher que ama o homem por trás do monstro, sua alma, suas palavras, a sua bravura e sua perdição amorosa, tão recíproca entre eles. As cenas de extrema psicodelia que ilustram o tesão cabuloso entre planta e corpo de carne nos confundem, nos assombram, e nos fazem salivar em uma típica hipnose das mais luxuriosas, e acima de tudo, românticas que se tem notícia.
O autor de V de Vingança e Watchmen cria demônios que entregam rosas e orgasmos porque gostam do gesto, e não para se redimirem ou negarem o que são. Ao combater um vilão que conseguiu escapar das trevas abissais, e agora possui a carne banal de um homem qualquer, o deus dos pântanos e do verde profundo da Terra presencia a morte de sua Abigail, aquela por quem sua alma ainda brilha, mesmo sob uma nova forma absolutamente horripilante. Indo contra o ódio de uma entidade que só pode ser combatida pelo amor, e não pela dor (uma vez que ela é a encarnação mais soberba das dores, e das angústias que um ser-humano é capaz de carregar), o Monstro do Pântano conta em seu destemido resgate com vários personagens famosos da DC, como o Etrigan, grande amigo do mago John Constantine, para caminharem aonde nenhuma luz chega, nenhum “socorro” é ouvido, e a salvação jamais poderá ser alcançada – exceto pelo desespero do mais louco dos Don Juans, já que o eterno repouso de sua rainha no colo de demônios é algo inconcebível.
No triunfo editorial da Panini em lançar, em seis partes, a icônica saga de Alan Moore e companhia no Brasil, numa belíssima compilação gráfica e até com um prefácio impecável de ninguém menos que Neil Gaiman (Sandman, Coraline), num esforço de apresentar essas pérolas do passado a uma nova geração de leitores, as estórias (originalmente publicadas em gibis mensais sob o selo Vertigo, nos Estados Unidos) são distribuídas em seis breves e eletrizantes capítulos, com contos de puro horror gótico, sonhos perturbadores, e até um grupinho de extraterrestres que não conhecem a maldade que existe, e ao fazerem contato com nosso querido monstro esmeralda, descobrem que há coisas muito além do que parecem ser. Ao longo das tramas, verdadeiras aulas de tensão e espanto no mundo das HQ’s, Moore revela-se um autor muito mais íntimo de suas personagens, sua realidade, suas forças e fraquezas, à medida que enraíza o leitor, quadro a quadro, em experiências tão ímpares quanto imprevisíveis.
“Você está em contato. Em contato com o verde. E eu, em contato com você.”
Muitos defendem, com certa razoabilidade, A Saga do Monstro do Pântano como uma das melhores obras do genial Alan Moore. Aos que apontam seus motivos, além de certo desejo de não serem a maioria óbvia e raivosa que logo cita Watchmen e V de Vingança como as principais magnumopus do misterioso autor britânico, um dos grandes responsáveis por elevar o statusquo das histórias em quadrinhos, entre as décadas de 70 e 80, há de certo uma adoração justificável pela qualidade impressionante das histórias de terror gótico que tanto combinam com o estilo macabro e forte das ideias e tramas que Moore arquiteta como ninguém. Afinal, estamos falando do criador do mago John Constantine, e da melhor história do Coringa já feita (vamos ser sinceros): A Piada Mortal, em uma de suas mais célebres colaborações na carreira, junto do desenhista Brian Bolland.
Se há um adjetivo que cai como uma luva a Alan Moore, desde os seus primórdios como contador de histórias de suspense, horror e aventura com e sem super-heróis, é ser impecável. Tanto na execução de seus arranjos narrativos, quanto na potência marcante que emprega a quase todos eles, em sua longa trajetória pela nona-arte. Não há melhor louro a um escritor que prestigiá-lo lendo-o, e sabendo disso, a editora Panini do Brasil lança em 2014 todas as edições roteirizadas por Moore do temível e humano Monstro do Pântano, em seis edições de inestimável apreço no mercado brasileiro de HQ’s. Exemplarmente traduzido por Edu Tanaka, o leitor torna-se íntimo das sensações de um Deus bizarro, representante da mãe-terra em uma forma asquerosa, cujo pântano onde reina, em um primeiro momento, é a casa assimétrica que lhe sobra para se esconder, proteger e amar a mulher que nunca esqueceu o homem antes do monstro, e que nutre por ele um amor puro, e recíproco.
No início, era apenas Alec Holland, vítima de um acidente que torrou seu corpo feito folha atingida por raio, mas não o mais feroz: sua consciência imortal. Sua alma agora É o mundo verde, e tudo o que o alimenta e o faz ser tão resistente, quanto assombrosamente real, e poderoso. Alec não é mais homem, apenas, mas um super-homem. Um demônio de musgo de dois metros de altura que anda, fala e vibra, enquanto encarna o biossistema inteiro da Terra dos pés a cabeça, estendendo suas sensações aos rincões mais profundos do planeta quando preciso – ou quando assim o deseja. Neste primeiro volume, acompanhamos a autodescoberta de sua nova identidade, ao mesmo tempo que homens tentam matá-lo, queimar seu lar pantanoso, sua fé na humanidade. Para ligar a trama geral com a mitologia da editora DC Comics, vários ícones da Liga da Justiça e seus vilões entram em cena em várias histórias, seja para ter um apelo maior ao público, seja para engrandecer o personagem central sem, contudo, inferiorizá-lo.
Aos poucos, com uma abordagem fantástica e filosófica servindo de base para o despertar de Alec Holland, em contos de vinte páginas cada, compostos por centenas de imagens delirantes ilustradas por mestres da linguagem visual, somos levados a reconhecer do que Holland é capaz, agora sendo o medonho “monstro” que se tornou. Aqui, um guardião do natural, dando cabo as vezes de ameaças que não encaram seus poderes como dons, mas maldições agonizantes, agindo em defesa da autodestruição e do mal mais puro que nem o coração mais perverso, pode imaginar. Tudo o que é exatamente oposto a essa entidade do verde e da vida que Alan Moore, entre 1983 e 1987, tratou de revolucionar seu conceito e seus valores nas páginas da DC, feito um verdadeiro rei Midas dos quadrinhos. Eis uma grande e arrebatadora metáfora sobre um mundo que nos devora, em todos os sentidos, e cabe a nós decidir o que fazer disso, sem botar na conta do acaso o peso dos nossos atos, ou aquilo que escolhemos nos tornar. Não há nada mais precioso que a nossa consciência, exceto, talvez, uma história de Alan Moore, e é aqui onde tudo começou.
Se há dois gêneros cinematográficos que ninguém pode negar que estão tendo bons momentos é o horror e os tão populares filmes de super-heróis. Então, não parece tão utópica a tentativa de unir os dois em um só, já tivemos Blade nos cinemas e o tão adiado Os Novos Mutantes que deve sair ano que vem, porém o representante este ano é Brightburn: Filho das Trevas, filme dirigido por David Yarovesky e com produção de James Gunn, o responsável por Guardiões da Galáxia. Mas mesmo tão promissora, essa reimaginação da história de Superman é tão rasa e sem graça que no fim é difícil se lembrar se queríamos mesmo essa mistura.
Um jovem casal, interpretado por Elizabeth Banks e David Denman, escuta um pequeno meteorito cair próximo a sua fazenda no meio da noite e descobrem que na verdade o pedaço de pedra especial carrega uma nave alienígena com um bebê. Anos depois, após suspeitar de sua origem, o rapaz desperta fortes poderes alienígenas e, vestido com uma capa vermelha e uma máscara, passa a espalhar um rastro de morte.
Os primeiros minutos do longa logo denunciam que de fato a produção não é muito inspirada, as cenas não funcionam entre si dando a impressão que a versão final está faltando partes pontuais, problema que reverbera na montagem de todo o longa. Personagens somem da narrativa, cenas com efeitos visuais sofrem de cortes bruscos e nem os momentos de suspense têm sucesso em criar tensão.
E mesmo que o elenco não esteja exatamente afiado, Jackson A. Dunn no papel desse “super-herói do mal” funciona na maioria das vezes, principalmente por conta da violência gráfica de seus ataques que dão o único senso de gravidade do filme, pois se afasta da ideia de filmes de super-heróis que o público está acostumado. Porém, no fim, o longa acaba sendo só o resquício de uma boa ideia que não conseguiu ir além disso, nem as pistas descaradas no final para novas sequências ou universo compartilhado conseguem animar por conta do gosto amargo da boca. Não diverte e não instiga, Brightburn: Filho das Trevas acaba saindo como imemorável.
No segundo encadernado de histórias do Monstro do Pântano, somos apresentados às histórias compreendidas entre as edições 7 e 13 de Swamp Thing. Ainda com roteiros de Len Wein, o titulo de terror da DC Comics mantém a sua média de ótimas histórias, além de plantar uma ideia muito interessante que viria a ser abordada futuramente por Alan Moore.
É interessante observar que Wein vai adicionando cada vez mais camadas ao Monstro do Pântano, fazendo com que ele forme algumas alianças que poderiam soar improváveis. É o que acontece na primeira história, quando Alec Holland chega a Gotham City e se une ao Batman. É uma pena que em dado momento o protagonista tenha que ceder muito espaço para o Homem Morcego, porém ainda assim a dinâmica é bem interessante. O mesmo pode ser dito de Mutt, o cão que o Monstro meio que adota. Há um acontecimento no final dessa história que a faz marcante, ainda que não seja das melhores.
O roteirista continua fazendo uso de referências históricas e culturais ao longo dos roteiros. H. P. Lovecraft surge como inspiração em vários momentos, assim como obras de ficção-científica como Star Trek. Há ainda alguns sub-textos sociais bem interessantes adicionados a algumas histórias, principalmente em O Homem que Não Quis Morrer, onde Wein mistura elementos de horror à escravidão dos negros nas plantações de algodão dos sul dos Estados Unidos. Todas essas referências e inspirações do autor Len Wein conferem uma profundidade a história e também aos personagens, tanto o protagonista quanto a alguns coadjuvantes.
A arte de Bernie Wrightson se mantém ótima e muito condizente com toda a pretensão da HQ. Porém, O Homem que Não Quis Morrer marca a ultima edição do ilustrador no comando da arte. A partir de As Minhocas Gigantes ele é substituído por Nestor Redondo, que apesar de ser um ótimo desenhista, não tem um estilo que encaixe tão bem com o personagem. Há uma espécie de humanização do Monstro do Pântano, com seus traços se tornando menos bestiais e mais humanos.
O compilado da Panini se encerra com a história A Conspiração Leviatã, história que funciona de forma dupla para o Monstro Pântano: caso a série não tivesse continuidade, fecharia o arco do personagem com uma descoberta bombástica para ele, visto que a trama se concentra em uma espécie de desvendamento da origem do estranho ser. A história também poderia servir como um reboot leve, com o Monstro do Pântano adquirindo novas características e pavimentando um início de caminho para quem viesse assumir os roteiros posteriormente, visto que Len Wein não mais queria fazer nada com o monstro desde a saída de Wrightson.
Enfim, esse segundo volume de Monstro do Pântano: Raízes apresenta mais um compêndio de histórias desse intrigante personagem da DC Comics, que apesar de não serem brilhantes, tem alguns ótimos momentos.
Quando escreveu O Cemitério, em 1983, Stephen King já havia publicado alguns livros, entre eles clássicos como O Iluminado, Carrie e Christine. Sua versão sobre os zumbis teriam um pouco de influência de George A. Romero, mas também uma carga dramática, envolvendo falecimento de animais e bebês. A publicação se divide em três partes, além de um epílogo. A história é focada na família de Louis Creed, um sujeito que teve problemas sérios com seu pai e se muda para uma pequena cidade do Maine, com sua esposa, filhos e seu gato, Winston Churchill, para exercer a medicina em uma universidade.
King tem uma narrativa que revela seus detalhes de forma gradual, nada é dado de maneira explícita ou didática, aos poucos Creed revela o que sente, principalmente ao se aproximar de seu vizinho mais velho, Judson Crawd, que o faz lembrar seu pai. Aos poucos, os dois homens passam a beber e a confraternizar juntos. Os Creed acabam conhecendo um cemitério próximo de sua casa, e sua filha Ellie indaga sobre a morte, onde Louis opta em não discutir a questão. A partir desse momento, começa uma briga entre Louis e sua esposa Rachel, e é aqui que ela revela parte de seus traumas. Por mais que o foco do livro seja o terror, há uma forte carga dramática, revelando o receio do marido em prosseguir com algumas discussões.
O protagonista tem problemas sérios pela frente, primeiro, a associação que faz de Judd com seu pai, refletindo nele a questão parental como algo forte na trama, além dos perigos da estrada existente em frente de sua casa, onde passam muitos caminhões em alta velocidade. Ao ver um atropelado chegar a universidade ele passa a ter medo da estrada, e passa a olhar o tal cemitério como um lugar diferente, por mais que sua incredulidade fale mais alto. Ele sonha com o rapaz, e teme que algo pior aconteça, e até por conta da forma como Rachel lida mal com a morte.
O estranho aqui é que o trauma de sua amada ajuda Louis a piorar suas paranoias, de uma forma que sua neurose passa a ser corroborada tanto pelos momentos em que tem encontros “espirituais” com mortos da estrada, como quando tem de discutir com a esposa sobre a forma que lida com a morte. A forma como King trabalha o fluxo de pensamento e reflexão de Creed, tanto em discussões sobre a finitude da vida, quanto a questão de tragédias familiares. Perder um animal de estimação é terrível, e Louis sente falta de seu bicho, mesmo que não tenha o mesmo sentimento de sua filha, mas é errado supor que o ato que pratica é feito só para não falar sobre a morte com seus filhos, afinal, como garoto que nasceu órfão, seu sentimento parece ser mais o de manter sua família completa, já que ele nunca teve isso.
King elucubra sobre o luto e a morte, e a terrível angústia que se sente após perder um ente querido, sobretudo um filho, pois a parte dois do livro começa em um funeral, sem sequer descrever como o infortúnio ocorreu a família. A partir daqui o terror deixa de ser psicológico e vira um mergulho em obsessão, vícios e auto-engano, transformando o protagonista em um ser insano e desesperado, ao ponto de refletir sobre a passagem bíblica envolvendo a ressurreição de Lázaro como uma alternativa para suas dores. Sua está tão confusa que ele delira sobre os fatos futuros, e quando sua consciência tenta impedi-lo, ele simplesmente ignora.
Tudo que segue o rumo final tem um tom assustador, e o modo como o escritor mostra a ultrapassagem à barreira da loucura faz muito sentido. Seus atos estranhos e a violação do túmulo se tornam só um sinal da aproximação da máxima bíblica de que um abismo chama outro abismo. Todo o terror nesse trecho é rico em detalhes e violência, e a angústia do desfecho só é tão forte por conta de todo o desenvolvimento do suspense estabelecido antes pelo autor. O Cemitério termina mostrando como o homem é capaz de cavar sua própria sepultura, condenando a si e aos seus, tudo isso em um livro tenso, que pervertes expectativas e causa angústia e assombro em quem lê.
Historia contada e narrada pelo inventor Rand Peltzer (Hoyt Axton), Gremlins começa fantasioso, apelando para o misticismo asiático presente no dono de uma loja de artigos estranhos. Peltzer, de chapéu e terno, como os detetives dos filmes noir, adentra a estranha loja para tentar vender um de seus produtos picaretas, mas mesmo sofrendo de egoísmo e egocentrismo, ele nota que a loja tem elementos diferenciados, e ele se depara com uma criaturinha dentro de uma caixa, chamada Mogwai. Ele tenta compra-la do velho, mas o mesmo recusa e o neto do lojista vende por duzentos dólares e dá instruções básicas de : não deixar ele ter contato com água, manter ele longe da luz forte e não alimentar ele após a meia noite-não importa o quanto ele suplique.
Logo o foco narrativo muda para a outra parte do núcleo familiar, Billy Peltzer (Zach Galligan) é mostrado trabalhando, e lidando com Kate (Phoebe Cates), a menina por quem ele nutre uma admiração meio secreta. A atmosfera que Joe Dante cria nesse início é bem parecida com a dos filmes de Steven Spielberg, não à toa o realizador de Jurassic Park e ET- O Extraterrestre é um dos produtores. A realidade dos dois personagens centrais apresentados é tão distante que eles parecem nem fazer parte do mesmo micro cosmo, mas o presente do novo pet, aparentemente os uniria, como um bom milagre de natal.
O bichinho em questão é bem fofo, e causa ciúmes no outro animal de estimação, o cachorro Barney. Batizado de Gizmo, o personagem feito por um boneco se mostra bem sensível a luzes fortes, e ele fala de vez em quando, reclama quando há luz forte. Quando o pequeno Pete (Corey Feldman) chega na casa, Billy acidentalmente molha Gizmo, e ele se reproduz, nascendo outros cinco Mogways, e é nesse momento que o nome do filme Gremlins se justifica, apesar de ainda não ter ocorrido uma transformação completa na praga que eles seriam.
Nesse ponto, os Mogwais lembram os pingos – ou trubbles no original– de Jornada nas Estrelas, as criaturas fofinhas e peludas que se reproduzem de maneira desenfreada, mas que tem aparência do futuro brinquedo Furby, lançado 14 anos depois (em 1998). A proximidade do natal parece que atiça ainda mais a mentalidade travessa das criaturinhas, que passam sabotar Billy, para que ele quebre as regras estabelecidas para os bichinhos, desativando por exemplo os fios do relógio para confundir quanto aos horários.
Mesmo pela metade da historia ainda permanece uma aura de fantasia suburbana que também existia nos filmes de Robert Zemeckis como De Volta Para o Futuro e em Os Goonies de Richard Donner, embora perto dos quarenta minutos já haja uma exposição de gore maior, com os casulos ao estilo Alien O Oitavo Passageiro que os Mogwais começam a fazer, após serem alimentados depois das 00 horas. O aspecto deles é feio e nojento, parecem bolhas de carne prestes a estourar e a surpresa que sai desse casulo causa espanto. Luzes verdes e vapor criam uma sensação de calafrio na platéia mais impressionável, estabelecendo um receio maior sobre como seriam as tais criaturas.
Por mais fofa que tenha sido a introdução, a recepção a essa fase dos mogwai – os gremlins – é nem um pouco amistosa da parte de Lynn (Frances Lee McCain), mãe de Billy. Ao ver sua cozinha repleta de doces natalinos invadida por três monstrinhos ela os mata, triturando um, esfaqueando outro e estourando o terceiro no micro-ondas. A mesma mulher que parecia inofensiva se torna selvagem ao ver seu território invadido, e como boa matriarca reage, e sua ação não é exagerada, pois o quarto monstro quase a mata, sendo ela salva por seu filho.
O gremlin listrado retorna a casa onde nasceu, basicamente para lamentar a morte dos irmãos, e para demonstrar que ainda está vivo e pronto para a ação. É incrível como o roteiro de Chris Columbus consegue misturar de maneira harmoniosa um terror e apreensão típica dos filmes de atomic horror mas com proporções pequenas (afinal os monstros são menores que galinhas, mas ainda muito destrutivos) com a mágica natalina típica dos filmes de fim de ano.
Os bonecos animados também são muito bem feitos e a mistura com efeitos em stop motion soa extremamente fluída. Sobretudo as cenas no escuro funcionam, pois as cordas podem melhor manipuladas. Dante consegue orquestrar e expandir o mito estabelecido no episodio de Twilight Zone, Nightmare at 20,000 Feet que Richard Donner dirigiu, não só pela movimentação deles, que soa natural, mas pelo humor negro implícito. Depois que o listrado se multiplica, suas cópias imitam personagens famosos, como mafiosos, coros de natal, e até de travestem. De alguma forma, eles copiaram as perversões humanas, usando seu longo tempo livre para dar vazão a vícios como bebidas e cigarros basicamente porque podem, criticando assim o consumismo desenfreado que é típico do natal, ainda que de maneira um pouco velada. Os gremlins são os seres mais instituais possíveis.
A cena do cinema conversa demais com o clássico Demons de Lamberto Bava, e a solução que Gizmo encontra para assassinar seu irmão é tão icônica que foi copiada por Tarantino e Rodriguez em Um Drink no Inferno, embora seja dúbia, e muito mais impactante visualmente, violento, sem medo de mostrar o esqueleto da criatura antes fofinha. Gizmo e Billy são separados em clima natalino, para que não aconteçam mais pragas ali e para que o perigo seja contido. Toda a breguice e cafonice do cinema de horror atômico e catástrofe é muito bem exemplificado e parodiado em Gremlins, e Joe Dante consegue reunir elementos de muitos filme em pouco menos de duas horas, lembrando de épocas festivas, adulando a infância e nostalgia e pondo elementos amedrontadores ao estilo A Pequena Loja de Horrores.
Não é legal quando, em três minutos (literalmente) de filme, o mesmo já pede desculpas pra gente através de um diálogo? Ele não vai assustar, no máximo chocar se isso ainda for possível em 2018, com vídeos de discussão política bem mais aterrorizantes no YouTube do que uma jovem possuída vomitando num padre. A ficção quase não encontra chances mais para ser pior que a realidade, mas A Casa do Medo: Incidente em Ghostland ignora isso e tenta nos fazer roer as unhas de qualquer jeito na ponta da poltrona igual O Massacre da Serra Elétrica fez com sucesso com espectadores ainda não acostumados a verem de tudo, arrepiando-os até depois da sessão, relembrando momentos aqui sequer alcançados senão brevemente por jumpscares baratos a todo momento, uma câmera escura e confusa preservando o terror gráfico que está à espreita, e uma construção cênica que busca o êxito que James Wan conseguiu, junto a plateias modernas, com a casa onde tudo acontece de A Invocação do Mal.
Não se engane, o começo aqui é bacana e renderia um curta-metragem (ou mesmo um longa nas mãos certas) de primeira linha: Mãe e duas filhas herdam um sobrado e se mudam pra lá, pra uma casa macabra visando a felicidade (?), e na estrada já presenciam um caminhão de sorvete com pessoas encapuzadas acenando, de dentro. Sem motivos para se alarmar, elas chegam na casa e logo são atacadas antes de desempacotar os travesseiros. Sobrevivem no modo girl power, atacando os algozes demoníacos feito animais que não aceitam o abate, só que o ataque deixa traumas irreparáveis na vida das sobreviventes, sempre com seus psicológicos abalados, até o passado chamá-las de volta para o inferno que conseguiram escapar.
O diretor Pascal Laugier já havia mostrado no bom Martyrs, merecido sucesso de 2008, ser o típico cineasta doente que filma o lado brutal dos seres-humanos até nos fazer duvidar se ainda podem ser chamados disso, dado seus atos de perversão e luta em tela, e aqui isso não fica muito diferente.E é ai que Laugier se sabota. Mesmo com suas boas ideias, e influências modernas, o diretor é do tipo gráfico que expõe para depois explicar; que joga na tela ao invés de construir uma tensão que vá além do decente. De pesadelo em pesadelo, as irmãs Beth e Vera percebem que serão sempre aquelas meninas atormentadas no cativeiro, nadando eternamente no medo primordial onipotente que banha suas vidas adultas, desde que foram salvas por sua mãe do abate já referido.
Quando aposta no lado emocional e não apenas assustador, Ghostland se sai muito bem e foge da banalidade que facilmente poderia cair, estreitando os laços familiares de sobreviventes que, sabemos, cedo ou tarde irão voltar para o que tirou a normalidade das suas vidas hoje atormentadas. O filme além de tudo reforça nossa relação com o poder do som no Cinema, nos fazendo lembrar que boa parte do que sentimos diante de uma imagem é causado, imperceptivelmente, pelo trabalho de som em paralelo, e esse certamente se destaca, no ano em que a melhor mixagem de som de um filme veio de outro terror, o bom Um Lugar Silencioso.De qualquer forma, eis aqui um projeto que se debate para encontrar sua insondável direção e o seu verdadeiro potencial dramático, limitando-se a sustos fáceis e uma brutalidade contida para satisfazer os fãs de filme de terror (o jumpscare da cena da fechadura é ofensivo), devido sua estrutura ser tão caótica quanto à mente de Beth, Vera e sua mãe.
Se as coisas vão bem, ou melhor, capengando até a metade de Ghostland, o mesmo não pode ser dito daí em diante, quando o filme não resiste em tornar a brincadeira o mais sobrenatural e surreal possível, dentro de uma proposta realista já estabelecida de assassinos perseguindo a família que cruzou seu caminho de barbárie, e doentia, na estrada. Nisso, o estudo proposto de traumas infantis vira, de uma cena para outra, um palco amalucado para cachorros latindo para o nada, fetichismo infantil e espíritos assombrando quem antes era assombrada por uma violência real, ainda que absurda a beira de um gore fraco, e previsível. Um filme para os amantes específicos do gênero, sendo que há tanta coisa melhor por ai, a começar pelas ótimas influências desse exemplar desequilibrado do terror contemporâneo e que, afinal, choca por motivos qualitativos os quais não consegue resolver. Sobra intenção, falta execução.
É interessante para nós, brasileiros, falarmos sobre o papel de um jornalista num dos países mais intolerantes do mundo para com o seu trabalho investigativo, e que por tantas vezes auxiliou a história humana a tomar novos rumos, e a conhecer novos caminhos diante de certos absurdos, e polêmicas carentes de elucidação. A revelação aqui é clara, e objetiva: o renomado profissional francês Jacques Mayano, desligado de quaisquer práticas religiosas e focado apenas nos aspectos mais mundanos possíveis da realidade das coisas, sempre envolto a livros e casos bem-sucedidos de investigação jornalística, mergulha de cabeça no caso de Ana (uma jovem noviça francesa que afirma ter contato com a própria Virgem Maria), após requerimento do próprio Vaticano para que ele se envolva nos desafios dessa premissa, e dela venha a retirar a verdade como já está habituado de fazer.
Nada mais do que a verdade, e da maneira mais confidencial possível. Nas mãos de Hollywood, com certeza esta seria uma oportunidade perfeita para brincar com os típicos arquétipos do Cinema de horror, ou melhor, mais uma das intermináveis homenagens (e plágios não-oficiais) de O Exorcista, clássico de 1973. Contudo, A Aparição se beneficia por demais de uma visão mais cult e intelectualmente instigante da relação entre um homem mundano, e a fé, sem exageros ou algo do tipo. É notável o quanto o filme, contido em sua plenitude, consegue criar e manter, fluindo por sua trilha-sonora e no seu inteligente uso de simbologias religiosas, uma aura tanto mística quanto de interesse por sua história de inegável sobriedade artística quanto a direção que a trama vai tomando, no desenrolar constante das verdades que Jacques extrai de um novo mundo, para ele.
Um mundo em que qualquer evento sobrenatural não é visto com tanta surpresa e estranheza, assim. Ao passo de sua aceitação do trabalho, Jacques, junto de outros jornalistas encarregados do mesmo, mantêm relações com as provas da existência de um sagrado de uma forma que prontamente eles sequer imaginaram vir a passar. Tal situação vai ao encontro de uma moral jornalística que faria qualquer profissional da área delirar com as possibilidades que um caso desses oferece, e com o nosso protagonista não é diferente. Mesmo não acostumado com esse universo “assombrado” pelo “inexplicável”, Jacques usa de sua paixão pelo ofício e age como arqueólogo trilhando as veredas (e as incertezas) de um atraente desconhecido. Tanto que podemos ver nos olhos do ator Vincent Lindon (deO Valor de Um Homem), em ótima atuação, o quanto o cristianismo pode ser um mar insondável e traiçoeiro aos que nele ainda estão aprendendo a nadar.
O que fazer, que medida tomar diante do que não pode ser cientificamente comprovado, mas que se manifesta diante de olhos despreparados ao manifesto? Eis o dilema que desafia o ceticismo do homem, e a imparcialidade do profissional. Tal roteiro, que passa a evocar cada vez mais a curiosidade do jornalista e sua desconfiança por vezes para com a veracidade dos fatos, quase não dá margem para o lúdico e o poético que tanto habitavam, intrínsecos, os espetaculares e antigos filmes de viés religioso de Luis Buñuel, por exemplo, o que de maneira alguma é algo prejudicial. Ao invés de injetar realismos no sobre humano, aqui temos o contrário, mixando até o final o que pode ser irreal dentro da lógica da realidade, através de uma bela ótica cinematográfica que pouco se vê na produção contemporânea fora do cenário europeu.
Quando Anna, a garota santificada pelos olhos da igreja e parte do mundo vai até um shopping, experimenta então o ambiente do fútil pela primeira vez. O consumismo que verte dos manequins e que faz as pessoas tão reféns de suas compras, quanto a mesma do seu contato com o sagrado. Já quando Jacques a vê, vê nela exatamente isso: uma garota normal nesse mundo moderno e frio, cuja missão que diz ter é grande demais para seus ombros amparados apenas pela fé do que ela diz ser real; quase palpável. O filme de Xavier Giannoli se interessa pela investigação do intangível, e do improvável, enquanto elementos que desnorteiam a nossa percepção da realidade. É justamente especulando a existência do que vai além das nossas certezas que A Aparição se constrói como um verdadeiro suspense dramático sobre a relação imprevisível, simbólica e por vezes tensa que o ceticismo pode viver casando-se com o oposto que tanto o atrai, e que pode vir a consumi-lo por inteiro. A luta de poderes é grande, e da forma elegante como o filme a constrói, de fato chega perto do grau de excelência almejada que se propõe, desde o início, a alcançar.
Fabrício Bittar há pouco trouxe à luz Como Se Tornar o Pior Aluno da Escola, baseado no livro de Danilo Gentili e dividiu opiniões com esse filme, mais por conta da persona que o humorista e apresentador de talk show produz do que pela qualidade do seu filme. Pouco mais de um ano depois, chega a comédia misturada a elementos de terror Exterminadores do Além contra a Loira do Banheiro, também protagonizada por Gentili, acompanhado dessa vez por seus companheiros de The Noite:Léo Lins e Murilo Couto, além de contar com a presença de Dani Calabresa. Juntos, eles formam os Caça-Assombrações, um grupo de impostores, com Fred como líder ( Lins), o engenheiro Jack (Danilo), a paranormal Caroline (Calabresa) e o contra-regra Túlio (Couto), os quatro gravam vídeos ao estilo Reality Show e lançam no YouTube, mas tem tido cada vez menos visualizações.
O chamado a aventura começa quando eles recebem a ligação de um colégio, Isaac Newton, cujo diretor é interpretado por Siqueira Junior, onde aparentemente acontecem fenômenos sobrenaturais de verdade, aliás, mostrados em uma cena inicial bem violenta, repleta de sangue e bem pouco comum ao cinema de terror nacional recente.
Aliás, apesar de ser reverencial a filmografia de horror e a cena que o país tem – inclusive colocando easter eggs ligados a José Mujica – Bittar aparentemente revela uma verdadeira obsessão por uma cinematografia de terror gringa, para muito além do que é feito nos Estados Unidos. A forma como a história é conduzida e como o sangue é utilizado dramaticamente lembra os primeiros filmes de Peter Jackson como Trash: Náusea Total e Fome Animal, além de remeter também aos filmes italianos de terror como Holocausto Canibal (embora aqui não ocorra tantos assassinatos, mas manifestações do além).
Algumas falas e piadas se destacam, como quando Jackson antes de toda a ação começar diz que o grupo precisa amadurecer seu show e abordagem, e isso realmente é visto dentro do filme, até por conta do enorme volume de piadas infames e óbvias (nem todas são ruins, aliás, as ditas por Lins por exemplo tem um ótimo timing cômico), mas sim pela questão de não ter receio de produzir um filme sanguinolento, escatológico e que certamente o público mais moço não poderá usufruir, vide a classificação etária. Apesar do humor juvenil, certamente boa parte da plateia não poderá vê-lo, ao menos não sozinho e essa decisão é bem corajosa tanto da produção quanto da Warner Bros que ajudou a bancar o projeto.
A fotografia de Marcos Ribas ajuda a fazer toda a violência mais real, os efeitos especiais são excelentes, em especial os que tornam Pietra Quintela na vilã Catarina/Loira do banheiro. Os sustos são realmente engraçados, assim como as explosões, lesões e decapitações, além de ter pelos menos duas ou três cenas memoráveis, uma envolvendo um feto de laboratório, que lembra muito Uma Noite Alucinante 2 e Uma Noite Alucinante 3: Army of Darkness, e outra mais escatológica, protagonizada por Digão Ribeiro. De negativo, há a participação de Antonio Tabet no papel de sabichão, algo comum nos filmes de terror metalinguísticos, mas nada que impeça Os Exterminadores do Além Contra a Loira do Banheiro de ser uma obra divertida, madura e muito bem resolvida.
Rodrigo Aragão é uma entidade do cinema muito fiel às suas origens e aos seus gostos pessoais. Toda sua obra como diretor remete à vontade de não só de replicar as fitas trashs que apreciava desde criança, bem como o seu ofício como exímio construtor de efeitos práticos, maquiagem e afins. Dito isto, A Mata Negra, quarto longa-metragem solo do realizador é mais um pretexto para ele dar vazão a essas boas características, e que belo pretexto.
Antes mesmo da história começar se nota uma trilha sonora repleta de batuques, remetendo a outro elemento que Aragão sempre impõe em suas obras, o misticismo típico das religiões afro-brasileiras. Após uma introdução musical, é mostrado um senhor de idade avançada, lidando com Clara (Carol Aragão), uma menina órfã abandonada que ele encontrou há alguns anos. O desejo dele é que ela pegue dinheiro e saia daquele lugar, dando-lhe um bolo de notas antigas, fato que localiza este filme em um tempo passado.
Já nesse início é mostrado a aura mística muito local que Aragão propõe dentro do seu universo fantástico, já que o senhor aparece possuído por uma entidade. Ao ir à feira local a moça se apaixona pela primeira pessoa que lhe dá atenção, levando em conta sua carência e completa ausência de vida social. Desatenta e iludida ela acaba sendo furtada, mas antes de voltar a sua cabana, encontra um homem que está prestes a morrer. O sujeito lhe entrega um livro e pede para que ela reze por ele para não ir ao inferno, fato que ela prontamente faz, no entanto, ela sofre um revide, seu pai perece, e não por já ser muito velho.
O visual e a atmosfera do longa é extremamente sofisticado para o baixo orçamento que possui, e muito disso se dá pelos efeitos digitais que André Rios orquestra. Se falta talento e naturalidade ao elenco – artifício proposital do cinema de Aragão – não há qualquer problema com o visual. Os cenários dos matagais escolhidos para mostrar a intimidade de Clara e as novas descobertas espirituais que ela faz beiram a perfeição. No desespero para realizar um desejo pessoal, Clara tenta se tornar bruxa e faz um sacrifício com crianças como oferenda, a fim de tentar ressuscitar seu amado, o que obviamente dá errado.
Na segunda tentativa de ritual aparece um pastor evangélico, vivido por Jackson Antunes, e ele manda atacar a bruxa, que segundo ele, é a filha do satanás. O personagem é um dos poucos que se leva a sério, mas ainda assim não muito, de sua boca sai o aviso para que os fiéis não toquem em nada, pois ali estão as paredes ungidas pelo esperma do mal. Por mais que o filme se muna de seus próprios mitos, aqui se nota uma semelhança desse personagem com outro da cultura pop, o clérigo Frolo, de OCorcunda de Notre Dame, que se apaixonou pela cigana e a culpa por causar nele os desejos básicos e sexuais comuns a qualquer um. Tanto Frolo quanto esse pastor condenam a mulher pelas suas próprias falhas de caráter e pela sua lascívia e o roteiro deixa isso claro mesmo sem uma linguagem rebuscada.
Em Mangue Negro, o diretor fazia referências não só ao mangue, mas um pouco ao estilo musical do Manguebeat, de Chico Science e Nação Zumbi, e aqui também há referências narrativas ao movimento pernambucano. A bruxaria que Clara evoca é causada por necessidade, por pura maldade, assim como na letra de Banditismo Por Uma Questão de Classe, do disco Da Lama Ao Caos. A vida miserável e triste que a menina leva não encontra qualquer eco de bondade ou mínima alegria às suas privações, o apelo a feitiçaria ocorre por desespero e falta de opção, e obviamente, o povo não a entende, nem aceita.
Os núcleos acessórios são engraçados, como a família de Zé, interpretado por Francisco Gaspar e sua esposa grávida Maria (Clarissa Pinheiro), onde predomina uma intolerância entre o clã, com brigas e humilhações frequentes não só com o casal mas também com a velha mãe de José, uma mulher já doente. Além disso, o mal agouro paira sobre sua cabeça quando Clara cruza seu caminho, em um resumo que ela afirma que tudo que ela toca morre. A revelação da maldição é mostrada gradativamente.
A maldição continua ocorrendo, principalmente sobre os que causaram mal a Clara e a maior parte dos momentos onde há aparições sobrenaturais há uma mistura de um horror bem construído, graças aos construtos, animatrônicos e maquiagens que Aragão coloca em seus demônios, mas também um humor escrachado e histérico, que serve de válvula de escape para que o espectador não ache o todo muito pesado.
O núcleo evangélico retorna, e em meio a ele se percebe um dos plot twists do roteiro, envolvendo o personagem de Jackson Antunes, que se mostra um sujeito de caráter e índole torpe e dúbia, um falso moralista como inúmeras estrelas do gospel do Brasil. Aqui Aragão parece fazer uma crítica não só aos pastores que se aproveitam do seu rebanho, mas também aos políticos que se valem do discurso de defesa de valores de bem e da família. A crítica é certeira e mordaz.
O texto parece também ter uma vontade de referenciar o cinema de Rob Zombie à realidade brasileira. O caipira do interior do Brasil substitui o redneck como sujeito mal e perverso, mas diferente do cantor/cineasta, Aragão não julga esse personagem, no entanto, como o pensamento é pessimista/realista e condizente com a humanidade no geral, a maioria é desonesta e aproveitadora, até por conta da base um pouco niilista que o diretor usa em sua filmografia. Próximo de seu desfecho, o filme fica ainda mais divertido, graças principalmente ao culto estabelecido aos filmes de Sam Raimi, em especial Uma Noite Alucinante 2, com um ser mágico que imita a mão perdida de Ash e suas miniaturas vistas em Uma Noite Aluciante 3: Army of Darkness, e também o catastrofismo visto no final do segundo filme da saga Evil Dead e no todo do terceiro tomo já citado.
Os sentimentos de rejeição e amargura causam em Clara o desejo de destruir toda vida e seu egocentrismo se excede, mostrando que mesmo uma pessoa de boa índole pode se deixar levar pela tentação egoísta de querer destruir tudo e todos. O ser chamado de Nefastos liberado ao final é absolutamente bem feito e é a cereja do bolo de A Mata Negra, que ainda possui um epílogo ao final que faz lembrar os melhores filmes de pós apocalipse da cultura pop, uma obra soberba do cinema de nicho de Aragão.
Produção brasileira do gênero terror, Morto Não Fala é o longa de estréia de Dennison Ramalho, e já começa bastante promissor por conseguir estabelecer uma atmosfera de horror que não parece ter nacionalidade definida — exceção pela língua, o filme poderia ocorrer em absolutamente qualquer parte do globo, e essa universalidade claramente tem seu preço.
O início da história mostram sirenes de ambulância, a viatura da polícia científica pega os “restos” de uma briga de torcidas organizadas de São Paulo e as leva até o IML (Instituto Médio Legal). Lá os defuntos são recebidos por Daniel Oliveira, que faz o legista Estênio, e sem maiores explicações o homem começa a conversar com os mortos.
O modo como Ramalho constrói sua história lembra bastante alguns aspectos do sub-gênero literário que ganhou popularidade dentro do fandom sci-fi e de horror, chamado Ficção Bizarro. O principal dos elementos do estilo é o fato de algumas coisas que seriam estranhas em situações normais não terem peso, não causando qualquer menção a suspensão de descrença, em especial pelo fato de Estênio conversar com o além sem a necessidade de explicar qualquer fato diferente. O aspecto estranho simplesmente é visto como normal dentro daquela mentalidade narrativa.
O filme tem um gore bem utilizado, e não chega a chocar ou causar asco no espectador. As conversas de Estênio com os mortos também não causam estranheza, é tudo muito natural, e a maior parte desses momentos envolvem diálogos bobos, como o desejo dos mortos de não serem enterrados como indigentes, por exemplo. O que realmente causa estranheza é a vida pessoal do personagem principal, que tem dois filhos e uma esposa, que vive reclamando de si. Odete, vivida pela bela Fabiula Nascimento, que vive reclamando da falta de bons modos do marido e do cheiro que ele carrega por conta de seu trabalho.
Apesar de não estabelecer regras para o fantástico dentro de seu roteiro, se percebem alguns fatos que ajudam a formatar uma pequena mitologia a respeito das falas dos mortos. Aparentemente, o cadáver não mente e segredo de morto é segredo de morte, se alguém se valer disso para benefício próprio, pagará com a vida. O personagem de Oliveira é a última voz que muitos deles ouvem antes de ouvir o diabo, e um dos defuntos declara algo que fica marcado na memória do protagonista. Os mortos normalmente só falam quando Estênio está sozinho, possivelmente para não chocar as outras pessoas ou para o personagem principal não parecer louco. Isso muda quando ele encontra uma pessoa conhecida na maca, aparentemente a intimidade quebra algumas liturgias do trabalho, e a partir desse momento o mote do filme muda drasticamente, passando a acontecer uma série de eventos estranho com Estênio e com sua família.
A família que mora com o personagem principal gasta seu tempo assistindo programas jornalísticos sensacionalistas e sanguinários, e essa violência midiática ajuda a retro-alimentar todos os agouros e má sorte que ocorrem não só com Estênio, mas também com Lara (Bianca Comparato), sua vizinha. Nesse meio tempo, Dennison escolhe colocar alguns elementos de filmes gringos de horror, principalmente jumpscares, mas também elementos de poltergeist, típicos dos filmes de casa mal assombrada, além é claro de referências mais específicas, como a Jogos Mortais de James Wan. Essa vontade do diretor de apresentar uma estética estrangeira não é necessariamente ruim, mas esbarra em limitações técnicas. Alguns efeitos especiais computadorizados ficam extremamente artificiais, em especial quando os mortos que falam são mulheres. A maquiagem soa falsa quando combinada ao CGI, ainda mais para uma obra de 2018.
O filme não é refém dessas referências, e tem em sua fórmula argumentos típicos de outras obras brasileiras que se propõem a discutir temáticas mais sociais e familiares. Esses elementos compõem o cenário, mas não tem um foco narrativo super profundo. Ao menos no quesito atmosfera não há praticamente nada a se reclamar de Morto Não Fala. Há muitos elementos visuais bem pensados e executados. A mensagem final de que a vingança alimenta e o sacrifício não traz necessariamente redenção pode soar rasa para alguns, mas dentro da simplicidade com que a história é tratada, e dada a fluidez do roteiro e direção que Ramalho emprega, faz o quadro artístico muito bem montado e orquestrado.
James Wan ajudou a pavimentar algumas franquias de filmes de terror dos últimos anos, desde os intermináveis Jogos Mortais, iniciado em 2004, até as séries Sobrenatural e Invocação do Mal. Depois de dois filmes de Anabelle, spin off de Invocação do Mal, finalmente chega A Freira, filme de Corin Hardy extremamente dependente de Invocação do Mal 2, não só por mostrar um dos monstros apresentados nesse capítulo dois, mas por ter sua introdução e desfecho fortemente ligado ao filme de Wan.
Na trama, uma abadia na Romênia tem uma série de eventos estranhos que faz o Vaticano tentar entender o que lá acontece e descobrir se aquele ainda é um lugar sagrado. Para investigar o caso, enviam o Padre Burke (Demian Bichir) e a noviça Irene (Taissa Farmiga), o primeiro por ser especialista em exorcismos, a segunda por um motivo estranho, que não é explicado ou minimamente aprofundado além da sua óbvia rebeldia em comparação com as outras noviças, lá eles encontram o franco-canadense Frenchie (Jonas Bloquet), um homem que levava mantimentos para a abadia e encontra uma freira enforcada.
O horror que Hardy impõe se vale muito da escuridão, não só dos cenários dentro da tal igreja mas também da questão maniqueísta religiosa da eterna briga entre as forças demoníacas e os soldados do cristianismo. Apesar da premissa bem pensada de colocar como figura maléfica como um representação do bem, o filme acaba caindo num clichê, sendo execução tão porca que se torna óbvia na maioria das suas manifestações, tanto que não há tantos jumpscares quanto nos Invocações do Mal, e quando eles ocorrem, pouco assustam.
O roteiro tenta se levar a sério demais e não consegue trazer empatio nem com o trio de protagonistas. A rebeldia de Irene não é explorada além das primeiras cenas, os traumas de Burke também repercutem pouco além das manifestações de visões dos que ele já exorcizou – fato esse que diminui inclusive a capacidade premonitória de Irene, que segundo o texto, possui algo realmente especial e capaz de ver mais que os outros, ainda que TODOS os personagens vejam em algum momento algo espiritual materializado – e até o alivio cômico de Frenchie não funciona 100% das vezes, embora seja ele o mais complexo dos personagens. Se isso não fosse o bastante, a criatura enfrentada pelos heróis é só um mal inexplicável, não há qualquer menção a se estudar o que fez aquela criatura estar ali, fora uma explicação bastante genérica e lugar comum, tampouco há um mergulhar mais fundo no motivo que faz a manifestação maligna assumir a figura de uma irmã de fé que fez os votos, tudo ali é absolutamente gratuito e em última análise, denigre até a saga original como um todo dada a total falta de desenvolvimento.
A Freira, tal qual Anabellede John R. Leonetti, promete ser ousado, mas fora os cenários magníficos, não há nada que fuja do usual seja em termos dramáticos, técnicos ou de desempenho do elenco, o que é uma lástima, visto que a atmosfera parecia conter algo diferenciado desde o seu início.
Em San Jose, na Califórnia, está localizada uma casa considerada mal-assombrada e que com o passar dos anos se tornou atração turística em função dos mistérios que preenchem seus cômodos. A residência foi propriedade de Sarah Winchester, esposa do empresário da indústria de armamentos, William Wirt Winchester. E é baseado na história dessa curiosa construção, que o filme A Maldição da Casa Winchester, dos irmãos Michael e Peter Spierig, se concentra.
É sempre difícil encontrar algo do gênero terror que mantenha a qualidade de sua construção do enredo, mas se o objetivo de quem procura por filmes assim é sentir alguns sustinhos na sala escura do cinema, a satisfação é garantida facilmente. Para criar o clima propício não é necessário inserir criaturas horripilantes, mas elaborar situações de tensão por meio dos clichês que nos assustam desde a infância.
Esse filme consegue fazer isso a partir do momento em que o psiquiatra Eric Price (Jason Clarke) entra na residência para elaborar um relatório sobre o estado de saúde da viúva Winchester (Helen Mirren), a fim de declarar se ela está apta a continuar administrando a mais importante empresa fabricante de armas dos EUA. Eric é bem recebido por empregados da mansão, com muitos cômodos de madeira – o que já traz aquela sensação de desconfiança que só uma casa antiga consegue provocar, por meio de estalos muito bem explicados pelo estudo científico da dilatação térmica dos materiais, mas que a irracionalidade insiste em apontar para outras causas.
Antes de chegar à casa, as cenas são cheias de fotografias de paisagens lindas, mostrando como era a vida entre o final do século XIX e início do século XX. Eric sai de sua vida entediante –embora regada ao uso de uma droga alucinógena e o convívio rotineiro com prostitutas para obter o prazer necessário que o faça esquecer de seu passado – para assumir a missão que lhe garantirá o pagamento atrasado de sua hipoteca.
Todos os elementos clichês do gênero então se apresentam: uma senhora grisalha e misteriosa fala aquilo que ninguém acredita no princípio, mas que aos poucos se torna verossímil; uma criança passa a se comportar de maneira estranha, com olhos que mudam de cor e feição que varia entre o angelical e o diabólico; a mãe dessa criança é a mulher jovial que precisa ser salva por um homem corajoso; e o homem corajoso, que tem a coragem e inteligência para solucionar os mistérios.
Trata-se de uma obra composta por tudo que já estamos cansados de ver, com um enredo cheio de falhas, mas com diversão garantida para quem ainda reage às armadilhas dos filmes ruins de terror.
O pequeno Billy, junto de seus pais e irmão, visita o avô em um hospital psiquiátrico. Debilitado, o velhinho não consegue falar. Mas quando apenas o pequeno Billy está na sala, ele, de repente, começa a falar. Diz coisas sobre o Papai Noel, que ele fará coisas terríveis com as crianças que forem travessas (no original, “naughty”, palavra muito recorrente neste filme). E convenientemente, ao viajarem de volta para casa, à noite, encontram um carro parado no meio da estrada. Papai Noel! Billy diz para seguirem em frente, mas o pai acaba parando carro para ver se o homem vestido de Bom Velhinho precisa de ajuda. Ele puxa uma arma e aponta para o pai. Imediatamente, acelera o carro tentando fugir, mas o “Papai Noel” acerta um tiro e mata o pai.
O carro sai da pista e pára. O bandido também mata a mãe após resistir à tentativa de estupro. Billy corre e se esconde. Seu irmão, um bebê, permanece no carro. Billy vê Papai Noel segurando um canivete com o sangue de sua mãe, e aquela imagem marcará sua vida para sempre. Ele e seu irmão são levados a um orfanato, e esse fantasma do passado irá assombrar Billy da pior forma possível.
Natal Sangrento (Silent Night, Deadly Night, no original) é um filme slasher de 1984 onde o assassino é o protagonista. Na primeira metade do filme, vemos Billy em três momentos de sua vida: aos cinco anos (quando presencia o assassinato dos pais), aos oito anos no orfanato e aos dezoito anos em seu emprego. É interessante salientar que o filme se esforça para demonizar ao máximo a figura de Papai Noel, o Natal em si e as tradições religiosas. O orfanato é liderado por freiras, onde a Madre Superior é mostrada como uma tirana. Não bastasse mostrar símbolos de Natal numa ótica sinistra, o filme ainda mostra uma freira fazendo sexo. O tom blasfemo do filme é, talvez, seu ponto mais forte.
Na segunda metade do filme, vemos como Billy se tornará um assassino serial devido a seu trauma de infância. Se por um lado ele é mostrado como uma pessoa muito boa, suas perturbações acabam o levando para o caminho da psicopatia. E claro, de forma bem súbita, sem grandes aprofundamentos no psicológico de Billy, afinal estamos falando de um belo exemplar do cinema trash.
Billy vira uma máquina de matar, com andar e fala robóticos, repetindo à exaustão “naughty” e “punish”, e a péssima atuação de Robert Brian Wilson contribui para o fator diversão. É caricato, é bobo, é divertido. Afinal, quem espera seriedade num filme destes precisa rever seus conceitos. A sucessão de mortes são gore e bem esdrúxulas, aumentando a boa-baixa qualidade de Natal Sangrento.
Não há muito o que destacar na parte técnica do filme. Este é o segundo trabalho de Charles E. Sellier Jr. e fez algo bom dentro da qualidade que se propõe. O elenco é de mediano pra baixo e o roteiro… é essa coisa descrita acima.
Natal Sangrento é um bom filme para passar o tempo. Nada muito extraordinário, apesar de algumas boas ideias, como mostrar o protagonista-assassino em três idades diferentes, a ótica macabra dos elementos natalinos e algumas mortes criativas. Se quiser uma sugestão, ao invés de assistir a este filme, assista à sequência, Natal Sangrento 2, que, da maneira mais trapaceira possível, gasta metade de seu tempo contando e mostrando cenas deste primeiro filme. Só que sua continuação é uma versão muito mais trash, com momentos épicos de canalhice, mortes babacas e atuações deliciosamente ruins. Você poupa seu tempo e se diverte em dobro!
O subgênero do terror conhecido como slasher foi fundamentado como um estilo a partir da década de 1970 com dois grandes clássicos do terror: O Massacre da Serra Elétrica (1974), de Tobe Hooper, e Halloween (1978), de John Carpenter. A tradução do verbo slash, retalhar, cortar, apresentam pistas do subgênero, fundamentado por um assassino serial, com ou sem máscara, que elimina um grupo de pessoas com, provavelmente, poucos sobreviventes no final.
Evidentemente, há registros anteriores a tais marcos como Psicose (1960), de Alfred Hitchcock, porém, as estruturas analíticas em torno do subgênero não haviam sido desenvolvidas. Dessa forma, os filmes citados permanecem como um dos primeiros fundadores e, posteriormente, a década de 80 daria vazão a grandes séries slasher como A Hora do Pesadelo e Sexta-Feira 13 e, na década seguinte, com Pânico.
Escrito por Todd Ritter sob pseudônimo de Riley Sager, As Sobreviventes, lançado pela Editora Gutenberg, retoma a tradição dos slasher apresentando um depois dos massacres vistos em diversos filmes. A trama é centrada na jovem Quincy Carpenter, a única sobrevivente de um massacre terrível. Ao lado de outras duas sobreviventes de situações similares, ganharam a alcunha de sobreviventes pela mídia. Mas Quincy é a única que guarda poucas recordações de sua noite fatídica, até que novas informações trazem novas lembranças e, finalmente, a verdade.
Sager desenvolve certo ineditismo narrativo ao apresentar um momento posterior após os filmes de horror. Compondo uma narrativa dividida entre primeira pessoa – narrada por Quincy no presente – e terceira – ao apresentar, aos poucos, os fatos acontecidos no massacre que transformou a personagem em uma sobrevivente – a tensão se desenvolve a cada capítulo. Sendo uma obra oriunda do gênero slasher, é como se, a cada nova revelação, fosse iminente a aparição de um homem mascarado e uma faca afiada. Um tipo de leitura fluída que ganha o status de page-turner, uma obra que gera intensa curiosidade por parte do leitor que o faz ler capítulo após capítulo, até o final.
Ao selecionar uma personagem central como Quincy, uma sobrevivente de um massacre brutal, o autor é capaz, mesmo em uma trama mais próxima do suspense, introduzir uma psicologia profunda na garota diante de uma situação-limite com alto índice de trauma. Cada uma das sobreviventes reagiram a sua maneira com seu próprio passado. No caso da garota, o bloqueio neurológico não só funciona como afastamento da situação como garante ao leitor descobrir junto com a personagem os novos fatos sobre o dia fatídico.
Se os filmes sempre pontuam as personagens focadas em um tempo determinado, um final de semana, uma festa comemorativa, a narrativa expande esse tempo, demonstrando que, apesar da grande violência, tem-se um cotidiano normal de alguém que procura recomeçar a vida, apesar do trauma vivido e da característica exploração midiática, comum aos acontecimentos e escândalos de grande repercussão.
Um evidente amante do gênero, Sager transpõe com qualidade as bases do subgênero à sua ficção. Dessa forma, comum ao subgênero, o desenlace traz uma revelação final com reviravoltas, como manda a regra sobre a revelação do assassino, nem sempre tão imaginativa assim. Porém, os fatos são coerentes com a história, ainda que seja interessante pontuar que o leitor que não se sente confortável com o estilo slasher, talvez se incomode com o desfecho. Porém, mesmo nele, há uma interessante discussão sobre a adoração que muitos tem sobre tais massacres reais, como, por exemplo, o sempre presente interesse de muitos a respeito de famosos assassinos seriais.
Com o apoio da leitura atenta de Stephen King, mestre que elogiou a obra como um dos thrillers do ano, As Sobreviventes, eleito uma das melhores leituras de julho no Goodreads, é uma interessante narrativa de suspense que se distância um pouco do comum, alinhando na literatura um dos subgêneros mais queridos dos filmes de terror.
Filmes de estréia podem marcar a carreira de um diretor, mostrando seus maneirismos, alguma temática que ele tem preferência por abordar e até mesmo a estética que ele irá desenvolver ao longo dos anos, e muitas vezes esse mesmo filme de estreia pode não mostrar nada disso na carreira de um realizador.
Lançado simultaneamente nos cinemas americanos e digitalmente pela Amazon e Itunes Store, The Eyes of My Mother, filme de estreia de Nicolas Pesce, traça um poema de terror em preto e branco sobre a vida de Francisca, filha de uma cirurgiã portuguesa vivendo no interior dos Estados Unidos. Inspirado em clássicos do gênero como Psicose, Desafio do Além e Repulsa ao Sexo, o diretor centra todo o peso da trama em cima da atriz Kika Magalhães, que interpreta a personagem Francisca, entregando uma atuação pontual e convincente como uma psicopata, mas ao mesmo tempo trabalhando a ambivalência humana da personagem. São expressivos os momentos em que o contraste aparece pautado no medo da personagem em confrontar uma vida de solidão.
Apesar das claras influências aos filmes citados, o longa quase recusa o uso de cenas gore ou de violência explícita dentro de suas passagens mais marcantes assim como nas viradas da trama, deixando que as lacunas sejam preenchidas pela imaginação do próprio espectador. De fato, essa é a joia na edição e decupagem do longa de Pesce. A fotografia preta e branca é sem dúvida manipulada com maestria por Zach Kuperstein (também seu longa de estreia), existindo momentos em que um simples tom de cinza mais próximo do branco causa um incômodo por trabalhar em função da narrativa, e ao mesmo tempo alguns enquadramentos em cenas noturnas são tão belamente iluminados que é difícil pensar que a mesma ideia já foi feita em outrora.
Apesar de tudo isso o filme sofre de parecer muito pequeno em certos momentos, te fazendo pensar que aquela personagem poderia ter recebido mais tempo de tela pelo constante silêncio, mas por outro lado os poucos e pequenos diálogos de Francisca murmurando pensamentos em português são os mais assustadores e os que parecem mais distanciar a pessoa do monstro que vemos em tela.
Eu me sinto mais que curioso agora para aguardar o novo longa do diretor e quem sabe descobrir o que The Eyes of My Mother vai dizer sobre a carreira de Nicolas Pesce. Parece promissor.