Tag: Eddie Redmayne

  • Crítica | Nomadland

    Crítica | Nomadland

    Se fosse um sentimento, seria timidez. Um signo, peixes, e uma comida, light. Nomadland virou o queridinho das premiações de 2021, e a resposta vaza de cada poro, ou melhor, cada enquadramento do filme. Ao adaptar o livro homônimo de Jessica Bruder, Chloé Zhao migrou a sensibilidade asiática para a América, e assim, fez um faroeste contemplativo, sem cavalos e armas porque os tempos são outros, agora que o homem volta ao oeste porque a cidade não tem mais emprego, e o que sobrou foi a tentativa de ser nômade em pleno século XXI. Nesse contexto de Depressão Econômica não-oficial, ninguém conseguiria encarnar esse drama nos olhos melhor do que, provavelmente, a maior atriz americana viva: Frances McDormand. Uma atuação feita para proteger qualquer filme atrás de si, mas Zhao faz de McDormand o seu coringa na manga, extraindo da história a força da resistência, individual e coletiva, ao debater na mais realista das ficções, os problemas talvez crônicos de uma nação e seu povo.

    Eis então um exercício de Zhao sobre os limites da sensibilidade no cinema americano, mais e mais obcecado no lucro dos filmes da Marvel, e no poder do espetáculo barulhento. A diretora claramente tenta alcançar o nível de inteligência emocional de um Ingmar Bergman, observando por exemplo as mulheres de Persona, como se o filme fosse o mais fino véu de seda, sob a luz da lua cheia. Em solo americano, isso é uma proeza, visto que o país, e seus críticos, não são reconhecidos exatamente por sua sensibilidade artística – daí o termo “artsy”, usado por eles para zoar filmes de arte europeus que não têm ação. Da mesma forma que Ang Lee filmou dois cowboys se apaixonando com extrema leveza e intimidade, Zhao faz de Nomadland um microscópio incoerente para se analisar o cidadão mais banal, refém de uma crise econômica sem fim no país mais rico do mundo (ainda), e sem uma casa própria para chamar de sua.

    E digo incoerente porque o longa, talvez pela falta de habilidade atual de Zhao, é uma experiência um tanto incompleta por pecar demais no ritmo da história. Às vezes, o drama se arrasta não a ponto de nos desinteressar, mas de enfraquecer a potência dos relatos de uma gente esquecida (muitos reais, para transmitir a sensação de documentário). Contudo, em dado momento, McDormand senta com um grupo de mulheres também entediadas para refletirem sobre a vida, os homens, o futuro, e por ser um filme de momentos pontuais, tais instantes brilham, discretos, em uma grande direção de atores que nos faz engajar com cada diálogo, cada lágrima. Nomadland é obra de detalhes, sendo que um sorriso de McDormand é mais espalhafatoso que qualquer explosão de Velozes e Furiosos. Os gestos que vemos em tela, aqui, dos refugiados em suas vans, ainda que presos num sistema injusto, pagam tributo aos deuses antigos do cinema, e que tanto contribuíram a refinar o gênero, seja com um close bem dado, ou com a força de um beijo na hora certa.

    Fato é que os Estados Unidos deixou escorrer pelos dedos a ilusão do sonho americano, e o que sobrou é um país de segundo mundo, cheio de desempregados e uma Amazon que os emprega, como gado atrás da cerca. Agindo como um retrato poderosamente leve do momento socioeconômico do país, Nomadland mostra um povo sobrevivente e cético, sem rumo sob um céu de brigadeiro, na espera da “chuva” passar. O que mais podem fazer, se rebelar contra o império? Zhao evita tais questionamentos, passa longe de um A Classe Média Vai ao Paraíso, mas conjura uma obra amparada por um silêncio esmagador, orgulhosamente introspectiva a ponto de nos tornar íntimos dos seus personagens e seus sentimentos em questão de minutos. Mesmo assim, acredito que esta não será a obra-prima de Zhao, até porque não é para tanto. Há espaço ainda para aprimorar o domínio dramático dessa jovem cineasta chinesa, mas certamente o longa a colocou no mapa, e no Olimpo de Hollywood. Veremos.

  • Crítica | Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald

    Crítica | Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald

    Após toda uma saga de filmes e livros do bruxinho criado por J. K. Rowling, a escritora passou a escrever os roteiros que adaptavam suas obras, sem intermediários. Em Animais Fantásticos e Onde Eles Habitam a mudança do foco narrativo para um mundo de bruxos mais adulto acerta em cheio, mesmo que o personagem principal Newt Scamander, de Eddie Redmayne, seja absolutamente desinteressante, seus coadjuvantes salvam a exibição. Em Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald há uma tentativa do diretor David Yates seguir esta tônica, mas ele acerta em alguns elementos e erra em tantos outros.

    A história começa em 1927, mostrando Johnny Depp como o personagem vilanesco que dá nome ao longa, com cabelos e barba grande, por conta de seu aprisionamento. Apesar da figura de Depp ser deplorável (ainda mais depois das acusações sérias de assédio feitas por sua ex-companheira), a composição visual é boa, o grisalho dos pelos é bem fotografado e toda a sequência de ação inicial é de tirar o fôlego, valorizando toda a atmosfera barroca da obra, tendo já no início algo que faz valer o ingresso dos fãs a apreciar a adaptação dos personagens de Rowling, o problema é que esse êxito não se repete nas outras partes do filme. Redmayne continua em sua performance monotônica, como uma música que insiste demais na mesma nota, e dessa vez, nem Tina (Katherine Waterston) e Jacob Kawolski (Dan Fogler) tem brilho suficiente para balancear a falta de carisma do protagonista. Fica a interrogação sobre o motivo do retorno de Jacob, já que ele tem pouca ou nenhuma importância dramática real, servindo apenas como alívio cômico que já não funcionam tao bem como no primeiro capítulo da série.

    A nova versão de Alvo Dubledore, de Jude Law, faz um personagem sóbrio, econômico e que demonstra seu brilhantismo e complexidade de maneira bem discreta e sem exageros, como Depp as vezes faz durante os longos 134 minutos de tela. Apesar de pouco contracenarem, Newt e Alvo parecem bem íntimos e as pontas soltas que são amarradas aqui fazem um sentido tremendo.

    Ao menos visualmente o filme acerta e muito. Os tais animais fantásticos são lindíssimos e o design deles é deslumbrante. O dragão / cavalo marinho que aparece no longa é muito superior ao Smaug, de Peter Jackson, mostrado em O Hobbit: A Desolação de Smaug, como aliás havia já ocorrido em outro filme da franquia e de Yates, Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 2.

    Pelo meio do filme se percebe que o roteiro deste é bastante refém do primeiro filme, ainda que não repita os momentos de brilhantismo do original. Até os personagens que aparentemente morreram retornam, incluindo aí Credence, de Ezra Miller, que tem um papel fundamental na trama, mas sem o corte de cabelo horroroso que tinha antes, ainda que sua caracterização neste episódio não ultrapasse o caráter de caricatura, uma vez que ele não evolui e segue como o garoto sem perspectivas e de olhar baixo.

    O tour pela Europa é injustificado, assim como a enrolação dramática para resolver os problemas, claramente não havia história para durar mais de duas horas e os momentos acessórios soam desimportantes ante a trama de Grindelwald. O ritmo deficitário faz lembrar O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos e Uma Jornada Inesperada. Até as referências e easter eggs soam oportunistas e mesmo o discurso segregador do vilão é também diluído, em mais uma enfadonha referência a Donald Trump e outras figuras execráveis, mas sem dar peso e importância dentro da história. Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald tem bons momentos visuais, mas não tem a mesma qualidade e maturidade do primeiro longa.

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  • Crítica | Animais Fantásticos e Onde Habitam

    Crítica | Animais Fantásticos e Onde Habitam

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    Muito se especulou sobre uma possível sobrevida para a franquia Harry Potter nos cinemas, principalmente, depois que sua criadora, J. K. Rowling, começou a defender a ideia de que o universo idealizado por ela é muito mais complexo do que os oito filmes já exibidos apresentaram ao público. Após três anos, dois meses e cinco dias do anúncio de sua produção, Animais Fantásticos e Onde Habitam finalmente chega aos cinemas com a missão de transportar os fãs de volta ao universo mágico e, ao mesmo tempo, conquistar o público mais adulto, que pode ser considerado um dos principais alvos do longa-metragem.

    Apesar de existir no mesmo universo da octologia original, Animais Fantásticos é um prequel, ou seja, uma produção que preserva os mesmos elementos e a dinâmica da história original, mas que antecede os eventos da mesma. Situada na Nova Iorque dos anos 1920, a trama apresenta não mais um trio, mas um quarteto protagonista encabeçado por Eddie Redmayne na pele de Newt Scamander, um magizoologista (estudioso da fauna mágica) que, ao chegar a cidade, acaba trocando sua maleta, onde vivem os seres que dão nome ao filme, com a de Jacob Kowalski (Dan Fogler), um novaiorquino em busca de auxílio bancário para realizar seu sonho de abrir uma confeitaria. As criaturas mágicas espalham-se pela cidade e são confundidas como uma outra ameaça que anda provocando estranhos fenômenos.

    Compondo o quarteto protagonista, temos ainda Katherine Waterston e Alison Sudol vivendo as irmãs Tina e Queenie Goldstein. A primeira, no passado, foi uma auror do Congresso Mágico dos Estados Unidos, mas teve seu cargo retirado. Já Queenie, possui o dom da legilimência, ou seja, leitura de mentes. Embora todos os atores centrais entreguem boas atuações é necessário destacar o brilhantismo de Dan Fogler que poderia facilmente cair no lugar comum do gordinho engraçado, mas que supera o estereótipo mostrando-se não só fundamental na trama, mas também como agente da avatarização dos espectadores, já que é o único trouxa do elenco central.

    Eddie Redmayne também está muito bem em cena, mas a sensação que fica é a de que Newt Scamander possui muito mais para apresentar. O personagem possui um modus operandi muito curioso. Cercado de trejeitos, ele é tão misterioso quanto os animais que estuda. Aliás, o subtexto da preservação da vida animal é um grande acerto do filme. Scamander dedica a vida para protegê-los e essa relação rendeu cenas muito bonitas do personagem.

    Deve-se deixar claro o tom mais maduro que o roteiro imprime. A sociedade bruxa novaiorquina vive oculta do mundo humano. São terminantemente proibidos os relacionamentos, negócios e qualquer outro vínculo entre os bruxos e os ‘não-majs’, forma como são chamados os trouxas nas Ámericas. O Ministério da Magia americano tenta ocultar as situações que possam por em risco a existência do mundo bruxo, temendo uma guerra ou uma caça às bruxas.

    É curioso como um universo tão fantasioso como o de J K Rowling consegue emular a realidade, abordando questões como preconceito, classismo, fanatismo religioso, defesa dos animais, entre outros. Credence, personagem de Ezra Miller, e sua família são exemplos claros da intolerância (quase religiosa) e do quanto a negação ao outro revela sobre nós mesmos. Fã da franquia original, Ezra mostrou-se muito à vontade no papel, sendo inclusive um dos destaques positivos do longa.

    Diferente do que aconteceu nos primeiros filmes de Harry Potter, onde a paleta de cores vivas e mais infantil deu o tom da ambientação de cenários, Animais Fantásticos possui uma fotografia acinzentada do início ao fim. A cidade de Nova Iorque é vista quase sempre nublada, o que facilita o entendimento do público sobre os contornos da obra. Tal solução é clássica predileção do diretor David Yates que, depois de dirigir quatro dos oito filmes do menino bruxo, retoma a parceria com Rowling e assina a direção deste filme. Yates apresenta uma clara evolução daquele que foi considerado seu ponto fraco no passado: o ritmo. Nesse longa, apesar de existir uma clara dualidade entre drama e comédia, a passagem de um terreno para outro é feita de maneira gradual, sem que o espectador tropece em piadas desnecessárias.

    Apesar de ser o primeiro filme de uma pentalogia, trata-se de uma história com início, meio e fim. Não prevalecendo a sensação de ter sido esticada somente para os executivos da Warner lucrarem. Além disso, não se faz necessário quase ou nenhum conhecimento acerca da saga original para um perfeito entendimento dessa nova série de filmes.

    Animais Fantásticos e  já pode ser considerado a melhor adaptação para o cinema de uma obra literária de J K Rowling. Sim, pois, ao longo da trama, os seres são apresentados um a um e em tom enciclopédico, assim como sugere o livro/almanaque que dá nome ao filme. Divertido, leve e com subplots extremamente relevantes, temos aqui um belo começo para uma saga que aponta no horizonte.

    Texto de autoria Marlon Eduardo Faria.

  • Crítica | A Garota Dinamarquesa

    Crítica | A Garota Dinamarquesa

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    E se a Viúva Negra dos Vingadores se assumisse lésbica no meio do filme? Imagina a confusão depois da sessão, e a discussão na fila do McDonald’s, dialogando sobre o que, de fato, quase não se discute. São filmes bonzinhos e comportadinhos como A Garota Dinamarquesa que obrigam a levantar uma pergunta básica: Qual o lugar do “diferente” no cinema comercial? Vamos supor que seja nenhum (a menos que o filme use de esteriótipo para criar polêmica e lucrar com isso), mas então onde, em que lugar um casal gay pode ter sua história contada? Nos filmes de sub-gênero, ou em livros de sebo, tipo O Terceiro Travesseiro e Bom Crioulo, só pra citar um pouco de literatura brasileira LGBT e contemporânea. Basicamente, hoje em dia, a Marvel ainda não lançou um(a) protagonista negro e gay porque o diferente só ganha lugar para uma plateia diferente. Ou quando a Globo abre quotas e encaixa o Félix na novela.

    O universo LGBT luta para não ser heteronormativo, pois luta a favor das diversidades. E não é que no ano do espetacular Tangerina, de Sean Baker, somos obrigados a engolir um filminho brando de Tom Hooper sobre diversidade sexual? Nas mãos sem vida de Hooper, a história da primeira transex do mundo (reconhecida assim, melhor dizendo) foge de qualquer militância, de qualquer riqueza documental sobre o assunto ou estudos estruturais sobre orientação de gênero e identidade sexual, beirando o medo de levantar qualquer interpretação sobre os tópicos, beirando a indiferença, e faz apenas alimentar todos os mitos e todos os vícios baratos do público sobre esse universo, ainda muito, mas muito pouco explorado no Cinema. Um olhar como de Pedro Almodóvar faz falta, já que com Hooper a tal ideologia de gênero, um assunto tão vasto e interessante quanto nossa própria sexualidade, a sexualidade humana, vira quadrinho de feira com moldura chique, toda blasé.

    A pessoa nasce com um pênis e não se vê como homem. Não age e não se sente, pois sabe que o drama dos cowboys de Brokeback Mountain é pequeno perto do dele, numa época que nem o racismo ainda não se discutia, amplamente. A Garota Dinamarquesa é de pobrezas contextuais, referente a seu tempo, costumes datados e ideologias que surpreendem muito mais que suas boas atuações, além de beirar ser um desserviço à representatividade honesta e plural de um recorte social eclipsado o tempo todo. É claro que o casal principal está excelente, dois atores impecáveis atuando com corpo e alma por baixo de belos figurinos, esvoaçantes, sensibilidade no ar, mas que não se vê, se sente. Hooper extrai o sensível de uma situação sensível, ou seja, o óbvio, filmando o superficial (como se essa não fosse sua especialidade) em direção ao lugar-comum. Como cineasta, é um estilista, só que Tom Ford fez um trabalho mais interessante em 2011.

    […] pois, no cinema, não se pode interpretar o papel de um judeu, é preciso ser um!”, esclareceu Carl Dreyer, um dos pais do Cinema falado numa entrevista de 1933. Pois imaginemos um ator transgênero no papel principal feito por Eddie Redmayne, nas vias do cinema naturalista de uma indústria que não exclui as diferenças, mas jamais sai da linha “burguesa-heterossexual-branca”. Por essas e por outras, a partir da impossibilidade escolhida de uma representação social justa e diversificada, A Garota Dinamarquesa é uma caricatura que desconstrói qualquer possibilidade de amplos debates em torno do assunto, maquiando as facetas da sexualidade aquém dos devaneios mais ralos e primários de Sigmund Freud e de seus devotos, todos tateando na escuridão da ignorância.

    Cópia irregular de Laurence Anyways, de Xavier Dolan, numa visão britânica e mais correta, de época, copiando na tela o que é esperado de bonitinho, num mural de tons pasteis e de preguiça, o filme irrita quem não deixa o espírito crítico de lado. Pois sempre se espera mais de um bom livro quando este é adaptado ao Cinema. Porque extrair o elemento frágil de uma natureza em conflito é tão injusto, e insensível, quanto dar ênfase ao lado preto-e-branco das cores. Exceto os poucos bons momentos pincelados que, curiosamente, não dependem de uma trilha-sonora, sorrindo feito imagens livres, o filme joga na senzala dos clichês os destaques que formam a nossa individualidade, e como esses destaques, como esses aspectos sempre vêm à tona, ao longo de uma vida vivida.

    Tom Hooper é a figura típica de uma classe média que defende a consciência humana, ao invés do Dia da Consciência Negra, sem contar o fim das paradas gays. Isso é tão interessante e digno de conversa quanto a hipocrisia de “certos filmes” em relação a temas que nunca alcançam a plenitude total de seu potencial, onde por mais que obras recentes sobre AIDS ou racismo falhem nas suas concepções, nunca que deixam a peteca cair, representando fragmentos de uma sociedade irrevogavelmente fragmentada. Assim, enquanto alguns enxergam a busca por igualdade a favor do respeito aos nossos direitos como motivo de lágrimas, como no filme, numa perspectiva fria e limitada até mesmo sobre a transfobia que o transexual sofre ao ser atacada por homens simplesmente por existir, para muitos é um esforço que merece festa e celebração por não sermos iguais, num mundo de tonalidades, livre de homogeneidades e cheio de diversidades e filmes melhores do que esse. Minha sinceridade também anda de salto.

    – Escrito no Dia Nacional da Visibilidade Trans, dia 29 de janeiro.

     

  • Crítica | O Destino de Júpiter

    Crítica | O Destino de Júpiter

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    A premissa do filme parecia clara: uma space opera ambientada em um grande planeta alaranjado e na qual questões puramente humanas eram abordadas em localidades inóspitas, por vezes hostis. Ação, perseguições, aparatos tecnológicos e demais recursos seriam de grande importância para somar fluidez ao roteiro, afinal até as melhores histórias precisam de progressão, de ritmo, senão estariam fadadas a desinteressar seu receptor. No entanto, em O Destino de Júpiter tais modos de dinamizar a trama acabam por suprimi-la, aumentando o espetáculo visual em detrimento do conteúdo.

    Com o nome incomum dado pelo pai, um astrólogo já falecido, Júpiter (Mila Kunis) é uma jovem que sonha com uma vida melhor para si e sua família, trabalhando arduamente ao lado da mãe limpando banheiros para se sustentar. Ainda nos minutos iniciais, descobrimos que a família teve a casa invadida por bandidos, e o pai, ao não deixá-los levar um telescópio, seu instrumento de trabalho, é assassinado por um dos ladrões. Além disso, a moça explica o fato de estar destinada a grandes feitos, pois nasceu sob o signo de Leão, com Júpiter ascendendo a 23 graus. Uma antecipação medíocre de sua “realeza galáctica” ainda não descoberta.

    Na sequência, um grupo de caçadores de recompensa segue um caçador de recompensa (!?), enquanto este vasculha arquivos de uma clínica de fertilização. O renegado Caine Wise (Channing Tatum), um híbrido metade humano, metade lobo, busca uma redenção junto a um velho amigo, Stinger (Sean Bean), que foi destituído de suas asas (sim, asas!) ao assumir sua culpa pelo homicídio de um nobre literalmente de outro mundo.

    A partir daí, a trama segue um caminho difícil de argumentos fracos, em que Júpiter é a reencarnação de uma rainha, morta há milhares de anos e dona da Terra. Dois de seus três filhos descobrem a “recorrência” na terráquea e resolvem levá-la de volta ao lugar que lhe era direito, para que pudesse governar e reaver o astro. Por outro lado, Balem (a figura insana interpretada por Eddie Redmayne) quer dar um fim à vida da moça, pois o retorno da mãe tiraria seu poder sobre o corpo celeste.

    Um detalhe importante é que eles são uma família de industriais, que povoam planetas com o intuito de coletar genes humanos para comercializá-los, como um elixir, uma forma de prolongar a existência de quem fizer seu uso. Inclusive, Stinger conta a Júpiter sobre esse comando superior exercido por eles também sobre outros mundos, e como os utilizam como plantação, além de relatar uma gênese humana fora da Terra esdrúxula, ideia igualmente mal desenvolvida em Prometheus.

    Os cenários intergalácticos (e nenhum deles é em Júpiter, sinto muito!) enchem os olhos por sua beleza criada em CGI e pelos momentos de contemplação, até nos esquecemos da protagonista engessada e levada pelo braço a qualquer lugar, sem questionar para onde vai ou aceitando tranquilamente ser a nova dona do mundo. Uma pena, pois Kunis não fez feio em Cisne Negro. Channing Tatum consegue se sair bem, não compromete em nada, e ainda tem os apetrechos mais legais do filme inteiro: um par de botas flutuantes. O destaque fica mesmo por conta de Redmayne que, de forma brilhante, traz à tona o filho ingrato, louco e assassino da mãe… duas vezes! Digo, quase duas vezes. Os demais coadjuvantes fazem seu devido papel, apesar de alguns simplesmente sumirem sem motivo aparente, como é o caso dos outros filhos.

    Nas duas horas de reprodução do filme, não é difícil se perguntar o que continuar esperando da obra. Fora as raras atuações louváveis, batemos de frente com piadas mal colocadas, figurinos e maquiagens de gosto duvidoso e uma epopeia espacial sem sentido. Para não dizer que a película é totalmente equivocada, a sequência em que Júpiter e Caise partem por vários planetas e setores visando reconhecer legalmente o título real da personagem me lembrou O Guia do Mochileiro das Galáxias, onde os personagens também esbarram na burocracia, nas papeladas e carimbos etc. Uma referência interessante que os irmãos Andy e Lana Wachowski empregaram.

    No final, assumindo sua nova vida e enfatizando não mais permitir colheitas de DNA humano onde quer que seja, Júpiter e Caise voam juntos pelos céus. Ele com suas asas restituídas; ela usando as botas flutuantes. E o mundo embaixo dos arranha-céus se mantém estático e indiferente a tudo o que se passou nas nuvens e além delas. Mesma sensação que o espectador tem ao ver os créditos subirem.

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    Texto de autoria de Carolina Esperança.

  • Crítica | A Teoria de Tudo

    Crítica | A Teoria de Tudo

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    O século XX, mesmo sendo considerado um dos períodos mais sangrentos da história da humanidade, deixou heranças culturais sólidas em nossa cultura, e a popularização da ciência e do discurso científico foi uma delas. Einstein é mais conhecido por suas frases a respeito da moralidade da humanidade e por sua oposição à violência do que por sua obra na física. Depois dele, o grande divulgador da ciência (e polemista nato) é o astrofísico britânico Stephen Hawking, que, além de ter mudado os rumos da física moderna, é portador de uma doença séria chamada esclerose lateral amiotrófica (ELA), que o impossibilita de se movimentar, tornando sua figura ainda mais interessante aos olhos do mundo.

    Sua ex-esposa, Jane Hawking, publicou em 2008 o livro A Teoria de Tudo – A Extraordinária História de Jane e Stephen Hawkin contando a experiência de ter sido casada durante tantos anos com o físico. Em 2014, o diretor James Marsh e o roteirista Anthony McCarten trazem essa interessante história aos cinemas com A Teoria de Tudo, tendo o excelente Eddie Redmayne no papel de Hawking, e Felicity Jones como sua esposa.

    Por não se tratar de um filme biográfico sobre a vida e obra do cientista, a história começa com Hawking já na faculdade, buscando um tema para seu doutorado. O jovem, então, começa a perceber que algo está estranho com seus movimentos musculares, ao mesmo tempo que lida com colegas, professores e conhece a jovem estudante de línguas Jane. Após pouco tempo, quando ambos já estavam em um relacionamento, ele sofre um tombo do qual não consegue se levantar. Levado ao hospital e diagnosticado com a grave doença, recebe uma estimativa de vida de dois anos. Por isso, tenta afastar Jane, que reluta e decide manter-se ao lado do físico teórico, o que se manterá por 26 anos e três filhos.

    Retratando fielmente a perseverança do britânico, o filme mostra o passo a passo de sua degeneração física em contraponto a sua ascensão meteórica como astrofísico, desafiando todas as convenções da academia impostas até então, como, por exemplo, sua ideia a respeito dos buracos negros (que ele iria alterar posteriormente) e conceitos sobre a expansão do universo. O filme também aborda, de maneira mais leve, a postura que possui em relação a religião e à crença em deus. Apesar de se declarar publicamente ateu, o filme evita escancarar tais posições e mostra a vida de Stephen Hawking, de jovem cientista arrogante a um idoso cientista que “prevê a possibilidade de deus”, sendo que isso está longe da realidade. O que faz é brincar com as palavras e as convenções das pessoas usando seu famoso senso de humor, e essa fina ironia o filme não consegue captar nesse aspecto.

    Porém, a relação entre ele e sua esposa Jane possui momentos belos e profundos. Jane se doa à família, e deixa sua própria vida de lado. Mesmo quando tenta retomar seus estudos, o pesado cotidiano a impede de prosseguir com isso. A sombra de Hawking é muito grande, e sua teimosia em aceitar ajuda profissional reforça sua visão tradicionalista, beirando o machismo. Porém, tudo muda quando Jane conhece o professor de música de uma igreja local Jonathan H. Jones (Charlie Cox), que logo passa a morar com o casal, suscitando vários boatos de que ele e Jane eram amantes, o que o filme em momento algum aborda diretamente, apesar de ser fato conhecido por todos.

    A relação apaixonada e conturbada de Jane e o marido também é mostrada de forma interessante. Com empenho no começo e depois passando por problemas, como quando Jane explica a Jonathan um resumo das ideias de Stephen (sobre como ele queria uma teoria que explicasse todo o funcionamento do universo, desde as grandes massas até as pequenas partículas) de forma passivo-agressiva, tentando conter ao máximo a frustração de sua própria vida sendo contida ali dentro daquele universo.

    Porém, após uma complicação em uma viagem, Hawking é submetido a uma traqueostomia e perde a habilidade de falar para sempre, o que causa também o afastamento de Jonathan da família. É nesse momento que o físico teórico recebe o sintetizador de voz, que hoje é uma de suas maiores características.

    O peso de cada uma das dificuldades que Hawking precisou passar é enorme. Superar o diagnóstico, a expectativa de vida, o uso da cadeira de rodas e depois o sintetizador seriam brutais para qualquer pessoa. Porém, ele consegue continuar avançando e produzindo. De onde ele tira essa força é um mistério para todos nós, e o filme falha em problematizar justamente esse lado. O cosmólogo britânico sempre foi contrário à eutanásia (apesar de recentemente ter mudado de opinião) e nunca se apoiou em nenhuma religião para obter conforto ou uma fuga da realidade. Sua mente genial está para sempre aprisionada nesse corpo, e raras vezes o filme parece questionar como foi passar por tudo isso. Em sua família, conseguimos sentir esse peso, mas não nele.

    A ciência também vai, conforme o filme avança, perdendo importância na narrativa. Cada vez menos as universidades e professores aparecem, tornando a história cada vez mais pessoal e intimista, o que por sua vez dificulta um pouco a compreensão do espectador a respeito da forma com a qual Hawking se tornou conhecido realmente. O caminho é corrigido subitamente quando aborda a publicação de seu primeiro livro, Uma Breve História do Tempo, em que ele tenta explicar um assunto complicado e “chato” para o leitor comum, e com isso vende milhões de cópias por todo o mundo, saindo de vez das revistas científicas e indo parar nos jornais e tabloides. O tempo sempre foi sua grande paixão. E compreendê-lo por completo, seu maior desafio.

    A vantagem de A Teoria de Tudo é sua honestidade. Não se propõe a decifrar por completo a figura do cientista ou de sua esposa, e sim os frutos de sua interação por todos os anos de casamento, e como um impactou a vida do outro na intimidade. Apesar de flertar com momentos um pouco clichês em cenas românticas, mostrar epifanias criativas em momentos aleatórios e expor discursos de autoajuda em palestras que mais parecem motivacionais do que científicas, consegue jogar luz dentro deste personagem tão fascinante. Vale a assistida, mas consciente de suas limitações, como qualquer biografia.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Os Miseráveis (2012)

    Crítica | Os Miseráveis (2012)

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    Em 2001, com Moulin Rouge – Amor em Vermelho, os musicais ganhavam novamente destaque nas produções Hollywoodianas, com uma história amorosa que inovava no estilo cinematográfico e ainda era repleto de referências ao pop. Talvez não seja exagero afirmar que, ao lado do Western, é o gênero que mantém suas características próprias, sem diluir-se em uma mistura de gêneros que normalmente situam-se as produções contemporâneas que sempre dão espaço para o humor, ao drama, a ação, perdendo parte dos referenciais de outrora.

    Embora muitos não apreciem o gênero, parte da Era de Ouro do cinema americana foi fundamentada em torno de musicais. O Mágico de Oz, primeiro filme colorido, é uma aventura musical, um exemplo entre tantos outros filmes que transformaram suas canções em sucessos, ganhando força além deles.

    O musical é o gênero mais teatral. Quebra a ideia da verossimilhança a favor da arte. A procura de uma maneira de se expressar com maior intensidade, além da interpretação física e da modulação da fala prosódica. Ao utilizar a música como representação, o público reconhece o distanciamento da vida real, mas, por sua força, aproxima-o pelo elemento emotivo.

    Dirigido por Tom Hooper, do vencedor do Oscar de Melhor Filme Discurso do Rei, Os Miseráveis traz ao cinema a versão do musical da Broadway do romance do francês Victor Hugo. Um dos maiores sucesso do famoso teatro trouxe um conceito inédito ao se filmar o gênero. É o primeiro em que as canções foram realizadas direto da cena, sem a gravação prévia em um estúdio. As interpretações das canções mantem-se a favor da emoção das personagens e do desejo dos atores, mas falham se o ator não possui um bom gogó para conseguir refletir o que sente.

    Na trama, acompanhamos o ladrão Jean Valjean, que após roubar um pão e ser preso, decide redimir os erros de sua vida. Mas aos olhos da lei e do inspetor Javert, nenhuma mudança transformaria sua marginalidade. O que faz o inspetor persegui-lo durante a vida toda. Mesmo tornando-se um homem melhor, Valjean não reconhece o sofrimento de uma de suas trabalhadoras que cai em desgraça após ser demitida. É um novo sinal para recuperar sua crença e prometer que cuidará de sua filha, Cosette.

    A história trabalha, em toda sua magnitude que abrange o século XIX como um todo, o viés do tempo e das mudanças históricas. Acompanhando a vida de personagens que foram marginalizados tanto pelas misérias da vida como pela situação da França como país, aqui situado entre a grande batalha de Waterloo e a Revolução.

    Críticas mencionaram o exagero dramático da produção, mas é necessário pontuar desde já que um musical potencializa as ações representadas com maior intensidade e o próprio romance de Victor Hugo é uma narrativa romântica por sua construção sensível e representação crítica da sociedade.

    O grande pecado do filme é não saber diferenciar que o teatro tem formato diferente do cinema. No espetáculo da Broadway, pode ser funcional uma história de 160 minutos em que quase todas as falas são ditas de maneira cantada. No filme, o efeito soa artificial como se as personagens estivessem obrigadas a dizer suas falas somente dessa maneira. Até os musicais mais antigos se pautavam de maneira equilibrada entre números de dança ou voz e partes faladas que dão sequência a ação. Em uma história que permanece demais sequenciando canção após canção, a força das mesmas se perde. Ainda mais quando a gravação foi feita no decorrer da cena, evidenciando quem tem talento e quem fez aulas específicas para as filmagens.

    O astro da produção é seu protagonista, Hugh Jackman, que expõe seu talento vindo da tradição do teatro e, portanto, familiarizado com o estilo. O algoz da personagem, Russell Crowe, parece desconfortável em cantar, ainda que realize uma boa canção solo. O Oscar dado a Anne Hathaway é uma das premiações que se valeu de sua intensa cena solo, da canção mais famosa da trama, I Dream a Dream. Nas outras personagens coadjuvantes, Sacha Baron Cohen, em seu segundo filme musical, demonstra segurança tanto na interpretação como na voz e parece diferenciar sua carreira entre as produções próprias com personagens excêntricos  e aquelas mais tradicionalista que realiza com outros diretores.

    Tentando manter a fidelidade com o musical da Broadway, mesmo não sendo um espetáculo filmado, Os Miseráveis perde parte de sua alma como uma produção cinematográfica. A inovação de cantar do próprio estúdio não salva excessos que poderiam ser evitados se a adaptação não se apoiasse somente no espetáculo teatral, esquecendo que a sétima arte tem um formato diferente.

  • Crítica | Sete Dias com Marilyn

    Crítica | Sete Dias com Marilyn

    Do sucesso sem precedentes de Marilyn Monroe todos tem conhecimento. O brilho de uma estrela que com apenas 27 anos atingiu um sucesso absoluto em Hollywood é muitíssimo reconhecido em diversas homenagens feitas a ela, porém em Sete Dias com Marilyn o enfoque é um pouco mais peculiar. Mesmo um atraso considerável na chegada deste filme aos nossos cinemas, finalmente podemos contemplar este filme dirigido por Simon Curtis e que merecidamente disputou os os prêmios de Melhor Atriz (Michele Williams), e de Melhor Ator Coadjuvante (Kenneth Branagh).

    A história baseada em dois livros de Colin Clark se concentra no ponto de vista do mesmo, interpretado por Eddie Redmayne, e se passa nos bastidores da gravação do filme “O Príncipe Encantado”. Clark acaba de adentrar no mundo do cinema e está trabalhando na produção do filme, mas não esperava se aproximar tanto da atriz principal a ponto de viver uma curta, mas intensa paixão por ela.

    O brilho, a sensualidade e a beleza de Marilyn entram em contraste direto com seus problemas pessoais, sua insegurança e seus medos. Para os que não estão familiarizados com a história da atriz, somos apresentados a uma Marilyn mais ambivalente e mais humana. Uma jovem que é considerada um exemplo para um mundo que ao mesmo tempo confronta o medo desse fardo.

    Michele Williams é perfeita e brilha no filme. Seu olhar é profundo de tal forma que podemos perceber muitos sentimentos apenas com o vislumbre do seu semblante. A iluminação e fotografia utilizada no filme, misturados com algumas cenas de câmera lenta, se mesclam perfeitamente à atriz. Ela revive Marilyn Monroe nesse filme e o faz muito bem, não somente em relação aos momentos de brilho, mas também nos momentos obscuros da personalidade da atriz.

    Eddie Redmayne e Kenneth Branagh também se destacam de maneiras diferentes. Enquanto o primeiro trabalha a visão inocente e de certa forma impulsiva de um jovem que se apaixona por uma grande atriz, conseguindo criar empatia com o público dos seus sentimentos joviais, o segundo explora um personagem que procura criar o filme perfeito e para isso tem que contornar os problemas de Marilyn e o ciúmes de sua esposa.

    A fantástica atuação compensa o roteiro simples e a trilha sonora modesta que o filme possui. Conseguimos sentir e simpatizar com os personagens nas ações mais triviais, nos olhares e nos sorrisos. Estes pequenos problemas acabam não sendo nada para a grandiosidade que o filme se apresenta em seu produto final.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.