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  • Crítica | Velozes e Furiosos 9

    Crítica | Velozes e Furiosos 9

    Velozes e Furiosos 9 tem seu início em 1989, com o patriarca dos Toretto, Jack, correndo em um circuito da Nascar e sofrendo um trágico acidente sob o olhar atônito dos dois filhos. Esse preâmbulo serve para estabelecer que o Dominic Don Toretto de Vin Diesel tem uma ligação emocional com os carros, e ainda introduz Jakob, seu irmão, vivido quando adulto por John Cena, como o novo antagonista.

    Justin Lin retorna a direção e como é visto na introdução esse seria um filme mais dramático que os anteriores. Um dos fatores curiosos da série de filmes era sua capacidade de rir de si mesmo, além de introduzir piadas e memes do público em sua própria história. Fato é que a franquia tinha em seu elenco atores medíocres que repetiam clichês de família para tudo, boas cenas de ação e de carros em velocidade, e invariavelmente se vendia como um filme de assalto ou de conspirações com governos envolvendo carros. Não havia muita preocupação dramática. Muita ação, frases de efeito e diversão, contudo quando a jornada se leva a sério demais, mesmo os defensores mais ardorosos penam na tentativa de justificar toda essa movimentação.

    A fórmula claramente se desgastou, o que sobra é a sensação de que a corda esticou demais. Nem os absurdos e momentos impossíveis funcionam, some-se a isso os adiamentos causados por uma pandemia que matou milhões, e o impacto desse filme beira a zero, nem mesmo o choque de uma revelação familiar dos Toretto quebra essa sensação.

    O filme chegou a ser exibido em grandes festivais, como em Cannes, e teve lançamento de dois cortes, inclusive com uma versão do diretor (com míseros quatro minutos a mais e pouco muda o espírito da obra), fora isso, há conveniências difíceis de engolir, como o retorno de um terceiro irmão Toretto, nunca mencionado. O longa não se contenta em ser um projeto de prequel, como também faz retcons.

    Outra questão foram as brigas das estrelas e a bifurcação do elenco da saga Velozes e Furiosos, com Vin Diesel e Dwayne Johnson não trabalhando juntos dentro desta franquia. Se Hobbs & Shaw é legal, mesmo sem uma bilheteria vultuosa, esse não conseguiu quase nada, foi prejudicado em arrecadação por conta do novo coronavírus e não acerta no quesito escapismo. Parece de fato que algo foi perdido e o apelo a personagens antigos já não é mais o mesmo.

    O longa tem sacadas, ainda que esparsas e meio perdidas no roteiro, como a indagação de um dos personagens ao fato deles terem tantos feitos impossíveis sem nenhuma cicatriz ou perda significativa seja para atrapalhar suas vidas ou como lembranças, mas quando essa sentença é dita pelo ator mais canastrão do elenco, Tyrese Gibson, perde força. A realidade é que mais do que antes, não há nenhum temor pelo destino dos aventureiros.

    Ao terminar de ver Velozes e Furiosos 9 a impressão que fica é que a saga já se esgotou, e que uma trama tão pretensamente adulta que envolve rivalidade entre irmão e até insinuações de parricídio, não deveria se levar tão a sério ou deveria ser introduzido de outra forma. Não após quase duas décadas de duração e dez filmes contando spin offs. É pouco, e nem os retornos forçados do filme compensam suas fragilidades.

  • O Esquadrão Suicida: Melhor filme da DC?

    O Esquadrão Suicida: Melhor filme da DC?

    Vamos aos fatos: por mais que eu seja um grande fã dos quadrinhos da DC e tenha sempre torcido para que seu universo cinematográfico fosse tão bem-sucedido quanto o da Marvel, todos concordamos que a casa de grandes personagens como Batman, Superman e o Esquiador Escarlate vem patinando em suas adaptações live action. Fica muito claro que, para se afastar da concorrente, a DC apostou em retratar seu universo de forma mais realista, sombria, séria… O que se mostrou ser uma tremenda de uma bomba, já que seu universo capitaneado pelo “visionário diretor Zack Snyder” se mostrou muito aquém do esperado. O Homem de Aço, primeiro filme desse universo estendido, mostra um Superman confuso e sombrio, o oposto do que ele deveria ser e representar. Estaria tudo bem se isso fosse arrumado na continuação, mas Batman vs Superman: A Origem da Justiça consegue ser ainda mais confuso e fora de propósito. Os fãs, evidentemente, esperariam que tudo se encaixasse no Liga da Justiça, de 2017, e a lambança foi ainda maior! Para que esse universo faça algum sentido, foram precisas uma versão estendida de BvS e um novo corte de 4 horas de Liga da Justiça de Zack Snyder. Ainda assim, é muito mais fácil acompanhar vinte e tantos filmes da Marvel do que ter que fazer um curso de várias semanas para entender minimamente o tal Universo Estendido da DC.

    Mas aí vieram uns pontos fora da curva. Aquaman deu uma banana marinha pra essa linha darkzêra e nos mostrou um filme extremamente colorido e divertido, com uma história aventureira que fez com que o herói mais zoado dos Superamigos se tornasse cool nos dias de hoje! Shazam! foi outra grata surpresa, trazendo um quê de Ben 10 pro personagem e imediatamente criando identificação tanto com o público infantil quanto adulto (que viu ali aquele clima nostálgico do Tom Hanks em Quero Ser Grande, só que com poderes). Arlequina e as Aves de Rapina também foi um filme muito divertido, tendo como principal qualidade o fato de irritar nerdolas que reclamam de “lacração” (hahahahahahahahahaha, eu não me aguento! Hihi!). E logo depois, no mesmo ano, a diretora Patty Jenkins provou que mulheres podem, sim, estar no mesmo patamar de diretores homens que fazem filmes ruins, lançando Mulher Maravilha 1984, que inovou em seu estilo sendo uma bomba de qualidade inversamente proporcional a do primeiro filme da Amazona, de 2017.

    E aí temos O Esquadrão Suicida!

    Voltemos no tempo um pouquinho antes de falar dessa novo filme. Esquadrão Suicida, filme de 2016 que nos apresentaria pela primeira vez nos cinemas a Força-Tarefa X, foi um fiasco! A história que chegou aos cinemas quase não fazia sentido, a equipe pequena deixava claro que quase ninguém morreria (exceto o injustiçado Amarra) e a ameaça que eles enfrentaram era risível (uma feiticeira rebolante). Fora o Coringa, que andava pelo entorno do filme sem propósito algum para a trama e que não faria falta alguma se fosse completamente limado do corte final. Aliás, dizem que existe um “snydercut” do filme do David Ayer que seria melhor do que aquilo que vimos. Bobagem, não tem conserto não! Mas por alguma razão que ninguém sabe qual (cof, cof, Arlequina, cof), o filme acabou caindo nas graças da galera do marketing e rendeu boas vendas de cadernos, camisetas e tatuagens de palhacinhas. Esquadrão Suicida, afinal, era uma excelente ideia, só que porcamente executada. Merecia uma segunda chance. E aí veio o filme de 2020.

    Os primeiros 14 minutos de O Esquadrão Suicida é tudo que o filme inteiro de 2016 deveria ter sido! Uma missão secreta de infiltração com vilões altamente dispensáveis, ação, traição, mortes e execução por deserção, tudo está ali! Em CATORZE minutos! Não é preciso muito tempo de tela pra se explicar do que se trata a Força-tarefa X, nem por quê eles têm o apelido de Esquadrão Suicida, nem muito tempo explicando o background de cada personagem, porque eles são descartáveis. Um cara russo que é proficiente em arremesso de dardos, um que ninguém sabe quais são os poderes, outro que é, literalmente, uma doninha… Ótimo, vamos pra ação!

    Uma coisa que vemos muito em filmes de heróis é a economia de personagens, principalmente vilões. Geralmente, não usam muitos para não desperdiçar o que poderia ser usado mais tarde, ou apenas mostram um vislumbre, como foi com o Darkseid no Snydercut, para que se plante a semente de um filme futuro que, na real, nunca acontece. James Gunn faz o oposto disso. Nunca usaram o Starro como vilão em nenhum filme da Liga? Bora botar ele aqui! Pacificador, Sanguinário, Bolinha…? AH, MANDA PRO PAI! Não tem nenhuma vergonha de se utilizar de personagens que, vamos ser sinceros, não teriam outra chance de aparecer no cinema mesmo! Diferente de Snyder, que parece ter vergonha de personagens galhofa como o Jimmy Olsen (que ele matou na versão estendida de BvS), Gunn abraça a estética dos comics em todos os elementos de seu filme, seja nos uniformes bregas como o de Dardo ou do Pacificador, seja na própria narrativa. O diretor não tem vergonha de colocar dois personagens em CGI totalmente irrealistas para os padrões Snyderescos, e nos brinda com Doninha e Tubarão-Rei, sendo esse segundo o mais carismático de todo o filme (com voz do Garanhão Italiano Sylvester Stallone).

    O Esquadrão Suicida é um filme que não tem vergonha de suas origens nos gibizinhos. Ao contrário, abraça todo esse absurdo, conta com a suspensão de descrença do público e nos entrega diversão amalucada e violenta da mais alta qualidade! Claro que, passada algumas semanas de seu lançamento, já sabemos que o filme flopou nas bilheterias. Infelizmente, isso se dá mais por questões externas, como o marketing confuso (é uma sequência, um remake ou um reboot?), a classificação indicativa alta, o elenco com grande número de personagens desconhecidos e, obviamente, a pandemia que impossibilita a lotação das salas de cinema. Ainda assim, é possível que o filme tenha lançado algumas das sementes que germinarão nos próximos filmes da DC, tanto no tom quando na estética e, esperamos, com bons roteiros e direção ousada. Pode não ser o melhor filme da DC de todos os tempos, mas com certeza é o mais importante dessa década!

  • Crítica | Amor e Monstros

    Crítica | Amor e Monstros

    Num primeiro momento, Amor e Monstros parece só mais uma aventura para adolescentes e jovens adultos que em muito se assemelha à Zumbilândia. Essa impressão fica mais acentuada após assistir o trailer, que segue bem a cartilha de Hollywood para filmes desse estilo. Entretanto, a película lançada pela Netflix se mostra uma ótima surpresa, pois ao mesmo tempo em que tem ótimas doses de aventura e humor, traz uma reflexão muito bacana sobre o amor, amizade, luto e amadurecimento.

    Na trama do filme, após a detecção de um meteoro que vem em direção à Terra, os governos lançam uma ofensiva de mísseis nucleares para o destruírem. Porém, o que ninguém contava era que destroços radioativos caíssem no planeta e provocassem mudanças profundas na fauna. Com insetos e outras criaturas gigantes e mutantes, a humanidade é dizimada e os sobreviventes são obrigados a viver em bunkers subterrâneos e outras fortalezas ao redor do globo. É nesse contexto que Joel, um jovem que perdeu a família e foi separado do seu grande amor, resolve contrariar as previsões e partir em busca da sua amada.

    Nenhuma sinopse do filme faz jus ao que ele realmente é. O que aparenta ser uma comédia adolescente vai apresentando cada vez mais camadas que são trabalhadas de forma muito esperta pelo roteiro de Brian Duffield. Fazendo constante uso de metalinguagem, o filme apresenta o contexto dos eventos passados e suas consequências no presente. O protagonista Joel em sua narração em muitas vezes em tempo real e com seu caderno onde cataloga as ameaças e eventos serve como um grande guia por este mundo que nos é apresentado.

    O roteiro ainda é bastante sensível em trabalhar pontos como o amor, a amizade e o luto. O protagonista é um cara puro, romântico, fato esse que o coloca sempre em evidência perante seus pares, mas que funciona como sua força motriz. Chega a ser comovente e o filme trabalha isso com delicadeza. Já sobre a amizade, o filme mostra como em certos momentos as pessoas não parecem perceber a importância que tem para os outros e isso é demonstrado aos poucos em alguns momentos comoventes que fogem de qualquer pieguice ou gratuidade. E ainda, o luto de Joel é constante, com os eventos que o provocaram sendo apresentados em conta gotas, no entanto, a forma como ele lida é bem construída e importante para a narrativa.

    A direção de Michael Matthews é outro ponto forte. Em conjunto com o roteiro, evita o tom sombrio e cínico que assola as produções de Hollywood. Num determinado momento, parece que o filme vai virar um Zumbilândia genérico, porém o clichê é subvertido e o filme assume uma identidade própria, com um tom leve e divertido. O elenco é bem aproveitado, principalmente o protagonista Dylan O’Brien, promovendo dinâmicas interessantes entre ele e o cachorro Boy, além da dupla de sobreviventes que ele encontra pelo caminho (vivida pelo craque Michael Rooker e pela engraçadíssima Ariana Greenblatt) e um robô chamado Mav1s, naquela que talvez seja a grande cena do filme. O filme explora bem os clichês, inclusive os subverte de forma inesperada, fazendo com que a recompensa da jornada, tanto a de Joel quanto a do espectador, seja grandiosa.

    Na parte de ação, Matthews claramente bebe da fonte dos filmes de aventura dos anos 80. As cenas são sempre empolgantes e com a dose certa de humor. Ajudam também os efeitos especiais caprichadíssimos, tão bons que em vários momentos parecem efeitos práticos e não computação gráfica. A indicação ao Oscar de melhores efeitos visuais é mais do que justa e merecida.

    Enfim, Amor e Monstros é um grande filme. Talvez inesperadamente, porque tinha tudo pra errar ou se perder em algum momento, mas é um filme de encher os olhos, seja pelas cenas de ação e efeitos ou pela jornada do protagonista. Vale demais a pena.

  • Crítica | Guardiões da Galáxia: Vol. 2

    Crítica | Guardiões da Galáxia: Vol. 2

    O cinema que James Gunn executa tem uma identidade própria e muito bem definida. Seus filmes atravessam multi-gêneros, variando entre o humor, a aventura escapista e até mesmo ao gore. Foi assim no terror de invasão alienígena Seres Rastejantes, filme que faz rir e constranger graças as nojeiras estabelecidas ao longo de sua duração, e foi assim também com seus dois filmes anteriores, Super e Guardiões das Galáxia que, a sua maneira, trataram de reformular o modo de contar histórias audiovisuais com elementos do universo dos quadrinhos.

    Guardiões das Galáxia Vol. 2 repete tudo que dá certo no primeiro exemplar, conseguindo através dos esforços de seu diretor e elenco superar os detalhes que já eram bons. Os principais expoentes cômicos certamente são o brucutu Drax, de Dave Bautista, que finalmente encontrou seu timing de comédia, e a pequena animação gráfica do Baby Groot, dublado por Vin Diesel.

    As promessas de expansão são cumpridas, em especial no clima aventuresco, que se torna ainda maior do que toda a disputa que havia ocorrido no volume um contra Ronan, O Acusador. Dessa vez, se explora o passado de Peter Quill (Chris Pratt), mostrando um preâmbulo ainda na Terra durante os anos 1980, onde é mostrado o personagem de Kurt Russell, Ego, fazendo às vezes do Starman, de John Carpenter, reutilizando de maneira cômica alguns dos elementos vistos até em Prometheus, ainda que o tom aqui seja completamente outro. A relação estabelecida entre Star-Lord e o personagem novo abre uma nova gama de assuntos, dando até uma inteligência emocional poucas vezes vista em filmes de super-heróis, uma vez que não se abre mão de toda a diversão típica da trupe centrada, assim como não há qualquer artifício que subestime o espectador.

    Além de explorar bem o background de Gamora (Zoe Saldana) – em especial no que diz respeito a sua irmã adotiva, Nebula (Karen Gillan) – sendo este também um enorme acerto do roteiro, ainda há um crescimento de importância para outros personagens secundários, como ocorre com Yondu, que por sua vez é interpretado pelo amigo de longa data de Gunn, Michael Rooker. O ator sempre causou nos espectadores de seus filmes e séries um incomodo tremendo, uma vez que sempre foi medíocre, além de normalmente encarnar personagens sem carisma ou sem predicados que tornassem a associação dele a uma figura minimamente simpática. Dessa vez tudo que o que ocorre com ele ganha uma importância enorme, em especial por sua ligação com Stakar Ogord (Sylvester Stallone) e com Peter. Em poucas oportunidades se viu uma transformação tão boa de uma figura de ódio para um mentor, ainda mais em tão pouco tempo.

    A trilha sonora continua repleta de hits de qualidade indiscutível, bem como continua muito interessante a participação de Rocket Racum (Bradley Cooper) como o rabugento carente que guarda consigo as sacadas cujo humor é mais refinado, ainda que certamente sejam de Drax os momentos mais escandalosamente hilários. Apesar de pouco acrescentar a mitologia da saga e franquia – ao menos se contar apenas elementos estruturais – há um salto de qualidade em níveis de escala, sendo esta a continuação da Marvel que mais se permite experimentar, sem abrir mão das marcas registradas de Gunn, que são a mistura de humor rasgado com crises existenciais, a edição videoclipe, e claro, um gore que apesar de não incomodar uma parcela do público, ao menos faz referência aos seus produtos mais antigos. Nesses quesitos, Guardiões das Galáxias prossegue como uma franquia quase irrepreensível, com histórias ainda caras e pungentes e uma visão de cinema bastante peculiar e diferenciada.

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  • Crítica | Guardiões da Galáxia

    Crítica | Guardiões da Galáxia

    guardiões da galáxia

    Os filmes de super-heróis se consolidaram com um gênero cinematográfico de tal maneira, que os vídeos estão cada vez mais parecidos com os quadrinhos. Não no sentido de fidelidade nas adaptações, mas em estruturas que podem ser reconhecidas em ambas as mídias. Temos continuações, cronologias confusas, reboots, e no meio desse emaranhado, fãs discutindo qual é o melhor. Agora, realizadores tentam faturar um pouco mais com personagens de baixo escalão. O segredo, nesses casos, parece ser a pouca pretensão por parte de quem produz e as baixas expectativas por parte de quem consome. Guardiões da Galáxia partiu da desconfiança total para uma leve curiosidade, e acabou se revelando mais um acerto do Marvel Studios.

    Embora exista há décadas e tenha passado por várias reformulações, o grupo nunca foi muito conhecido, nem mesmo entre os leitores de HQ. Até porque, a parte cósmica do Universo Marvel sempre foi um nicho dentro de outro. Entretanto, isso permitiu grande liberdade na hora da transposição para a telona: ainda que os personagens sejam, em sua maioria, fiéis às atuais versões dos gibi, o tom do filme vai por outro caminho. O humor sempre foi parte marcante nas produções do estúdio, mas Guardiões da Galáxia é, de longe, a que mais se assume como comédia. Ou melhor dizendo, uma aventura que não se leva a sério, com cara e alma de anos 80. Não à toa, a cultura pop dessa época é reverenciada ao longo de todo o filme, como por exemplo, a citação, gritantemente óbvia a Star Wars.

    Nessa linha descompromissada, o diretor James Gunn (co-roteirista ao lado de Nicole Perlman) não se preocupa em construir um plot elaborado, ou mesmo em estabelecer os detalhes do cenário em que a história se passa. Temos a sutil noção de uma história que se passa em um universo grande, multicultural, e com narrativa pregressa. Em um canto limitado desse universo, uma arma poderosa ameaça, não apenas a frágil paz entre duas civilizações, mas também todos os seres do cosmo. Argumento inegavelmente clichê, mas que não se mostra um problema, justamente por se apresentar-se desde o início, como uma justificativa para juntar uma galerinha do barulho que vai se meter em altas confusões – e garantir uma diversão insana durante a jornada.

    Os aspectos técnicos são irrepreensíveis, principalmente a trilha sonora, inspirada e perfeitamente conectada com a narrativa. Mas a chave para o filme funcionar é a maravilhosa interação entre os protagonistas. Todos têm espaço para se diferenciar enquanto indivíduos, ganhando um carisma que só aumenta conforme o grupo vai se formando. A união pode até ser rápida, mas convence. Em comum, eles são anti-heróis imperfeitos que, por baixo da pose, escondem traumas verdadeiros. Seres solitários que, mesmo sem entender ou admitir, são tocados por uma amizade que surge de forma natural, porém nada piegas, já que, como amigos de verdade, eles vivem zombando uns dos outros, comprovando que a zoeira não tem limites.

    Nessa conexão com a loucura espacial está o terráqueo Peter Quill, abduzido quando criança, logo após perder a mãe, e criado por saqueadores espaciais. Ele se torna um aventureiro canastrão que se autodenomina Senhor das Estrelas. O ator Chris Pratt começa atuando com um ar abobalhado, o que soa muito forçado, mas se recupera brilhantemente, conforme novas camadas são adicionadas ao personagem: um malandro que mostra ter bom coração e ser capaz de atos heroicos de pura abnegação, embora, logo em seguida, exija ser reconhecido e louvado por isso. As cenas são tão impagáveis quanto sua visão de Footloose e Kevin Bacon, que simplesmente valem o ingresso.

    Zoë Saldana como Gamora, repete com qualidade o papel que já representou várias vezes (Avatar, Star Trek, Os Perdedores, etc), a durona que esconde uma certa fragilidade. O conceito da “mulher mais perigosa do universo”, presente nos quadrinhos, foi levemente ignorado, mas o resultado foi uma personagem menos unidimensional e mais interessante. Drax, o Destruidor, encenado pelo competente Dave Bautista, seguiu um caminho parecido. Entretanto, seu background mostra-se denso e sombrio, o que destoa um pouco do contexto.  A solução para encaixá-lo foi manter sua postura séria e criar um humor involuntário em cima disso, como pode ser notado em suas sensacionais interpretações literais das gírias de Peter.

    Os membros mais estranhos do grupo são também os mais marcantes. É impressionante o carisma conseguido por Groot, uma árvore humanoide que só repete uma mesma fala. O personagem, (na voz de Vin Diesel) tem sido comparado a uma versão muito mais simpática de Chewbacca. E por fim, Rocket, o célebre Guaxinim com Trabuco que ganhou a voz, quase irreconhecível de Bradley Cooper, mostrando a versatilidade do ator nesse trabalho. Rocket é um gênio tecnológico e planejador, irônico, mordaz, sacana, carente e raivoso; mais um caso em que as camadas compõem um ótimo personagem.

    O restante do elenco conta com nomes notáveis em participações discretas, como Glenn Close (líder da Tropa Nova), John C. Reilly (oficial da mesma Tropa), Djimon Hounson (capanga do vilão) e Benicio Del Toro (mais uma vez como o afetado Colecionador, já visto na cena pós-créditos de Thor – O Mundo Sombrio). Michael Rooker se destaca um pouco mais, como o divertido Yondu, “pai adotivo” de Peter e Lee Pace se encaixa perfeitamente no estilo religioso fanático do vilão Ronan, o Acusador, personagem visualmente interessante, mas pouco desenvolvido. Karen Gillan também faz um bom trabalho, irreconhecível como a ajudante de Ronan, Nebulosa. O pai da moça, ninguém menos do que Thanos, aparece rapidamente, e ainda que seu interesse pelas Joias do Infinito seja citado explicitamente, sua sombra ameaçadora permanece apenas nas margens do filme, de forma que somente os bons amantes da Marvel entenderão.

    A conexão com o restante do universo cinematográfico da Marvel é tímida. A cena pós-créditos, por sinal, é tão desconexa quanto a de Homem de Ferro 3. Disso, porém, resulta algo de positivo. Guardiões da Galáxia mostrou potencial para ser uma franquia com identidade e atrativos próprios, e não apenas um laboratório para apresentar e testar conceitos a serem utilizados nos filmes dos astros do estúdio. A sequência, já anunciada, prova não apenas o conhecido planejamento da Marvel Studios, mas também sua capacidade de continuar expandindo e explorando novas propriedades.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | O Colecionador de Ossos

    Crítica | O Colecionador de Ossos

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    Não há mediano no universo de filmes policiais. Ou a trama sustenta-se e consagra-se ou vira história mal contada com elementos de investigação. Atualmente, o cinema preocupa-se muito mais em criar uma atmosfera violenta, pelo choque que causa no público, do que conduzir uma boa investigação, coerente e instigante, mesmo que isso seja sinônimo de uma história mais tradicional.

    O Colecionador de Ossos tornou-se um defensor de um estilo não mais em voga, preocupado em justificar a função de cada assassinato no enredo e nunca tirar de cena um dos elementos primordiais da narrativa de investigação: o detetive. Baseada na obra de Jeffery Deaver, a trama desenvolve a dinâmica de dois policiais díspares que, devido à importância do caso, são obrigados a trabalhar juntos.

    A formulação da parceria entre as personagens é composta de maneira não usual. Promove um brilhante detetive forense, incapacitado por um acidente, e uma novata descontente com o departamento em que trabalha. Juntos, a unidade que a dupla produz se torna eficaz, utilizando a experiência de um homem preso a uma cama e um precoce instinto forense de uma policial novata, ainda não acostumada com a brutalidade dos crimes.

    A interpretação de Denzel Washington impressiona pela limitação da personagem. O ator consegue, utilizando apenas o rosto e o tom da voz, expressar a amargura de um homem limitado fisicamente, ciente de que seu quadro clínico não será melhor, e o brilhantismo de um detetive dedicado, em anos de profissão, a estudar e compreender a difícil ciência forense, tornando-se uma referência no assunto e com vários livros publicados. Enquanto Angelina Jolie, ainda não glamourizada pela beleza ímpar, entrega eficiência entre certa beleza ordinária de uma policial bem composta, com personalidade forte, fundamentando credibilidade à trama.

    O sucesso do filme se deu, em boa parte, pelo fato do público acompanhar com os detetives a evolução das mortes e a investigação do caso. Abstendo-se de revelações surpreendentes ou reviravoltas no roteiro como gancho. Preocupando-se em manter a coerência da história para que ela potencialize o suspense da investigação e a eventual revelação dos culpados.

    Estranhamente, nunca houve uma continuação, embora os romances de Deaver deem sequência à parceria das personagens. O livro que originou esta produção foi o primeiro a apresentá-las e, também com estrutura tradicional, apresenta com excelência seu crime e seus desenlaces, sendo uma recomendação a quem gosta do gênero ou se interessou pelas personagens.