Tag: Bianca Comparato

  • Crítica | Minha Fama de Mau

    Crítica | Minha Fama de Mau

    Erasmo Carlos foi um artista da Jovem Guarda que foi de certa forma ofuscado pelo Rei Roberto Carlos, o que é uma pena. A historia de Minha Fama de Mau começa já em 1965, em um Teatro Record lotado, cantando para a multidão do jeito que ele jamais imaginou. Não demora até o filme de Lui Farias colocar Chay Suede na pele do Tremendão, em 1958 na Tijuca  carioca, quanto era ainda um rapaz sem fama, cometendo alguns pequenos trambiques.

    O longa é narrado em primeira pessoa, e incrivelmente Suede consegue mandar muito bem, superando a pecha de galã puramente para fazer intervenções inteligentes na trama. Suas influências musicais – Bobby Darin, Chuck Berry e Elvis Presley – se misturam com elementos de gibis, e até um pouco da estética dos faroestes dos anos 50 e 60, os cenários e figurinos amarelados não deixam mentir, e incrivelmente essa estética casa bem.

    Da parte do elenco formado por ilustres, o Tim (no filme chamado de Tião, conforme seu apelido do passado) Maia de Vinicius Alexandre é bem melhor encaixado que o do filme/mini série da Globo mesmo com poucas aparições, já Carlos Imperial é feito por Bruno de Luca, que não compromete,mas o destaque positivo sem dúvida vai para Gabriel Leone, que faz Roberto, numa fase de vida muito nova, ainda mortal, apanhando dos playboy jiujiteiros namoradas dos “brotos” que cercavam Bob em início de carreira.

    O roteiro dá bons  momentos para de Luca brilhar como o cafajeste que é Carlos Imperial, além de  dar chance para Bianca Comparato brilhar como Nara, a musa de toda sua vida. As cenas bastante episódicas do filme dão a ele um charme especial, variando entre os pequenos momentos da juventude de Erasmo e cenas do Rio de Janeiro antigo, em preto e branco, resgatando as memórias da Cidade Maravilhosa de um jeito que faz com que ela soe como um personagem.

    O uso que Farias faz das cores combina demais com toda a gaiatice do herói que escolheu biografar, o diretor sabe capturar bem a alma da Jovem Guarda, em especial nos números  musicais de Roberto, Erasmo e Wanderlea (Malu Rodrigues), sem falar que a quebra da quarta parede, com Erasmo falando direto com o público e a reconstrução dos visuais típicos da época são ótimos, superando até a evidente diferença  entre Suede e o cantor que interpreta, que claramente tinha traços mais gordinhos e era mais surrado pela vida.

    É uma pena que as últimas partes do filme que mostram a derrocada do cantor não sejam tão inspiradas quanto as do auge de sua carreira, mas ainda assim há belos momentos nesse ínterim. Minha Fama de Mau ganha o espectador já no início, e o encanto pelo meio, onde a Jovem Guarda se estabelece. A direção de arte e fotografia fazem compor um quadro belíssimo, que só é abrilhantado pelas músicas seminais de Roberto, Erasmo e Cia e pelas atuações de um elenco afiado de um modo poucas vezes vistos em cine biografias brasileiras. Mesmo não sendo dedo na ferida, também não é chapa branca. Considerando o montante de biografias medíocres de figuras da música brasileira e mundial, Lui Farias acerta demais, em um esforço  quase inédito em comparação com seus pares, ocupando um lugar de destaque tal qual Chatô: O Rei do Brasil, de Guilherme Fontes fez alguns anos antes.

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  • Crítica | Morto Não Fala

    Crítica | Morto Não Fala

    Produção brasileira do gênero terror, Morto Não Fala é o longa de estréia de Dennison Ramalho, e já começa bastante promissor por conseguir estabelecer uma atmosfera de horror que não parece ter nacionalidade definida — exceção pela língua, o filme poderia ocorrer em absolutamente qualquer parte do globo, e essa universalidade claramente tem seu preço.

    O início da história mostram sirenes de ambulância, a viatura da polícia científica pega os “restos” de uma briga de torcidas organizadas de São Paulo e as leva até o IML (Instituto Médio Legal). Lá os defuntos são recebidos por Daniel Oliveira, que faz o legista Estênio, e sem maiores explicações o homem começa a conversar com os mortos.

    O modo como Ramalho constrói sua história lembra bastante alguns aspectos do sub-gênero literário que ganhou popularidade dentro do fandom sci-fi e de horror, chamado Ficção Bizarro. O principal dos elementos do estilo é o fato de algumas coisas que seriam estranhas em situações normais não terem peso, não causando qualquer menção a suspensão de descrença, em especial pelo fato de Estênio conversar com o além sem a necessidade de explicar qualquer fato diferente. O aspecto estranho simplesmente é visto como normal dentro daquela mentalidade narrativa.

    O filme tem um gore bem utilizado, e não chega a chocar ou causar asco no espectador. As conversas de Estênio com os mortos também não causam estranheza, é tudo muito natural, e a maior parte desses momentos envolvem diálogos bobos, como o desejo dos mortos de não serem enterrados como indigentes, por exemplo. O que realmente causa estranheza é a vida pessoal do personagem principal, que tem dois filhos e uma esposa, que vive reclamando de si. Odete, vivida pela bela Fabiula Nascimento, que vive reclamando da falta de bons modos do marido e do cheiro que ele carrega por conta de seu trabalho.

    Apesar de não estabelecer regras para o fantástico dentro de seu roteiro, se percebem alguns fatos que ajudam a formatar uma pequena mitologia a respeito das falas dos mortos. Aparentemente, o cadáver não mente e segredo de morto é segredo de morte, se alguém se valer disso para benefício próprio, pagará com a vida. O personagem de Oliveira é a última voz que muitos deles ouvem antes de ouvir o diabo, e um dos defuntos declara algo que fica marcado na memória do protagonista. Os mortos normalmente só falam quando Estênio está sozinho, possivelmente para não chocar as outras pessoas ou para o personagem principal não parecer louco. Isso muda quando ele encontra uma pessoa conhecida na maca, aparentemente a intimidade quebra algumas liturgias do trabalho, e a partir desse momento o mote do filme muda drasticamente, passando a acontecer uma série de eventos estranho com Estênio e com sua família.

    A família que mora com o personagem principal gasta seu tempo assistindo programas jornalísticos sensacionalistas e sanguinários, e essa violência midiática ajuda a retro-alimentar todos os agouros e má sorte que ocorrem não só com Estênio, mas também com Lara (Bianca Comparato), sua vizinha. Nesse meio tempo, Dennison escolhe colocar alguns elementos de filmes gringos de horror, principalmente jumpscares, mas também elementos de poltergeist, típicos dos filmes de casa mal assombrada, além é claro de referências mais específicas, como a Jogos Mortais de James Wan. Essa vontade do diretor de apresentar uma estética estrangeira não é necessariamente ruim, mas esbarra em limitações técnicas. Alguns efeitos especiais computadorizados ficam extremamente artificiais, em especial quando os mortos que falam são mulheres. A maquiagem soa falsa quando combinada ao CGI, ainda mais para uma obra de 2018.

    O filme não é refém dessas referências, e tem em sua fórmula argumentos típicos de outras obras brasileiras que se propõem a discutir temáticas mais sociais e familiares. Esses elementos compõem o cenário, mas não tem um foco narrativo super profundo. Ao menos no quesito atmosfera não há praticamente nada a se reclamar de Morto Não Fala. Há muitos elementos visuais bem pensados e executados. A mensagem final de que a vingança alimenta e o sacrifício não traz necessariamente redenção pode soar rasa para alguns, mas dentro da simplicidade com que a história é tratada, e dada a fluidez do roteiro e direção que Ramalho emprega, faz o quadro artístico muito bem montado e orquestrado.

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  • Review | 3% – 1ª Temporada

    Review | 3% – 1ª Temporada

    Uma questão proeminente na produção brasileira é a questão de se assumir a estética da pobreza, quando, já sabendo das dificuldades de competir esteticamente com filmes de outros cantos do mundo, você assume suas dificuldades técnicas e parte deste saldo para tirar da frente este tipo de comparação. A série 3% tem justamente esta dificuldade estética, quando não consegue assumir para que lado ir. Há um problema claro de visagismo, onde “O lado de cá” não parece um local plenamente deteriorado, mas sim um local sujinho. Já “no lado de lá”, o ambiente superior segue uma estética também um tanto primária. Basicamente, se parece um um hospital.

    Com alguns problemas de ritmo e de foco, alguns MacGuffin que não prestam-se ao papel de desvirtuar nossa atenção para o grande mistério que está por vir, mas sim de fazer parecer que nada lá tem muita importância. Que tudo são pequenas pistas falsas, deixando o solo onde a história é plantada um tanto arenoso e instável.

    As atuações carecem de uma melhor coordenação de elenco, mas a responsabilidade disso é um tanto dos diálogos, que são normalmente repetitivos, dando a impressão que a série está lidando com um conceito mais abstrato do que realmente está. Então, as pessoas repetindo para si mesmas e para os outros o quanto aquilo tudo é relevante, os flashbacks sobre como a vida inteira empurrou aquelas pessoas para aquele momento único na vida e demais recursos, soam desnecessários, embora possam ser isoladamente interessantes.

    Os temas da série

    Sem surpresa alguma, uma série que tem como premissa um mundo onde apenas 3% das pessoas são escolhidas para terem uma boa vida, a partir de premissas aleatórias vindas de algum grupo de poder, fala basicamente sobre a potencial perversidade do conceito de meritocracia. “O mérito só depende de você”, é o que diz Ezequiel, interpretado pelo excelente João Miguel, que aqui demora a se encontrar no papel. A questão é que em um mundo desigual, onde pessoas recebem oportunidades diferentes desde o berço, a busca por uma chancela baseada em mérito se perde.

    Perde-se também quando os princípios morais que regem a sociedade são tão maquiavélicos. Em O Príncipe, de Maquiavel, o mérito está tá na estratégia que se escolhe guerrear suas guerras, e sendo o resultado tal qual o planejado, você escolheu uma boa estratégia. Isso claro, não entra em acordo com princípios éticos no momento em que se é pragmático quanto ao que realmente importa são os resultados. Ora, se o que importa é entrar no Maralto, os meios serão justificados pelos fins. Não a toa é possível ver a perda da ligação social que as pessoas têm entre si, e ao menos na série, esta impostura parte principalmente daquele que consideram que têm mais a perder do que os demais. Se você considera que tem muito a perder, teria a tendência de revisionar mais profundamente seus critérios éticos. Se você já não tem nada a perder, talvez acabe se submetendo à outras ordens sociais, ou revoltando-se. Em algum momento a série flerta com o conceito então da luta de classes, onde uma solução para um conflito entre classes sociais, onde há poderes assimétricos, seria uma revolta da classe dominada sobre a classe dominante.

    O problema é que dentre todas essas questões, a série parece fazer um resumo sobre os problemas que uma estrutura maniqueísta é capaz de proporcionar, inclusive sobre a má fé dos grupos revolucionários, que não raramente podem se dar carta branca para fazer o que quiserem, mas em nenhum momento diz exatamente a que veio. Em algum momento, lá para o final, quando algumas questões sobre aspectos da sociedade do Maralto são explicadas e surgem certos conflitos morais a coisa ganha um pouco mais de estofo, mas que é uma recompensa pouco satisfatória em vista dos 8 ou 9 capítulos que precisaram ser galgados para encontrar este final.

    3% precisa de simpatia, mas vale a pena. Não desista da série, tem coisa lá pra refletir.

    Sendo assim, é preciso certa simpatia para vencer a dificuldade que a própria série tem em se estabelecer como ficção científica. Esta simpatia, aparentemente vem sido mais frequente fora do Brasil do que dentro, pois a série conseguiu encontrar um público formador de opinião e que adquiriu muita simpatia por tudo aquilo que a série buscou representar.

    Excelência é uma questão de pura prática, e a falta de tradição do Brasil em ficção científica obviamente irá se refletir em dificuldades, principalmente por que o orçamento da série não é tão suntuoso como as demais que aparecem na própria NetFlix. Foi uma série feita com recursos escassos e dificuldades técnicas. Black Mirror, por exemplo, teve uma orçamento ao menos 10 vezes maior. O orçamento maior se reflete em mais condições de revisas seu texto, recursos para montar cenas mais imaginativas, mostrar mais do que expor e ainda pagar melhor todos profissionais envolvidos. O que se espera agora é que, com o sucesso da série, possamos vivenciar uma melhora na qualidade e maiores condições de expor as ideias que em princípio ficaram perdidas na série em sua primeira temporada e assim abrir as portas para formarmos a tradição da ficção científica em nossas terras.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.