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  • Crítica | Alice no País das Maravilhas

    Crítica | Alice no País das Maravilhas

    O conceito de re-conto permeia toda a produção do filme da Disney encabeçado por Tim Burton, não só pelas dezenas de outras adaptações do romance de Lewis Carroll, mas também por apresentar a personagem-título vivendo outros paradigmas, que não só os de discutir os devaneios que teve ao ter contato com o mágico mundo visitado em sua infância. Aproximadamente dez anos após os eventos do livro, Alice (Mia Wasikowska) não se lembra da viagem ácida que fez no passado, sempre relegando estes eventos a lembranças de sonhos, destacando um ou outro elemento enquanto frequenta uma festa pomposa, repleta de socialites.

    Já próxima da fase adulta, Alice vê em si a responsabilidade de salvar sua família da crise financeira que a acometeu desde que sua mãe (Lindsay Duncan) ficou viúva, restando à garota um casamento forçado com uma figura efeminada, que certamente não supriria quaisquer de suas necessidades maritais, factoide este aplacado, claro, pelo fato desta obra ser uma fábula infantil.

    Para Alice, mais interessante é dar vazão à perseguição ao Coelho. A busca pela clarividência dos fatos esquecidos pela personagem principal ocorre em meio a um grotesco cenário, com uma paleta de cores que não tem identidade, nem ser clara o suficiente para remeter aos desenhos animados dos tempos áureos de Walt Disney, mas não tão escura o suficiente para reproduzir o barroco comum da filmografia de Burton. É curioso como a completa falta de espírito alastra-se na fita tanto quanto com a representação de sua heroína, fazendo se perguntar se o erro não é proposital, desconsiderando a costumeira incompetência do diretor em apresentar histórias simples.

    Os desencontros seguem com uma enorme gama de personagens descartáveis e sem carisma, praticamente proibindo qualquer rastro de empatia com a jornada. O script de Linda Woolverton é banguela, sem qualquer possibilidade de uma digestão saudável por parte do público. Tudo é motivado pelo péssimo e enorme conjunto de falhas e incongruências que fazem discutir a culpabilidade da ruim qualidade da obra, se da roteirista ou do diretor. Burton costuma transformar bons textos em apresentações demasiadamente incongruentes, fator que faz pesar a responsabilidade, uma vez que Woolverton coleciona muito menos pecados filmográficos que o cineasta.

     O Chapeleiro Louco de Johnny Depp nem é tão irritante se comparado ao pastiche do ator através dos anos com a saturação de Jack Sparrow, Tonto, seu personagem em Sombras da Noite – também de Burton –, e, claro, se confrontado com o porre causado pela Rainha de Copas de Helena Bonham Carter. O grotesco da maquiagem e as colocações verbais não conseguem ofuscar todo o equívoco que é sua performance dramática, certamente um dos mais lamentáveis aspectos do já combalido filme.

    Outra infeliz coincidência de erro dentro da trama é a aleatoriedade do tamanho de Alice, que em muitos momentos tomava algum tipo de poção que a fazia aumentar e diminuir de tamanho, uma tentativa óbvia de exibir que, para uma adulta, aquele mundo louco já não era cabível, tornando a inadequação o ponto máximo do incômodo que é terminar de assistir à película. Evidencia-se, assim, o quão banal é toda aquela caracterização grotesca e descabida, que serve quase que somente para desvirtuar os rumos dos personagens clássicos de Lewis Carroll. A falta de resolução de tamanhos também remete à dificuldade de propor uma identidade do filme, que demonstra problemas em demonstrar o variável entre pesado e/ou infantil, sendo enfadonho em ambos os aspectos.

    O ponto de partida, onde o roteiro poderia finalmente ser maduro, é completamente ignorado, dando lugar a uma pífia batalha épica, que seria comum no futuro em outros filmes semelhantes – a lembrar-se de Branca de Neve e o Caçador – jogando por terra qualquer possibilidade de discussão minimamente interessante, tudo para apelar ao óbvio hype de Game of Thrones que tomava as noites da HBO.

    De todas as criaturas birutas que habitam aquele cenário, Absolem (voz de Alan Rickman), que, assim como Alice, também está em fase de maturação, tornando física – também igual à personagem-título – sua transformação em algo maior. A máscara de mentor lhe serve perfeitamente, pois é no drama que Alice perceberá que são necessários uma movimentação maior e um desprendimento das certezas pseudo-amadurecidas que tem, tendo no encontro com a forma em casulo do seu mestre a ciência de tudo que viveu quando ainda era muito jovem.

    Basicamente, o roteiro demoniza os deformados, mostrando-os como seres ressentidos e amargurados, que têm sua dor causada pela rejeição, uma vez que a tirania é vazada a partir de um deles. O pretenso crescimento espiritual da protagonista é interrompida por dancinhas constrangedoras com a intenção de quebrar o decoro da forçada cordialidade dos nobres presentes no mundo real, mas que, em essência, só ridicularizam a nova postura da personagem. Mia Wasokwska, aliás, não parece inspiradora mesmo quando consegue vencer os preconceitos que a cercam. A versão de Burton acerta em poucos aspectos, tendo uma trilha sonora acertada, mas que nem incorre como deveria. A sensação da análise final é de que Alice no País das Maravilhas é um equívoco completo: bobo, patético e deslocado.

  • Crítica | Um Fim de Semana em Paris

    Crítica | Um Fim de Semana em Paris

    Um Fim de Semana em Paris - Poster Br - Alpha Filmes

    O músico Chico Buarque, que dispensa apresentação, pergunta-se, em sua canção Almanaque, para onde vai o amor quando ele acaba. Uma reflexão metafísica e coerente com o estabelecimento de qualquer relação amorosa que, mesmo longeva, é transitiva.

    Dirigida por Roger Michell (Um Lugar Chamado Notting Hill, Amor Obsessivo, Vênus), a história de Um Fim De Semana em Paris dedica-se ao tempo contínuo do amor, apresentando um casal que vive junto há trinta anos e viaja a Paris para comemorar as bodas de Pérola.

    Meg e Nick são um casal desencantado pela vida. Vivem juntos um tempo considerável que não produz margem de surpresas. Conhecem a personalidade um do outro, as pequenas manias e reclamações, cientes de que a solidez do amor não poupa mais palavras e, assim, dialogam abertamente sobre os desígnios da vida, a velhice, o tempo e o amor compartilhado em conjunto.

    Recentemente, voltaram a viver sozinhos sem a presença dos filhos. Um passo muito comum entre diversos casais que criam filhos por um longo período e, após os filhotes saírem de casa, deparam-se com um vazio e o estranhamento em relação ao que fazer com o tempo e a liberdade. Normalmente, é neste período que marido e mulher voltam a pensar em si e na unidade de um casal, ainda que o tempo consumido para gerar um filho tenha modificado visivelmente as percepções de vida.

    Na cidade luz, os ânimos ficam acirrados pela comum expectativa que qualquer viagem simbólica e comemorativa é capaz de gerar. A Paris conhecida anteriormente foi modificada pelo tempo. Tentando não destruir a celebração, o marido faz concessões aceitando ficar em um local caro, sem esconder a insatisfação.

    A proposta do longa-metragem é a busca sobre a temporalidade do amor e como histórias de longa durabilidade são vividas diariamente. Mesmo com o amor presente, há uma leve amargura em cena, evidenciando que o amadurecimento não gera a sabedoria imaginada popularmente em uma jornada de crescimento. Cada ser humano ainda carrega dentro de si medos e dúvidas que, se por acaso dissipadas, darão espaço a outros lugares escuros.

    Jim Broadbent e Lindsay Duncan fazem um casal ponderado, sem extremidades dramáticas evidentes, afinal a proximidade e a intimidade podem gerar menos espaço para cenas e grandes discussões. De maneira honesta, discutem a sexualidade, a ausência do desejo em relação ao tempo e as maiores fragilidades sentidas neste momento da vida: Nick ainda incrédulo por manter uma relação madura, amorosa e duradoura, e Meg irritada pela falta de confiança do marido após a dedicação de uma vida juntos.

    De fato, estar ao lado de outra pessoa não significa uma total completude interna dentro dos seres. Cada qual vive à margem um do outro, e neste espaço permanecem também medo, dúvidas e afins. Não à toa o poeta Rilke, como outros escritores, viram o amor como uma espécie de solidão vivida a dois. Uma maneira mais suportável de viver a vida e a solitude da existência na companhia e no amor ao lado de outra pessoa.

    A tensão amarga e amorosa do casal resulta em uma única cena epifânica, mas suficientemente eficaz para exemplificar como o amor denota dedicação constante, mostrando como as dificuldades de viver a dois nunca terminam diante das lacunas, tentações e outras fissuras inerentes a todos nós.

  • Crítica | Questão de Tempo

    Crítica | Questão de Tempo

    questão de tempo

    A nova comédia romântica de Richard Curtis (Simplesmente Amor) chega sem muito alarde no circuito cultural, e felizmente surpreende até mesmo os mais cínicos, grupo este em que me incluo. Em seu novo filme, Curtis consegue encantar o espectador ao longo de duas horas prazerosas de duração.

    A visão de mundo de Curtis se reflete em seus filmes. O tom otimista do cineasta suaviza boa parte dos golpes que a vida nos aplica. Seu cinema não busca grandes reflexões, é apenas um modo para oferecer algumas desculpas que servem como estopim para encontros entre casais e fazer com que estes lidem com algum tema, na maioria das vezes de maneira superficial.  Já vimos isso em Simplesmente Amor, Um Lugar Chamado Nothing Hill, Quatro Casamentos e Um Funeral, no entanto, verdade seja dita, o diretor sabe fazer isso muito bem, e Questão de Tempo é, sem dúvida, o ponto alto de sua filmografia.

    O longa conta a história de Tim Lake (Domhnal Gleeson), que, aos 21 anos de idade, é informado por seu pai (Bill Nighy) de que todos os homens de sua família têm o poder de viajar no tempo, desde que observadas algumas regras. Esse é o mote para que a história se desenvolva, no entanto não estamos nos referindo a um filme sobre viagens no tempo, visto que serve apenas como recurso narrativo para que se conte a história, propondo algumas discussões. Alguns irão falar de supostos furos de roteiro por não se observar lógica temporal, além de outras bobagens, porém não é sobre isso que o filme quer tratar. O paradoxo espaço-tempo é um mero recurso com pitadas de realismo fantástico.

    Tim é um jovem ingênuo e romântico que, ao saber do seu novo “dom”, faz com que o primeiro passo seja manipular seu amor de infância a se apaixonar por ele. Essa é sua primeira lição: nenhuma viagem no tempo faz alguém amar você. Após seu primeiro fracasso, Tim parte para Londres, onde conhece Mary (Rachel McAdams) e a história dos dois se desenvolve.

    Primeiro ponto a ser observado na filmografia de Curtis é como ele mesmo procurou brincar com os clichês da comédia romântica em Questão de Tempo, das típicas declarações de amor a cenas de casamento. O diretor arruma tempo inclusive para auto-referenciar alguns de seus trabalhos, seja de maneira cômica ou buscando outros fins narrativos.

    Interessante notar como o sentimentalismo excessivo de Curtis é deixado um pouco de lado. O grande interesse de seu protagonista é o amor como um todo, não apenas a afeição romântica entre duas pessoas. O personagem pode parecer antiquado e fora de tempo, e talvez até seja, mas o sentimento apresentado soa extremamente sincero e repleto de sutilezas, tanto pelo texto delicado do roteirista quanto pela excelente interpretação de todo o elenco.

    Domhnall Gleeson, após um grande trabalho de atuação em Anna Karenina, repete o feito em Questão de Tempo. Se nas comédias românticas anteriores de Curtis tínhamos Hugh Grant, agora o cineasta parece querer deixar essa faceta de lado e mostrar o homem comum, tão bem interpretado por Gleeson. O veterano Bill Nighy faz um trabalho impecável de pai e amigo de Tim, roubando a cena sempre que está em cena.

    Richard Curtis perseguiu o tema ao longo dos anos, tentou fazer uma versão definitiva em Simplesmente Amor em 2003, mas apenas dez anos depois, de maneira despretensiosa, conseguiu se fazer ouvido. Contagiante.