Tag: Chay Suede

  • Crítica | A Jaula

    Crítica | A Jaula

    A Jaula é situado em algum lugar no tempo próximo da realidade brasileira atual, a trama dá conta de um rapaz que tenta roubar o rádio de um carro, arrombando o veículo para só depois se perceber preso dentro dele, já que o dono preparou uma armadilha inescapável.

    O filme não possui um vasto elenco, baseia-se quase na totalidade em duas figuras, o assaltante Djalma, vivido por Chay Suede em uma interpretação diferenciada de todos os seus papéis habituais, e o dono do veículo, o doutor Henrique, ginecologista vivido por Alexandre Nero, um homem cansado da violência urbana e decide fazer justiça com as próprias mãos.

    O filme apela para os clichês relacionados ao pensamento violento e agressivo dos tempos atuais. Sua atmosfera soa como uma corruptela de um Brasil em crise, e ainda que as ações cruéis do autoproclamado homem de bem só ocorram pela sua falta de perspectiva, acabar por refletir a vontade e a satisfação de boa parte do pensamento conversador e retrógrado atual.

    Colocar em perspectiva esse dilema moral poderia facilmente recair sobre uma abordagem piegas, mas felizmente  não é isso que acontece. O diretor João Wainer (Junho: O Mês que Abalou o Brasil e Quem Matou? Quem Mandou Matar?) ao lado do roteirista João Cândido Zacharias conseguem estabelecer a condenação moral ao sujeito que quer o sangue do fora da lei, e o faz de maneira singular, mesmo sendo este uma refilmagem de 4×4, filme argentino de Mariano Cohn.

    O filme julga o sujeito como quem ele realmente é, um sujeito violento que não busca a justiça que seu discurso propõe, e sim o sangue e a dignidade de alguém que tentou prejudicá-lo. Fica patente que Henrique se considera humanamente superior, e só tem condição  de realizar tão elaborada vingança por estar social e economicamente acima de Djalma. Polícia, mídia e até parte da população mostram que não é só Henrique que pensa de maneira doentia, mas boa parte da população reflete esse revanchismo. A sociedade segue refém desse argumento de justiçamento acrítico.

    O pensamento político de envolver setores da comunicação e as expectativas de uma fração da população são melhor exploradas nessa versão. Wainer ainda cuida em não espetacularizar demais a violência. Há gore, tiros, mas a escolha de mostrar um personagem branco roubando é sábia, pois não apela ao clichê comum de colocar negros como o alvo principal da tortura psicológica. Ainda assim o roteiro tem um tom de denúncia, pois encaixa outro infrator, esse sim, de pele preta, que tenta roubar o mesmo carro sendo linchado pela multidão, levado pela polícia quase irreconhecível, deformado pelos socos e pontapés que sofreu. Nesse universo, tão parecido com o nosso é fácil perceber como até para criminosos existe mais rigidez com gente de pele negra.

    A Jaula é curto, mas consegue estabelecer uma atmosfera de suspense e tortura poucas vezes visto no cinema nacional recente. Seu cineasta não tem receio em fazer um filme de gênero, e essa versão não deixa nada a desejar ao original argentino, adaptando muitíssimo bem certas situações para a realidade do Brasil atual.

  • Crítica | Minha Fama de Mau

    Crítica | Minha Fama de Mau

    Erasmo Carlos foi um artista da Jovem Guarda que foi de certa forma ofuscado pelo Rei Roberto Carlos, o que é uma pena. A historia de Minha Fama de Mau começa já em 1965, em um Teatro Record lotado, cantando para a multidão do jeito que ele jamais imaginou. Não demora até o filme de Lui Farias colocar Chay Suede na pele do Tremendão, em 1958 na Tijuca  carioca, quanto era ainda um rapaz sem fama, cometendo alguns pequenos trambiques.

    O longa é narrado em primeira pessoa, e incrivelmente Suede consegue mandar muito bem, superando a pecha de galã puramente para fazer intervenções inteligentes na trama. Suas influências musicais – Bobby Darin, Chuck Berry e Elvis Presley – se misturam com elementos de gibis, e até um pouco da estética dos faroestes dos anos 50 e 60, os cenários e figurinos amarelados não deixam mentir, e incrivelmente essa estética casa bem.

    Da parte do elenco formado por ilustres, o Tim (no filme chamado de Tião, conforme seu apelido do passado) Maia de Vinicius Alexandre é bem melhor encaixado que o do filme/mini série da Globo mesmo com poucas aparições, já Carlos Imperial é feito por Bruno de Luca, que não compromete,mas o destaque positivo sem dúvida vai para Gabriel Leone, que faz Roberto, numa fase de vida muito nova, ainda mortal, apanhando dos playboy jiujiteiros namoradas dos “brotos” que cercavam Bob em início de carreira.

    O roteiro dá bons  momentos para de Luca brilhar como o cafajeste que é Carlos Imperial, além de  dar chance para Bianca Comparato brilhar como Nara, a musa de toda sua vida. As cenas bastante episódicas do filme dão a ele um charme especial, variando entre os pequenos momentos da juventude de Erasmo e cenas do Rio de Janeiro antigo, em preto e branco, resgatando as memórias da Cidade Maravilhosa de um jeito que faz com que ela soe como um personagem.

    O uso que Farias faz das cores combina demais com toda a gaiatice do herói que escolheu biografar, o diretor sabe capturar bem a alma da Jovem Guarda, em especial nos números  musicais de Roberto, Erasmo e Wanderlea (Malu Rodrigues), sem falar que a quebra da quarta parede, com Erasmo falando direto com o público e a reconstrução dos visuais típicos da época são ótimos, superando até a evidente diferença  entre Suede e o cantor que interpreta, que claramente tinha traços mais gordinhos e era mais surrado pela vida.

    É uma pena que as últimas partes do filme que mostram a derrocada do cantor não sejam tão inspiradas quanto as do auge de sua carreira, mas ainda assim há belos momentos nesse ínterim. Minha Fama de Mau ganha o espectador já no início, e o encanto pelo meio, onde a Jovem Guarda se estabelece. A direção de arte e fotografia fazem compor um quadro belíssimo, que só é abrilhantado pelas músicas seminais de Roberto, Erasmo e Cia e pelas atuações de um elenco afiado de um modo poucas vezes vistos em cine biografias brasileiras. Mesmo não sendo dedo na ferida, também não é chapa branca. Considerando o montante de biografias medíocres de figuras da música brasileira e mundial, Lui Farias acerta demais, em um esforço  quase inédito em comparação com seus pares, ocupando um lugar de destaque tal qual Chatô: O Rei do Brasil, de Guilherme Fontes fez alguns anos antes.

    Facebook – Página e Grupo | TwitterInstagram | Spotify.