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  • Crítica | Eternos

    Crítica | Eternos

    Crítica Eternos

    Um grande receio se estabeleceu sobre o futuro da Marvel nos cinemas após Vingadores: Ultimato e da terceira fase de filmes, os rumos das histórias não pareciam (ao menos para o público) ter um norte tão certo e em meio a toda essa confusão, se produzia Eternos, filme de equipe, formada por seres poderosíssimos, que não envelhecem dirigido pela oscarizada Chloé Zhao (Nomadland). A história é simples e adapta para a grande tela os personagens de Jack Kirby  e havia bastante receio por parte dos fãs antigos por mexer com esse cenário estilo escapismo cósmico.

    A história engloba variações no tempo, com momentos antes da criação do planeta Terra, onde os seres supremos chamados Celestiais criaram duas categorias de criaturas poderosíssimas, os Eternos, homens e mulheres de raças diversas super poderosos, e os Deviantes, criaturas fortes, destruidoras e irracionais. O antagonismo entre as partes serve como a desculpa perfeita para que esses seres tão fortes não tenham interferido em questões como a invasão  chitauri em Os Vingadores, as ações do titã louco em Vingadores: Guerra Infinita ou demais eventos cósmicos, pois o celestial que os comandava, Arishem não permitia isso dada sua rigidez.

    Esse possivelmente é o mais diferente dos filmes Marvel desde que James Gunn fez Guardiões das Galáxias, embora no caso dos Eternos haja mais fama em torno do nome de grupo, até por conta de serem uma criação tão elogiada de Kirby. As semelhanças obviamente param no fato de esses não serem personagens do primeiro escalão da editora e de ser uma obra sobre um time, e não um personagem específico, embora Sersi (Gemma Chan) seja claramente uma protagonista.

    Eternos foi bastante criticado antes mesmo da estreia. Uma das maiores reclamações era de que o filme soava genérico, critica que certamente não cabe. Se Homem de Ferro, Doutor Estranho e Homem-Formiga tem o mesmo “esqueleto” de roteiro, não se pode dizer que a origem dos poderosos protagonistas foi tratada da mesma forma. Há espaço para lidar com cada um dos 10 personagens, e mesmo que o foco narrativo seja especialmente em três deles — Sersi, Icaris e Duende. Tanto Gilgamesh, Druig, Makkari, Phastos, Kingo, Ajak e Thena tem ao menos um momento de brilho e protagonismo, pontuado claro pelo bom desempenho de seu elenco.

    As lutas são bem legais, e Zhao ainda permite que boa parte do humor seja referencial aos gibis, afinal, essa é uma adaptação de HQ. Muitos fãs puristas reclamaram por haver menção direta a personagens do panteão da DC. Essa é uma questão tão boba que surpreende que tenha causado tanta espécie em 2021.

    Se a reclamação geral fosse a respeito do arco dramático de Duende, que apresenta um complexo de inferioridade e dificuldade de auto aceitação por ter o corpo de uma criança, até faria sentido criticar. Visto que ela viveu mais de 7 mil anos, incluindo aí eras onde não havia tabu em relações entre homens adultos e crianças, considerando que poucos séculos atrás um homem já grande e senhor de si poderia desposar uma moça de 12, 13 anos, essa não deveria ser uma questão, pois é um tabu de época, e isso se agrava dado que seu poder natural é iludir e mudar de forma. Se a ideia era ser fiel ao conceito pensado por Kirby, não seria difícil dribla-lo, tampouco inédito visto que Thanos nos gibis era um deviante e para justificar a não presença dos personagens nos últimos filmes da  terceira fase, ele claramente não é desta raça.

    Apesar de não ser profundo, o roteiro discute questões pontuais, como obediência cega as ordens superiores, que pode facilmente ser vista como uma crítica a miopia de quem segue rígidos dogmas religiosos. A participação de Salma Hayek nesse ponto serve bem ao propósito de  dar dimensão e importância a essas questões. Outro bom exemplo de bom desenvolvimento são algumas relações não românticas, em especial entre Gilgamesh e Thena, cujo arco fala sobre tolerância, sobre condições de saúde extrema e dá pistas ao público de que algo estranho ocorre, além de dar a Angelina Jolie a oportunidade de apresentar seus  dotes dramáticos, além é claro de fazer um bom dueto com Ma Dong-seok.

    Um filme com tantas idas e vindas temporais poderia soar confuso, mas isto não ocorre. O problema de fato é  a batalha final, pois ela existe em uma confusão que faz pouco sentido, e em um combate onde todas as forças que antes eram aliadas, ficam se contendo, para haver um embate equilibrado. A  conclusão não faz muito sentido, soa forçada, com detalhes cuidadosamente pensados para deixar gancho para continuações, mesmo que seja pouco provável que ocorra um Eternos 2.

    Eternos acerta mais do que erra, e possivelmente será o farol e tendência para os novos filmes da Capitã Marvel, do Aranha e demais produtos, voltados para o Team Up como já foi com Viúva Negra e as séries WandaVision e Falcão e Soldado Invernal. O que poderia ser melhor é cuidado com o visual dos Deviantes, que poderiam ser menos parecidos com meras imitações de filmes de fantasia recentes, além da ainda intensa necessidade de plantar eventos para  o futuro dos filmes do estúdio, visto que tal qual a revista de Kirby, esta obra de Zhao se sustenta por si só.

  • Crítica | Nomadland

    Crítica | Nomadland

    Se fosse um sentimento, seria timidez. Um signo, peixes, e uma comida, light. Nomadland virou o queridinho das premiações de 2021, e a resposta vaza de cada poro, ou melhor, cada enquadramento do filme. Ao adaptar o livro homônimo de Jessica Bruder, Chloé Zhao migrou a sensibilidade asiática para a América, e assim, fez um faroeste contemplativo, sem cavalos e armas porque os tempos são outros, agora que o homem volta ao oeste porque a cidade não tem mais emprego, e o que sobrou foi a tentativa de ser nômade em pleno século XXI. Nesse contexto de Depressão Econômica não-oficial, ninguém conseguiria encarnar esse drama nos olhos melhor do que, provavelmente, a maior atriz americana viva: Frances McDormand. Uma atuação feita para proteger qualquer filme atrás de si, mas Zhao faz de McDormand o seu coringa na manga, extraindo da história a força da resistência, individual e coletiva, ao debater na mais realista das ficções, os problemas talvez crônicos de uma nação e seu povo.

    Eis então um exercício de Zhao sobre os limites da sensibilidade no cinema americano, mais e mais obcecado no lucro dos filmes da Marvel, e no poder do espetáculo barulhento. A diretora claramente tenta alcançar o nível de inteligência emocional de um Ingmar Bergman, observando por exemplo as mulheres de Persona, como se o filme fosse o mais fino véu de seda, sob a luz da lua cheia. Em solo americano, isso é uma proeza, visto que o país, e seus críticos, não são reconhecidos exatamente por sua sensibilidade artística – daí o termo “artsy”, usado por eles para zoar filmes de arte europeus que não têm ação. Da mesma forma que Ang Lee filmou dois cowboys se apaixonando com extrema leveza e intimidade, Zhao faz de Nomadland um microscópio incoerente para se analisar o cidadão mais banal, refém de uma crise econômica sem fim no país mais rico do mundo (ainda), e sem uma casa própria para chamar de sua.

    E digo incoerente porque o longa, talvez pela falta de habilidade atual de Zhao, é uma experiência um tanto incompleta por pecar demais no ritmo da história. Às vezes, o drama se arrasta não a ponto de nos desinteressar, mas de enfraquecer a potência dos relatos de uma gente esquecida (muitos reais, para transmitir a sensação de documentário). Contudo, em dado momento, McDormand senta com um grupo de mulheres também entediadas para refletirem sobre a vida, os homens, o futuro, e por ser um filme de momentos pontuais, tais instantes brilham, discretos, em uma grande direção de atores que nos faz engajar com cada diálogo, cada lágrima. Nomadland é obra de detalhes, sendo que um sorriso de McDormand é mais espalhafatoso que qualquer explosão de Velozes e Furiosos. Os gestos que vemos em tela, aqui, dos refugiados em suas vans, ainda que presos num sistema injusto, pagam tributo aos deuses antigos do cinema, e que tanto contribuíram a refinar o gênero, seja com um close bem dado, ou com a força de um beijo na hora certa.

    Fato é que os Estados Unidos deixou escorrer pelos dedos a ilusão do sonho americano, e o que sobrou é um país de segundo mundo, cheio de desempregados e uma Amazon que os emprega, como gado atrás da cerca. Agindo como um retrato poderosamente leve do momento socioeconômico do país, Nomadland mostra um povo sobrevivente e cético, sem rumo sob um céu de brigadeiro, na espera da “chuva” passar. O que mais podem fazer, se rebelar contra o império? Zhao evita tais questionamentos, passa longe de um A Classe Média Vai ao Paraíso, mas conjura uma obra amparada por um silêncio esmagador, orgulhosamente introspectiva a ponto de nos tornar íntimos dos seus personagens e seus sentimentos em questão de minutos. Mesmo assim, acredito que esta não será a obra-prima de Zhao, até porque não é para tanto. Há espaço ainda para aprimorar o domínio dramático dessa jovem cineasta chinesa, mas certamente o longa a colocou no mapa, e no Olimpo de Hollywood. Veremos.