Tag: Margot Robbie

  • O Esquadrão Suicida: Melhor filme da DC?

    O Esquadrão Suicida: Melhor filme da DC?

    Vamos aos fatos: por mais que eu seja um grande fã dos quadrinhos da DC e tenha sempre torcido para que seu universo cinematográfico fosse tão bem-sucedido quanto o da Marvel, todos concordamos que a casa de grandes personagens como Batman, Superman e o Esquiador Escarlate vem patinando em suas adaptações live action. Fica muito claro que, para se afastar da concorrente, a DC apostou em retratar seu universo de forma mais realista, sombria, séria… O que se mostrou ser uma tremenda de uma bomba, já que seu universo capitaneado pelo “visionário diretor Zack Snyder” se mostrou muito aquém do esperado. O Homem de Aço, primeiro filme desse universo estendido, mostra um Superman confuso e sombrio, o oposto do que ele deveria ser e representar. Estaria tudo bem se isso fosse arrumado na continuação, mas Batman vs Superman: A Origem da Justiça consegue ser ainda mais confuso e fora de propósito. Os fãs, evidentemente, esperariam que tudo se encaixasse no Liga da Justiça, de 2017, e a lambança foi ainda maior! Para que esse universo faça algum sentido, foram precisas uma versão estendida de BvS e um novo corte de 4 horas de Liga da Justiça de Zack Snyder. Ainda assim, é muito mais fácil acompanhar vinte e tantos filmes da Marvel do que ter que fazer um curso de várias semanas para entender minimamente o tal Universo Estendido da DC.

    Mas aí vieram uns pontos fora da curva. Aquaman deu uma banana marinha pra essa linha darkzêra e nos mostrou um filme extremamente colorido e divertido, com uma história aventureira que fez com que o herói mais zoado dos Superamigos se tornasse cool nos dias de hoje! Shazam! foi outra grata surpresa, trazendo um quê de Ben 10 pro personagem e imediatamente criando identificação tanto com o público infantil quanto adulto (que viu ali aquele clima nostálgico do Tom Hanks em Quero Ser Grande, só que com poderes). Arlequina e as Aves de Rapina também foi um filme muito divertido, tendo como principal qualidade o fato de irritar nerdolas que reclamam de “lacração” (hahahahahahahahahaha, eu não me aguento! Hihi!). E logo depois, no mesmo ano, a diretora Patty Jenkins provou que mulheres podem, sim, estar no mesmo patamar de diretores homens que fazem filmes ruins, lançando Mulher Maravilha 1984, que inovou em seu estilo sendo uma bomba de qualidade inversamente proporcional a do primeiro filme da Amazona, de 2017.

    E aí temos O Esquadrão Suicida!

    Voltemos no tempo um pouquinho antes de falar dessa novo filme. Esquadrão Suicida, filme de 2016 que nos apresentaria pela primeira vez nos cinemas a Força-Tarefa X, foi um fiasco! A história que chegou aos cinemas quase não fazia sentido, a equipe pequena deixava claro que quase ninguém morreria (exceto o injustiçado Amarra) e a ameaça que eles enfrentaram era risível (uma feiticeira rebolante). Fora o Coringa, que andava pelo entorno do filme sem propósito algum para a trama e que não faria falta alguma se fosse completamente limado do corte final. Aliás, dizem que existe um “snydercut” do filme do David Ayer que seria melhor do que aquilo que vimos. Bobagem, não tem conserto não! Mas por alguma razão que ninguém sabe qual (cof, cof, Arlequina, cof), o filme acabou caindo nas graças da galera do marketing e rendeu boas vendas de cadernos, camisetas e tatuagens de palhacinhas. Esquadrão Suicida, afinal, era uma excelente ideia, só que porcamente executada. Merecia uma segunda chance. E aí veio o filme de 2020.

    Os primeiros 14 minutos de O Esquadrão Suicida é tudo que o filme inteiro de 2016 deveria ter sido! Uma missão secreta de infiltração com vilões altamente dispensáveis, ação, traição, mortes e execução por deserção, tudo está ali! Em CATORZE minutos! Não é preciso muito tempo de tela pra se explicar do que se trata a Força-tarefa X, nem por quê eles têm o apelido de Esquadrão Suicida, nem muito tempo explicando o background de cada personagem, porque eles são descartáveis. Um cara russo que é proficiente em arremesso de dardos, um que ninguém sabe quais são os poderes, outro que é, literalmente, uma doninha… Ótimo, vamos pra ação!

    Uma coisa que vemos muito em filmes de heróis é a economia de personagens, principalmente vilões. Geralmente, não usam muitos para não desperdiçar o que poderia ser usado mais tarde, ou apenas mostram um vislumbre, como foi com o Darkseid no Snydercut, para que se plante a semente de um filme futuro que, na real, nunca acontece. James Gunn faz o oposto disso. Nunca usaram o Starro como vilão em nenhum filme da Liga? Bora botar ele aqui! Pacificador, Sanguinário, Bolinha…? AH, MANDA PRO PAI! Não tem nenhuma vergonha de se utilizar de personagens que, vamos ser sinceros, não teriam outra chance de aparecer no cinema mesmo! Diferente de Snyder, que parece ter vergonha de personagens galhofa como o Jimmy Olsen (que ele matou na versão estendida de BvS), Gunn abraça a estética dos comics em todos os elementos de seu filme, seja nos uniformes bregas como o de Dardo ou do Pacificador, seja na própria narrativa. O diretor não tem vergonha de colocar dois personagens em CGI totalmente irrealistas para os padrões Snyderescos, e nos brinda com Doninha e Tubarão-Rei, sendo esse segundo o mais carismático de todo o filme (com voz do Garanhão Italiano Sylvester Stallone).

    O Esquadrão Suicida é um filme que não tem vergonha de suas origens nos gibizinhos. Ao contrário, abraça todo esse absurdo, conta com a suspensão de descrença do público e nos entrega diversão amalucada e violenta da mais alta qualidade! Claro que, passada algumas semanas de seu lançamento, já sabemos que o filme flopou nas bilheterias. Infelizmente, isso se dá mais por questões externas, como o marketing confuso (é uma sequência, um remake ou um reboot?), a classificação indicativa alta, o elenco com grande número de personagens desconhecidos e, obviamente, a pandemia que impossibilita a lotação das salas de cinema. Ainda assim, é possível que o filme tenha lançado algumas das sementes que germinarão nos próximos filmes da DC, tanto no tom quando na estética e, esperamos, com bons roteiros e direção ousada. Pode não ser o melhor filme da DC de todos os tempos, mas com certeza é o mais importante dessa década!

  • Crítica | Aves de Rapina: Arlequina e Sua Emancipação Fantabulosa

    Crítica | Aves de Rapina: Arlequina e Sua Emancipação Fantabulosa

    Não é a toa que o nome do longa Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa foi mudado para Arlequina em Aves de Rapina, para muito além do insucesso de bilheteria que ele sofreu, pois o filme de Cathy Yan é todo montado para que Margot Robbie brilhe. O início da trama se dá em um monologo franco, que se confunde com uma narração que fala direta ao público, onde a palhacinha  fala a respeito de sua jornada trôpega e violenta rumo a independência.

    Yan acerta na direção ao abordar a historia de uma forma lisérgica , lidando de um jeito divertido com as situações graves vividas pela personagem nessa encarnação, fazendo tudo soar leve, acompanhado claro de uma edição frenética e videoclíptica. É bem curioso como mesmo tendo adjetivos bem parecidos com os vistos no péssimo Esquadrão Suicida de David Ayer, não há uma desordem ou falta de identidade como no filme anterior, ao contrário, cada personagem secundário e a própria protagonista são muito bem justificados, fugindo da pecha clichê de família forçada ou vilões  e contraventores que praticam sacrifícios que nada tem a ver com o caráter de cada um.

    A dedicação a jornada de emancipação das integrantes das Aves de Rapina tem uma configuração bem diferente da dos quadrinhos, isso não necessariamente é ruim, mas fato é que essas encarnações estão muito distante do que é conhecido por essência e caráter das personagens. Entre os mais fiéis, certamente a Caçadora de Mary Elizabeth Winstead (soberba em sua jornada de vingança) é a que mais lembra a personagem original. A Renee Montoya que Rosie Perez faz tem boa parte das características, mas é um personagem de alívio cômico um pouco exagerado, já as versões da Canário Negro de Jurnee Smollett-Bell é bem diferente, mas nessa versão há  camadas que deixam a personagem bem complexa. Por parte do grupo de protagonistas, apenas a Cassandra Cain de Ella Jay Basco decepciona um pouco, pois só pega emprestado o nome da ex-Batgirl, mas sua personagem move a historia tão bem que não compromete toda a trama.

    O filme é visualmente deslumbrante, a edição brinca com entradas e saídas dos lugares onde as mulheres aparecem, quase como se elas adentrassem portais em uma metáfora digna de desenhos animados dos irmãos Fleischer e os vistos nos clássicos dos Looney Tunes. Há todo um aspecto cartunizado que faz referencia a origem de Harleen Quinzel no desenho animado do Batman de Bruce W. Timm, ainda que aqui isso não seja levado tão a serio.

    A quebra da quarta parede só ocorre bem porque Robbie está muito afinada, e porque ha uma bela química entre ela, Winstead, Smollet-Bell e Basco. Mesmo Ewan McGregor está muito bem, embora seja um pouco apagado durante a trajetória das mulheres que buscam sua independência. Seu Roman Sionis tem poucas características do Máscara Negra original, mas a releitura é bem digna do vilão que chegou a ser um dos maiores antagonistas do Morcego durante os nos 2000. Fica a curiosidade para ver o Batman dentro dessa versão de Gotham, mesmo que por ser essa uma historia contida, se entenda porque ele não aparece.

     O desfecho de Aves de Rapina é um pouco truncado, a tentativa de justificar a metalinguagem é desnecessária e expositiva em excesso, o espectador não é bobo e não é preciso que se reforce a ideia de que a Arlequina é uma versão feminina do mercenário tagarela Deadpool (em alguns pontos,essa pecha é até justificada, como nos quadrinhos recentes pós novos 52), mas ainda assim o final possui o humor negro e o gore que ajudaram tantos filmes baseados em quadrinhos a se tornarem populares, é realmente lastimável o resultado ruim de bilheteria, pois esse nem pode ser chamado de um filme de nicho, tampouco é uma obra preocupada em lacrar ou qualquer panfletarismo barato que tanto acusam essa versão de Birds of Prey.

    Facebook – Página e Grupo | TwitterInstagram | Spotify.
  • Crítica | Era Uma Vez Em… Hollywood

    Crítica | Era Uma Vez Em… Hollywood

    A filmografia de Quentin Tarantino é um objeto que merece estudo, dentro e fora das telas por inúmeros motivos, inclusive alguns que mal tocam a figura que o realizador tem para o cinema mundial. Odiado por cinéfilos mais alternativos (e chatos) e adulado por muita gente que conhece superficialmente a história de Hollywood (posers), ele costuma inflamar paixões demais com seus filmes, e a expectativa para que feche logo o décimo, e possivelmente, último filme seu causa frisson em muitos – talvez ele jamais cumpra a promessa de parar em dez, mas vá lá. Pois bem, Era Uma Vez em… Hollywood é sua nova obra, que prometia refletir sobre  a historia da Familia Manson e o assassinato brutal de Sharon Tate.

    Ao menos, essa era a promessa. O diretor e roteirista jamais escondeu que Alfred Hitchcock é uma de suas principais influências, tendo inclusive reproduzido um trecho de um filme dele em Bastardos Inglórios, e essa obra, usa muitos elementos do cinema hitchcokiano. No início do filme, são mostrados trailers fakes, de seriados e filmes, bem ao estilo Grindouse/Planeta Terror/À Prova de Morte, e logo, é mostrado a dupla de protagonista, a estrela decadente de seriados western Rick Dalton, e seu dublê Cliff Booth, feitos respectivamente por Leonardo DiCaprio e Brad Pitt.

    No início, o filme traz boa parte das marcas do diretor, há um foco especial nos pés das belas mulheres do elenco, cenas de dentro de carros, com a câmera registrando o ângulo de quem está sentado no banco de trás, no centro, além disso, há muitos diálogos que ajudam o espectador a entender o estado de espírito dos personagens, em especial a melancolia de Rick, que se sente mal sobre sua carreira, que aparentemente, não alcançou o que seu talento teria.

    Da parte de Cliff, a rotina do sujeito é bem diferente da que seu parceiro e camarada tem. Ele não tem dinheiro, ou luxos, vive em um humilde trailer, e faz todo tipo de serviço para sobreviver, sendo um faz tudo do ator de TV, além de obviamente fazer as cenas perigosas  em seus filmes e episódios. É engraçado que o longa seja um filme de outsiders e excluídos, e esse aspecto obviamente se vê mais na jornada de Booth do que de Dalton, mas ambos são páreas em suas funções, não tem trabalhos glamourosos, e o máximo de fama que tem, ocorre basicamente pelo fato de o mais abastado dos dois ser vizinho de Roman Polanski e Tate.

    O rooteiro é bastante linear dessa vez, até tem alguns flashbacks, e se permite fazer muitas pausas para mostrar o nível dos trabalhos dos personagens, com micro episódios hilários (ou não) da vida de Cliff, Rick e até de Sharon, que é magistralmente feita por Margot Robbie. É engraçado até como Tarantino não utiliza tanto a figura de Robbie como sexy simbol, pondo-a em momentos breves, dentro de festinhas comportadas. Mesmo quando estão em festas nas mansões da Playboy, as cenas são bem comportadas, as mulheres mais sexualizadas, são as que envolvem as membras do culto conhecido como a Família Manson.

    Tarantino faz uma ode ao cinema que sempre amou, mas especificamente o sub-gênero western spaghetti, inclusive desdenhando de quem desdenhava desses filmes italianos de ação, inclusive citando Sergio Corbucci (Django e Vamos Matar Companheiros), e além disso, ele brinca com mitos hollywoodianos, inclusive com ícones dos  filmes de artes marciais – em uma cena hilária, diga-se de passagem, envolvendo orgulho, vaidade e o sub mundo dos dublês – mas também humaniza demais os entes desse universo, pois os homens e mulheres que trabalham e vivem no backstage, mostrando esses como personagens mesquinhos, vaidosos, cujos passados são sombrios e cheios de boatos sujos.

    O texto brinca demais com a humanidade não só dos que estão sob as luzes da ribalta, mas sim com o todo envolvendo a indústria, o que de certa forma, conversa bastante com a montanha de polêmicas e crimes cometidos por Harvey Weinstein, antigo amigo de Tarantino e produtor da maioria esmagadora de seus filmes, evidentemente sem condenar por completo essas pessoas, mas também não suavizando a gravidade dos crimes cometidos.

    Era Uma Vez em.. Hollywood tem um humor negro muito forte, se utiliza bastante do gore no seu terço final, perverte fatos e biografias mais uma vez, em prol é claro de uma historia que Tarantino quer contar e consegue fazer isso louvando e debochando de inúmeros estereótipos do cinema norte-americano. O cineasta não tem receio de ofender qualquer grupo de fãs e só o fato de não ligar para possíveis reclames por parte de fãs mais intolerantes e xiitas já é um indício de tática ousada, e para variar ele revisiona a história, é reverencial com as vítimas da família Manson e desdenha dos membros desse culto, como também faz uma crítica fina às crenças religiosas da maioria das celebridades.

    A maior poesia desse texto reside em mostrar o quão frágil é o ego e psique de quem movimenta os sonhos de cinema do mundo, e faz isso com maestria e zero sutileza, apresentando um conto pervertido, pesado, com zero personagens inspiradores e ainda assim bem mais leve do que a realidade suja e tangível que Hollywood apresenta. O verniz que o cineasta apresenta aqui é sensacional e sensacionalista, eleva as estrelas ao seu devido lugar e não romantiza nada, desconstrói e reergue os pilares do cinema mais pomposo do mundo não conseguindo replicar ainda toda a podridão que reside ali na realidade, uma vez que nem toda ficção faz jus a realidade, e além disso, o filme ainda se vale pouco dos péssimos defeitos dos últimos produtos de Tarantino – em especial Django Livre e Os Oito Odiados – e mesmo tendo uma duração extensa, funciona de forma dinâmica, em especial na criação de toda atmosfera de estranheza e naturalidade necessária para que todo esse drama soe crível.

    Facebook – Página e Grupo | TwitterInstagram | Spotify.

  • Crítica | Eu, Tonya

    Crítica | Eu, Tonya

    O começo da cinebiografia comandada por Craig Gillespie se dá com pequenas entrevistas, gravadas em câmeras de videocassete antigas, remetendo a um amadorismo da gravação. Dentre essas entrevistas, há também a da própria Tonya Harding (Margot Robbie), fazendo um papel diferente, da princesa da patinação do gelo que ficou famosa entre outros fatores pelas controvérsias em que se meteu durante sua tentativa de brilhar.

    Os primeiros momentos mostram sua infância e começo de treinamento, seguido por uma vida adulta conturbada, e de pouca ou nenhuma feminilidade. Segundo ela própria, Tonya era uma mulher com pouca delicadeza. Em comum, entre os dois momentos distintos da vida, há a alegação de que ela sofria violência de sua mãe, LaVona Golden (Allison Janney), quando pequena e depois de Jeff Gillooly (Sebastian Stan), seu antigo companheiro. Ambas pessoas negam que isso ocorria, e por mais que a câmera mostre os fatos ocorridos, há uma forte carga de quebra da quarta parede.

    O filme se alicerça no desempenho de Robbie, que é uma atriz mais conhecida por seus dotes físicos e por sua beleza indiscutível do que por sua qualidade dramatúrgica. A oportunidade que lhe é dada é muito bem aproveitada, mas o formato metalinguístico que o roteiro de Steven Rogers prega para o filme faz cansar o espectador, soando repetitivo.

    As cenas que mostram a ruptura do que era considerado correto, com o cumprimento de um ataque à sua rival, Nancy Kerrigan (Caitlin Carver), planejado por  Jeff, soa muito mal executado. A partir daí o caráter de comédia de erros se intensifica e o longa tenta emular características dos filmes dos Irmãos Coen, em especial Fargo e Queime Depois de Ler, ainda que o texto aqui não seja tão inteligente e mordaz.

    Ao menos, o final é condizente com toda a trajetória tragicômica da personagem, que tenta se reinventar em outro esporte, basicamente por uma característica boba de sua própria persona. Por mais patética que seja todo o relato, acaba por ser realista, dentro da jornada mostrada em tela, que representa apenas um verdade parcial, da parte da mulher que teve sua carreira esportiva interrompida por um fato extra-desporto e que brinca com a questão super otimista do american way of life, mostrando-o de uma forma agridoce e forte. Ainda assim, tendo esse senso crítico no final, faz diferenciar Eu, Tonya de uma série de outras cinebiografias recentes.

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Crítica | Esquadrão Suicida

    Crítica | Esquadrão Suicida

    Esquadrão Suicida

    Criado no fim dos anos 1950, mas só popularizado na saga pós-Crise Lendas, o Esquadrão Suicida era um grupo composto por vilões do segundo escalão, montado por Amanda Waller, uma das mentes que dominavam o cenário escuso do universo DC, responsável entre outras coisas pelo Projeto Cadmus. De fato, a equipe jamais havia sido alvo de uma popularidade indiscutível e funcionava melhor como elemento coadjuvante (como feito na segunda temporada de Arrow) do que como centro das atenções, inclusive com um péssimo evento audiovisual no longa animando Batman: Assalto em Arkham, que trata exatamente dos mesmos protagonistas do filme de David Ayer.

    Há dois pilares de confiança para o filme, o primeiro é o prestígio de Viola Davis interpretando Waller, desde sempre sendo ela a escolha perfeita para o papel. Apesar de ter pouca oportunidade de brilhar – e de conter para si um grande número de equívocos estratégicos – a atriz consegue fugir da mediocridade que permeia o filme. Já o outro parâmetro de qualidade recairia sobre Ayer, que desnecessariamente emula traços do estilo de filmagem de Zack Snyder, uma vez que seus trabalhos são em muito superiores aos do visionário realizador de Watchmen. O slow motion é excessivo e irritante, fazendo o tom bastante genérico.

    Uma das maiores discussões a respeito do filme era em relação a Arlequina de Margot Robbie. Quanto a isto, não há tanta exploração sexual quanto se imaginava antes da exibição, ainda que toda a vigilância não tenha sido em vão por futuras passagens com a personagem. Robbie permanece com muito mais pele à mostra do que deveria, especialmente comparando a versão original da esquizofrênica personagem pensada por Bruce Timm na série animada do Batman, com esta nova faceta pós-novos 52, hiper-sexualizada. Os inúmeros erros de roteiro não mostram uma personagem forte emocionalmente, e sim uma mulher que foi muito abusada e que sofre desse mal o tempo inteiro. Sua performance é a mais rica e profunda do longa e só perde força graças ao preciosismo do Coringa.

    O palhaço e príncipe do crime de Gotham soa patético e faz rir pelos motivos errados, não por possíveis gracejos e sim pela construção extremamente caricata e deslocada que Jared Leto emprega. A culpa pela participação pífia parece dividida entre o texto atrapalhado de Ayer e a necessidade do ator em tentar a todo custo superar seu antecessor, Heath Ledger. Não havia qualquer necessidade para tal, tanto no Batman de 1989 quanto em Cavaleiro das Trevas há boas apresentações do criminoso insano. Ambas conseguem atingir uma boa expectativa quadrinística do Coringa, mas esta não. As cenas com Leto parecem enxertadas às pressas para trazer algum rosto conhecido ao filme, e quase banaliza o pouco de argumento que funciona em relação a Harley.

    A ideia de se fazer um filme de equipe não passa de uma premissa não alcançada. O que se vê é um sub-aproveitamento dos personagens. Rick Flag (Joel Kinnaman) consegue alguns momentos condizentes com a figura de militar inspirador, mas logo perde força ao executar um momento de irreal cafonice, contendo em mãos a chave para convencer o protagonista Pistoleiro/Floyd Lawton (Will Smith) de segui-lo até a morte. Mesmo o sentimentalismo barato – marca registrada de Smith em muitos de seus filmes – neste soa desimportante.

    Mesmo as piadas que funcionam no material promocional ficam mal encaixadas, soam fracas e sem peso, jogadas em uma edição confusa, que por sua vez provém de um texto final nada sólido. Alguns poucos momentos de ação são salvos pela competente mão de Ayer, mas ainda assim é pouco, muito pouco. Falta lógica na maioria das táticas de guerra, e isso faz toda a diferença para a suspensão de descrença de um público ávido por uma abordagem mais certeira da Warner e DC no cinema.

    O resultado final carece de um bom vilão. E, fora Harley, os personagens femininos são fracos. Katana aparenta ser um cosplay, dada que sua motivação é tão ruim quanto a da Magia de Cara Delevingne, que faz uma vergonha tremenda nos instantes finais. Sua apresentação rivaliza com a do Crocodilo em matéria de caricatura, e é péssima em caráter de pieguice, acompanhada, claro, do restante do elenco nesse quesito. Esquadrão Suicida é aprisionado no limiar entre um filme de ação genérico dos anos 1980, um produto trash da Asylum, transitando entre Falcão, o Campeão dos Campeões e Sharknado, ainda que não haja, nem em seu orçamento quanto mais em expectativa, qualquer semelhança com quaisquer dos dois gêneros ou os dois exemplos citados.

  • Crítica | A Lenda de Tarzan

    Crítica | A Lenda de Tarzan

    A Lenda de Tarzan

    Se à primeira vista contar uma nova versão de uma história, tão amplamente difundida quanto a de Tarzan, possa parecer desperdício de tempo e dinheiro, bastam os quinze primeiros minutos do novo filme dirigido por David Yates (Harry Potter e as Relíquias da Morte) para entender que este novo produto não se trata de um reboot – tão pouco de um remake – mas de um novo episódio da história do personagem.

    A Lenda de Tarzan narra um retorno do herói às terras do Congo, onde foi criado por uma civilização de primatas e, posteriormente, cresceu em uma tribo humana local. O longa inicia com uma bela construção e apresentação do antagonista, vivido por Christoph Waltz. O ator interpreta um mercenário que cria um plano para levar o herói de volta ao Congo com o objetivo de trocá-lo por pedras preciosas. É interessante notar aqui o momento em que o roteiro aproxima o protagonista da figura animal. A ideia de uma espécie rara ser trocada por ouro ou pedras preciosas é bastante comum, sobretudo no continente africano. A escolha por essa saída como motivação para a vilania, apesar de óbvia, acaba se encaixando muito bem neste universo específico.

    Chama atenção o carinho com que o personagem de Waltz foi tratado: a cena introdutória nos revela muito sobre este homem. Seu jeito de andar, de falar, a maneira hábil com que transforma um rosário em uma arma letal, tudo está presente com um requinte que raramente é aplicado aos antagonistas.

    Alexander Skarsgärd, que levantou muitas suspeitas ao ser escalado para o papel principal, entrega um trabalho honesto, mas nada além disso. É fato que a estrutura física imponente do ator facilita um pouco o seu trabalho, mas não é justo menosprezar a empreitada inglória de dar vida para um personagem tantas vezes retratado anteriormente.

    É preciso mencionar o belo trabalho desempenhado por Dijimon Hounsou (Diamante de Sangue e Gladiador) como chefe de uma civilização congolesa que “encomenda” a emboscada para capturar o herói. O ator há anos vem mostrando um excelente desempenho em papéis pequenos, e não é diferente aqui. É curioso como nesses momentos Hollywood sempre recorre a este “lugar seguro”, mas falta reconhecê-lo oferecendo um papel em que possa ser mais que um mero coadjuvante.

    Tecnicamente falando, o longa-metragem sofre dos mesmos problemas apresentados por obras anteriores do diretor. David Yates tem uma predileção irritante por imagens excessivamente escuras. Vimos isso nos últimos filmes da saga Harry Potter. A questão é que A Lenda de Tarzan possui imagens tão escuras que chegam a ser granuladas. Junte isso à tecnologia 3D e o resultado é uma experiência visual desastrosa.

    A trilha sonora do filme não chega a ser ruim, mas também não empolga. As músicas, apesar de boas individualmente, não constroem uma identidade. Existem alguns erros grotescos de continuidade que não comprometem o andamento da trama, mas que sangram os olhos dos espectadores mais atentos. O tempo de tela, apesar de longo, não incomoda. Como o roteiro trabalha em uma crescente, a experiência acaba sendo agradável.

    Os principais pontos positivos são as atuações de Samuel L. Jackson e Margot Robbie. O primeiro cumpre com maestria a função de alívio cômico. É impressionante como L. Jackson consegue gerar empatia em qualquer papel que caia em seu colo. Já Robbie é de longe a melhor em cena. A atriz, de fato, está muito além de ser só um belo rosto. São dela as melhores sequências e as melhores falas. Ponto para o roteiro que fugiu do óbvio ‘donzela em apuros’ e entregou uma heroína badass, como vem acontecendo nos últimos anos em Hollywood.

    O maior problema do filme é o fato de ele reforçar algo que há muito precisa ser quebrado na sociedade. Temos a África como cenário, tribos africanas como personagens, mas o dia é salvo por um herói branco. É claro que Tarzan segue a premissa original do personagem criado em 1912 por Edgar Rice Burroughs, mas é impossível não reparar que em pleno 2016 temos mais uma obra que reforça esse arquétipo da supremacia branca.

    À parte isso, o longa-metragem não merece um lugar de destaque e dificilmente será lembrado com muito carinho num futuro próximo, mas está longe de ser um produto ruim, não merecendo a péssima bilheteria de entrada que fez nos EUA.

    Texto de autoria Marlon Eduardo Faria.

  • Crítica | Golpe Duplo

    Crítica | Golpe Duplo

    Golpe-Duplo-poster

    No início de 2000, roubos e assaltos com temática cinematográfica voltaram à tona e se tornaram uma vertente popular. Diversos filmes, sendo o remake Onze Homens e Um Segredo o mais significativos destes, pontuaram as telas com ladrões charmosos, grandes feitos glamourosos e reviravoltas como uma constante em suas histórias.

    Vindo de um fracasso de bilheteria dirigido por M. Night Shyamalan, Depois da Terra, o carismático Will Smith retorna às telas ao lado de Margot Robbie (O Lobo de Wall Street) formando uma dupla de golpistas nesta produção que segue a fórmula do roubo de maneira genérica. Tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, o filme estreou em primeiro lugar na bilheteria, demonstrando que, apesar do enredo simples, a popularidade de Smith é capaz de garantir uma base de público nos cinemas.

    A dinamicidade didática de Golpe Duplo se apresenta desde o título brasileiro. A trama é dividida em dois atos passados entre um período de três anos, justificando, portanto, os dois golpes citados, e nos dando a impressão de que a fraqueza da história inicial promove uma segunda de maior impacto.

    De maneira rápida, o golpista Nicky conhece Jess e descobre sua habilidade em roubar. As cenas partem do pressuposto de que o personagem é um especialista no que faz, e não só demonstra superioridade de furtos em relação à moça como faz um jogo cênico apresentando tudo que é capaz de roubar. Em seguida, faz uma rápida introdução à técnica do crime para Jess – arte que o próprio disse denotar tempo para aprender – com pseudo-conceitos teóricos sobre distração, teatralidade e outras maneiras de conquistar pessoas, logo aceitando-a no bando.

    Como ladrão charmoso, a personagem vive de pequenos roubos e esquemas locais que exploram uma cidade de grande rotação turística, dentro de um sistema de furtos generalizados entre cartões, dinheiro, joias, roupas e tudo o que pode ser furtado e revendido por uma grande equipe de especialistas. As apostas estão no sangue de Nicky, assim cenas frívolas, como a do apostador viciado que não resiste à tentação, surgem como um conflito para uma trama que não possui nenhum.

    O primeiro ato da trama encerra em uma hora e salta temporalmente para três anos depois. Surge um novo golpe que, coincidentemente, reúne o mesmo casal, separado após o último. Em cena, entra Rodrigo Santoro como Garriga, dono de uma equipe de carros de corrida na Argentina. O destaque da imprensa brasileira é feito em demasia: Santoro destaca os cartazes brasileiro, e, de fato, é louvável que o ator prossiga na carreira internacional. Porém, seu papel ainda se mantém próximo do estereótipo, o de um latino-americano representando um hermano argentino.

    A obra é voltada para o entretenimento rápido. Sem profundidade de nenhuma personagem, o enfoque está centrado nos roubos, no glamour que o cinema produziu dos furtos, e nas naturais reviravoltas que parecem surgir para subjugar o público, como se dissessem: sim, nosso roteiro é superficial mas será capaz de te surpreender.

    Durante a exibição, o público pode ser divertir. Mas desde já é possível observar que Golpe Duplo não será o grande redentor de Smith que, há dez anos, começava uma excelente fase com Eu, Robô, Hitch – Conselheiro Amoroso, À Procura da Felicidade e Eu Sou a Lenda, filmes que fundamentaram ainda mais sua credibilidade, o que justifica a boa bilheteria de sua mais recente aparição.

  • Crítica | O Lobo de Wall Street

    Crítica | O Lobo de Wall Street

    The-Wolf-of-Wall-Street

    Em algum lugar entre o humor negro, fino e cáustico e o sonho de total prosperidade presente no American Dream está o discurso de Jordan Belfort, na quinta paragem envolvendo Leonardo DiCaprio nos filmes de Martin Scorsese. O ator amadureceu e cada vez mais mostra-se digno das películas de seu mentor, e prova disso é a completa ausência de temor que o artista mostra ao falar de forma fluída e direta com a câmera.

    O que Scorsese faz ao montar uma história baseada numa narração chega a ser transgressor dada sua qualidade. A abordagem usa de imagens lúdicas e justapostas para exemplificar o total desapego moral do panteão de personagens e a evolução de malcaratismo que o homem pode (e deve) experimentar. A afeição do realizador por ramos marginais de comércio faz dele o sujeito certo para explorar todas as “traquinagens” do profissional especulativo dos agentes da bolsa de valores, as nuances, os enganos, os blefes e, claro, os excessos de quem tem muito dinheiro e o que o uso desmedido dele pode fazer de “bom e ruim” com o sujeito. Em alguns momentos chega a passar uma mensagem voltada para o moralismo, até para desdenhar desse pensamento e mostrar o quanto ele se torna diminuto diante dos abissais excessos comportamentais de quem passa a vida brincando com um alto patrimônio econômico de terceiros.

    A falta de escrúpulos de Jordan é um diferencial, o que o torna um vencedor entre os perdedores que prosseguem na profissão e os que não se submetem a tentar novas coisas e a buscar desafios. Esta ousadia é muito bem registrada pela lente de Rodrigo Prieto e pontuado pelo texto interpretado magistralmente por DiCaprio. As fontes de renda que seu personagem vai arrecadando ultrapassam a barreira da criminalidade. O objetivo de atingir a riqueza absoluta também não conhece limites dentro do aceitável. O auge da charlatanice é a invenção da Straton Oakment por Belfort, que já começa como uma enorme rede de mentiras, obviamente criada por um sujeito que parece ter nascido com um talento único de trapacear.

    O modus operandi da companhia é regrado a orgias e práticas sexuais necessariamente infiéis a qualquer matrimônio possível. Estar chapado por entorpecentes durante o processo criativo era prática comum, assim como toda sorte de pecados provenientes do ser de cromossomo Y. O mundo é tão machista e chauvinista que é quase clássico, ignorando toda e qualquer regra politicamente correta atual. O cinismo de Jordan é passado para seus empregados como um bom aprendizado proveniente da relação entre mestre e pupilos.

    Ainda que Jonah Hill tenha recebido um sem número de indicações por sua performance – plenamente justificável em referência à cena em que demonstra os efeitos dos barbitúricos – o coadjuvante que merece menção por roubar a atenção do público é Max Belfort, o Mad Max, interpretado por Rob Reiner, com suas tiradas sensacionais e acessos de raiva contínuos e sua calma estabelecida de modo instantâneo.

    O glamour da vida bandida de Belfort ajuda a aumentar a simplicidade no entendimento do público, mesmo no espectador menos afeito ao vocabulário do mercado econômico. Sem falar que Jordan é um personagem que angaria a simpatia do público muito facilmente como o anti-herói cheio de fanfarronices que faz mesmo o espectador mais conservador torcer contra a lei e a ordem. O pecado mortal do bando passa pelo preciosismo e a completa falta de cuidado em conduzir as ações marginais, fazendo as transações de forma tresloucada e sob efeito das drogas mais pesadas que estes poderiam lançar mão. A inteligência no tratamento profissional deles era inversamente proporcional à maturidade em realizar as transações de modo ordeiro. A batalha pelo telefone da mansão dos Jordan entre Donnie e Jordan mostra do modo mais degradante e engraçado possível o quanto as relações entre os membros do grupo são loucas, inclusive estabelecendo uma comparação entre o espinafre do Marinheiro Popeye e a cocaína do protagonista. A situação faz o chefe de operações se precaver mais, o que evidencia sua evolução. Incrível como, mesmo com toda a sua hipocrisia, ele permanece amado e inspirador para todos ao seu redor.

    Como em Os Bons Companheiros e Cassino, os minutos finais sintetizam a decadência do criminoso e sua queda após todos os seus atos indignos. O cinismo chega ao auge quando ele tem de romper com o seu ethos ao ter de “entregar seus antigos companheiros”, mas o infrator ainda sofre algumas reviravoltas antes de ter sua sentença decretada. Não só a queda que coincide com o desfecho de Goodfellas, as reações dos protagonistas são semelhantes. O “Lobo” acerta no todo: a trilha sonora variando entre o nostálgico e o atual, o roteiro impecável, o clima odisseico/épico da trama, as atuações impecáveis, e, é claro, a lente ainda afiada e pontual de Martin Scorsese, que se mostra o sujeito de sua geração mais competente na contemporaneidade.

  • Crítica | O Lobo de Wall Street

    Crítica | O Lobo de Wall Street

    wolf_of_wall_street

    O cinema, como todo tipo de arte, é influenciado pelo contexto político de sua época. No auge da depressão pós-1929, tivemos vários filmes de monstro onde a urgência era o homem comum vencê-lo. Na paranoia da guerra fria, filmes de ficção científica com mutações genéticas causadas por radiação nuclear até invasões alienígenas onde ninguém sabia dizer quem era quem e o inimigo poderia ser qualquer um. Na Guerra do Vietnã, a espetaculização e a brutalidade ao vivo da guerra trouxe uma nova geração de cineastas tanto trazendo a realidade depressiva quanto buscando escapes dela.

    Atualmente, a história se repete no contexto pós 2008, com filmes e documentários a respeito da ganância de Wall Street e as origens e consequências da crise especulativa se proliferam no mercado. Apesar de já termos sintomas em produções anteriores como Wall Street – Poder e Cobiça (Oliver Stone, 1987), Loucuras de Dick e Jane (Dean Parisot, 2005) e Enron – Os Mais Espertos da Sala (Alex Gibney, 2005), somente a partir de 2008 vemos uma produção em massa nesse sentido, tanto condenando quanto imergindo no universo especulativo para compreender seu funcionamento, e é nessa categoria que o novo filme de Martin Scorsese, O Lobo de Wall Street se encaixa.

    Baseado no livro homônimo de Jordan Belfort e com roteiro de Terence Winter (Boardwalk Empire e Família Soprano), o filme conta a história de um corretor de ações fraudulento que ganhou milhões explorando brechas no sistema, além de enganar milhares de pessoas a investirem em ações sem valor e assim lucrar nas comissões. Contando com um elenco afiado, Scorsese imprime uma narrativa aliada a velocidade e a loucura da cocaína tão usada no filme e faz com que os 180 minutos de exibição passem voando, tamanho seu controle da história e dos personagens.

    Interpretando Belfort está Leonardo Dicaprio, em uma atuação que renderá muitos elogios. Também está o excelente Jonah Hill (que aguardamos por um filme onde seja mais do que o coadjuvante engraçado) como seu amigo e braço direito Donnie Azoff, além de pequenas participações de Matthew McConaughey como Mark Hannah, um corretor experiente que dá dicas ao jovem Belfort, Jon Favreau como Manny Riskin, seu advogado, e Jean Dujardin como o banqueiro suíço Jean Jacques Saurel. Também participa do filme Kyle Chandler como o Agente do FBI Patrick Denham, incansável e incorruptível funcionário público dedicado a caçar criminosos financeiros como Belfort.

    O que difere o tom de Scorsese dos filmes anteriores, em especial a Stone e ao cinema político de Costa-Gavras é a clara compreensão de que antes de serem bandidos desalmados e predadores do sistema, os corretores de Wall Street são seres humanos com pai, mãe, filhos e que precisam justificar seu comportamento para si mesmo e para os outros a todo instante a fim de evitar uma possível crise existencial e dar sentido aquilo tudo. Eles precisam se convencer de que estão fazendo algo normal, e que todos ali fariam o mesmo. Ao também usar da narração como metalinguagem e brincar a todo instante com o fato de o próprio Belfort contar sua própria história, o filme ganha uma leveza essencial para manter a atenção do público. Também é um mérito o fato de não se perder tempo em explicar os tortuosos caminhos e práticas financeiras de Wall Street, porque ali não interessa e nem cabe.

    Partindo dessa premissa, Scorsese consegue produzir uma história com conteúdo ao mesmo tempo explanatório sem ser piegas, e crítico sem ser panfletário. A mensagem ali é clara: o sistema está quebrado, e quanto mais antiético e desprovido de qualquer senso de moralidade a pessoa for, melhor ela se dará no mercado financeiro. Mas ao retratar isso de forma frenética como as festas e o consumo de drogas (no que lembra o também excelente Os Bons Companheiros), além de dar um toque de comédia na medida certa, o filme consegue produzir uma narrativa que não emperra e flui naturalmente, conduzindo o espectador a compreender e fenômeno ocorrido e a indagar como, em uma sociedade considerada democrática, pessoas podem jogar com o dinheiro dos outros, ganhar com isso, e ainda saírem impunes. Também é mostrado a todo instante como Belfort é ovacionado por seus pares, pois nenhum ser humano sozinho é capaz de tal feito. Ou seja, toda a sociedade é cúmplice de seus atos.

    Quando Belfort diz que o sonho de começar do nada e vencer na vida é o sonho americano, dizendo isso em uma empresa corrupta, que se utiliza dos vícios do sistema e da desregulamentação do mercado financeiro iniciada por Nixon e aprofundada por Reagan e Clinton, para enriquecer às custas do trabalhador honesto, mas que acredita na mensagem desse sonho, não é pura coincidência. É o que embala o desenvolvimento do país. Mas quando esse desenvolvimento sai das ferrovias e da metalurgia e passa para os escritórios regados a cocaína, a lógica funciona, mas o sonho continua permanecendo um sonho, e os Rockefeller de ontem se tornam os Belfort de hoje, embalando o povo americano em uma cantiga enquanto puxa sua carteira por trás.

    No final, sem abusar do panfletarismo tão batido nos nossos dias, o filme termina com a simples mensagem de que o sistema está pronto e foi feito para enriquecer apenas alguns com o trabalho de outros. O trabalhador honesto não consegue mais uma vida digna enquanto os “1% de cima” fazem exatamente o inverso. O corretor fraudulento tem quadra de tênis na prisão enquanto a população carcerária americana, composta majoritariamente por negros, explode junto ao desemprego e a violência. Mas nada disso é mostrado em tela, porque é desnecessária a superexposição de elementos políticos que fora do filme já são debatidos. Aqui, o que interessa é a face de Jordan Belfort e como ele personificou o sonho americano, enganou e enriqueceu milhões, usou quilos de drogas, foi condenado, preso, e hoje está solto dando palestras motivacionais. Pouco consegue personificar mais o atual estado de decadência moral de uma civilização.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Questão de Tempo

    Crítica | Questão de Tempo

    questão de tempo

    A nova comédia romântica de Richard Curtis (Simplesmente Amor) chega sem muito alarde no circuito cultural, e felizmente surpreende até mesmo os mais cínicos, grupo este em que me incluo. Em seu novo filme, Curtis consegue encantar o espectador ao longo de duas horas prazerosas de duração.

    A visão de mundo de Curtis se reflete em seus filmes. O tom otimista do cineasta suaviza boa parte dos golpes que a vida nos aplica. Seu cinema não busca grandes reflexões, é apenas um modo para oferecer algumas desculpas que servem como estopim para encontros entre casais e fazer com que estes lidem com algum tema, na maioria das vezes de maneira superficial.  Já vimos isso em Simplesmente Amor, Um Lugar Chamado Nothing Hill, Quatro Casamentos e Um Funeral, no entanto, verdade seja dita, o diretor sabe fazer isso muito bem, e Questão de Tempo é, sem dúvida, o ponto alto de sua filmografia.

    O longa conta a história de Tim Lake (Domhnal Gleeson), que, aos 21 anos de idade, é informado por seu pai (Bill Nighy) de que todos os homens de sua família têm o poder de viajar no tempo, desde que observadas algumas regras. Esse é o mote para que a história se desenvolva, no entanto não estamos nos referindo a um filme sobre viagens no tempo, visto que serve apenas como recurso narrativo para que se conte a história, propondo algumas discussões. Alguns irão falar de supostos furos de roteiro por não se observar lógica temporal, além de outras bobagens, porém não é sobre isso que o filme quer tratar. O paradoxo espaço-tempo é um mero recurso com pitadas de realismo fantástico.

    Tim é um jovem ingênuo e romântico que, ao saber do seu novo “dom”, faz com que o primeiro passo seja manipular seu amor de infância a se apaixonar por ele. Essa é sua primeira lição: nenhuma viagem no tempo faz alguém amar você. Após seu primeiro fracasso, Tim parte para Londres, onde conhece Mary (Rachel McAdams) e a história dos dois se desenvolve.

    Primeiro ponto a ser observado na filmografia de Curtis é como ele mesmo procurou brincar com os clichês da comédia romântica em Questão de Tempo, das típicas declarações de amor a cenas de casamento. O diretor arruma tempo inclusive para auto-referenciar alguns de seus trabalhos, seja de maneira cômica ou buscando outros fins narrativos.

    Interessante notar como o sentimentalismo excessivo de Curtis é deixado um pouco de lado. O grande interesse de seu protagonista é o amor como um todo, não apenas a afeição romântica entre duas pessoas. O personagem pode parecer antiquado e fora de tempo, e talvez até seja, mas o sentimento apresentado soa extremamente sincero e repleto de sutilezas, tanto pelo texto delicado do roteirista quanto pela excelente interpretação de todo o elenco.

    Domhnall Gleeson, após um grande trabalho de atuação em Anna Karenina, repete o feito em Questão de Tempo. Se nas comédias românticas anteriores de Curtis tínhamos Hugh Grant, agora o cineasta parece querer deixar essa faceta de lado e mostrar o homem comum, tão bem interpretado por Gleeson. O veterano Bill Nighy faz um trabalho impecável de pai e amigo de Tim, roubando a cena sempre que está em cena.

    Richard Curtis perseguiu o tema ao longo dos anos, tentou fazer uma versão definitiva em Simplesmente Amor em 2003, mas apenas dez anos depois, de maneira despretensiosa, conseguiu se fazer ouvido. Contagiante.