Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira), Filipe Pereira (@filipepereiral), Bernardo Mazzeie Bruno Gaspar recebem o convidado Alexandre Luiz (@alexluizbr), do Cine Alerta, retornam para mais uma edição do VortCast, e dessa vez comentando sobre a filmografia de um dos cineastas mais originais da Hollywood nas últimas décadas, Tim Burton, criador de um universo próprio, marcado pelos tons imaginativos, soturnos e góticos, e repletos de personagens desajustados.
Duração: 127 min. Edição: Julio Assano Junior Trilha Sonora: Julio Assano Junior e Flávio Vieira
Arte do Banner: Bruno Gaspar
Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira), Filipe Pereira, Jackson Good (@jacksgood) e Rafael Moreira (@_rmc) se reúnem para a primeira Agenda Cultural da Nova Era, talkei? Nesta edição, comentamos um pouco sobre as novas polêmicas envolvendo Lars von Trier, o novo filme do Harry Potter sem Harry Potter (é golpe?), como se balançar com fluidez no novo jogo do Homem-Aranha e muito mais.
Duração: 123 min. Edição: Julio Assano Junior Trilha Sonora: Flávio Vieira e Julio Assano Junior
Arte do Banner: Bruno Gaspar
Nenhum cineasta que amou de verdade o cinema pode ser o pior dos piores. Todavia, amor não coloca comida na mesa, e as vezes uma certa dose de talento e precisão são necessários para o coração devotado. Entre todos os Tim Burton’s que já tivemos, em mais de quatro décadas de sua carreira,revisitando-se e reafirmando a cada passo dado sua identidade, o Tim Burton pós Alice no País das Maravilhasvirou o que muitos profetizaram quando foi divulgado o primeiro trailer da aventura feita sob medida para a Disney: um lego flexível, precificado e que se encaixa fácil, fácil nas diretrizes de um vasto cinemão americano, cheio de intenções e vícios de linguagem. No jogo de Hollywood, e estamos falando especificamente sobre ele, poucos sabem manter casados os fatores qualitativos e identitários a ponto de sua paixão primordial pelo Cinema se manter intacta por todo o caminho, este longo e penoso como sabemos ser para todos os(as) envolvidos(as).
Olhando para esta pérola, filmada em um belíssimo e invejável preto e branco que lava o mundo das filmografias americanas de tons prata e grafite de forma quase ímpar, o Burton raiz ainda estava vivo, ou melhor, nascendo, no que pode ser chamado seu melhor filme sob a teimosia alucinante dos fãs em eleger Edward Mãos de Tesoura para este pódio. O cineasta ainda foi zeloso o suficiente, após o enorme sucesso de Batman e Batman: O Retorno, para não sobrepor a estética a essência da história por trás da figura amalucada e naturalmente esquisita do “pior cineasta de todos”, Edward Davis Wood Junior, e que por isso mesmo se tornou inesquecível, tal Tommy Wiseau do infame The Room para as audiências modernas, e homenageado em 2017 em O Artista do Desastre. Ed pode ser visto até hoje, e de forma reiterada, como “o alfa e o ômega do subgênero trash”. Filmes que, de tão ruins, ganham uma legião de fãs justamente por seu apelo ridículo, péssimo gosto em todos os sentidos e humor desproposital e insano.
Sua trajetória na máquina hollywoodiana de sonhos não foi nada engraçada, porém, com Ed experimentado toda a sorte de pesadelos possíveis para realizar suas ‘obras-primas” na Era de Ouro dos grandes estúdios do passado,mas extremamente (no sentido literal da palavra) massacradas e marginalizadas pela crítica especializada e um público que o desprezava, colocando clássicos trash como Glen e Glenda, A Noiva do Monstro, e o mais famoso e ambicioso de todos, Plano 9 do Espaço Sideral (todos disponíveis no YouTube), abaixo de tudo o que se pode imaginar. Amante do macabro e do desconhecido tal qual o seu velho ídolo, Burton viu nos anos 90 a chance perfeita de edificar a cinebiografia do gênio dos anti-sucessos, devotando para isso toda a sua paixão pelos aspectos que o tornaram tão reconhecido, após ter morrido no mais completo e pesado ostracismo nos anos 50, mas não sem antes encontrar sua maior inspiração, um outro gênio da lâmpada, esse sim reconhecido ainda em vida: Orson Welles, o menino prodígio que aos 26 anos rodou Cidadão Kane e reinventou a roda.
Ironicamente, temos aqui um filme sobre um dos maiores vira-latas de Hollywood em que Burton e Johnny Depp usam de suas charmosas peculiaridades notórias a fim de recriarem, juntos, com toda a elegância e o dinamismo possíveis, uma época onde sonhos ainda eram possíveis e eram mais fortes que tudo, dialogando sobre a própria vontade de produzir esses sonhos de uma maneira tão sólida e bem resolvida que fica difícil encontrar um candidato à altura, desde 1994, dentro ou fora do cinema americano, que nos faça cair inadvertidamente de amores pelo amor de lutar, contra todo um sistema, para se contar história sobre travestis, policiais ou alienígenas – ou tudo junto, misturado, porque não? Depp, um grande ator quando quer ser, e na época mais ator que celebridade, exala a paixão de Ed Wood pela câmera, pela luz, pela ação que movia seus atores; lendas como Bela Lugosi, o primeiro Drácula, do longínquo ano de 1931.
Wood apenas queria trabalhar, sob o pecado de ser uma criança perdida numa loja de doces – e como ele amava doces, um mais do que o outro. Wood atuava como cineasta de um tempo mais inocente, que Charles Chaplin ainda era um malandro, Walt Disney ainda lutava para ser o mito que é, e tudo não passava de um exercício caro mas unilateral, sem grandes intenções por trás de nada. Cena após cena, Burton e Depp, no auge de ambos, mostram o lado sombrio, ganancioso e duro de se trabalhar na ilusória Hollywood, pois sabiam, após várias experiências, que nos anos 90 o jogo já era outro, completamente oposto ao mundo de sonhos e diversão de um homem que acreditava em seu coração para guiá-lo com suas lentes em um campo cada vez mais tomado por lobos, e que não aceitam ovelhas sentimentais. Ao recriar uma época, Ed Wood recria com força impressionante o espírito de se fazer filmes, sendo um respiro, uma dose de reflexão, e/ou uma ode para qualquer um que sonha em fazer o mesmo, ou que apenas admira os que tem coragem para tanto.
Após toda uma saga de filmes e livros do bruxinho criado por J. K. Rowling, a escritora passou a escrever os roteiros que adaptavam suas obras, sem intermediários. Em Animais Fantásticos e Onde Eles Habitam a mudança do foco narrativo para um mundo de bruxos mais adulto acerta em cheio, mesmo que o personagem principal Newt Scamander, de Eddie Redmayne, seja absolutamente desinteressante, seus coadjuvantes salvam a exibição. Em Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald há uma tentativa do diretor David Yates seguir esta tônica, mas ele acerta em alguns elementos e erra em tantos outros.
A história começa em 1927, mostrando Johnny Depp como o personagem vilanesco que dá nome ao longa, com cabelos e barba grande, por conta de seu aprisionamento. Apesar da figura de Depp ser deplorável (ainda mais depois das acusações sérias de assédio feitas por sua ex-companheira), a composição visual é boa, o grisalho dos pelos é bem fotografado e toda a sequência de ação inicial é de tirar o fôlego, valorizando toda a atmosfera barroca da obra, tendo já no início algo que faz valer o ingresso dos fãs a apreciar a adaptação dos personagens de Rowling, o problema é que esse êxito não se repete nas outras partes do filme. Redmayne continua em sua performance monotônica, como uma música que insiste demais na mesma nota, e dessa vez, nem Tina (Katherine Waterston) e Jacob Kawolski (Dan Fogler) tem brilho suficiente para balancear a falta de carisma do protagonista. Fica a interrogação sobre o motivo do retorno de Jacob, já que ele tem pouca ou nenhuma importância dramática real, servindo apenas como alívio cômico que já não funcionam tao bem como no primeiro capítulo da série.
A nova versão de Alvo Dubledore, de Jude Law, faz um personagem sóbrio, econômico e que demonstra seu brilhantismo e complexidade de maneira bem discreta e sem exageros, como Depp as vezes faz durante os longos 134 minutos de tela. Apesar de pouco contracenarem, Newt e Alvo parecem bem íntimos e as pontas soltas que são amarradas aqui fazem um sentido tremendo.
Ao menos visualmente o filme acerta e muito. Os tais animais fantásticos são lindíssimos e o design deles é deslumbrante. O dragão / cavalo marinho que aparece no longa é muito superior ao Smaug, de Peter Jackson, mostrado em O Hobbit: A Desolação de Smaug, como aliás havia já ocorrido em outro filme da franquia e de Yates, Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 2.
Pelo meio do filme se percebe que o roteiro deste é bastante refém do primeiro filme, ainda que não repita os momentos de brilhantismo do original. Até os personagens que aparentemente morreram retornam, incluindo aí Credence, de Ezra Miller, que tem um papel fundamental na trama, mas sem o corte de cabelo horroroso que tinha antes, ainda que sua caracterização neste episódio não ultrapasse o caráter de caricatura, uma vez que ele não evolui e segue como o garoto sem perspectivas e de olhar baixo.
O tour pela Europa é injustificado, assim como a enrolação dramática para resolver os problemas, claramente não havia história para durar mais de duas horas e os momentos acessórios soam desimportantes ante a trama de Grindelwald. O ritmo deficitário faz lembrar O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos e Uma Jornada Inesperada. Até as referências e easter eggs soam oportunistas e mesmo o discurso segregador do vilão é também diluído, em mais uma enfadonha referência a Donald Trump e outras figuras execráveis, mas sem dar peso e importância dentro da história. Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald tem bons momentos visuais, mas não tem a mesma qualidade e maturidade do primeiro longa.
Não deixa de ser curioso um artista fazer um O Mundo Imaginário do Doutor Parnassus. Todo cineasta tem um complexo de Deus bem forte norteando suas criações, de cabo a rabo, e Terry Gilliam, por mais maluco que possam ser suas crias, nunca foi louco o bastante pra negar isso. Apesar do seu filme de 2009 ter ganho fama pela morte de Heath Ledger durante as suas filmagens, e três atores terem entrado (de repente) no elenco para tapar o buraco que o astro deixou (no filme e na indústria americana, até hoje), é muito forte a necessidade de se construir um jogo simbólico que Gilliam extravasa em suas histórias, sempre habitando e se refugiando em universos paralelos e numa excentricidade muito própria, semi-organizada, semi-luxuosa e que pode muito bem estimular a paixão dos espectadores pelo onipotente mundo das artes.
Contudo, não foi este o caso em 2009. Tínhamos um diretor aqui que adora mistificar seu ponto de vista em nítidos exercícios de fabulação com aparente total falta de responsabilidade com o real, e o factual. Uma parte técnica impecável (a direção de arte e os figurinos saltam aos olhos) e um elenco dos mais respeitáveis possíveis, numa orgia de surrealismo, brilho e cacofonia dos mais cafonas e bregas dos últimos dez anos. Um bom exemplo de pirotecnia moderna que deu certo? Across the Universe, um musical que justifica suas epifanias e todas as suas loucuras visuais com um bom senso e um bom gosto que Gilliam parece ter absoluta dificuldade em reproduzir, aqui. Isso vindo da mente de quem produziu Monty Python em Busca do Cálice Sagrado, um verdadeiro marco da comédia dos anos 70, e o ótimo Os Doze Macacos, talvez o seu melhor.
Mas por quê? Crise criativa, talvez, ou apenas um projeto ambicioso demais e fora de hora de quem batalhou tanto pra adaptar Dom Quixote nas telas e se contentou no momento com isso. Uma pena! Gilliam é o típico arquiteto de grandes espetáculos que não decola em quase nada que propõe ultimamente, mesmo tendo uma visão corajosa mas sempre exagerando na plasticidade e na histeria acachapante para com o conteúdo e o visual das suas fábulas tão amalucadas. Aqui, temos um circo chefiado pelo misterioso Dr. Parnassus e que cuja grande atração merece o adjetivo: Um espelho, dos mais comuns, mas que permite enxergar e participar de outras dimensões “incríveis” adentrando num simples móvel de vidragem mágica.
Todos os conflitos do filme giram, obviamente, em torno deste objeto e das inúmeras possibilidades que ele carrega em sua existência, mas o problema é um só: Gilliam não se chama Michael Powell. Aos que não o conhecem, Powell foi o que Gilliam, Tim Burton, Guillermo Del Toro e tantos outros de hoje em dia tanto querem ser, e nem com o avanço da tecnologia atual a seu favor conseguem: um legítimo mago da fantasia, capaz de unir inúmeras realidades e os mais diversos e belos sentimentos através do balé de uma bailarina púrpura, ou de uma escada banhada de sol que liga a Terra, ao céu. Nos clássicos do maestro inglês, a magia não é gratuita porque é profundamente acalentadora e sabiamente expressiva, enquanto que no filme de 2009, comanda-se os limites e as direções de uma fantasia colorida e sem sentido como quem comanda uma criança frenética perdida numa loja de doces, ou o Hulk durante um dos seus surtos urbanos devastadores.
Nisso, tem-se uma imaginação concretizada na tela e regida pela vontade de explorar a loucura que reside na mente humana – tudo é válido, ao mesmo tempo que tudo é falso. O espectador comum pode até dizer que nem o país das maravilhas é tão caótico quanto esse imaginário que cabe no limiar de um espelho, e ele está certo! Arcando com o preço da incoerência de uma fábula que se desenrola aos tropeços, e que tenta ser um épico feito o maravilhoso Neste Mundo e No Outro, grande obra de 1946, tudo em O Mundo Imaginário do Doutor Parnassus não passa disso: Escapismo furado e dos mais baratos e banais que o Cinema americano pode oferecer, entre suas ilusões milionárias. Fica a lição que, por mais que um autor mistifique os seus mundos e se ache apto a malabarizar seus elementos simbólicos e contextuais, criando inclusive novos e revitalizando sua assinatura de delírios imagéticos de filme em filme, toda megalomania suprema precisa e deve justificar sua essência e a sua razão de existir.
Uma das obsessões de Tim Burton são os contos de fadas. Ele já havia participado de Teatro de Contas de Fada, com um episódio sobre o conto de Aladdin e a Lâmpada Maravilhosa, mas ainda carecia de algo original em formato longa-metragem, e um pouco depois do sucesso que foi o seu Batman, ele viria com o lúdico Edward Mãos de Tesoura, um filme que se vale da nostalgia e de uma América que apesar de um pouco idealizada, reúne muita realidade em torno de sua história escapista.
Os primeiros momentos se assiste uma avó já bastante idosa colocando sua neta para dormir, e para que ela possa finalmente descansar, a senhora conta uma história passada, em um subúrbio sem nome – as gravações foram em um bairro pacato, de Tampa, Flórida – cujas casas e lugares tem cores gritantes ou pastéis. Nesse lugar, a vendedora e mãe de família Peg Bogg (Dianne Wiest) bate de casa em casa, inconvenientemente tentando vender seus produtos, até que depois de ser ignorada por todos os vizinhos, ela encontra um castelo, cujo jardim é todo decorado com belos arbustos personalizados.
A casa aparentemente abandonada é na verdade lar de um sujeito diferente, que vive nas profundezas da escuridão, vestido de couro, de cor pálida e com pequenas cicatrizes no rosto. Esse é Edward, vivido pelo ator em ascensão Johnny Depp, antes de toda badalação que o faria ser um intérprete mecânico de seus arquétipos. Peg decide retirar o rapaz de sua solidão e levá-lo para morar com sua família, ignorando até mesmo o seu potencial destrutivo, uma vez que Edward tem lâminas de tesouras no lugar das mãos.
A adaptação de Edward ao mundo comum é curiosa, já que ele jamais havia tido qualquer contato com outras pessoas que não o seu criador. O filme se mostra gradual em demonstrar a ambientação do personagem neste novo mundo, e nesses primeiros momentos os eventos mais engraçados são a chegada de todas as donas de casa que querem saber quem é o novo visitante na casa dos Bogg, o fato do rapaz dormir em um colchão de água que é um objeto bastante frágil tendo em vista suas mãos, e a primeira cena do jantar em família, onde os demais não entendem muito bem quem ou o que ele é.
Burton filma os carros saindo das casas pelo alto, quase todos em fila, referenciando um método e rotina compartilhado por absolutamente todos. Os moradores daquele vilarejo são exatamente iguais, e não fogem nunca do usual. Edward é diferente, o único capaz de aprender coisas novas, e ele não demora a se soltar, mostrando a Bill (Alan Arkin), pai da família o que ele é capaz de fazer com uma simples planta a ser podada.
Burton sempre foi conhecido por ser um diretor que ignorava o trabalho dos roteiristas e esse certamente é exceção à regra. O argumento é assinado por si e Caroline Thompson (com roteiro de Thompson), e a forma como é mostrada a origem do protagonista, sem apelos grandiosos, com flashbacks econômicos, que mostram um cientista já idoso – Vincent Price, ídolo de Burton – chamado apenas de O Inventor, que tem o sonho de dar sentimentos as máquinas que o ajudam na fabricação dos biscoitos e demais doces de natal. A sua sina é parecida em essência com a de outros cientistas, com a diferença clara de que não há ganância nele ou uma vontade incontrolável por poder, ao contrário, ele é um sujeito altruísta, e passa essa condição a Edward.
Por incrível que pareça, a pessoa que menos explora Edward é justamente a pessoa que o rejeitou de início, a bela e jovem Kim (Winona Ryder), ao se assustar com o sujeito ocupando seu quarto. A família se aproveita de suas habilidades com tesouras para decorar os jardins da vizinhança, tosar os cachorros das madames e até replicar a excentricidade dessas donas de casa também em seus cabelos. Esse quadro muda quando a menina cede a pressão de seu namorado, para que convença Edward para ajudá-lo a assaltar um lugar, se tornando então um pária para toda a comunidade.
A proximidade com o natal vem junto com um evento curioso, que é o de revelar a total hipocrisia do povo suburbano, que passa a culpar o elemento externo por tudo de ruim que houve naquela vizinhança. Essa dicotomia torna-se um evento inteligente do texto, já que o pregado em cantatas e teatros natalinos é a solidariedade e união suprema entre os povos, e não o preconceito que se vê aqui. Os corais que entoam os temas de Danny Elfman ajudam a restabelecer a magia do conto, mesmo após a enxurrada de hipocrisia e demonstração da podridão da alma humana, presente no discurso preconceituoso e ressentido dos vizinhos. A cena em que o personagem principal faz uma escultura no gelo é fechada com um acidente em que ele corta Kim, logo no momento em que os dois finalmente começam uma conexão sentimental. Ferido emocionalmente, ele age de maneira instintiva e foge, causando pequenos transtornos pelo caminho, assim como no romance de Mary Shelley, sobre o monstro de Frankenstein.
Edward Mãos de Tesoura possui uma singeleza e sensibilidade ímpar em sua historia, realizando uma fantasia com tons modernos que mesmo atualmente segue poderosa em essência.
Agatha Christie é a romancista mais bem sucedida da história em literatura popular no que diz respeito ao número total de livros vendidos, que juntos venderam por volta de 4 bilhões de cópias no decorrer dos últimos dois séculos, ficando somente atrás de William Shakespeare e da Bíblia Sagrada. Sua especialidade era escrever sobre romances policiais, o que lhe rendeu o apelido de “Dama do Crime”, sendo que seus livros renderam mais de quarenta adaptações para o cinema.
Assassinato no Expresso do Oriente é um de seus livros mais famosos e, inclusive, já rendeu uma adaptação para a tela grande sob a batuta do mestre Sidney Lumet, em 1974. O filme teve ao todo seis indicações ao Oscar, com Ingrid Bergman levando a estatueta de melhor atriz coadjuvante. Em 2017, coube ao veterano Kenneth Branagh o desafio de dirigir e estrelar uma nova adaptação do livro que promete superar o número de indicações à Academia e quem sabe até mesmo dobrar o número de vitórias em relação à adaptação anterior.
Tão logo o filme começa, somos apresentados ao simpático belga Hercules Poirot (Branagh), ou melhor, Hercule Poirot, no singular. Dotado de manias pela busca de equilíbrio e simetria (o que já rende boas risadas ao espectador), Poirot é simplesmente o maior detetive do mundo, como ele mesmo se denomina e com cinco minutos de fita, já descobrimos o motivo de tamanho orgulho para com si próprio e para com a sociedade, ao resolver um entrave ao pé do Muro das Lamentações, em Jerusalém. O detetive só quer voltar para sua casa, mas no meio do caminho, recebe notícias a respeito de um caso antigo e importante que o faz adiar seu retorno. É assim que Poirot embarca no Expresso do Oriente, um luxuoso trem de propriedade de seu amigo Bouc (Tom Bateman).
Dentro dos vagões somos apresentados ao grande elenco principal que compõe a história e que está recheado de bons atores. Johnny Depp é Edward Ratchett, um vendedor de artefatos falsos que angariou diversos inimigos ao longo dos anos. Trabalham para Ratchett seu secretário Hector McQueen (Josh Gad) e seu mordomo Edward Henry Masterman (Derek Jacobi). A jovem Daisy Ridley interpreta a governanta Mary Debenham, acompanhada de seu parceiro, o médico, Dr. Arbuthnot (Leslie Odom Jr.). Judi Dench interpreta a grosseira princesa Dragomiroff e Olivia Colman, sua empregada, Hildegarde Schmidt. Também temos Willem Dafoe interpretando Gerhard Hardman, Michelle Pfeiffer na pele da fogosa Caroline Hubbard, além de Penelope Cruz, que faz a religiosa Pilar Estravados. O elenco ainda é composto por Manuel Garcia Rulfo, Lucy Bointon e Sergei Polunin.
A paz dos personagens dentro do trem muda quando uma avalanche faz a locomotiva descarrilhar, obrigando toda a tripulação aguardar o resgate. As coisas ficam realmente complicadas quando um dos passageiros acaba por ser brutalmente assassinado em sua cabine durante a noite. Assim, Poirot decide investigar o crime a pedido de Bouc, e o escala para auxiliá-lo na investigação, uma vez que foi o único que dormiu fora do vagão em que ocorreu o crime, estando livre, portanto, de qualquer acusação, sendo todos os outros suspeitos em potencial.
O filme respeita exatamente aquilo que o gênero precisa e tudo que está em cena é para criar, de forma proposital, confusão na cabeça do espectador. Então, com o desenrolar da trama, mas antes do assassinato, aquele que assiste faz as suas apostas sobre quem será morto, sobre quem será o assassino, etc. Inclusive, temos desde o suspeito óbvio, até algumas pistas que estão na cara do espectador, mas que nem o olhar mais atento poderá sacar a jogada, além de reviravoltas interessantíssimas que culminam com o desenrolar do caso e que mexem com Poirot de forma profunda.
Os méritos – além de Agatha Christie ser totalmente responsável por ter criado todo esse universo, também são do roteirista Michael Green, que recentemente trabalhou em histórias e roteiros de filmes como Logan, Alien: Covenant e Blade Runner 2049, além de ter escrito e criado a série American Gods. O trabalho de direção de Kenneth Branagh desenvolveu um estilo de filmagem bastante interessante, sabendo se valer dos espaços restritos que tem a sua disposição em um trem, gerando cenas interessantíssimas de dentro das pequenas cabines e apertados corredores. Há de se destacar ainda, o belo plano-sequência que funciona em prol do roteiro, apresentando cada um dos personagens, como também a tomada aérea onde a câmera do diretor enquadra seus personagens em um corredor quase como remetendo a um tabuleiro de xadrez, com a disposição de suas peças. Seu trabalho como diretor sempre se dá em função da narrativa, como por exemplo nas cenas de interrogatório, onde os seus enquadramentos se dão através de vários espelhos, denotando como cada um desses personagens podem ser multifacetados.
Mas o destaque mesmo vem de sua brilhante atuação, que não seria de se estranhar se lhe rendesse sua quinta indicação ao Oscar. Aliás, existem grandes chances do personagem entrar para o “hall da fama” de queridos personagens da cultura pop. Branagh, ator provindo do teatro shakesperiano, sabe como ninguém construir a figura de Poirot em todo o seu desenvolvimento dramático, dosando quando necessário sua excitação em atuações mais contidas e extrapolando suas emoções em outros momentos. O cineasta sabe como ninguém colocar o peso das escolhas, ações e palavras de seu personagem.
Vale destacar que o filme termina com um gancho para adaptar outro clássico de Christie que também tem o detetive Poirot como protagonista, Morte No Nilo, de 1937. Assassinato no Expresso do Oriente agradou tanto os executivos que o sinal verde para a nova adaptação foi dado e deve trazer novamente Branagh tanto na pele do maior detetive do mundo, quanto na cadeira de direção.
Há um pensamento encrustado no ideário popular de que o bom jogador de poker sabe a hora de parar de apostar. Ao que tudo indica, Jerry Bruckheimer e os estúdios Disney ainda não chegaram a essa conclusão a respeito da franquia Piratas do Caribe e do destino de seu personagem principal, Jack Sparrow (Johnny Depp). Piratas do Caribe: A Vingança de Salazar é o quinto volume da série já bastante desgastada, e coube aos noruegueses Espen Sandberg e Joachim Rønning conduzir esta que estava prevista para ser o último evento da saga.
Há dois elementos novos que dividem a centralização da trama, o primeiro deles é o casal da vez, formado por Henry Turner (Brenton Thwaites) e Carina Smith (Kaya Scoledario), uma dupla de jovens que tem motivações ligadas aos seus pais desaparecidos, e que buscam ambos tentar alcançar o auge da geração anterior. O outro elemento é Salazar (Javier Bardem) um homem que foi ludibriado por Sparrow no passado e que busca vingança, por conta de mais uma maldição genérica, como visto nos outros quatro filmes da franquia. Dessas ideias, a que mais funciona é presente na personificação de Carina, que consegue ser a única personagem forte e com qualquer substância, compondo uma bela e forte heroína, graças muito ao talento de Scoledario, que já tinha se mostrado uma boa atriz em Maze Runner.
Sandberg e Rønning não podem ser encarados como novatos em Hollywood. O primeiro longa em parceria foi Bandidas, lançado há mais de dez anos, em 2006, e os erros apresentados nesse se assemelham demais ao filme citado anteriormente. Os acertos que ambos tiveram em Kon-Tiki não se reprisam, ao contrário, já que claramente se percebe uma falta de carisma geral nos personagens novos, em especial Henry, que não convence em nenhuma de suas ações, fazendo Thwaites soar como um Orlando Bloom genérico, comprovando que sozinho ele não segura o filme, como já era ensaiado em outras de suas participações no cinema, como Doador de Memórias, Malévola e Deuses do Egito.
Há uma tentativa de resgatar a honra de Barbossa, há muito achincalhado no filme anterior. Os rumos de seu destino são diferenciados e ainda assim fracos, mas nada tão desrespeitoso como havia sido sua transformação em agente da coroa britânica no tomo quatro. Geoffrey Rush tenta dar uma maior profundidade ao seu personagem, uma vez que os holofotes também estão sobre ele. O veterano não faz feio, e consiste em si as melhores participações, ao contrário de Bardem, que durante todo o longa-metragem se mostra no “piloto-automático”.
O capítulo cinco peca por não empolgar ou divertir seu público. Esse é claramente o filme que depende menos de Depp, possivelmente motivado pelos escândalos extra-tela que o ator protagonizou. A realidade é que a carreira do ator já vinha perdendo popularidade, graças ao abuso de seus trejeitos e projetos controversos. Quase nada que ele fez nos últimos anos foi digno de entusiasmo ou nota, nem no retorno a parceria com Gore Verbinski em Cavaleiro Solitário. O que já era decadente tornou-se morto após as acusações que sofreu e nem em seu campo de domínio há uma unanimidade.
Os ganchos e cenas pós-créditos são terríveis e covardes, brincando mais ainda com a expectativa do público. Do ponto de vista técnico, se nota um trabalho de som competente, fator que acrescenta um tom épico as cenas de escalas grandiosas, ajudando criar um clima fantástico fantástico que funciona basicamente só nesses momentos. No entanto, esses aspectos não salvam o filme da fórmula medíocre típica da Hollywood atual, tornando Piratas do Caribe: A Vingança de Salazar mais uma obra dispensável e esquecível, ainda que levemente superior as outras continuações. É muito tarde para quaisquer mudanças nessa saga que insiste em não se deixar encerrar.
“Se você não sabe onde quer chegar, então qualquer caminho serve”, disse o Gato Que Ri à Alice, que conta suas aventuras pelo País das Maravilhas no livro de Lewis Caroll. E é exatamente esse conselho que a direção de Alice Através do Espelho, de James Bobin, parece seguir no longa. A obra original, Através do Espelho e o que Alice Encontrou por Lá, é uma espécie de sequência que simplesmente ignora a fonte, e embora possa ser “mais do mesmo” acaba por ser uma leitura agradável no fim das contas. Já o filme está bem longe disso. Do material original, apenas o título e a passagem pelo espelho se mantiveram. De resto, nada tem a ver com o livro, ignorando passagens memoráveis como o conto da Morsa e o Carpinteiro, ou a conversa com as flores no jardim.
A maioria das adaptações da obra não seguem-na ao pé da letra, é verdade, e muitos filmes misturam o primeiro livro com o segundo – como os próprios estúdios da Disney fizeram nas duas versões anteriores a essa – mas sempre guardam alguma semelhança. Dessa vez, apenas o título mesmo foi usado. Fica claro desde o começo que não passa de uma forma de ganhar dinheiro com um produto já conhecido do público, com um esforço mínimo de trazer personagens memoráveis ou sequer significantes para a trama. Revemos velhos conhecidos, como o Coelho Branco ou a Lebre de Março, que apenas desfilam pela tela sem qualquer relevância.
Logo no início, como de costume, vemos Alice (Mia Wasikowska) no “mundo real”, como capitã de um navio enfrentando perigos, e em seguida, resolvendo negócios de família e sendo ridicularizada por ser mulher. Se tivéssemos mais tempo com a Alice do mundo real, talvez poderíamos até mesmo ver uma história interessante. Infelizmente, esses problemas são tratados de forma superficiais e sequer arranham a superfície das questões que poderiam ser levantadas, mesmo que de forma anacrônica, por uma personagem feminina forte. Isso não ocorre, talvez pela falta de carisma da protagonista ou do raso desenvolvimento de sua personalidade. Temos que ser informados por sua mãe de que ela é “teimosa”, quebrando uma das regras fundamentais das artes cênicas de mostrar, não contar.
Alice ouve a voz da Lagarta, agora transformada em Borboleta, que a guia até um espelho. Ao atravessá-lo, Alice volta para o Mundo Subterrâneo (Underland no original, fazendo um trocadilho com Wonderland). Se algo se salva nessa cena é a voz da Borboleta, interpretada pelo finado Alan Rickman, o eterno Professor Snape de Harry Potter, em seu último papel. Essa cena, que deveria ser de extrema importância por estar no título do filme, é totalmente banalizada. Alice simplesmente atravessa o espelho e pronto! Não existe encantamento, deslumbre, motivação… nada! Talvez por puro fan service, vemos um tabuleiro de xadrez senciente e Humpty Dumpty (o homem-ovo da rima infantil inglesa), em uma breve aparição, fazendo a única coisa que ele sabe fazer.
Alice se encontra então com a “turma antiga” (seus amigos de Alice no País das Maravilhas), que estão todos tomando chá e se mostram felizes por vê-la. Assim, ela fica sabendo que o Chapeleiro Louco caiu em desgraça e precisa muito de sua ajuda. Ao conversar com o conturbado Chapeleiro (Johnny Depp, que parece querer reprisar mais uma vez o papel de Jack Sparrow) descobre que ele está abatido devido a um drama familiar. Alice, para ajudá-lo, vai até o Senhor do Tempo (Sacha Baron Cohen, ainda mais caricato que seu famoso personagem Borat) atrás de um artefato que a permita voltar no tempo. E é aí que a trama se torna genérica de uma vez!
A Rainha de Copas interpretada por Helena Bonhan Carter é a vilã novamente – e novamente é mesclada com a Rainha Vermelha do livro – e também quer o mesmo artefato, chamado cronosfera, e para isso isso envolve-se em um relacionamento com o Senhor do Tempo. O desenrolar da história é tão mal-feito que descobrimos que tudo que acontece é por causa de uma… torta! Sim, a torta que faz parte do julgamento no primeiro livro e é apenas um recurso narrativo para parodiar os absurdos e arbitrariedades do sistema de Justiça, aqui é um elemento principal da história. E mais uma vez vemos o recurso narrativo da “escolhida” sendo usado, pois Alice é a única que pode salvar o mundo e por aí vai…
O filme carece de uma lógica interna, o que torna seu desenvolvimento ainda mais sem sentido. Durante as viagens no tempo, ficou estabelecido que não se pode mudar o passado, mas mesmo assim, o passado é mudado! Os personagens são simplesmente desperdiçados e as piadas até tentam fazer rir, mas não funcionam. A melhor parte do filme é quando Alice volta ao mundo real pela primeira vez e quase temos um plot twist – bastante sombrio e que levantaria muitas questões a serem discutidas sobre a veracidade das viagens da personagem – mas que sequer é comentado no fim, quando ela volta de vez e resolve os problemas que havia deixado pra trás.
No fim das contas, o filme não parece ir para lugar nenhum. Além da parte estética e fotografia, que emulam muito bem o estilo que Tim Burton imprimiu no também sofrível primeiro filme, não há nada que justifique o tempo perdido com essa película. Se a ideia era realmente não ir a lugar nenhum, então todos os envolvidos na produção estão de parabéns por atingir o objetivo.
Em 1975, o gângster James “Whitey” Bulger controla quase todo o crime organizado no sul de Boston, liderando o chamado Winter Hill Gang. A trama, que adapta o livro de Dick Lehr e Gerard O’Neil, acompanha Bulger ao longo de três décadas, indo de criminoso comum a líder de um dos maiores grupos da máfia de Boston. Em paralelo, vemos sua colaboração com o amigo de infância e agente do FBI John Connoly (Joel Edgerton) e sua transformação em um informante superprotegido.
Existe uma tendência nos filmes de máfia em se transformarem em uma sequência metafísica de dissertações morais construídas em cima dos conflitos ideológicos dos protagonistas em suas ações, mas o diretor Scott Cooper (Coração Louco, Tudo Por Justiça) consegue fugir da habitual relação entre protagonista e audiência, nos apresentando uma personificação do estereótipo cruel e maléfico de mafioso que, surpreendentemente, se apresenta de forma completamente fresca.
Por essa razão, Bulger foge da caricata figura que Johnny Depp construiu para si mesmo com o passar dos anos. Controlado, seguro e maduro, o ator se apresenta de forma nunca antes vista. E é nesse registro que ganha notabilidade, sempre sendo uma ameaça, um psicopata que não se importa com os meios, apenas com os fins.
A verídica história de como um gângster qualquer foi “promovido” a rei do crime de Boston pelo FBI é intrigante ao extremo, mas a falta de um melhor posicionamento narrativo é prejudicial. O filme parece, em todo o tempo, se deslumbrar mais com a figura de Bulger do que com as inúmeras críticas e comparações cabíveis dentro da história em relação à eterna política de intervenção dos EUA.
Mesmo com elenco bem afinado – embora mal aproveitado pelo foco no personagem de Bulger -, não fosse Depp mostrando que ainda tem muito a oferecer, Aliança do Crime seria apenas mais um filme genérico sobre a máfia, ignorado pela maior parte do público e rumando para o esquecimento, o que é incabível considerando o peso da história.
Retomando a parceria com o diretor e roteirista David Koepp, com quem realizou o bom suspense Janela Secreta, adaptado de um conto de Stephen King, Johnny Depp retorna às telas com mais um papel evidenciando sua predileção por personagens bem caracterizados pela estranheza e afetação.
Mortdecai – A Arte da Trapaça se baseia em uma personagem criada por Kyril Bonfiglioli, um romancista britânico que compôs uma trilogia cômica sobre um anti-herói aristocrata negociador de artes, principalmente no circuito alternativo. Com um proeminente bigode francês, a personagem, ao lado de seu fiel ajudante Jock (Paul Bettany), é considerado um pícaro. Um tipo que representa uma espécie de malandro, um homem que transita na sociedade sobrevivendo como possível dentro ou fora da lei. Normalmente nessas obras, o riso é provocado pelas situações, uma maneira de satirizar o conjunto da sociedade.
Na trama, o Lord Mortdecai passa por uma crise financeira e aceita a proposta do inspetor Martland (Ewan McGregor) para investigar a morte de uma restauradora de quadros em troca da dívida perdoada. Ao mesmo tempo, tenta manter o investigador longe de sua esposa Johanna (Gwyneth Paltrow), pela qual é apaixonado. O humor focado em uma personagem estranha não é cativante. Afetado em demasia, como se vivesse em um mundo à parte, Mortdecai e o roteiro parecem ambientar-se em dois momentos diferentes. Mesmo que o anacronismo seja proposital para criticar uma visão atrasada da aristocracia britânica, o riso crítico se perde em meio a muitas piadas cênicas e corporais.
Depp dá prosseguimento a sua má fase na carreira em mais um papel afetado que revela uma repetição dos trejeitos de outros personagens recentes e bizarros, como o capitão Sparrow de Piratas do Caribe e o vampiro de Sombras da Noite. Ainda popular devido a outras caracterizações marcantes, há certo tempo o ator não entrega uma grande interpretação, tanto de sua vertente estranha quanto de um papel mais tradicional, como o cientista do péssimo Transcendence – A Revolução.
Esteticamente, o filme utiliza recursos de computação gráfica e ângulos diferentes em cenas de transição para promover uma agilidade à farsa. Mas esses procedimentos aumentam o tom bobo e superficial da trama e não são capazes de trazer o timing cômico à história. As piadas estão presentes, mas não trazem a carga de efeito necessária. E o roteiro frágil ajuda a ampliar a sensação de vazio, como uma obra trabalhando um potencial bom personagem, composto sem o cuidado adequado, como se o humor não fosse tão requintado quanto o drama.
O conceito de re-conto permeia toda a produção do filme da Disney encabeçado por Tim Burton, não só pelas dezenas de outras adaptações do romance de Lewis Carroll, mas também por apresentar a personagem-título vivendo outros paradigmas, que não só os de discutir os devaneios que teve ao ter contato com o mágico mundo visitado em sua infância. Aproximadamente dez anos após os eventos do livro, Alice (Mia Wasikowska) não se lembra da viagem ácida que fez no passado, sempre relegando estes eventos a lembranças de sonhos, destacando um ou outro elemento enquanto frequenta uma festa pomposa, repleta de socialites.
Já próxima da fase adulta, Alice vê em si a responsabilidade de salvar sua família da crise financeira que a acometeu desde que sua mãe (Lindsay Duncan) ficou viúva, restando à garota um casamento forçado com uma figura efeminada, que certamente não supriria quaisquer de suas necessidades maritais, factoide este aplacado, claro, pelo fato desta obra ser uma fábula infantil.
Para Alice, mais interessante é dar vazão à perseguição ao Coelho. A busca pela clarividência dos fatos esquecidos pela personagem principal ocorre em meio a um grotesco cenário, com uma paleta de cores que não tem identidade, nem ser clara o suficiente para remeter aos desenhos animados dos tempos áureos de Walt Disney, mas não tão escura o suficiente para reproduzir o barroco comum da filmografia de Burton. É curioso como a completa falta de espírito alastra-se na fita tanto quanto com a representação de sua heroína, fazendo se perguntar se o erro não é proposital, desconsiderando a costumeira incompetência do diretor em apresentar histórias simples.
Os desencontros seguem com uma enorme gama de personagens descartáveis e sem carisma, praticamente proibindo qualquer rastro de empatia com a jornada. O script de Linda Woolverton é banguela, sem qualquer possibilidade de uma digestão saudável por parte do público. Tudo é motivado pelo péssimo e enorme conjunto de falhas e incongruências que fazem discutir a culpabilidade da ruim qualidade da obra, se da roteirista ou do diretor. Burton costuma transformar bons textos em apresentações demasiadamente incongruentes, fator que faz pesar a responsabilidade, uma vez que Woolverton coleciona muito menos pecados filmográficos que o cineasta.
O Chapeleiro Louco de Johnny Depp nem é tão irritante se comparado ao pastiche do ator através dos anos com a saturação de Jack Sparrow, Tonto, seu personagem em Sombras da Noite – também de Burton –, e, claro, se confrontado com o porre causado pela Rainha de Copas de Helena Bonham Carter. O grotesco da maquiagem e as colocações verbais não conseguem ofuscar todo o equívoco que é sua performance dramática, certamente um dos mais lamentáveis aspectos do já combalido filme.
Outra infeliz coincidência de erro dentro da trama é a aleatoriedade do tamanho de Alice, que em muitos momentos tomava algum tipo de poção que a fazia aumentar e diminuir de tamanho, uma tentativa óbvia de exibir que, para uma adulta, aquele mundo louco já não era cabível, tornando a inadequação o ponto máximo do incômodo que é terminar de assistir à película. Evidencia-se, assim, o quão banal é toda aquela caracterização grotesca e descabida, que serve quase que somente para desvirtuar os rumos dos personagens clássicos de Lewis Carroll. A falta de resolução de tamanhos também remete à dificuldade de propor uma identidade do filme, que demonstra problemas em demonstrar o variável entre pesado e/ou infantil, sendo enfadonho em ambos os aspectos.
O ponto de partida, onde o roteiro poderia finalmente ser maduro, é completamente ignorado, dando lugar a uma pífia batalha épica, que seria comum no futuro em outros filmes semelhantes – a lembrar-se de Branca de Neve e o Caçador – jogando por terra qualquer possibilidade de discussão minimamente interessante, tudo para apelar ao óbvio hype de Game of Thrones que tomava as noites da HBO.
De todas as criaturas birutas que habitam aquele cenário, Absolem (voz de Alan Rickman), que, assim como Alice, também está em fase de maturação, tornando física – também igual à personagem-título – sua transformação em algo maior. A máscara de mentor lhe serve perfeitamente, pois é no drama que Alice perceberá que são necessários uma movimentação maior e um desprendimento das certezas pseudo-amadurecidas que tem, tendo no encontro com a forma em casulo do seu mestre a ciência de tudo que viveu quando ainda era muito jovem.
Basicamente, o roteiro demoniza os deformados, mostrando-os como seres ressentidos e amargurados, que têm sua dor causada pela rejeição, uma vez que a tirania é vazada a partir de um deles. O pretenso crescimento espiritual da protagonista é interrompida por dancinhas constrangedoras com a intenção de quebrar o decoro da forçada cordialidade dos nobres presentes no mundo real, mas que, em essência, só ridicularizam a nova postura da personagem. Mia Wasokwska, aliás, não parece inspiradora mesmo quando consegue vencer os preconceitos que a cercam. A versão de Burton acerta em poucos aspectos, tendo uma trilha sonora acertada, mas que nem incorre como deveria. A sensação da análise final é de que Alice no País das Maravilhas é um equívoco completo: bobo, patético e deslocado.
Não é incomum que as pessoas guardem certo ranço pelo musical como gênero cinematográfico. Uma das alegações mais recorrentes diz respeito à dificuldade de envolvimento devido ao uso narrativo da música. É, no entanto, interessante que Disney e Broadway desde seus primórdios lancem mão deste recurso em suas obras, as quais, eventualmente, sejam tão bem aceitas pelo público em geral – como a clássica Hakuna Matata (O Rei Leão) e a recente Let it Go (Frozen – Uma Aventura Congelante) – mas cuja aceitação não seja a mesma quando o gênero é aplicado no formato live action ou o material encenado fora dos palcos. Entre tantos outros exemplos, Caminhos da Floresta encaixa-se na categoria dos que merecem ser vistos sem este tipo de filtro.
Vindo na esteira de uma leva de filmes propondo reformulações menos monocromáticas nos contos de fadas, como ocorreu com Malévola e o já citado Frozen, Caminhos da Floresta maximiza essa tendência e une os principais contos de fada recontados ou elaborados pelos irmãos Grimm em um mashup capaz de unir, mais do que suas tramas, as discussões morais e éticas já presentes desde sempre nestes contos. Para tal tarefa, a Disney chamou o veterano Rob Marshall, diretor de Nine e Chicago, para reunir todas essas tendências e criar uma paleta mais sutil e atual com o uso de charmosas canções.
O que vemos aqui é uma única história contada de maneira fracionada com o uso de personagens, de comportamento tipicamente maniqueísta, mas que unidos tornam-se mais profundos. Nos contos originais, a trama desenrola-se a partir do erro ingênuo da jornada dos heróis (chamado de Hermátia, que pode ser traduzida do grego como “Errar o Alvo”). Mas o que Rob Marshall faz com esse material é uma discussão sobre a real inocência deste erro e como ele pode afetar a vida de todos, e faz isso usando como fio condutor o conto de Rapunzel – ironicamente, deslocado e abandonado de acordo com a conveniência do roteiro -, levando adiante a história de sua origem ao nos apresentar as consequências adquiridas pelas próximas gerações do conto.
A apresentação dos personagens é feita através da narração de suas ocupações e de uma canção que permeia os cenários dos protagonistas exibindo seus desejos e aflições. Neste ponto, podemos separar os protagonistas como alegorias para “O mundo”; a floresta como “A vida”; e a Bruxa (Meryl Streep, merecidamente indicada ao Oscar novamente) como “Os percalços da vida”. E assim está posta a mesa sobre os dilemas da vida, o que faz todo o sentido neste contexto, já que todos os contos de fada usados são “arquétipos universais”, assim chamados por reproduzirem-se mesmo em culturas distintas e não relacionadas entre si.
Apesar da proposta ambiciosa de buscar o sentido da vida – ou o sentido da floresta -, a produção frequentemente peca pela literalidade com que aborda boa parte de suas teses, o que é uma pena, pois, quando consegue se desfazer deste cacoete, sempre acerta, como na cena de renascimento de Chapeuzinho Vermelho, ou de sua transformação interna com a substituição de sua capa vermelha de menina por uma capa de mulher, fruto de seus erros que será carregada para que possa enfrentar o mundo.
Com uma metragem maior do que deveria, o filme tropeça em algumas ambiguidades por ceder à falácia do meio-termo como situação ideal, mostrando os extremos e então forçando-os a alcançar um ponto de equilíbrio dito ideal, como quando, após expor o machismo dos contos e dos cafonas príncipes encantados, a adúltera é punida pela vida sem a menor cerimônia; ou, quando fala sobre onde colocar nossos desejos sexuais, argumenta a possibilidade de que no fundo a moça sabia que não deveria ter provocado ou se excitado.
Mas não adianta buscar culpados apenas, pois afora passar por esta floresta e seus caminhos – pela falta de caminhos, atalhos ou estradas – passa pela aceitação do outro como parte da resolução, assim como foi parte do problema, tendo o sentido de pertencimento como essencial para lidar com os defeitos do mundo, a vida e seus problemas.
Com aproximadamente cinquenta trabalhos em fotografia cinematográfica, divididos entre longas-metragens, curtas e videoclipes, Wally Pfister estreia na direção, com uma ficção científica que recorre a uma das tradições do gênero – o futuro como visão pessimista do presente – para desenvolver seu argumento.
Transcendence: A Revolução apresenta um futuro destruído e primitivo em relação ao mundo contemporâneo. A trama retorna anos antes para a bem-sucedida vida do cientista Will Caster (Johnny Depp) e de sua esposa (Rebecca Hall). Considerado uma das grandes mentes vivas, o doutor é responsável por desenvolver o primeiro sistema com inteligência artificial autônoma. Após descobrir-se portador de uma doença terminal, decide transferir sua consciência para uma máquina – uma evolução de seu projeto de inteligência artificial – para permanecer vivo mesmo que em circuitos elétricos.
Diferentemente de seus personagens mais conhecidos, destacados pela interpretação levemente afetada e apoiada em caracterizações distintas, Depp faz um cientista sem muitos arroubos e nenhum estilo próprio. A ausência de qualquer elemento bizarro parece enfraquecer a interpretação do ator em um roteiro raso feito por Jack Paglen (estreante no roteiro de longas). Um material que não fornece nuances à personagem central além da natural mudança de comportamento, quando o Dr. Caster de carne e osso se transforma em um conjunto gigantesco de bytes.
A evolução das máquinas, e a tecnologia que proporciona tal avanço, foi o tema escolhido como estrutura da ficção científica. Dentro do sistema digital, o cientista perde as nuances humanas e torna-se um sistema de ação e reação, equilibrado em uma analise matemática que visa uma melhora tecnológica em escala global, mesmo que infrinja a lei para estes meios. Em contraparte dramática, há um grupo de ativistas (liderado pela personagem de Kate Mara) avessos à tecnologia e contra a evolução transcendental que prende o doutor.
A história desenvolvida além da superfície apresenta a análise filosófica sobre a evolução das máquinas e um futuro consciente a respeito da existência da tecnologia e de robôs artificiais que se tornariam mais inteligentes que a máquina humana. Sob este aspecto, torna-se evidente que Transcendence utiliza-se de um elemento da ficção científica como conflito e não como estilo, semelhante ao desenvolvimento de Oblivion, estrelado por Tom Cruise, que recorre a um futuro distópico somente como base para desenvolver a ação.
Retratando de maneira frívola o conceito da inteligência artificial em um argumento simples, a produção não se insere em linhas de estudo sobre robótica ou neurociência atuais que aproximariam a história de um senso de realidade, nem funciona como um produto genuíno da ficção científica pela falta de um rico material argumentativo que demonstre teses e teorias no interior da narrativa especulativa.
Vendida como história deste estilo, não à toa a recepção foi considerada inferior da esperada. O argumento breve pode conter potencial, mas ao ser executado no roteiro resulta em uma história que se demonstra precária, e o conflito do homem transformando-se em máquina, um mero apelo dramático. Um recurso que poderia ser substituído por outros sistemas narrativos igualmente interessantes em sua essência.
Levando-se em consideração as primeiras notícias que saíram na pré-produção do longa, o roteiro seria mais próximo de uma história de ficção científica, apoiada na evolução da tecnologia e nos consequentes avanços medicinais. Talvez procurando um apelo mais simples e universal – que sempre suscita uma intenção financeira por trás da obra – destruiu-se o verdadeiro potencial dramático e filosófico que a história poderia entregar. Uma transcendência que se transformou em blefe não correspondido, demonstrando que até um nome em alta como o de Christopher Nolan – que produziu o filme – não pode sustentar uma obra composta de maneira desequilibrada.
Bem vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira), Rafael Moreira (@_rmc), Isa Sinay (@isasinay), Jackson Good (@jacksgood), Filipe Pereira e Bruno Costa (@zumbirosca), dos blogs/podcasts Os Cinefilos e Cruzador Fantasma, além da participação pontual de Mario Abbade (@fanaticc) em nosso bloco de cinema, se reúnem para comentar sobre o que rolou no circuito cultural das últimas semanas.
Duração: 108 min. Edição: Rafael Moreira e Flávio Vieira Trilha Sonora: Flávio Vieira
Arte do Banner: Bruno Gaspar
Mais um dos produtos Disney encabeçado por Gore Verbinski e acompanhado de Johnny Depp, este OCavaleiro Solitário traz uma nova visão do clássico justiceiro mascarado do Velho Oeste. A história é contada por um índio ancião a uma criança fantasiada de Lone Ranger. Os fatos são contados por meio de flashbacks, recurso que parece estar cada vez mais em moda no cinema contemporâneo.
Ao menos os cenários e figurinos condizem com o gênero Western, a Direção de Arte têm poucos erros e a atmosfera contribui para a imersão dentro da história, mesmo com a ausência de sangue nos tiroteios e execuções. O roteiro contém muitas gags hilárias e piadinhas físicas que, aos poucos, vão minando a paciência do espectador mais ranzinza.
Depp está com todos os trejeitos típicos de seus filmes com Tim Burton e do próprio Verbinski, o que torna sua caracterização em algo completamente genérico, visto em quase todas as suas bombas recentes – quase sempre de cara pintada, com atuações tresloucadas e caricatas. O próprio ator parece se incomodar com a repetição de estereótipos que vem fazendo, tanto que seu contrato não prevê sua participação numa possível continuação. O estilo canastra permanece irritante, principalmente quando este interage diretamente com o público, mas o fato deste filme ser voltado para o público infantil, faz relevar alguns de seus muitos defeitos de concepção.
Armie Hammer também não acerta como Lone Rider, e é ainda mais canastrão que Tonto. Seu personagem e o índio revezam-se nos arquétipos de Mentor e Pupilo, mas a relação é tão mal construída e jogada, que não há como se importar com os percalços deles. Para colaborar ainda mais com a mediocridade da obra, é apresentada Helena Bonham Carter num papel de uma cafetina perneta, com uma prótese de marfim – objeto que gera uma cena fetichista totalmente descabida, que não é pesada, mas também não se encaixa num produto cinematográfico para crianças – não é sequer engraçada, é só de mal gosto.
A ação empregada em Cavaleiro Solitário é muito semelhante a da série Piratas do Caribe: lotada de pirotecnias, com brigas “pouco violentas”, coisas explodindo pelo cenário, e sem personalidade nenhuma, mais do mesmo. Verbinski se repete demais e aposta suas fichas no que sempre deu certo em sua filmografia, até nos erros o realizador tem a obsessão em se autorreferenciar, pois o romance entre John Ready e sua cunhada Rebeca Ready (Ruth Wilson) é muito fraco, e tem o desfecho parecido com o do casal de Piratas do Caribe: Fim do Mundo, onde OrlandoBloom e Keira Knightley também são impedidos por “forças maiores” de ficarem juntos. Neste, ao menos, havia um pouco de química, ao contrário da relação semi-incestuosa apresentada em Lone Ranger. Esta versão do OCavaleiro Solitário carece de conteúdo, substância e relevância, e só não é absolutamente descartável graças a sua fotografia e direção de arte.
A cada nova produção, Tim Burton divide seu público cativo. Grande parcela reconhece que as refilmagens feitas pelo diretor mais mancharam sua imagem do que deram vazão a sua criatividade. O que antigamente era visto como um excepcional estilo com uma parceria consagrada com um ator famoso, hoje pode ser motivo de riso pelo uso constante de Johnny Depp e da esposa Helena Bonham Carter como uma fórmula desgastada.
Torna-se difícil avaliar mais uma de suas produções sem questionar-se o que aconteceu com Burton, que teve fase excelente na década de noventa e, desde a regravação de Planetas dos Macacos, começou a tropeçar tanto nessas adaptações, tidas como obras contratuais, como naquelas de cunho mais autoral.
Após o imperdoável Alice No País das Maravilhas, carregado por seu estilo, retorcendo a história original, Sombras da Noite parecia ser uma história de retorno a sua origem gótica e ainda parodiando a demanda atual de filmes vampirescos. Baseada em uma série da década de sessenta, a trama nos apresenta Barnabás Collins, um sedutor que se transforma em vampiro devido a maldição de uma bruxa. Preso em seu caixão por duzentos anos, a personagem desperta e vive as transformações do mundo moderno, reencontrando sua cidade e o legado da família perto da falência, tentando reascendê-la na sociedade.
Se o ambiente parece uma retomada daquele primordial, o mesmo não pode se dizer da história. Mesmo com liberdade, o diretor teve que caminhar por uma trilha já fundamentada pela série televisiva, o que serve de impedimento para maior escopo criativo. A adaptação cinematográfica não justifica-se pela falta de uma trama interessante que se divide entre o amor e ódio do vampiro e da bruxa que o transformou.
Estranhamente, Johnny Depp está bem em seu papel de vampiro deslocado, deixando de lado a afetação que, desde o Capitão Jack Sparrow, surgiu em suas interpretações, compondo um personagem excêntrico, mas realista. Quem permanece sem atrativo é a esposa Bonham Carter. É inexplicável compreender, além dos laços familiares, porque o diretor insiste em usá-la sempre para o mesmo tipo de papel, inserindo-a mais como um dever do que como espaço, para que a atriz demonstre seu talento.
Torna-se impossível não pressupor que Depp, Burton e Bonham Carter reconheçam o declínio desta parceria. Porém, permanece a impressão de que, uma vez definidos, não há nenhuma vontade de inovação, já que este formato foi funcional diversas vezes. Talentosos todos são, mas parece que estão mais preguiçosos do que nunca.