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  • Review | Alice in Borderland – 1ª Temporada

    Review | Alice in Borderland – 1ª Temporada

    Três amigos entram num banheiro público, na mesma cabine, ficam ali dentro até que, de repente, todas as luzes se apagam e um silêncio absoluto começa a reinar. Eles saem do banheiro: tudo deserto. Não há uma alma viva sequer. O que aconteceu? Talvez a sua maior dúvida seja: porque diabos três amigos entraram na mesma cabine de um banheiro? Bem, é mais interessante do que parece.

    Os fatos narrados acima ocorrem nos minutos iniciais do primeiro episódio de Alice in Borderland, onde esses personagens são apresentados. Arisu é o típico nerd que joga videogame o dia inteiro e não arruma emprego porque sua família – a contragosto – o sustenta. E sabemos que, no Japão, o trabalho é levado a sério (até demais), por isso a sua família tem um grande descontentamento em relação a ele. Mas não sejamos injustos, Arisu também faz outras coisas além de ficar em casa jogando videogame. Ele sai com seus dois amigos, Karube e Chota. E num desses passeios eles acabam fazendo uma pequena baderna no meio da rua e chamam a atenção da polícia. Nisso eles correm, se escondem no banheiro público e todo mundo desaparece.

    Todos sumiram, sabe-se lá o porquê. Eles perambulam pela rua por horas até que uma placa luminosa aponta uma direção. Eles chegam em um prédio onde tem, em uma sala, vários celulares com uma placa dizendo “UM POR PESSOA”. Eles pegam, ligam os celulares e neles aparecem um aplicativo falando de um jogo que irá começar. Pouco antes de terminar o tempo da inscrição (sim, os personagens estão tão perdidos quanto você, leitor), chegam duas meninas para participar. Aparentemente elas já participaram de outro jogo. E assim começa o primeiro desafio de Alice in Borderland: passar por várias salas, cada uma com duas portas. Abrir a porta errada te mata. A porta correta te leva à sala seguinte. Aparentemente, é um jogo de sorte, mas estamos em uma série baseada em um mangá (homônimo), então há uma lógica por trás daquilo.

    O título da obra é curioso, pois remete ao clássico da literatura Alice no País das Maravilhas (Alice in Wonderland, no original), que se passa em um mundo de fantasia bem peculiar. Aqui, o “mundo de fantasia” é idêntico ao real, mas parece ser uma dimensão alternativa, ou algo na fronteira entre o real e o fantástico, pois há tecnologias bem avançadas. Talvez seja essa a ideia do autor ao usar o termo borderland, que significa “lugar na fronteira” ou simplesmente “o ponto que divide duas coisas”, sendo que essas coisas não precisam necessariamente ser locais ou algo físico; poderia ser, por exemplo, o ponto entre a realidade e a fantasia, entre o mundo real e o mundo alternativo etc.

    O nome de alguns personagens são referências diretas à obra de Lewis Carroll. O protagonista se chama Arisu, que é a forma com que um japonês pronuncia Alice (eles trocam o R pelo L e vice versa, dentre outras peculiaridades fonéticas). Outra personagem se chama Usagi, que significa Coelho, além de outras referências.

    O grande mistério da série é saber por que esses jogos acontecem, quem os organiza e que diabos de mundo é esse. A tensão é constante, pois não basta essas pessoas estarem meio que perdidas. Elas se veem obrigadas a participarem dos jogos, pois cada uma tem “dias de visto”, como se estivessem em um país estrangeiro. A diferença é que, se o seu visto expirar, você é deportado para o mundo dos pés juntos (ou seja, você morre, e por um laser que vem do céu diretamente na sua cabeça). Os jogos sempre mudam e ocorrem em locais diferentes. Ao longo dos dias, os três amigos vão encontrando outras pessoas, e as dúvidas vão sendo respondidas aos poucos.

    Não há muita enrolação. Os oito episódios desta primeira temporada são bem intensos, com muita violência e que já responde boa parte de nossos questionamentos, deixando um bom gancho para a continuação. Podemos dizer que há uma mistura de Jogos Mortais com uma carga de tensão do Battle Royale.

    Apesar de todas as loucuras, podemos tirar algumas críticas e reflexões interessantes. Por exemplo, a falta de sentido na vida de Arisu, ou a tentativa de um lunático criar uma utopia que beneficiará apenas ele mesmo (e mesmo assim dezenas de pessoas aderem a isso, se deixando levar pelo carisma do líder e pelo hedonismo por ele proporcionado). Neste último caso estou falando do já mencionado Chapeleiro, que aparentemente descobriu uma forma de sair dessa “Borderland”. Ele criou o plano perfeito: dar um fiapo de esperança para seus seguidores e deixá-los imersos no hedonismo para que aproveitem suas vidas ao máximo, afinal podem morrer no próximo jogo. E claro, todo traidor será carinhosamente eliminado. Mas preciso admitir: o cara é bem carismático, por isso ele é tão perigoso.

    Alice in Borderland é uma série muito divertida, mas possui momentos bem impactantes e impiedosos. Além disso, este é praticamente um anime em live action, então tudo segue o estilo. Quem não gosta de anime vai se incomodar muito com o estilo da série. Quem gosta de uma bizarrice japonesa, seja bem vindo a Borderland!

  • Resenha | Alice no País das Maravilhas – Lewis Carroll

    Resenha | Alice no País das Maravilhas – Lewis Carroll

    Publicado pela primeira vez em 1865, Alice no País das Maravilhas continua sendo até hoje um clássico da literatura infantil, tendo gerado inúmeras representações em diversas mídias, como cinema, televisão, quadrinhos e videogames. Escrito por Lewis Carroll e ilustrado por John Tenniel, a obra já está em domínio público há um bom tempo (tanto o texto original quanto as gravuras) e por esse motivo temos inúmeras traduções e adaptações por editoras diferentes disponíveis no mercado. Essa resenha leva em consideração a edição da L&PM Pocket, facilmente encontrada nas livrarias e com preço bastante acessível.

    O livro conta a história de como Alice, em meio a devaneios de uma tarde de verão, acaba caindo em uma terra onde as leis da física e da lógica não funcionam como deveriam. Após seguir um ansioso e atrasado Coelho Branco por uma toca, Alice se vê em meio a animais falantes, objetos que aparecem e desaparecem do nada, comidas e bebidas que a fazem mudar de tamanho e os mais estranhos personagens que a literatura poderia conceber até então. O que ocorre no assim chamado País das Maravilhas é uma sucessão de cenas desconexas, que não formam um roteiro sólido ou previsível – ao contrário, tudo é caótico. Assim como o leitor, Alice tenta racionalizar o que está acontecendo, mas nem mesmo o pensamento racional faz sentido quando números e palavras mudam de significados. Alice busca respostas com os personagens que encontra pelo caminho, como a Lagarta, o Chapeleiro ou o Gato de Cheshire (em outras traduções, Gato Que Ri ou Gato Risonho). Talvez o único fio condutor da narrativa seja a busca pelo Coelho Branco, que a leva para o julgamento final com a malvada Rainha de Copas. E isso não é nem de longe um ponto fraco do livro, que se sustenta em suas cenas absurdas e diálogos improváveis, com o típico humor britânico. Infelizmente, muitas das piadas e trocadilhos se perdem na tradução, que na edição da L&PM não parecem bem adaptadas para o público brasileiro.

    Se hoje em dia nada irrita mais um leitor do que o manjado final do tipo “foi tudo um sonho”, na história de Carroll esse artifício literário se encaixa muito bem. Desde o começo já está implícito que aquilo que Alice vivia não era real, seja logo no segundo parágrafo onde ela se sente “muito sonolenta e estúpida”, seja quando ela não consegue recitar um conhecido poema ou fazer uma simples operação matemática. A ideia que que tudo era um sonho também é aproveitada na sequência do livro, Alice no País do Espelho, que é praticamente a mesma história com outros personagens.

    Alice no País das Maravilhas é um livro infantil, mas para melhor apreciá-lo devemos lembrar de seu contexto histórico: foi escrito para crianças inglesas do final do século 19. Uma criança brasileira da segunda década do século 21 jamais entenderá a maioria das referências e trocadilhos do livro, como por exemplo a corrida-caucus, a Tartaruga Falsa ou os poemas estranhos. Ainda assim, vale a leitura pelo carisma dos personagens e o absurdo das situações.

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  • Crítica | Alice no País das Maravilhas

    Crítica | Alice no País das Maravilhas

    O conceito de re-conto permeia toda a produção do filme da Disney encabeçado por Tim Burton, não só pelas dezenas de outras adaptações do romance de Lewis Carroll, mas também por apresentar a personagem-título vivendo outros paradigmas, que não só os de discutir os devaneios que teve ao ter contato com o mágico mundo visitado em sua infância. Aproximadamente dez anos após os eventos do livro, Alice (Mia Wasikowska) não se lembra da viagem ácida que fez no passado, sempre relegando estes eventos a lembranças de sonhos, destacando um ou outro elemento enquanto frequenta uma festa pomposa, repleta de socialites.

    Já próxima da fase adulta, Alice vê em si a responsabilidade de salvar sua família da crise financeira que a acometeu desde que sua mãe (Lindsay Duncan) ficou viúva, restando à garota um casamento forçado com uma figura efeminada, que certamente não supriria quaisquer de suas necessidades maritais, factoide este aplacado, claro, pelo fato desta obra ser uma fábula infantil.

    Para Alice, mais interessante é dar vazão à perseguição ao Coelho. A busca pela clarividência dos fatos esquecidos pela personagem principal ocorre em meio a um grotesco cenário, com uma paleta de cores que não tem identidade, nem ser clara o suficiente para remeter aos desenhos animados dos tempos áureos de Walt Disney, mas não tão escura o suficiente para reproduzir o barroco comum da filmografia de Burton. É curioso como a completa falta de espírito alastra-se na fita tanto quanto com a representação de sua heroína, fazendo se perguntar se o erro não é proposital, desconsiderando a costumeira incompetência do diretor em apresentar histórias simples.

    Os desencontros seguem com uma enorme gama de personagens descartáveis e sem carisma, praticamente proibindo qualquer rastro de empatia com a jornada. O script de Linda Woolverton é banguela, sem qualquer possibilidade de uma digestão saudável por parte do público. Tudo é motivado pelo péssimo e enorme conjunto de falhas e incongruências que fazem discutir a culpabilidade da ruim qualidade da obra, se da roteirista ou do diretor. Burton costuma transformar bons textos em apresentações demasiadamente incongruentes, fator que faz pesar a responsabilidade, uma vez que Woolverton coleciona muito menos pecados filmográficos que o cineasta.

     O Chapeleiro Louco de Johnny Depp nem é tão irritante se comparado ao pastiche do ator através dos anos com a saturação de Jack Sparrow, Tonto, seu personagem em Sombras da Noite – também de Burton –, e, claro, se confrontado com o porre causado pela Rainha de Copas de Helena Bonham Carter. O grotesco da maquiagem e as colocações verbais não conseguem ofuscar todo o equívoco que é sua performance dramática, certamente um dos mais lamentáveis aspectos do já combalido filme.

    Outra infeliz coincidência de erro dentro da trama é a aleatoriedade do tamanho de Alice, que em muitos momentos tomava algum tipo de poção que a fazia aumentar e diminuir de tamanho, uma tentativa óbvia de exibir que, para uma adulta, aquele mundo louco já não era cabível, tornando a inadequação o ponto máximo do incômodo que é terminar de assistir à película. Evidencia-se, assim, o quão banal é toda aquela caracterização grotesca e descabida, que serve quase que somente para desvirtuar os rumos dos personagens clássicos de Lewis Carroll. A falta de resolução de tamanhos também remete à dificuldade de propor uma identidade do filme, que demonstra problemas em demonstrar o variável entre pesado e/ou infantil, sendo enfadonho em ambos os aspectos.

    O ponto de partida, onde o roteiro poderia finalmente ser maduro, é completamente ignorado, dando lugar a uma pífia batalha épica, que seria comum no futuro em outros filmes semelhantes – a lembrar-se de Branca de Neve e o Caçador – jogando por terra qualquer possibilidade de discussão minimamente interessante, tudo para apelar ao óbvio hype de Game of Thrones que tomava as noites da HBO.

    De todas as criaturas birutas que habitam aquele cenário, Absolem (voz de Alan Rickman), que, assim como Alice, também está em fase de maturação, tornando física – também igual à personagem-título – sua transformação em algo maior. A máscara de mentor lhe serve perfeitamente, pois é no drama que Alice perceberá que são necessários uma movimentação maior e um desprendimento das certezas pseudo-amadurecidas que tem, tendo no encontro com a forma em casulo do seu mestre a ciência de tudo que viveu quando ainda era muito jovem.

    Basicamente, o roteiro demoniza os deformados, mostrando-os como seres ressentidos e amargurados, que têm sua dor causada pela rejeição, uma vez que a tirania é vazada a partir de um deles. O pretenso crescimento espiritual da protagonista é interrompida por dancinhas constrangedoras com a intenção de quebrar o decoro da forçada cordialidade dos nobres presentes no mundo real, mas que, em essência, só ridicularizam a nova postura da personagem. Mia Wasokwska, aliás, não parece inspiradora mesmo quando consegue vencer os preconceitos que a cercam. A versão de Burton acerta em poucos aspectos, tendo uma trilha sonora acertada, mas que nem incorre como deveria. A sensação da análise final é de que Alice no País das Maravilhas é um equívoco completo: bobo, patético e deslocado.