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  • 10 Séries Canceladas em 2021

    10 Séries Canceladas em 2021

    Já nos habituamos a todo ano receber notícias a respeito do cancelamento de nossas séries. 2021, apesar de completamente atípico, não poderia ser diferente. É verdade que o atual cenário pandêmico mundial mudou consideravelmente a produção do audiovisual, com diversas delas sofrendo interrupções, mas pouco a pouco as gravações foram retomadas. Entretanto, muitas delas foram encerradas prematuramente — ou até que outra emissora ou serviço de streaming decida continuá-la —, apesar de uma boa recepção de público e crítica, por isso, confira a lista de algumas das que tiveram seu desfecho interrompido neste ano.

    Lovecraft Country

    A adaptação do livro homônimo de Matt Ruff chegou na HBO em 2020, recebeu diversos prêmios e ainda assim teve o anúncio de seu cancelamento neste ano sem grandes explicações e causou bastante surpresa após receber mais de 18 indicações ao Emmy. A showrunner Misha Green vinha trabalhando em um roteiro e o elenco da série ainda com agenda reservada para as gravações de uma nova temporada.

    A série se passava nos Estados Unidos dos anos 1950 e mesclava o horror pulp (e extremamente preconceituoso) de H.P. Lovecraft com o segregacionismo racial do país.

    Punky, A Levada da Breca

    Vocês sabiam que Punky, a série de sucesso dos anos 80 teve um revival em 2021? Nem eu. A continuação da série apostou em produções como Três é Demais, que tiveram continuações recentes com boa parte do elenco original e tiveram um sucesso relativo, no entanto, não foi o caso de Punky que teve seu cancelamento anunciado quatro meses após a exibição da primeira temporada com dez episódios.

    Os Irregulares de Baker Street

    O que aparentava se tornar uma série de sucesso no serviço de streaming da Netflix fracassou amargamente e teve sua produção cancelada na primeira temporada. O grupo de jovens detetives sobrenaturais que trabalhavam para Sherlock Holmes parece não ter feito o sucesso esperado e os custos altos de produção cobraram o preço.

    Meu Pai e Outros Vexames

    Produzida e estrelada por Jamie Foxx, a comédia Meu Pai e Outros Vexames foi inspirada na relação entre Foxx e sua filha. O ator surgiu na comédia, mas a péssima repercussão de público e crítica foi o fator primordial para a Netflix cancelar a sitcom, ainda que os envolvidos aleguem que optaram por não renovar em comum acordo. A primeira temporada contou com oito episódios e, aparentemente, não era apenas a filha que ele estava deixando envergonhada.

    Os Eleitos

    A Disney+ anunciou no primeiro semestre de 2021 que Os Eleitos não retornariam para uma segunda temporada. Com essa decisão, a série se tornou a primeira produção do serviço a ser cancelado.

    Os Eleitos é fruto da parceria da Disney+ com a National Geographic e contou a história da corrida espacial norte-americana. Apesar do cancelamento, outras emissoras e serviços tem apontado o interesse em continuar essa história.

    Cursed: A Lenda do Lago

    A série de fantasia medieval teen, Cursed: A Lenda do Lago, foi cancelada pela Netflix em 2021 após a recepção morna do público em relação ao custo da produção. A releitura da lenda arturiana do ponto de vista de Nimue é baseada na graphic novel de Frank Miller e Tom Wheeler.

    O Legado de Júpiter

    A parceria de Mark Millar e Netflix ainda não rendeu nenhuma produção digna de nota, seja nos quadrinhos ou no serviço de streaming. Na esteira do seriado The Boys, Millar e Netflix acreditavam que a desconstrução dos super-heróis seria uma escolha mais do que acertada, no entanto, a escolha por adaptar apenas pouquíssimas páginas do primeiro arco do quadrinho parece ter cobrado seu preço e o cancelamento foi mais que merecido.

    Ainda assim, tanto o autor quanto o serviço já anunciaram que o mundo de O Legado de Júpiter será abordado em outras produções futuras, como a adaptação da mediana Supercrooks, que ganhará uma série em live action e anime.

    Turner & Hooch

    A série Turner & Hooch estrelada por Josh Peck e servia como um reboot da comédia policial com Tom Hanks, Uma Dupla Quase Perfeita, não conseguiu renovação para uma segunda temporada. Apesar do apelo nostálgico, o serviço de streaming encerrou o seriado com apenas uma primeira temporada de doze episódios. Embora a recepção do público parecesse popular, a série recebeu críticas medíocres da maioria dos veículos especializados.

    Y: O Último Homem

    A adaptação da série em quadrinhos de Brian K. Vaughan e Pia Guerra tinha tudo para ter vida longa na TV, mas assim como O Legado de Júpiter, a produção optou por espremer tudo e mais um pouco de poucas páginas de história e entregar nada ao espectador acreditando que teriam mais tempo para desenvolver a trama. Não rolou. Y: The Last Man não tinha ritmo algum e pouco a pouco a audiência foi diminuindo. Os produtores estão buscando uma nova casa para o seriado, mas até agora sem sucesso.

    Cowboy Bepop

    A adaptação em live action de Cowboy Bebop era bastante aguardada, mas como costuma acontecer em adaptações americanas de produções japoneses, o receio do público era grande. No entanto, assim que a primeira temporada foi disponibilizada na Netflix a recepção foi dividida e ainda que tenha atraído uma parcela considerável de espectadores, o serviço optou por cancela-lo semanas depois da estreia, visto que a audiência não justificava os gastos. Para quem esperava uma continuação para saber o final da série, recomendo que procurem o anime.

  • Crítica | The End of Evangelion

    Crítica | The End of Evangelion

    Evangelion teve uma produção mais conturbada que a mente de seus personagens. Seu diretor, Hideaki Anno, passava por uma depressão profunda, o Estúdio Gainax tinha pouquíssimo dinheiro e, por conta disso, o final do anime foi praticamente um recorte de cenas que mostrou apenas o ponto de vista do protagonista Shinji. Porém, o mundo dá voltas e, quando o anime começou a ser transmitido em um horário direcionado à audiência mais adulta ganhou muita fama e legiões de fãs no Japão e no mundo. Isso não impediu que vários fãs não gostassem do final “cabeçudo” do anime.

    De certa forma, o final do anime não é o que Anno realmente planejava. Ele e a Gainax fizeram o que foi possível na época. Eis que, pouco tempo após o fim do anime, eles conseguiram uma verba suficiente para fazer o que era planejado, e daí nasceu The End of Evangelion.

    Curioso notar que o filme tem a estrutura de dois episódios com o dobro da duração normal, totalizando quase 90 minutos. A qualidade de animação está muito boa e muito menos parada. Mas eles substituem o final do anime? Não!

    Acontece que o anime mostra, em seu final, o ponto de vista de Shinji após a Instrumentalidade Humana, que é uma espécie de unificação de todas as almas da humanidade. Porém, não é mostrado exatamente como chegamos até ali. Inclusive algumas cenas de personagens mortos simplesmente aparecem sem explicar o que os matou. Tudo isso é mostrado neste filme.

    Logo de início, devemos lembrar que Shinji estava mentalmente destruído no final da trama por ter matado alguém querido. Os episódios finais até amenizam um pouco essa situação, mas quando iniciamos este filme, relembramos o quanto ele estava no mais absoluto abismo existencial. Shinji se mantém apático e distante durante o filme todo, causando até um contraste com o final do anime, sendo que este acaba ficando com um tom “feliz” tendo em vista toda a desgraça apresentada neste filme.

    Asuka está desacordada e hospitalizada. O Eva 01 despertou e será fundamental para desencadear a Instrumentalidade. A SEELE fica irritada com a Nerv e decide mandar uma tropa para exterminar a todos e roubar os EVAs. Interessante notar que durante o anime  praticamente não vemos humanos morrerem. Aqui teremos um banho de sangue que certamente causa um impacto considerável.

    Outro ponto interessante é a aparição de uma nova linhagem de EVAs. Durante a série, as Unidades 00, 01 e 02 são as únicas com grande tempo em tela. A Unidade 03 aparece rapidamente (em uma das cenas mais icônicas do anime), outras Unidades são apenas mencionadas, e é isso. Aqui veremos vários outros EVAs em ação,

    Estes EVAs serão essenciais para iniciar a Instrumentalidade, logo após uma batalha sanguinária contra a Unidade 02, cena esta que destrói o pouco que sobrou da sanidade de Shinji. Hideaki Anno não teve pena dos espectadores.

    Temos que lembrar que, durante a série, a Unidade 01 absorveu um Dispositivo S2 de um Anjo, o que deixou-a muito próxima das criaturas, ou seja, supostamente tornou-se uma espécie de deus. Também ocorreu o “despertar” da Unidade 01, tudo isso é crucial para o desfecho da história.

    Alguns dizem que este filme é “o final com violência e orçamento que o anime não pôde ter”. Concordo plenamente. Mas não confunda as coisas, a parte psicológica está a mil por hora, e afirmo que sua cabeça vai fritar ainda mais. Estamos falando de Evangelion, então não espere um final mastigado, explicadinho, reto e definitivo. O término do filme dá brechas a diversas teorias, mas com delimitações. Não é aquele final aberto que possibilita qualquer tipo de interpretação.

    The End of Evangelion é perturbador e instigante, dá um tom mais adulto que a série e não encerra as discussões. A prova disso é que estou aqui, duas décadas depois, recomendando o filme pra vocês. Tanto o filme quanto a série estão disponíveis na Netflix com uma excelente dublagem brasileira. Não é a dublagem da Locomotion, porém algumas vozes permaneceram, como o próprio Shinji e Gendo. Particularmente acho esta dublagem muito melhor por causa das interpretações. Este elenco de dublagem foi mantido na série Rebuild, que estará aqui no Vortex muito em breve.

    OBS.: o filme DEATH (TRUE)², também disponível na Netflix, é apenas um compilado de cenas do anime. Vale assistir apenas para relembrar algumas coisas, mas é dispensável em termos de conteúdo.

  • Crítica | Milagre na Cela 7

    Crítica | Milagre na Cela 7

    Costumo dizer que se um filme causa diversas sensações naquele que assiste normalmente significa que a película cumpriu com o seu papel de entreter. Desde que as sensações, obviamente, sejam condizentes com a proposta apresentada. Se você riu em um filme de comédia, vibrou em um filme de ação, morreu de medo em um filme de terror, bem, a missão foi cumprida. Milagre na Cela 7, uma produção turca que fez um sucesso estrondoso na Netflix, fará você chorar com quase toda certeza, seja de tristeza, seja de raiva ou seja de alegria (ainda bem).

    De tempos em tempos somos apresentados a um específico tipo de filme em que o protagonista é especial mas sempre tem alguma coisa a nos ensinar, como é o caso de Rain Man, Forrest Gump: O Contador de Histórias e À Espera de Um Milagre. Filmes certeiros na combinação de roteiro, direção e atuação de seus protagonistas, que levaram os espectadores às lágrimas.

    Em Milagre na Cela 7 acompanhamos a história de Memo. Vivido pelo astro turco Aras Bulut Iynemli, Memo possui uma deficiência mental e é quase tão criança quanto sua filha Ova (Nisa Sofiya Aksongur). O personagem é dotado de uma inocência e ingenuidade que o torna não só incapaz de entender algumas coisas da vida, mas incapaz, também, de fazer qualquer tipo de mal. Tanto Memo quanto Ova moram juntos da avó Fatma (Celile Toyon Uysal) e vivem uma vida muito simples em um vilarejo.

    Assim como toda criança, Ova é fanática por uma personagem de desenho animado e fica alucinada com uma mochila que está sendo vendida em uma loja da cidade. Memo, junto de Fatma, resolvem fazer quitutes para vender em um desfile que será realizado na cidade, o que faz com que o rapaz consiga dinheiro suficiente para comprar a mochila para sua querida filha. Porém, para a tristeza de todos (o espectador incluído nessa), o personagem chega tarde demais e a mochila acaba sendo vendida para a filha de um militar.  Não demora muito para tempos depois a menina ser encontrada morta após ter interagido com o protagonista. O protagonista é levado para a prisão, mais precisamente para a cela de número 7, e é a partir daí que sua vida muda para sempre junto com a vida das pessoas que estão ao seu redor.

    O filme guarda muitas semelhanças com o clássico À Espera de Um Milagre, mas tem algo na produção turca que faz com que o espectador se entregue muito mais às emoções e podemos dizer que isso é mérito da direção competente de Mehmet Ada Öztekin, que traz uma fotografia totalmente inspirada nos filmes do diretor Terrence Malick. Mas ainda que não tivesse uma beleza estética, a performance dos atores presentes no longa é um destaque. Não há uma atuação ruim e a química de Aras Bulut Iynemli com os demais atores (que não são poucos), principalmente com aqueles que estão em sua cela, é incrível. Sem contar que quando Ova está em cena, a menina não fica para trás. Vale também destacar que a produção é praticamente uma refilmagem de um filme coreano, além de também contar com outras adaptações cênicas do cinema estrangeiro.

    Podemos dizer com certeza que, além de ser lindo, o filme cumpre com aquilo que promete. A jornada de Memo é emocionante em muitos sentidos. A carga dramática é alta, forte e implacável, o que talvez não seja recomendável a todo tipo de público.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | O Tigre Branco

    Crítica | O Tigre Branco

    “Olha como eles veneram a natureza, quem faria isso em Nova York?”

    Primeiro que O Tigre Branco não foi indicado ao Oscar (e entrou no mapa), à toa. O primeiro mundo só finge olhar pro terceiro, quando seus filmes vêm embalados por uma ótima parte técnica, como foi o caso de Cidade de Deus ou Timbuktu, ou ainda, quando um cineasta deles (Danny Boyle) lança o seu olhar não imperialista aos subdesenvolvidos – Quem Quer Ser um Milionário?. Tendo várias semelhanças estéticas e narrativas ao sucesso de 2008 (8 Oscars, na época), O Tigre Branco é o produto perfeito da Netflix para o selo “reconhecemos sua existência, podem se sentar à mesa” que o Oscar vem tentando imprimir, na última década. De ótimas intenções vale a festa, e de fato, eis uma grande oportunidade para o filme de Ramin Bahrani ser valorizado e discutido também pelo que é: uma fábula americanizada do capitalismo em plena Índia, tão desigual quanto o Brasil, aos olhos do jovem e promissor Balram.

    Balram aprendeu, desde pequeno na escola, e no “hospital” ao lado do pai, o fedor da miséria. Das promessas eleitorais vazias, a dor da fome. O sofrimento e a limitação, para o bem e para o mal, fez Balram buscar o dinheiro com uma ambição vingativa à pobreza que nasceu, e claro, ver sempre nos Estados Unidos um exemplo brilhante de país – Eldorado dos lobos. Assim, enquanto Jordan Belfort venderia até a mãe para conseguir uma promoção em Wall Street, Balram possuía valores familiares que o dinheiro não conseguiu comprar, pelo menos não tão fácil, assim. Ainda que benevolente e humilde, aos poucos Balram troca de time na luta de classes ao virar o motorista de um magnata indiano. Ao invés de focar nos excessos e no estudo da ganância, toda a irreverência e a comédia de O Tigre Branco convivem em perfeito equilíbrio junto ao drama de um alpinista social, tentando subir sem sujar suas mãos.

    Mas é claro que Balram falha, nisso. Se até metade da história, temos uma fábula de possibilidades, o crime e a ganância pós-ambição geram um conto de impossibilidades. Isso porque, num comentário crítico a respeito da globalização muito bem adaptada do livro homônimo, de 2008, é impossível para o capitalismo predatório não corromper o sagrado. Se antes Balram venerava as árvores da Índia, o tempo descalço com sua família, e os deuses de sua cultura, agora um iPhone vale muito mais que tudo isso. Como cantou Beth Carvalho e Nelson Sargento, “mudaram toda a sua estrutura, te impuseram outra cultura, e você nem percebeu”. Balram percebeu sim, mas seu medo da miséria foi mais forte. O Tigre Branco acerta em não torná-lo uma vítima do seu meio-ambiente, mas sim em um lutador, um sonhador, que faz o necessário para vencer na vida, e sangrar para sobreviver entre os lobos corruptos. Ele quer ser um deles…

    Há um motivo para os inocentes serem assim, inocentes, protegidos do poder que atrai os piores e destrói os melhores pelo egoísmo, pelo viés das exclusões. Sem trilhar o caminho do vitimismo ou da rebeldia dos oprimidos, o cineasta Ramin Bahrani retrata a ironia do destino ao explorar com naturalidade e precisão um Ícaro indiano, que apostou tudo em seu voo, mas que ao tocar no Sol, enxerga o perigo dos apoios que escolheu até lá – chegando talvez num ponto de “tudo ou nada”. Difícil mesmo é imaginar outro ator senão Adarsh Gourav como Balram, à vontade no papel de quem tem todos os sonhos do mundo, e é atormentado por eles mesmos, descobrindo antes dos 30 que nem o dinheiro, nem a América, fazem da vida uma experiência justa. Um legítimo conto do terceiro mundo, cuja sinceridade sobre o custo (não apenas financeiro) da liberdade do cidadão comum, faz com que os do primeiro também consigam admirá-lo, graças a seu forte apelo emocional, e sem fronteiras.

  • Crítica | Amor e Monstros

    Crítica | Amor e Monstros

    Num primeiro momento, Amor e Monstros parece só mais uma aventura para adolescentes e jovens adultos que em muito se assemelha à Zumbilândia. Essa impressão fica mais acentuada após assistir o trailer, que segue bem a cartilha de Hollywood para filmes desse estilo. Entretanto, a película lançada pela Netflix se mostra uma ótima surpresa, pois ao mesmo tempo em que tem ótimas doses de aventura e humor, traz uma reflexão muito bacana sobre o amor, amizade, luto e amadurecimento.

    Na trama do filme, após a detecção de um meteoro que vem em direção à Terra, os governos lançam uma ofensiva de mísseis nucleares para o destruírem. Porém, o que ninguém contava era que destroços radioativos caíssem no planeta e provocassem mudanças profundas na fauna. Com insetos e outras criaturas gigantes e mutantes, a humanidade é dizimada e os sobreviventes são obrigados a viver em bunkers subterrâneos e outras fortalezas ao redor do globo. É nesse contexto que Joel, um jovem que perdeu a família e foi separado do seu grande amor, resolve contrariar as previsões e partir em busca da sua amada.

    Nenhuma sinopse do filme faz jus ao que ele realmente é. O que aparenta ser uma comédia adolescente vai apresentando cada vez mais camadas que são trabalhadas de forma muito esperta pelo roteiro de Brian Duffield. Fazendo constante uso de metalinguagem, o filme apresenta o contexto dos eventos passados e suas consequências no presente. O protagonista Joel em sua narração em muitas vezes em tempo real e com seu caderno onde cataloga as ameaças e eventos serve como um grande guia por este mundo que nos é apresentado.

    O roteiro ainda é bastante sensível em trabalhar pontos como o amor, a amizade e o luto. O protagonista é um cara puro, romântico, fato esse que o coloca sempre em evidência perante seus pares, mas que funciona como sua força motriz. Chega a ser comovente e o filme trabalha isso com delicadeza. Já sobre a amizade, o filme mostra como em certos momentos as pessoas não parecem perceber a importância que tem para os outros e isso é demonstrado aos poucos em alguns momentos comoventes que fogem de qualquer pieguice ou gratuidade. E ainda, o luto de Joel é constante, com os eventos que o provocaram sendo apresentados em conta gotas, no entanto, a forma como ele lida é bem construída e importante para a narrativa.

    A direção de Michael Matthews é outro ponto forte. Em conjunto com o roteiro, evita o tom sombrio e cínico que assola as produções de Hollywood. Num determinado momento, parece que o filme vai virar um Zumbilândia genérico, porém o clichê é subvertido e o filme assume uma identidade própria, com um tom leve e divertido. O elenco é bem aproveitado, principalmente o protagonista Dylan O’Brien, promovendo dinâmicas interessantes entre ele e o cachorro Boy, além da dupla de sobreviventes que ele encontra pelo caminho (vivida pelo craque Michael Rooker e pela engraçadíssima Ariana Greenblatt) e um robô chamado Mav1s, naquela que talvez seja a grande cena do filme. O filme explora bem os clichês, inclusive os subverte de forma inesperada, fazendo com que a recompensa da jornada, tanto a de Joel quanto a do espectador, seja grandiosa.

    Na parte de ação, Matthews claramente bebe da fonte dos filmes de aventura dos anos 80. As cenas são sempre empolgantes e com a dose certa de humor. Ajudam também os efeitos especiais caprichadíssimos, tão bons que em vários momentos parecem efeitos práticos e não computação gráfica. A indicação ao Oscar de melhores efeitos visuais é mais do que justa e merecida.

    Enfim, Amor e Monstros é um grande filme. Talvez inesperadamente, porque tinha tudo pra errar ou se perder em algum momento, mas é um filme de encher os olhos, seja pelas cenas de ação e efeitos ou pela jornada do protagonista. Vale demais a pena.

  • Crítica | O Céu da Meia-Noite

    Crítica | O Céu da Meia-Noite

    Podemos dizer que filmes de viagens espaciais existem “desde sempre”, quando em 1902, o cineasta francês Georges Méliès dirigiu o ótimo Viagem à Lua, que já nasceu clássico por se tratar do primeiro filme de ficção científica da história, além de também ser o ponto de partida para a criação dos subgêneros da ficção, como os contatos imediatos com alienígenas.

    Apesar da ficção científica estar sempre em evidência no decorrer dos anos, um gênero específico possui pouquíssimos filmes que são muito bem representados, como é o caso dos dramas das viagens espaciais. Talvez, tem-se em 2001: Uma Odisseia no Espaço e em Interestelar os dois maiores filmes do gênero já feitos e podemos adicionar à lista outras produções como Apollo 13: Do Desastre ao Triunfo que é baseado em fatos reais, além dos ótimos Gravidade, Perdido em Marte e O Primeiro Homem, também baseado em fatos reais e o mais recente deles, Ad Astra: Rumo às Estrelas.

    Vale destacar que com exceção de “2001” e “Apollo 13”, que foram lançados em 1968 e 1995, respectivamente, todos os outros foram lançados na última década e olha que não estamos falando da enorme quantidade de seriados do gênero.

    E tudo isso, provavelmente, se deve às últimas pesquisas e missões feitas pela NASA, aliada à Spacex, de Elon Musk, que quer que humanos colonizem Marte o mais rápido possível. Nunca se mandou tantos astronautas e sondas para o espaço como atualmente e, como a vida imita a arte, fica claro que o mercado cinematográfico está aquecido.

    Mas como dito, são poucos os representantes do gênero e O Céu da Meia-Noite, produção da gigante Netflix, busca registrar seu nome neste hall da fama dos dramas de viagens espaciais.

    Dirigido e estrelado pelo astro George Clooney, acompanhamos a história do cientista Augustine (Clooney), que, num Planeta Terra já condenado, decide ficar sozinho numa base no Ártico para tentar alertar os vários astronautas que estão viajando pelo espaço a não voltarem à Terra, dada a sua rápida degradação. A missão destes astronautas é clara: encontrar planetas habitáveis para que possamos sobreviver e perpetuar nossa espécie. E é justamente aí que conhecemos a equipe de astronautas da nave comandada por Sully (Felicity Jones), que está retornando ao nosso planeta com ótimas notícias.

    Então, vemos em tela dois fronts de desespero, sendo um de Augustine buscando contato com as naves fora do planeta e outro da Comandante Sully buscando contato com a Terra que, estranhamente, não responde os seus chamados. E, para piorar a situação, Augustine descobre uma criança que está abandonada na base. A menina Iris, vivida pela atriz Caoillin Springall, provavelmente foi esquecida por alguma das pessoas que abandonaram a base e que motivaram a estadia do protagonista.

    Curiosamente, o filme se destaca mais pela dinâmica da dupla sozinha no Ártico do que pela dinâmica dos astronautas que são responsáveis pelos momentos de maior ação no filme, justamente porque todos os percalços vividos pelos viajantes do espaço já foram vistos no cinema pelo menos uma vez. A direção de Clooney é muito competente. Sua atuação e a química entre os personagens funcionam bem, mas infelizmente, a parte espacial não traz nada de novo para o espectador.

    Mas, ainda assim, visualmente falando, o filme é lindo e esse adjetivo não está somente presente no aspecto estético, já que passa diversas mensagens para aquele que assiste, principalmente na atual condição do nosso mundo hoje, que está doente, ambientalmente falando, pandêmico, com uma população que vem sofrendo constantemente com a saúde mental fragilizada, dentre outros diversos problemas.

    Apesar de ter figurado na lista dos filmes mais vistos na Netflix, só o tempo irá dizer se O Céu da Meia-Noite, figurará na seleta lista mencionada no início deste texto.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | Relatos do Mundo

    Crítica | Relatos do Mundo

    Um desejo: eu realmente espero que todos que assistam a Relatos do Mundo, já tenham visto bons ou ótimos faroestes antes. Caso contrário, há chance de o espectador casual achar que todo western é assim: fraco, disperso e entediante. Isso porque, tirando Django Livre e Bravura Indômita, o século XXI não construiu até agora um bom histórico para essas histórias ambientadas no velho oeste, e que num passado distante, já tiveram a mesma popularidade e sucesso que a Marvel e DC têm, hoje em dia. Assim sendo, Relatos do Mundo é mais uma tentativa fracassada desse gênero tão esquecido pelo grande público, voltar à cena. Só que não: se um dia houve uma vontade de revitalizar alguma coisa ou tornar interessante as jornadas da humanidade nesse cosmos ancestral de poeira e cavalos, essa foi destruída pela direção de Paul Greengrass, ou perdida na sala de edição do filme. Nunca saberemos.

    A adaptação da Netflix e Universal para o romance homônimo de Paulette Jiles é tão inovadora, e atraente, quanto um cubo de gelo na Antártida. No final dos anos 1800, os Estados (Des)Unidos enfrentavam impasses morais que mudariam para sempre a sociedade americana, e por consequência, o mundo ocidental. No ápice da polêmica sobre a abolição dos escravos no sul do país, o norte do Texas estava prestes a explodir em revolta social, e grandes mudanças na mentalidade e no bem-estar do cidadão estavam prestes a começar. Nesse clima quase instaurado de tensão pública e institucional, o homem precisa trabalhar (mesmo que num país hostil, desses), e Tom Hanks interpreta o capitão Jefferson Kidd, um veterano de guerra branco a se embrenhar nas cidades ultraconservadoras do norte, espalhando notícias de muito além da região, em troca de algumas moedas, e uma certa liberdade.

    Tal um rádio ambulante, ou no contexto de 2021, um WhatsApp viajante, Kidd é um homem marcado e solitário por razões que nós nunca nos envolvemos a fundo, no filme, sendo que, aos 30 minutos de exibição, Relatos do Mundo exige que sejamos íntimos dele, e da garota alemã perdida que Kidd passa a proteger. Mas quando nem Tom Hanks, com seus olhos de tio emocionado nos convence disso, temos um problema bem na frente dos olhos. Kidd não sabe que está adotando um ímã de problemas, por onde quer que eles passem, mas nós realmente nos importamos com isso? O diretor Paul Greengrass (escolha errada para a direção) não dá a mínima para as mensagens por trás das imagens naturalistas dessa pseudo-história de perseverança, e resistência, e filma o road-movie de maneira arrastada e esquecível – apesar da excelência da parte técnica presente, em especial a dos cenários barrocos e fotografia. Relatos do Mundo parece um ensaio de um bom faroeste que, talvez, um dia, quase foi concebido.

  • Crítica | Pieces of a Woman

    Crítica | Pieces of a Woman

    Durante um parto doméstico, um bebê falece por causas ainda a serem investigadas. Pai e mãe ficam desesperados e a parteira não sabe o que fazer. Tudo dá errado, e se Deus não está entre nós para ser culpado, alguém precisa ser. Há dois filmes em Pieces of a Woman, dois filmes complementares. O primeiro é sobre os fragmentos internos de um casal depois de um evento desses, e principalmente de uma mulher que vê o sonho de ser mãe acabar bem na sua frente nos primeiros segundos de uma vida tão breve. A segunda história aborda o dia seguinte, a semana seguinte. A vida não para. E o trabalho, e a família, o futuro? Assim, o filme da Netflix (com um elenco fantástico) é sobre juntar os cacos e se amar e o que fazer enquanto a tempestade não cessa – e tudo sem apelar para o melodrama fácil ou maniqueísmos. Feito raro.

    A cineasta Kornél Mundruczó (do fantástico Deus Branco) faz um típico filme europeu nos Estados Unidos, apostando tudo e mais um pouco nas atuações magistrais dos seus atores, muito mais do que em reviravoltas mirabolantes de roteiro ou diálogos espertos em inglês. A problemática que esse jovem casal vivido por Vanessa Kirby (a alma do filme até Ellen Burstyn entrar em cena) e Shia Labeouf (bem longe dos blockbusters milionários) enfrenta durante e depois do parto fracassado é extremamente pesada – o que rende momentos perfeitos para ganhar o Oscar. Momentos de total entrega nas atuações de homens e mulheres aos cacos. Pode-se dizer, portanto, que Kornél dirige algumas cenas com uma força e controle dramáticos extraordinários, muito mais que qualquer cena do recente História de um Casamento, por exemplo. E mesmo assim, sem exageros nas encenações. Trabalho de mestre.

    Por se tratar de um veículo para Kirby e Labeouf brilharem junto de Burstyn (o retorno as premiações) como a avó que quer dar ao quase-neto um funeral decente, Pieces of Woman prende nossa atenção pela tensão presente a cada minuto – filme de suspense mesmo e que começa como um drama bem despretensioso, manipulado a olho nu numa espécie de tour de force sentimental bastante discreto e elegante. A obra cresce, e ao terminar, no tribunal, com a parteira Eva (Molly Parker) sendo finalmente julgada como possível culpada pelo destino do natimorto, temos um arco completo de três mulheres (a mãe, a vó e Eva) que buscam respostas mundanas para a crise existencial que o filme, como um todo, bem representa. Essa é a sensação, afinal, para o espectador: passar por esse abismo emocional junto com essas mulheres e que, no fundo, tentam sair dele ao se agarrar em algo, nem que seja justiça, vingança, alguma coisa! E enquanto os pedaços são colados, a vida teima e continua.

  • Review | The Witcher – 1ª Temporada

    Review | The Witcher – 1ª Temporada

    Nas últimas décadas tem ficado cada vez mais natural, ao citar determinada obra, especificar exatamente qual a versão e a plataforma você procura referenciar. Praticamente tudo que ainda não é, vai acabar virando transmídia se tiver a oportunidade. Todo livro vira um filme, todo jogo vira série, toda série vira camiseta e filtro do Instagram. Todo filme vira um outro filme e depois se transforma em jogo e quadrinho, e por aí vai… Se, por um lado, a humanidade parece ter atingido um bloqueio criativo, por outro, boas obras de cultura pop tem atingido um público cada vez maior graças a este efeito de reciclagem. Um dos bons exemplos de uma obra reenergizada por esse reaproveitamento é The Witcher.

    Em um mundo povoado por seres mágicos, monstros repugnantes e bestas selvagens, a humanidade certamente não ocupa a posição mais alta na cadeia alimentar. Quando o império belicoso de Nilfgaard rompe o acordo de paz e marcha para devastar o reino vizinho de Cindra, a rainha Calanthe ordena a evacuação de sua neta, Cirilla. Refugiada, sem poder confiar em ninguém e seguindo as orientações de sua avó, Cirilla procura por Geralt de Rivia, um dos poucos bruxos ainda existentes e que é seu tutor por juramento. Geralt, um tipo de mutante guerreiro especializado em caçar monstros e remover maldições, precisará enfrentar uma série de desafios para se reencontrar com a princesa e acabará por descobrir que os piores monstros que existem, muitas vezes, não têm origem sobrenatural.

    The Witcher, série americana original da Netflix, é uma adaptação dos livros escritos pelo polonês Andrzej Sapkowski. A produção, dividia em 8 episódios, estreou em 20 de dezembro de 2019 na plataforma vermelha com Henry Cavill no papel do personagem principal. As histórias de Geralt ficaram famosas para o grande público através dos jogos produzidos pela também polonesa CD Projekt Red, que tiveram boas avaliações e recentemente, graças à serie, voltaram a apresentar números expressivos de vendas. Os livros de Sapkowski, bastante populares na Polônia, constantemente baseiam as aventuras do bruxo em lendas existentes no folclore local e por isso parecem tão originais para o restante do mundo.

    Antes de enaltecer todos os pontos positivos (que não são poucos) da série, é importante esclarecer um ponto que sempre foi falho na franquia graças à tradução do polonês para o inglês que baseia as demais versões. O termo polonês que designa aqueles que, como Geralt, treinaram e sofreram mutações para enfrentar monstros é “wiedźmin“. O termo é um neologismo criado por Sapkowski baseado na palavra “wiedzma” que quer dizer, esta sim, bruxa (em inglês, “witch“). Assim como “wiedźmin“, a palavra “witcher” não aparece em dicionários de língua inglesa mas, tal qual a original, sua raiz aponta para alguém que pratica bruxaria, o que não é o caso de Geralt. Em português, o jornalismo de games trata a laia do riviano, na brincadeira, como os “bruxeiros” e essa palavra realmente parece expressar melhor a essência desse tipo de personagem. Ele possui alguns poderes que, a princípio, podem parecer bruxaria mas ele não é um bruxo stricto sensu.

    Apesar de ser bastante popular na Polônia, a coletânea de contos que narram as aventuras ficaram famosas mundo afora apenas depois do lançamento dos jogos produzidos pela CDPR (produtora do recente fiasco Cyberpunk 2077). Como informado pela própria Netflix, antes mesmo da estreia do primeiro trailer, os roteiros desenvolvidos pela equipe de Lauren Schmidt basearam-se nos livros e não no roteiro dos jogos mas isso não parece inteiramente verdadeiro. Levando em consideração o que acontece durante os episódios é possível afirmar, no mínimo, que os jogos parecem adaptar bem os livros originais, dados os claríssimos paralelos entre os dois produtos que o jogador vai conseguir estabelecer com facilidade enquanto assiste a série.

    A relação de Geralt com seus interesses amorosos e com o cavalo que o acompanha são bastante semelhantes nas duas adaptações. Todo o cenário de xenofobia e racismo também é bastante comparável em ambas as obras e o irritante e encrenqueiro Jeskier também vive interferindo nas decisões de Geralt e colocando-o em situações delicadas no jogo. O personagem, como o caçador especializado que é na série e nos games, procura sempre investigar o inimigo e se preparar para a batalha, traçando um plano antes de cada luta com um monstro diferente, e eles não são poucos. As cenas em que Geralt utiliza seus poderes mutantes e que ele tenta renegociar a recompensa por um contrato também aparecem como gratas referências que, se não estão presentes no original, destacam-se como bons tapinhas nas costas dos gamers que estiverem assistindo a série.

    Todo o figurino e cenários da série são, estes sim, claramente baseados nos designs da CD Projekt Red e a fotografia da série é lindíssima. Os personagens reconhecíveis nesse intercâmbio série/jogo também são extremamente parecidos, com uma única alteração que não parece ter causado o alvoroço que outros casos protagonizaram na internet (como a Dominó negra de Deadpool 2, por exemplo). Exceção ao pingente no colar de Geralt, que traz o lobo de Kaer Morhen em um design completamente diferente do mostrado no terceiro jogo, toda a equipe de figurino da Netflix parece ter feito laboratório com os designers da CD Projekt e isso é mais um ponto positivo para a série.

    Além da fotografia lindíssima (que remete a O Senhor do Anéis), The Witcher ainda apresenta uma trilha sonora bem trabalhada. Os temas de fantasia (que também lembram os do épico de Peter Jackson) são bem posicionados e embalam a viagem por paisagens ora belíssimas, ora nefastas e empolgam durante as batalhas. A trilha ainda dá direito à um tema que enaltece, da forma que apenas um bardo medieval poderia fazer, as façanhas do Lobo Branco. Dê o play abaixo e corra o risco de cantarolar o tema por, pelo menos, o resto da semana.

    Apesar de ter sido baseada em uma coleção de livros pouco populares por aqui, a série parece exigir um certo conhecimento prévio sobre, pelo menos, o personagem principal. Essa é, na verdade, a única crítica principal ao roteiro: ele explica muito mal o que é um bruxo e porque ele é diferente dos outros seres humanos. Durante os episódios, vemos Geralt lançar mão de suas famosas poções de bruxo e utilizar sinais que alguns podem confundir com um “force push” (e até um “force influence”, em um episódio) dos cavaleiros jedi de Star Wars. Sem explicar, exatamente, como o treinamento desse tipo de guerreiro acontece e o que ele engloba, fica parecendo que Geralt e os outros bruxos nasceram desta forma e isso não é verdade. Um “witcher” adulto só chega à maioridade através de muito treino e uma porção de sorte, mas a série parte do princípio de que o espectador já sabe disso ou que isso não é relevante. A evolução da guilda de magos e de como a verdadeira magia de Sapkowski funciona no universo de The Witcher ocupa uma parte considerável dessa primeira temporada e apesar do que a série tenta deixar aparente, a magia das guildas não possui nenhuma relação com os poderes do protagonista.

    No quesito atuações, a série entrega um excelente produto. Cavill (o Superman das mais recentes adaptações de Zack Snyder) entrega um Geralt de Rivia bastante fiel à sua contraparte nos jogos. Tal qual o personagem que interpreta, Cavill possui apenas resquícios de sentimentos humanos e mais parece um androide. Nesse sentido, graças a sua falta de habilidade para interpretar um ser humano complexo, eu diria que o britânico nasceu para este papel. As cenas de luta envolvendo Cavill e outros personagens (humanos ou não) são, em sua maioria, bem coreografadas com especial destaque para a luta no final do primeiro episódio. A inglesa, de ascendência indiana, Anya Chalotra fica encarregada de dar vida a Yennefer de Vengerberg, e também toma de assalto suas cenas do meio para o final da série. Yennefer é uma poderosa e vingativa maga, que tem um papel central na trama e acaba se tornando um agente condutor que baliza toda a sequência de eventos na série. A transformação, não apenas física, que acontece com Yennefer é conduzia com maestria por Chalotra que também sai deste review como um dos pontos positivos da série. A jovem Freya Allan, que vive a princesa Cirilla de Cindra, entrega pouco durante a primeira parte e tem algumas atuações típicas de séries juvenis em momentos de carga emocional mais elevada e, portanto, não conta como um destaque positivo no casting da série. O mesmo pode-se dizer de Joey Batey, que interpreta o encrenqueiro bardo Jeskier. Como alívio cômico, o personagem não funciona na maioria das vezes, apesar de compensar interpretando as canções de forma bastante afinada.

    Geralt, Yennefer, Cirilla e Triss: Casting e design completamente inspirados em suas versões no terceiro jogo da CDPR.

    Com efeitos visuais por vezes impactantes mas, num geral, nada extraordinários, a série se destaca como uma excelente adaptação das aventuras de Geralt de Rivia. De fotografia e trilha sonora impecáveis, com atuações dentro da média do que geralmente é entregue pelas séries originais da Netflix e um roteiro elaborado de forma inteligente e corajosa, The Witcher desponta como uma excelente alternativa de binge-watch. Com segunda temporada já confirmada pela produtora, a série é fortemente recomendada para quem já leu/jogou e, ainda mais, para quem nunca ouviu nada sobre os feitos extraordinários do Lobo Branco de Kaer Morhen.

  • Crítica | Os 7 de Chicago

    Crítica | Os 7 de Chicago

    O sistema se alimenta, acima de tudo se protege, e não seria contra sete cidadãos banais e determinados a expor o genocídio de uma população, por um país que atirou tantos dos seus homens para morrer na guerra do Vietnã, que isso poderia ser diferente. O sistema é infalível, e ele precisa passar essa ilusão para as formigas que acordam, o alimentam com seu esforço, dormem e repetem o clico até morrer. Tudo em nome do Deus Sistema. Os 7 de Chicago é uma alegoria a essa sentença indireta para com o cidadão submetido, e como ela foi combatida pela ousadia dos “malucos que querem mudar o mundo”. A utopia almejada é real, ainda que justificável: quando os americanos estavam sendo literalmente jogados no fogo daquelas florestas tropicais, de 1955 a 75, alguém tinha que fazer alguma coisa – além de fumar, e assistir a guerra pela TV.

    Peitar o Estado, seus cães de guarda, e antes de serem presos, ser julgados por isso. Mas aqui a arma é a palavra, e isso combina demais com Aaron Sorkin, um dos mais celebrados escritores de Hollywood. Devoto da retórica e do seu poder de sedução, Sorkin é um entusiasta cuja expertise mora no jogo silábico, no bate-boca – discutir com ele deve ser fantástico, até o Tarantino perderia. O cara saber escrever uma conversa melhor que Kevin Feige produzindo Vingadores, mas agora o “salto de fé” é outro: a direção. Aos esquematizar uma Liga da Justiça de 7 integrantes peitando um juiz a favor da sobrevivência de um povo cada vez mais recrutado para morrer, e do direito de escolher do cidadão em participar do massacre internacional, ou não, Sorkin conduz o espetáculo sem a ajuda de um David Fincher para traduzir sua metralhadora de palavras, em imagens vivas.

    Isso funciona, mas a direção morna do roteirista não eleva o seu texto, muito inexperiente para construir uma verdadeira tensão, mesmo que lhe dê ritmo, realismo e consistência com uma boa encenação coletiva, e uma razoável montagem. Seja como for, enquanto filme de tribunal, Os 7 de Chicago usa e abusa de fantásticas referências jurídicas do passado para atualizar e atrair as novas gerações, ao charme do subgênero de promotores, réus e advogados. Difícil imaginar outra pessoa melhor que o Sorkin para escrever essa história original, mas dá saudades de um Fincher na direção, mesmo que o roteirista de A Rede Social brinque bem de Otto Preminger (Anatomia de um Crime), e Sidney Lumet (12 Homens e Uma Sentença), dois dos seus principais ídolos da era de ouro de Hollywood. A renovação não funciona por completo, mas o filme fica entre os melhores da Netflix, numa seara de aventuras débeis.

    Senão pela tímida construção cênica, total falta de visão estética (é incompreensível como o filme foi indicado a Melhor Fotografia no Oscar 2021), o filme vale pelas boas atuações, em especial a de Sacha Baron Cohen, um poço de carisma como o protestante que não tem nada a perder, e a de Joseph Gordon Levitt, na pele de um jovem promotor escolhido a dedo para fazer o Estado ganhar a causa – custe o que custar. Ele se protege, o império, mas a Liga dos 7 atrai a sociedade civil para representá-la, também, além dos repórteres e suas câmeras, famintos ao farejar o impacto do processo judicial. Uma pena que Sorkin não dialogue sobre a importância da mídia e da liberdade de expressão, numa situação dessas, e mesmo que o diretor não consiga nos instigar como poderia em torno do caso, eis um evento histórico que precisava ser bem contado, e de fato é. Porque nunca é demais se lembrar da importância da democracia, e dos “loucos” que a fazem resistir, de tempos em tempos.

  • Crítica | A Voz Suprema do Blues

    Crítica | A Voz Suprema do Blues

    Em 1927, quando os Estados Unidos ainda nem sonhava com um presidente negro, o capitalismo engatinhava e os afro-americanos ainda provavam o gosto da liberdade, a música unia as comunidades como nenhum outro poder, naquela sociedade. A Voz Suprema do Blues começa sendo um retrato musical deste período, suas tensões e seus costumes no melhor estilo de Uma Cabana no Céu, de 1943, ou o soberbo Carmem Jones, de 1954, mas isso não dura nem 2 minutos – contados no relógio. O diretor George C. Wolfe adapta a peça de teatro de August Wilson com a mesma emoção, potência e inteligência que Joss Whedon comandou a Liga da Justiça de 2017, e alcança a proeza de tornar um conturbado episódio na vida de uma cantora do blues, e sua banda, em um novelão mexicano vazio, sem estilo e sem representatividade alguma, e que parece ter o triplo da duração curta que tem, para dizer o mínimo.

    E se o filme faz Cadillac Records, com a Beyoncé, parecer melhor em suas principais qualidades, o que falar a respeito então? Desde a primeira cena, o filme se atira no colo de Viola Davis, um monstro como a diva sentimental Ma Rainey, e só muda de assento quando o saxofonista de Chadwick Boseman surge para roubar a atenção, em três cenas sob medida para ele ganhar o Oscar. Como é indecente o filme, ou a série que se esconde atrás dos seus atores, ou ainda: um diretor cujo trabalho consiste no brilhantismo do trabalho alheio. A Voz Suprema do Blues é um simulacro de porcelana sobre a época que retrata dentro de um pequeno estúdio de gravadora cheio de artistas com egos super inflados, sem coragem de levantar assuntos polêmicos e fortes que até Dreamgirls teve, pouquíssimas vezes, lá em 2006. Toda a conjuntura política que, percebe-se, está lá e que poderia elevar o filme a patamares de fato relevantes, quase não tem vez aqui. Falta de habilidade, ou talvez de interesse. Covardia.

    Os filmes originais da Netflix sofrem de um problema crônico: não sobrevivem a uma segunda sessão, com exceção de O Irlandês e mais uns dois gatos perdidos – e que não inclui Mank. A Voz Suprema do Blues é o que é, prato raso sem aspecto memorável algum que nos conduza a revisão. Mesmo para os fãs do Pantera Negra, digo, do Boseman, seria melhor selecionar suas cenas individuais e pagar tributo isolado ao show do jovem ator, lenda que foi tão cedo, tal James Dean e Heath Ledger. Para piorar, o projeto não se decide se é cinema ou ainda é teatro, e por via das dúvidas, o diretor acha melhor nos dar um gosto de peça filmada bem morna, bem esquecível. Péssimo. Um pouco de esforço cairia bem, e o resultado não é pior porque os atores entendem isso, e toda a parte técnica, essa sim, segue impecável – figurinos, cenários e mixagem de som. Sobra visual (como é de praxe na Hollywood do século XXI), falta o principal: visão. Direção. Viola Davis precisa escolher filmes melhores.

  • Crítica | Ava

    Crítica | Ava

    O elenco de Ava é de encher os olhos: Jessica Chastain, Colin Farrell, Geena Davis e John Malkovich. O diretor Tate Taylor ficou conhecido por bons trabalhos como Get on Up: A História de James Brown e Histórias Cruzadas, seu filme mais conhecido e reconhecido. Olhando dessa maneira, não tinha como dar errado. Só que deu.

    Na trama do filme, Jessica Chastain é uma assassina que passa a ter crises de consciência durante os trabalhos que lhes são designados. Devido a isso, ela é afastada das suas funções por seu superior, interpretado por Colin Farrell. Aproveitando a deixa, Ava retorna aos Estados Unidos para se reconciliar com a sua família. Porém, ao ser avaliada como um risco para seus empregadores, torna-se um alvo e passa a ser perseguida.

    Ainda que o trailer do filme desse todas as pistas de que ser mais um genérico do já clássico Nikita: Criada para Matar, dirigido por Luc Besson, o elenco chamativo despertou a curiosidade sobre o resultado final da película. O início até se mostra interessante, com uma cena da protagonista e um alvo dialogando dentro de um carro. Já ali fica estabelecida a instabilidade psicológica da protagonista e logo após, em uma sequência de recortes que mostram fatos extraordinários da vida de Ava nos créditos iniciais, são demonstradas as razões que a fazem estar daquela maneira. É um início promissor, mas rapidamente tudo desanda de maneira brutal. O filme se torna um emaranhado de clichês de gênero que são utilizados de maneira horrível. O roteiro de Matthew Newton é fraco, lotado de melodrama barato e situações absurdas que fazem o espectador ficar cada vez mais desinteressado pelo que está sendo exibido na tela.

    A direção de Taylor não ajuda em nada. Se ao menos sequências de ação eletrizantes fossem empilhadas, o filme poderia cumprir a função de direção escapista. Entretanto, o que sucedem são cenas mal ensaiadas de luta, principalmente uma que envolve Malkovich e Farrell, além de outras de ação que não empolgam em nenhum momento. Isso tudo fica mais comprometido ainda pelo final absurdo do filme, inacreditável de tão tosco e despido de sentido. As únicas coisas que salvam são as atuações, em especial a de Chastain. A atriz defende com unhas e dentes o seu papel, mesmo em um filme que é totalmente aquém do seu talento.

    Enfim, essa tentativa de misturar John Wick e Nikita infelizmente é bastante fraca, ainda mais em vista de quem se envolveu no projeto. Uma pena.

  • Crítica | Power

    Crítica | Power

    Não é segredo nenhum que já há algum tempo que somos soterrados anualmente por produções baseadas em histórias em quadrinhos de super heróis ou então que possuem seres superpoderosos se digladiando. Produção da Netflix, Power é mais um desses filmes com humanos cheios de habilidades extraordinárias. Porém, é a abordagem que faz o filme se destacar entre todos os outros, ainda que seu potencial não seja desenvolvido como deveria ou poderia.

    Na trama do filme, uma droga chamada Power é criada e passa a ser distribuída nas ruas de Nova Orleans. Essa droga confere algum super poder aleatório durante o período de cinco minutos a quem a consome, mas também pode matar o usuário. É nesse contexto que a traficante adolescente Robin se alia à contragosto ao policial Frank e ao misterioso Art, já que descobrem há um plano sinistro em que os usuários da droga são monitorados por uma organização secreta.

    A ideia do roteiro de Mattson Tomlin é ótima, porém falar mais do que isso sobre a premissa constitui um mega spoiler, já que os diretores Ariel Schulman e Henry Joost não o aproveitam e nem o desenvolvem da maneira que poderiam. Tudo é muito breve e até mesmo raso. O primeiro grande problema diz respeito à narrativa. Por ser muito apressado, as relações entre os personagens vão se dando aos trancos e barrancos e a afinidade que surgem entre eles custa a ser crível. Há também uma tentativa de crítica social, mas que acaba ficando pelo caminho.

    Além do mais, o filme vai se desenvolvendo quase que como um videogame, com os heróis indo de um lugar ao outro para cumprir algum objetivo e enfrentando uma ameaça. Entretanto, a falta de arcos narrativos bem definidos faz com que o filme fique episódico e esvaziado de tensão. Sem contar que desperdiçam um vilão divertidíssimo ao colocar uma empresa como a grande vilã do filme. Nada contra a escolha de tecnocratas e capitalistas canalhas como vilões, mas nesse caso a vilania precisava de um rosto, alguém pra centralizar e ser a ameaça suprema.

    Com relação à ação, existem algumas boas cenas. A de abertura, em que Jamie Foxx persegue o rapper Machine Gun Kelly que acabou de se tornar uma tocha humana, é muito boa. Os efeitos especiais do homem incandescente são muito bem feitos. Só que em vários momentos os diretores se perdem em malabarismos de câmera e em excesso de cor, ou seja, uma pirotecnia visual que só confunde o espectador. Ao menos o trio de protagonistas, vivido por Jamie Foxx, Joseph Gordon-Levitt e a jovem Dominique Fishback atua bem e derrama carisma por onde passa. Rodrigo Santoro está especialmente canastrão e divertidíssimo como o traficante Biggie.

    Enfim, Power desperdiça uma boa premissa e decepciona ao entregar um filme em que pouca coisa funciona. Talvez nas mãos de um cineasta mais tarimbado, fosse uma produção mais concisa com um potencial bem melhor explorado.

  • Crítica | Tudo Bem no Natal que Vem

    Crítica | Tudo Bem no Natal que Vem

    Tudo Bem no Natal que Vem é a nova parceria entre Roberto Santucci e o ator Leandro Hassum. A história mostra a vida de Jorge, um homem que detesta o feriado natalino por ter nascido no dia 25 de Dezembro e, consequentemente, jamais ter conseguido uma festa de aniversário comum. O filme da Netflix é narrado em primeira pessoa e além de mostrar a rejeição do personagem ao natal, também exibe uma pitada de magia a sua fórmula.

    Jorge se vê em estado de negação. após um momento estranho ele passa a viver um único dia por ano, sempre nos dias 24 de dezembro, suprimindo as lembranças dos 364 dias restantes. Sua vida no automático imita os clichês de Click, filme protagonizado por Adam Sandler, e outros cujo tema é a repetição de um dia específico. A partir de então, presenciamos bons momentos de comédia.

    O roteiro de Paulo Cursino brinca com clichês de filmes natalinos, e com questões comuns a filmes de looping temporal, como O Feitiço do Tempo, e também adapta jargões de obras natalinas e elementos de outros filmes de Sandler, como Afinado no Amor e Como Se Fosse a Primeira Vez. Por mais que os tiques de Hassum sejam enfadonhos, aqui ainda são melhor empregados que em O Candidato Honesto e sua continuação O Candidato Honesto 2, ou a trilogia Até Que a Sorte nos Separe.

    Aparentemente, a parceria entre o humorista e diretor ainda segue com alguma sintonia, mesmo sem o selo da Globo Filmes para chancelar o longa. O texto de Tudo Bem no Natal que Vem é repetitivo, não ousa e não apresenta quase nada novo, mas há algum carisma na parte dramática e momentos genuinamente emocionantes e divertidos. Fora o final um pouco covarde, o longa é uma releitura honesta de clássicos, com influencias entre as já citadas e, claro, Um Conto de Natal, de Charles Dickens.

  • Review | Arremesso Final

    Review | Arremesso Final

    Considerando  o que foi a carreira de Michael Jordan,  é uma pena mesmo que Arremesso Final, série conduzida por Jason Hehir, não pôde ser lançado no Brasil com seu nome original: Last Dance. Ainda mais quando seu significado se alinha com a fala de um dos personagens principais dessa narrativa, o treinador hexacampeão Phil Jackson do Chicago Bulls. Apesar da obra retratar em grande parte a ótica de Jordan, seu foco narrativo também mira o ultimo título do time na temporada 97-98 e também viaje por outras eras, intensificando o documentário.

    O decorrer da temporada referida foi inteiramente acompanhada de câmeras e o gigantesco material bruto ficou parado durante um bom tempo. Somente em 2016,  Jordan permitiu que a ESPN editasse este residual bruto como um documentário especial que seria lançado em 2020, após as finais da NBA. Com a pandemia de Covid-19 e a consequente paralisação da liga, o lançamento foi antecipado para o momento dos playoffs, e isso causou um rebuliço entre jogadores, tanto atuais como aposentados, personagens do seriado ou não, comentando em tempo real cada episódio via twitter.

    Após a repercussão do seriado, muitos personagens se acharam injustiçado. Scottie Pippen achou seu retrato vaidoso e egoísta. Horace Grant não gostou das falas de MJ sobre drogas nos vestiários dos Bulls quando era novato. Aos poucos, os 10 capítulos mexem no vespeiro das polêmicas da vida de Jordan e de outras figuras como Pippen, Dennis Rodman, Jackson, e Steve Kerr. Apresentando não só as quadras e os vestiários mas humanizando-os, explorando seus vícios, como o excesso de apostas de Jordan. Sobre esse tema, a forma como o assunto é abordado é bem delineado, divertido mas sem retirar a gravidade das situações.

    Mesmo sendo parcial, a série não é maniqueísta. A figura do protagonista não é heroica. Varia entre o astro incontestável, a marca inócua e o homem incapaz de se posicionar politicamente. Por mais que todo o documentário seja a parte de Jordan sobre sua vida e carreira, apresenta alguns lugares escuros. Até mesmo com figuras mais vilanescas, como o General Manager Jerry Krause demonizado sem qualquer pudor.

    Já quando se explora a temática de Rodman, não há tanto aprofundamento, até porque há duas obras que lidam bem com esse assunto, também lançadas pelo canal ESPN – Rodman for Better or Worse e o documentário sobre o time dos Pistons, Bad Boys. Os perfis de Pippen e Jackson também são bem explorados embora nesse segundo há exageros ao compará-lo com Rodman. Fora isso, o estudo é bem feito, embora se sinta falta de Toni Kukoc, provavelmente por culpa da pandemia e consequente antecipação do show.

    A construção de Krause como personagem malvado passa por deixa-lo em situações vexatórias. Ao apresentar Jackson como treinador principal (era antes auxiliar) aparece desconfortável e reclamando do vazamento da notícia, surpreendendo até o novo treinador. Neste trecho é exibido uma problemática da versão brasileira com legendas criativas em excesso que nada tem a ver com o original. Bem como piadas que não se adequam como quando Pippen e Jordan falam que os jogadores estavam bebendo e a legenda apresenta a frase “se viessem aqui antes veriam metade dos manos matando um engradado”. Além de se usar termos jamais falados em português brasileiro como cestobolista. Apesar de engraçados, os momentos desviam do texto original. Fora isso, o manager é normalmente apresentado como inepto e tolo. Como faleceu em 2017, nem mesmo pode se defender.

    O desenrolar da rivalidade com o Detroit Pistons de Isiah Thomas, as polêmicas do Dream Team e a construção da marca Air Jordan também são muito bem exploradas. São assuntos tão ricos que poderiam gerar cada um deles um filme solo. A mentalidade super higiênica da campanha Be Like Mike é tratada como se deve: algo problemático, digno de discussão, inclusive nas falas de Barack Obama, que também tem a máscara de genro ideal que Jordan tinha, ainda que o antigo presidente se posicionasse bem mais que o jogador, inclusive criticando-o por não se pronunciar a favor de um candidato negro ao senado para não desagradar os Republicanos.

    Hehir acerta ao mostrar os momentos que MJ pensava em se aposentar. Talvez se tivesse mais tempo ou mais capítulos disponíveis, poderia explorar um pouco sobre como foi sua vida pós segunda saída do Bulls, como quando foi general manager e jogador pelo Washington Wizards ou como dono do Charlotte Hornets, momento em que deixou sua vaidade falar mais alto. Também poderia ter expandido um pouco mais a paixão dos Jordan pelo baseball ou desenvolver a época quando ele jogava no ensino médio. Ao menos se explora bastante os bastidores de Space Jam: O Jogo do Século, inclusive em seus momentos jogando durante a paralização da Liga, logo depois de largar divisões inferiores da Major League Baseball.

    O último episódio foca demais no embate entre Jazz e Bulls. Fala das indiscrições de Rodman, das brigas com Krause e da participação de Kukoc. A sensação ao final é que era necessário que o grupo parasse de jogar. Além de caros, era exaustivo o processo de manter a dinastia. Michael declara que é enlouquecedor sair no auge, mas manter esse nível de cobrança mental e física era igualmente desesperador.

    Arremesso Final termina positivo, otimista e valorizando as vitórias de Jordan. Mesmo com seus olhos marejados, mesmo que não se mostre quase nada de sua vida pessoal, mesmo que ele seja uma figura absolutamente misteriosa e calada pós aposentadoria. Toda essa aura de mistério torna o esforço investigativo ainda mais importante e mais divertido pelo caráter inédito do material.

  • Melhores Animes de 2020

    Melhores Animes de 2020

    Confira a lista dos melhores animes que se destacaram em 2020.

    O ano de 2020 foi difícil para a cultura em geral, e com o mundo dos animes não seria diferente. Vários projetos adiados e transmissões interrompidas para zelar da saúde dos realizadores e responsáveis. Ainda assim, muito material interessante chegou ao público, dos mais diversos projetos e com uma expansão cada vez mais forte dos animes mundo afora. E vamos a lista!

    10. The God of Highschool

    Da leva dos originais do Crunchyroll, The God of Highschool veio para dividir opiniões, principalmente por acelerar os acontecimentos, mas também empolga na ação. O anime conta as aventuras de Jin Mori, Yoo Mira e Han Daewi, que entram no The God of Highschool, um torneio de artes marciais onde o vencedor poderá realizar um desejo, seja lá qual for, e os três jovens enfrentam todo tipo de adversário. A obra, com 13 episódios disponíveis, é uma ode aos grandes animes de luta, com inspirações de Dragon Ball até JoJo’s Bizarre Adventure, com batalhas usando captura de movimento, tornando os golpes mais realistas em meio às lutas espetaculares, que são guiadas pela trilha sonora com influência do kpop, devido ao material original ser uma webtoon sul-coreana, escrita por Youngje Park, usando bastante a cultura do país.

    9. BNA: Brand New Animal

    O original da Netflix em conjunto ao estúdio Trigger, que repetem a parceria já vista em Little Witch Academia. O anime mostra a história de Michiru Kagemori, uma garota que, por algum motivo misterioso, ganha aparência animalesca e acaba em Animalia, uma cidade habitada pelos ferais, humanos que têm a habilidade de se transformarem em animais. A garota se junta ao detetive Shirou Ogami, um homem-lobo, para tentar descobrir o motivo dela ter se transformado em feral, enquanto lidam com problemas na sociedade de Animalia. Disponível em 13 episódios.

    8. Deca-Dence

    Dirigido por Yuzuru Tachikawa (Mob Psycho 100), o anime conta sobre um mundo pós-apocalíptico onde os humanos vivem em uma fortaleza móvel chamada de Deca-Dence. A humanidade luta contra os Gadolls, monstros que diminuíram a população e fizeram com que os humanos se protegessem na fortaleza. Os guerreiros que lutam contra esses monstros são divididos em Gears, que representa a elite, e os Tankers que são os humanos de baixo escalão. Uma garota chamada Natsume sonha em ser uma Tanker, mas acaba sendo movida para trabalhar na manutenção da fortaleza com o misterioso Kaburagi. Tudo começa a mudar na vida de Natsume e também em toda a trama.

    7. Akudama Drive

    O estúdio Pierrot, famoso por produzir obras extensas como Naruto, Bleach e Yu Yu Hakusho, aposta num anime de 12 episódios e com muito estilo, aproveitando a onda cyberpunk, colocando cores vibrantes e ação usando bem o slow-motion e gadgets tecnológicos. Akudama Drive se passa num Japão futurista, em que o governo persegue um grupo de criminosos altamente perigosos denominado de Akudama. A polícia anuncia a execução de Cutthroat, um dos Akudama, e vários nomes perigosos são convocados para libertá-lo em troca de uma recompensa enorme.

    6. The Day I Became a God

    De Jun Maeda, criador de Angel Beats, a história aborda a vida de Yota Narukami, que durante seus exames no ano de graduação do ensino médio, conhece Hina Sato, que se denomina como uma deusa. Hina diz que o mundo irá acabar em um mês, mas Yota duvida, porém ela começa a acertar previsões, o que faz o jovem crer realmente que ela é uma divindade. Então Hina e Yota vão ajudando as pessoas nesse período até o fim do mundo e conta como ela se transformou em uma deusa. O anime distribuído em 12 episódios e produzido pelo estúdio P.A.Works, o mesmo de Angel Beats

    5. Sing “Yesterday” for Me

    Um slice of life que conta a história de quatro jovens tentando lidar com a vida adulta enquanto relembram acontecimentos do passado que ainda permeiam no presente. O anime adapta livremente o mangá de Kei Toume e foi desenvolvido em 12 episódios, disponíveis no Crunchyroll.

    4. Great Pretender

    Mais um original Netflix, Great Pretender conta a história de Makoto Edamura, um vigarista que se considera o maior do Japão. Um dia, ele se encontra com o misterioso Laurent Thierry e começa a fazer parte do seu grupo, crescendo sua fama como ladrão cada vez mais. Great Pretender tem um visual colorido marcante, empolga pela série de crimes arquitetados e pelo carisma dos personagens. Desenvolvido pelo estúdio Wit, responsável pelos enormes sucessos Attack on Titan e Vinland Saga, foi distribuído em 23 episódios na Netflix.

    3. Dorohedoro

    Baseado no mangá de Q Hayashida, o anime apresenta um mundo biopunk, que se divide em duas realidades, o Buraco, lugar que os humanos residem e o Mundo dos Feiticeiros, onde esses são uma raça diferente dos humanos, tendo poderes especiais e tem a capacidade de atravessar as dimensões e ir para o Buraco, tendo uma rivalidade com os humanos. Em meio a isso, Kaiman, um humano com cara de lagarto, junto à sua parceira Nikaido, tentam descobrir o motivo de Kaiman ter essa aparência reptiliana, caçando e interrogando os feiticeiros que possam ter feito isso com ele. O anime, repleto de gore e comédia, foi produzido pelo estúdio MAPPA e distribuído pela Netflix em 12 episódios.

    2. Jujutsu Kaisen

    O grande sucesso do ano é sem dúvida Jujutsu Kaisen. A nova jóia da Shonen Jump, escrita pro Gege Akutami, foi adaptada em anime pelo estúdio MAPPA, trazendo a história de Yuji Itadori, o jovem que vive o luto do seu avô, e por desventuras dos seus colegas de escola, acaba comendo o dedo do demônio Ryomen Sukuna e passa a dividir a sua consciência com o ser amaldiçoado. Ele é recrutado pelos feiticeiros Jujutsu, uma ordem que lida com as maldições, seres sobrenaturais que atormentam o mundo real. A série carrega uma lindíssima animação, com uso dos elementos de terror somados a várias cenas de ação extraordinárias. Anime segue em exibição no Crunchyroll, com previsão de ser finalizado em 24 episódios.

    1. Keep Your Hands Off Eizouken!

    O visionário diretor de animes Masaaki Yuasa (Devilman Crybaby) faz de Keep Your Hands Off Eizouken! uma carta de amor à indústria dos animes e a quem almeja ser um realizador de animação. Serializado em 12 episódios no Crunchyroll, a trama traz Midori Asakusa, uma jovem que ama animes e adora desenhar esboços, que encontra Tsubame Mizusaki, uma modelo famosa que secretamente cria personagens e tem o sonho de ser animadora. Elas unem seus desejos e paixão pela animação e criam o clube de audiovisual “Eizouken”, com a ajuda de Sayaka Kanamori, tendo o objetivo de criar um anime experimental. A cada união de pensamento das garotas, o anime coloca a imaginação delas para saltar na tela, com todo episódio tendo um show de animação excelente, enquanto elas montam passo a passo o seu projeto. Sem dúvidas é o melhor de 2020.

    Texto de autoria de Wedson Correia.

  • Review | Alice in Borderland – 1ª Temporada

    Review | Alice in Borderland – 1ª Temporada

    Três amigos entram num banheiro público, na mesma cabine, ficam ali dentro até que, de repente, todas as luzes se apagam e um silêncio absoluto começa a reinar. Eles saem do banheiro: tudo deserto. Não há uma alma viva sequer. O que aconteceu? Talvez a sua maior dúvida seja: porque diabos três amigos entraram na mesma cabine de um banheiro? Bem, é mais interessante do que parece.

    Os fatos narrados acima ocorrem nos minutos iniciais do primeiro episódio de Alice in Borderland, onde esses personagens são apresentados. Arisu é o típico nerd que joga videogame o dia inteiro e não arruma emprego porque sua família – a contragosto – o sustenta. E sabemos que, no Japão, o trabalho é levado a sério (até demais), por isso a sua família tem um grande descontentamento em relação a ele. Mas não sejamos injustos, Arisu também faz outras coisas além de ficar em casa jogando videogame. Ele sai com seus dois amigos, Karube e Chota. E num desses passeios eles acabam fazendo uma pequena baderna no meio da rua e chamam a atenção da polícia. Nisso eles correm, se escondem no banheiro público e todo mundo desaparece.

    Todos sumiram, sabe-se lá o porquê. Eles perambulam pela rua por horas até que uma placa luminosa aponta uma direção. Eles chegam em um prédio onde tem, em uma sala, vários celulares com uma placa dizendo “UM POR PESSOA”. Eles pegam, ligam os celulares e neles aparecem um aplicativo falando de um jogo que irá começar. Pouco antes de terminar o tempo da inscrição (sim, os personagens estão tão perdidos quanto você, leitor), chegam duas meninas para participar. Aparentemente elas já participaram de outro jogo. E assim começa o primeiro desafio de Alice in Borderland: passar por várias salas, cada uma com duas portas. Abrir a porta errada te mata. A porta correta te leva à sala seguinte. Aparentemente, é um jogo de sorte, mas estamos em uma série baseada em um mangá (homônimo), então há uma lógica por trás daquilo.

    O título da obra é curioso, pois remete ao clássico da literatura Alice no País das Maravilhas (Alice in Wonderland, no original), que se passa em um mundo de fantasia bem peculiar. Aqui, o “mundo de fantasia” é idêntico ao real, mas parece ser uma dimensão alternativa, ou algo na fronteira entre o real e o fantástico, pois há tecnologias bem avançadas. Talvez seja essa a ideia do autor ao usar o termo borderland, que significa “lugar na fronteira” ou simplesmente “o ponto que divide duas coisas”, sendo que essas coisas não precisam necessariamente ser locais ou algo físico; poderia ser, por exemplo, o ponto entre a realidade e a fantasia, entre o mundo real e o mundo alternativo etc.

    O nome de alguns personagens são referências diretas à obra de Lewis Carroll. O protagonista se chama Arisu, que é a forma com que um japonês pronuncia Alice (eles trocam o R pelo L e vice versa, dentre outras peculiaridades fonéticas). Outra personagem se chama Usagi, que significa Coelho, além de outras referências.

    O grande mistério da série é saber por que esses jogos acontecem, quem os organiza e que diabos de mundo é esse. A tensão é constante, pois não basta essas pessoas estarem meio que perdidas. Elas se veem obrigadas a participarem dos jogos, pois cada uma tem “dias de visto”, como se estivessem em um país estrangeiro. A diferença é que, se o seu visto expirar, você é deportado para o mundo dos pés juntos (ou seja, você morre, e por um laser que vem do céu diretamente na sua cabeça). Os jogos sempre mudam e ocorrem em locais diferentes. Ao longo dos dias, os três amigos vão encontrando outras pessoas, e as dúvidas vão sendo respondidas aos poucos.

    Não há muita enrolação. Os oito episódios desta primeira temporada são bem intensos, com muita violência e que já responde boa parte de nossos questionamentos, deixando um bom gancho para a continuação. Podemos dizer que há uma mistura de Jogos Mortais com uma carga de tensão do Battle Royale.

    Apesar de todas as loucuras, podemos tirar algumas críticas e reflexões interessantes. Por exemplo, a falta de sentido na vida de Arisu, ou a tentativa de um lunático criar uma utopia que beneficiará apenas ele mesmo (e mesmo assim dezenas de pessoas aderem a isso, se deixando levar pelo carisma do líder e pelo hedonismo por ele proporcionado). Neste último caso estou falando do já mencionado Chapeleiro, que aparentemente descobriu uma forma de sair dessa “Borderland”. Ele criou o plano perfeito: dar um fiapo de esperança para seus seguidores e deixá-los imersos no hedonismo para que aproveitem suas vidas ao máximo, afinal podem morrer no próximo jogo. E claro, todo traidor será carinhosamente eliminado. Mas preciso admitir: o cara é bem carismático, por isso ele é tão perigoso.

    Alice in Borderland é uma série muito divertida, mas possui momentos bem impactantes e impiedosos. Além disso, este é praticamente um anime em live action, então tudo segue o estilo. Quem não gosta de anime vai se incomodar muito com o estilo da série. Quem gosta de uma bizarrice japonesa, seja bem vindo a Borderland!

  • Review | Parasyte: The Maxim

    Review | Parasyte: The Maxim

    Parasyte: The Maxim, de Kenichi Shimizu, apareceu somente este ano na Netflix, mas é um anime originalmente exibido em 2014. E mais, seu mangá, idealizado por Hitoshi Iwaaki, foi publicado mais de duas décadas atrás (recentemente publicado no Brasil pela Editora JBC).

    O anime conta a história de Shinichi, um estudante japonês comum que mora com seus pais. Porém, alienígenas parasitas chegam à Terra e começam a tomar os humanos como seus hospedeiros, dominando completamente suas consciências e fazendo com que seus corpos se tornem armas bizarras (aquele body horror que só os japoneses sabem fazer, aliado à animação sempre impecável do estúdio Madhouse). Esses parasitas são pequenos e parecem vermes. Um deles tenta parasitar Shinichi, mas ele não consegue tomar seu cérebro. Esse parasita acaba tomando conta apenas da mão direita de Shinichi, e a partir daí eles viverão em uma espécie de simbiose (ou parasitismo?).

    Esta série foi uma grata surpresa. Conseguiram criar uma história de narrativa ágil, intrigante e altamente “maratonável”. A cada dia Shinichi vai conhecendo melhor a forma de pensar de seu parasita, e o próprio protagonista acaba mudando de personalidade. Por diversas vezes, o jovem se vê tomando atitudes e pensamentos frios, mas nem se dá conta disso (ou será que sim?), o que leva a crer que, cedo ou tarde, ele pode perder sua consciência. Os parasitas têm um pensamento puramente racional, sem princípios éticos, até porque eles veem os humanos como mero alimento. E mais do que parasitas, eles são predadores impiedosos. O personagem também irá usufruir de algumas habilidades sobre-humanas e terá vários embates sensacionais.

    A trama é repleta de reviravoltas, momentos engraçados e acontecimentos estarrecedores. A dualidade de Shinichi entre humano/parasita e os assassinatos brutais causados pelos alienígenas tornam a série muito interessante. Há muita violência explícita e momentos fortes. O estúdio caprichou na animação, e provavelmente você assistirá aos 24 episódios em poucos dias. Vale destacar a dublagem brasileira, bastante caprichada e surge como uma boa opção para quem quer evitar legendas, então fica a dica pra quem curte. Anime excelente, divertido, maduro e que pode trazer boas discussões. Ah, e mais um com música de abertura da banda Fear, and Loathing in Las Vegas.

  • Review | O Sangue de Zeus

    Review | O Sangue de Zeus

    Heron vive com sua mãe em um pacato vilarejo da Grécia Antiga. Ele nunca conheceu o pai. A partir de um momento, seres estranhos começam a aparecer e atacar os humanos. Em meio à situação caótica, Heron descobre que seu pai é Zeus, o soberano do Olimpo. A partir daí, Heron se vê totalmente envolvido no conflito com essa horda demoníaca que assola a Grécia.

    O Sangue de Zeus é um dos mais recentes animes produzidos pela Netflix, e fez algo sempre bem-vindo: trouxe a Mitologia Grega à cultura pop. Aqui temos um excelente anime que, infelizmente, só teve oito episódios, mas tudo indica que teremos uma segunda temporada.

    O ponto principal da trama é a horda demoníaca que aparece trazendo caos e destruição. Essa horda surgiu a partir de pessoas que tiveram contato com o corpo de um Titã. Existe a preocupação desses Titãs serem libertados, iniciando literalmente um duelo entre Titãs e Deuses. O líder dessa horda tem uma história bem interessante, que dá uma carga dramática bem no estilo das tragédias gregas.

    A estética do anime é bem legal, trazendo uma ambientação muito boa. Os deuses são retratados com personalidades fortes, e Zeus… bem, ele é um desregrado que se aventura na Terra fazendo filhos bastardos, algo que deixa Hera morrendo de ódio. A relação entre Heron e Zeus também não é das melhores, mas ele precisa da ajuda do deus para cumprir sua missão.

    A narrativa da série é excelente. Apesar da linha central da trama não fugir muito de clichês, as ramificações, detalhes e ouso dos elementos da mitologia grega tornam esta série muito intensa, especialmente na reta final da temporada. Há a sensação de aventura épica, e Heron passará maus bocados ao longo de sua missão. Teremos boas doses de aventura, humor e, claro, momentos trágicos. Série altamente recomendada, foi uma grata surpresa e espero que não demore muito para a nova temporada. Vale destacar a ótima dublagem brasileira, com vozes bem conhecidas.

  • Crítica | Mank

    Crítica | Mank

    Você já viu um artista trabalhando? Herman Mankiewicz não seria um bom exemplo. Escritor alcoólatra e incontrolável no sistema de estúdios de Hollywood, a Terra dos Sonhos aonde a política é encoberta por nuvens de algodão doce, através do jovem cineasta Orson Welles, lhe soltou um ultimato: escrever um filme nos anos 1930, isolado do mundo (e da bebida) em Victorville, na Califórnia (o que iria inspirá-lo para criar a mansão Xanadú, no clássico dos clássicos: Cidadão Kane). Mank ganhou a oportunidade da vida, bem quando sua vida já não valia muito para o sistema – enquanto Welles mandava seus assistentes ficarem de olho na produtividade do genial bebum. Mank bebeu para viver, para ganhar o Oscar, para suas amantes, para suportar a pressão, e a falta de amigos reais. Jack Fincher, pai do autor de Benjamin Button, Zodíaco, Millennium e A Rede Social, viu no drama dessa figura o retrato ambulante dos anos 30, em Hollywood. Anos da Grande Depressão, de problemas sociais tão grandes que só a fantasia poderia compensar a vida real do povo. Uma fantasia que pode ser muito cruel aos tolos, por trás dela. Mank foi um tolo.

    Essa bela cinebiografia da sua vida, um recorte super definido sobre a produção do roteiro de Cidadão Kane, e mais nada, é uma denúncia (um tanto anistórica) sobre o caos atemporal que é fazer parte do coração de Hollywood. Mank conhecia todo mundo, era de casa, e Jack Fincher escreveu a história mais cinematográfica que se teve notícia dele. Falecido em 2003, seu filho nunca teve o aval da Warner, Universal ou Paramount para rodar a história – que David Fincher sempre quis rodar em preto e branco, para reverenciar a época de 30. Diante da recusa generalizada, finalmente a Netflix abraçou o fardo herdado por quem nunca quis fazer um Star Wars da vida, preferindo ser um artista livre e rebelde em busca da sofisticação (nisso, Christopher Nolan é A exceção). Agora, com Gary Oldman (O Destino de uma Nação) dando vida ao complicado Mank, um elenco de elite e uma parte técnica impecável (remetendo, com orgulho, a muitos elementos visuais e sonoros revolucionários de Cidadão Kane), Jack Fincher teve enfim o seu roteiro honrado através da visão perfeccionista de David, e por uma plataforma de streaming que vem sendo apontada como o futuro do cinema – amplamente descentralizado.

    Mank foi um tolo, sim, mas de tolo Fincher não tem nada. Mesmo após alcançar o status de melhor cineasta americano dos anos 1990 (olá, Tarantino), David Fincher (igual outros tantos mestres) está desiludido com Hollywood. Este é o drama latente aqui, o que explica porque o autor de Clube da Luta fugiu para as séries desde 2014. E não é à toa: a indústria que Mank, Welles e tantos outros ajudaram a valorizar, a base de suor e muita dedicação histórica, dá cada vez mais espaço às franquias sem fim, e menos para as grandes ideias ousadas. O próprio público nos anos 2010 só pagou um ingresso caro de cinema para ver uma história inédita, se ela veio do próprio Christopher Nolan – e olhe lá! Com uma audiência sedada por remakes, adaptações de propriedades intelectuais já consolidadas, e eternas continuações (vamos para o nono Velozes e Furiosos), qual espaço que Fincher, um autor verdadeiro, possui nesta máquina? Mank reflete também suas mágoas a essa bilionária indústria, ao showbusiness cruel que demoliu inúmeras carreiras brilhantes, e o fez da noite para o dia.

    É justamente a respeito disso que fala a melhor cena de Mank: quando o fracassado e velho roteirista, após desferir um chilique homérico no palácio do chefão de Hollywood, William Randolph Hearst (interpretado pelo monstro Charles Dance, a grande atuação do filme), é posto com absoluto cinismo e delicadeza, para fora do castelo. Para sempre. O capitalismo não pode ser humanizado, e a pandemia de 2020 nos lembrou disso. Assim, Fincher ilustra através das peripécias de Mank e todos os seus colaboradores o que poderia, muito bem, ter acontecido com ele desde Alien 3, o problemático filme da trilogia que serviu de início de carreira. Com o escritor de Cidadão Kane, ocorreu o pior pesadelo de qualquer artista (lê-se: homem de negócios) em Hollywood: a exclusão. A difamação, não tanto em público, mas entre seus pares, a ponto do autor morrer de fome, ou escapar dos Estados Unidos, como se deu famosamente com Charles Chaplin – o maior artista que Hollywood já viu. O próprio Fincher já admitiu: “Clube da Luta foi um verdade milagre”. Está aí uma coisa que não parece exagero.

    Todavia, a não-obrigação de produzir lucro (apenas requinte para a Netflix, que quer Oscars para ganhar prestígio) deixa os autores livres para caírem numa armadilha: fazer seus filmes para eles mesmos. Como uma faca de dois gumes, isso pode tornar a obra inacessível para a maioria das pessoas, e Mank certamente sofre disso, tal qual Roma de Alfonso Cuarón, e O Irlandês de Martin Scorsese, em menor proporção. A Netflix simplesmente construiu um parque para eles, e a lei foi clara: “sejam vocês mesmos, vocês podem!” Eles foram com certeza, e os três construíram projetos belíssimos nesta autonomia, mas sem grande apelo para as massas se interessarem por um tipo de cinema mais sofisticado, e que não precisa ser assim, gelado. Distante. Algo sagrado, lá no alto do altar. O público fora da bolha de cinéfilos poderia se identificar mais, se interessar mais pelo luxuoso Mank, o novo possível clássico de Fincher, assim como se importa com as aventuras coloridas da Marvel, mas essa não é a vontade dos grandes mestres, ainda. Ser mais acessível, talvez, seja a última pedra que falta na manopla de Fincher.

  • Review | Hoops – 1ª Temporada

    Review | Hoops – 1ª Temporada

    A sinopse da primeira temporada de Hoops descreve um treinador de basquete colegial, super mal humorado, que tenta colocar seu time nas divisões principais das competições do ensino médio dos Estados Unidos. A animação em parceria de 20th Century Fox, distribuída internacionalmente pela Netflix começa no campo onde fica a Escola Lenwood, lugar onde Ben Hopkins (dublado por Jake Johnson) tem uma reação exagerada por conta de uma falta injusta marcada contra seu time, virando automaticamente uma máquina de falar palavrões, conseguindo encaixar quase uma dezena de fucks em menos de dois minutos.

    A ideia do criador do programa Ben Hoffman é mostrar um sujeito incapaz de viver bem, graças à clara misantropia e irritação extrema que ele pratica, mas nem sempre foi assim. Nos flashbacks exibidos na segunda metade da temporada isso é bem resolvido.  Hopkins é o inverso de Coach Carter e outros protagonistas de filmes de esporte (como Momentos Decisivos e Estrada Para a Glória), se assemelhando muito mais com a versão que Nick Nolte fez em Blue Chips, mas sem a mesma genialidade, tanto no trato dos garotos colegiais quanto na narrativa que Ron Shelton montou no roteiro do filme.

    Hoffman já trabalhou em outras animações, como Archer, no entanto ele ficou famoso por conta de seus álbuns country humorísticos, onde brincava com os clichês ligados aos ruralistas e caipiras dos Estados Unidos, e essa experiência o ajuda a zombar do comportamento típico do White Trash americano. Natural do Kentucky, foi um caminho natural escolher seu estado como cenário de seu programa, onde os Lenwood Colts vivem e jogam.

    É fácil notar os motivos que fazem Ben ser tão frustrado no esporte, não só por ter nascido num lugar longe dos grandes holofotes desportivos, mas também porque seus fracassos repercutem no lugarejo onde vive, sempre  à sombra do seu pai que teve alguma notoriedade.

    O estilo desbocado do personagem central gera um sem número de piadas de autoparódia, no entanto, os melhores momentos do seriado certamente são os de constrangimento pela falta de habilidade dele de viver. Ele é um sujeito bem problemático, se culpa por seus “defeitos” genéticos (é baixo e pouco atlético, fato que o impediu de jogar por mais tempo), além de se comparar o tempo todo com o pai, envolvendo não só o interesse em comum no esporte, mas também nas questões afetivas. A primeira vitória que o seu time tem se baseia no estímulo dos meninos de verem seus pais no adversário, e só esse aspecto é um bom resumo do quão triste é a vivência do personagem.

    Os momentos mais engraçados são os musicais. Há pelo menos um por episódio, e a maior parte deles é bem inspirado, por mais cretinas que sejam as piadas. As histórias paralelas também tem alguma importância, especialmente, as que tocam os outros funcionários da escola ou a ex-esposa de Hoffman, mas a narrativa não é bem elaborada, longe disso, o humor ácido é basicamente uma desculpa para mostrar momentos de miséria existencial. Mesmo quando chega ao sucesso, Ben age como um fracassado pretensioso. Por mais que Hoops não seja uma comédia hilária, diverte e abre boas possibilidades para um segundo ano.