Morbius é um personagem trágico das histórias do Homem-Aranha, baseado em um conceito de vilão animalesco, como era bem comum entre os rivais do Cabeça de Teia. Criado pelo roteirista Roy Thomas e pelo desenhista Gil Kane, ele é o primeiro antagonista do herói que não foi criado por Stan Lee, visto que na época o escritor trabalhava no roteiro de um filme que jamais saiu.
A estreia do personagem foi no ano de 1971 em Amazing Spider-Man 101. Na época, Peter Parker estava com dois pares de braços adicionais, fruto de uma poção que ele tomou para perder seus poderes, que obviamente deu errado. Ao tentar se esconder no laboratório do Doutor Curtis Connors, o Aranha acaba sendo atacado por Michael Morbius, um cientista grego que se submeteu a um tratamento envolvendo choque elétrico e morcegos-vampiros.
A origem do personagem foi mais aprofundada na edição seguinte, desenvolvendo suas motivações e origens, retratando a existência de uma doença degenerativa que possuía e da experiência que se submeteu, tornando-se um sujeito que precisava se alimentar de sangue para sobreviver, assim como os vampiros clássicos, mas com origem uma científica e não mitológica.
Morbius tem super-força, capacidade de voar, hipnose, super velocidade, ecolocalização e até um fator de cura acelerado. O personagem já era conhecido por sua genialidade antes mesmo de tornar um vampiro, ganhando um Nobel em fisiologia, contudo, com a experiência sofrida passou a ter capacidades mentais ainda mais avançadas. Também adquiriu alergia a luz solar, mas não necessariamente fatal.
O personagem só foi criado por conta da queda do código de censura que vigorava sobre os quadrinhos americanos, revisto no início de 1971. Alguns anos depois, em 73, a Marvel lançou a HQ Vampire Tales, com Drácula, Blade, e claro, Morbius, através da subsidiária Curtis Magazines. Nessas histórias haviam elementos típicos de produções de vampiros, como cultos satânicos, sacrifícios de moças virginais, etc.
Morbius teve embates com o Doutor Estranho, na história Vampiric Verses, da revista Doctor Strange, Sorcerer Supreme 14. O Vampiro e o Mago se juntam a Irmão Vodu e combatem o ressurgimento de vampiros milenares. Nesta história ele é mostrado como um sujeito cheio de conflitos, fato que deve estar nesse novo filme de Daniel Espinosa protagonizado por Jared Leto.
Outro momento notável das histórias é Sub-City, lançada em 1991, quando o Aranha descobre que o anti-herói tem um domínio nos esgotos de Nova York. Essa fase foi desenhada pelo criador de Spawn, Todd McFarlane, e é bastante lembrada pela sua arte.
Morbius fez parte do grupo Filhos da Meia-Noite, iniciativa idealizada pelo Doutor Estranho, presente na revista Rise of the Midnight Sons, de 1992, grupo formado por personagens mais obscuros, como Blade, Hannibal King, Morbius obviamente, os Motoqueiros Fantasma Danny Ketch e Johnny Blaze, os Redentores do Darkhold, entre outros. Essa era mais uma equipe da Marvel que tentou se firmar pegando carona no sucesso dos X-Men, mas, como boa parte dos outros grupos “caça-niqueis”, não teve vida longa.
Em 2019 foi lançada uma série, chamada Morbius: The Living Vampire, onde novos poderes do personagem são apresentados, como a capacidade de hipnose, lançada recentemente pela Panini no Brasil.
O personagem também participou de outras mídias, com a mais notável sendo a versão de Homem-Aranha: A Série Animada, de 1994. Esse desenho tinha umas peculiaridades, pois não podia aparecer sangue, socos ou armas de fogo, então ele sugava plasma, com esferas sugadores da essência vital nas palmas das mãos.
Nessa versão ele tinha uma relação com Felícia Hardy, a Gata Negra que era um dos interesses românticos de Peter no desenho. O vampiro também teve uma aparição no game Spider-Man 3, que adaptava para a geração 128 bits o filme Homem-Aranha 3.
Além disso, Morbius também apareceu brevemente na série animada Ultimate Homem-Aranha, em uma versão equivalente a sua contraparte do universo Ultimate. Aqui, ele tem ligação com a Hydra e aparece boa parte do desenho como um monstro de aparência de morcego.
Curiosidades:
O personagem Blade só tem a capacidade de andar a luz do dia graças a Morbius. Nos quadrinhos, em uma luta entre os dois, o Vampiro Vivo morde Blade e a mistura entre a toxina de Michael, com as enzimas do caçador de vampiros causaram nesse último uma mutação, passando então a conseguir andar de dia, tal qual o personagem de Thomas e Kane;
Gil Kane se inspirou no Conde Drácula de Jack Palance, que fez sua aparição em Drácula, O Demônio das Trevas (1974), para compor o visual da versão humana de Michael Morbius. O rosto dos dois personagens é bastante similar;
Loxias Crown, que será interpretado por Matt Smith, no filme é um personagem periférico das histórias de Morbius. Ele passou a ser um vampiro vivo tal qual o personagem que dá nome ao longa.
Pancadaria: Por Dentro do Épico Conflito Marvel vs. DC é um livro de estudo de caso sobre a rivalidade entre as duas maiores editoras mainstream dos Estados Unidos, escrito pelo jornalista Reed Tucker. A publicação é parte da cena de bons livros que se voltam para o universo dos quadrinhos no Brasil e no mundo.
Ainda na introdução o escritor tira algumas conclusões sobre o choque entre editoras e as diferenças entre elas, destacando a capacidade da Marvel Comics se renovar enquanto a DC Comics se assemelha a uma reunião de idosos incapazes de retratar algo fora de suas zonas de conforto.
Os capítulos iniciais destacam o pioneirismo da DC quando ainda era chamada National Comics, primeiro com reunião de heróis em grupos, como também em iniciativas editoriais que popularizavam os personagens de maneira unida e organizada. Um bom retrato da chamada Era de Ouro e pelos fatores que ajudaram a formar o que se entendia por quadrinhos de heróis. O tradutor, Guilherme Kroll faz um ótimo trabalho, o livro é repleto de notas de rodapé envolvendo contexto das publicações lá fora e no Brasil, como, por exemplo, as traduções nacionais envolvendo mudanças de nomes — Lois Lane para Mirian Lane, Átomo para Eléktron, etc.
Fato é que Marvel e DC eram bem diferentes desde sua concepção, ainda que a temática das aventuras nas revistas coincidisse. A Marvel, inicialmente, variava entre a mera replicação do que fazia sucesso nos quadrinhos populares da concorrente, com destaque de uma fala de Stan Lee:
“éramos uma empresa de macacos de imitação”
Enquanto sua concorrente era predatória, comprando todas as pequenas concorrentes — boatos no livro dão conta que até se cogitou a compra dos direitos do Príncipe Namor e Tocha Humana original, obviamente não confirmado pelas partes.
A maior riqueza do livro são os detalhes da indústria, como a função de Stan Lee de estagiário, responsável por entregas, servir café e demais serviços auxiliares enquanto sonhava em se tornar romancista, já que encarava os quadrinhos como uma arte menor. Além disso, o livro se debruça bastante sobre a Marvel, desde a importância e decadência de Jack Kirby, como também da ascensão de Stan Lee.
Reed tem uma escrita prosaica que prende o leitor, além disso, há muita fluidez e inteligência em transições de temas e assuntos. É tudo muito orgânico e o escritor não tem receio em expor a supressão dos artistas por parte da DC e as constantes brigas de Lee na Marvel para serem dados os legítimos créditos aos artistas e escritores no início da segunda metade do século XX.
Acompanhar os rumos que cada um dos personagens da indústria traçam neste livro faz o leitor buscar as histórias retratadas ali, seja dos personagens do Quarto Mundo quanto o primeiro crossover entre as editoras: Superman x Homem Aranha. O autor detalha tudo muito bem os crossovers dos anos 90, as tentativas de adaptação para televisão e cinema, e as principais disputas. O mesmo ocorre nas referências à era das graphic novels, e em como a DC foi pioneira no formato de venda de “livros”, enquanto a Marvel não pensou tanto nisso, fato que foi importante para a falência da editora, que chegou a vender os direitos de seus personagens.
A leitura de Tucker é convidativa, especialmente pela riqueza de detalhes dos bastidores da indústria de quadrinhos, tudo é bem explorado, tanto para o leitor não habituado a esse universo, quanto aos mais experientes. Pancadaria é uma leitura rica sobre esse subgênero e muito complementar a outros estudos sobre o tema.
O Homem-Aranha é um dos heróis de histórias em quadrinhos mais populares, rivalizando com o Batman na editora concorrente. É fácil simpatizar com a personagem, dada sua humanidade e suas dificuldades típicas do homem comum. Dessa forma, é natural que ao longo das décadas a personagem tenha ganhado vários títulos em quadrinhos, filmes, games e, claro, séries animadas.
Homem-Aranha (Spider-Man, 1967-1970)
A primeira recebeu o título de Homem-Aranha e teve produção assinada pela Grantay & Lawrence e Kratz Animation. A animação foi exibida durante os anos de 1967 a 1970 e teve um total de 52 episódios. O Aranha trabalhava no Clarim Diário e tinha como interesse amoroso Betty Brant, que além de ser a primeira namorada do personagem, era o par romântico da época.
Sua produção era muito barata, notando inclusive que as teias só cobriam parte do uniforme do Teioso. Essa também foi conhecida por dois fatos peculiares: a tradução do nome dos personagens nas primeiras dublagens brasileiras — Pedro Prado (Peter Parker), tia Maria (Tia May), Doutor Polvo (Dr. Octopus), J. Jonas Jaime (J.J. Jameson) — e, claro, a montanha de memes envolvendo a animação.
O seriado é tão barato que se torna engraçado, com alguns personagens clássicos e outros originais. Destaque para o Doutor Escorregadio, com poderes de… fazer o Aranha escorregar. Outra questão digna de nota é sua música tema, bastante emblemática, regravado até mesmo pelos Ramones, além de estar presente em quase tudo do Homem-Aranha, inclusive nos filmes para cinema.
O Aranha só voltaria a ter uma nova animação nos anos oitenta. Nesse ínterim, houve uma série com atores, The Amazing Spider-Man, além de sua versão japonesa, Supaidāman.
Homem-Aranha (Spider-Man, 1981-1982)
A nova série animada, intitulada apenas como Homem-Aranha, começou em 1981 e foi até o ano seguinte. O traço dela lembrava a versão de John Romita, e a trama era ambientada no período em que o herói cursava faculdade na Universidade Empire State.
A série tinha um ar ingênuo e sérias restrições a violência. Acabou se encerrando com apenas 26 episódios e teve transmissão simultânea com Homem-Aranha e Seus Amigos. Justamente por isso teve vida curta e acabou ofuscada pelo seriado de maior sucesso do personagem na época.
Homem-Aranha e Seus Amigos (Spider-Man and His Amazing Friends, 1981-1983)
Homem-Aranha e Seus Amigos tinha uma atmosfera semelhante ao seriado anterior, no entanto, com o acréscimo de dois outros personagens, Homem de Gelo e Flama, ambos colegas de turma de Peter na faculdade.
Reza a lenda que a ideia era trazer o Tocha Humana, mas problemas de licenciamento impediram os produtores, e então criaram a personagem Flama, que teve até versão nos quadrinhos poucos anos depois em introduzida nos quadrinhos em Uncanny X-Men #193. Esse também é o desenho onde a parte de baixo do apartamento do Aranha é um laboratório, ficando à disposição dos personagens através de um botão que faz o chão inverter o sentido com o teto de baixo (imagina os frascos com substâncias de cabeça para baixo).
Homem-Aranha: A Nova Série Animada (Spider-Man: The New Animated Series, 2003)
Lançada em 2003 para aproveitar a fama do filme do Homem-Aranha, a animação Homem-Aranha: A Nova Série Animada foi o primeiro produto animado já comandado pela Sony. No início, seria uma versão do Homem-Aranha Ultimate, com produção de Brian Michael Bendis, mas tudo mudou com o sucesso do filme protagonizado por Tobey Maguire e dirigido por Sam Raimi.
A qualidade da animação utilizava de efeitos 3D que hoje soam bastante datados, mas funcionava bem, principalmente em cenas noturnas. O roteiro era mais adulto, inclusive com algumas insinuações sexuais. A produção ficou a cargo da Saban Entertainment e a série foi exibida na MTV.
Outro destaque era o elenco de dubladores, que contou com Neil Patrick Harris, Rob Zombie, Jeremy Piven, Michael Clarke Duncan e outros.
Espetacular Homem-Aranha (The Spectacular Spider-Man, 2008-2009)
Como a última animação, Espetacular Homem-Aranha também teve um bom início, duas temporadas entre 2008 e 2009, 26 episódios e conseguiu reunir um belo conjunto de coadjuvantes das histórias clássicas do Aranha.
O produtor Greg Weisman esperava que a série tivesse 5 temporadas que lidariam com Peter se formando na Midtown Manhattan Magnet High School, e findaria com ele a caminho da universidade. No entanto em 2009 os direitos televisivos do personagem retornaram à Marvel, e após a compra da companhia pela Disney o desenho foi descontinuado. Esse fim prematuro foi bastante lamentado, pois a série conseguiu capturar a essência do personagem, possuía fidelidade ao material original e, claro, era bastante divertida.
Já na Disney, houve duas animações. A primeira, Ultimate Homem-Aranha, ficou no ar de 2012 a 2017. Seu traço era bonito, o tom das histórias apelava bastante para um tipo de humor que fez muitos fãs torcerem o nariz. Além disso, o roteiro usava e abusava de metalinguagem e quebra da quarta parede.
Foi nesse seriado que boa parte dos personagens do Aranhaverso apareceram pela primeira vez no audiovisual, desde Miles Morales e Spider-Gwen ao Agente Venom. Em um arco de quatro episódios, Peter se encontra com algumas de suas contrapartes, anos antes da Sony lançar Homem-Aranha no Aranhaverso — ainda que isso já tenha sido feito na clássica animação dos anos 90.
Apesar do sucesso comercial de Ultimate seja com merchandising ou audiência, a Disney resolver encerrar a animação para dar lugar a Homem-Aranha, ou Marvel Spider-Man, que na data da publicação deste post ainda está em exibição. A qualidade da animação é bastante aquém e sua trama é bastante boba, colocando Miles, Peter, Gwen e outras versões estudando juntas e combatendo o crime.
Outras versões animadas do herói ganharam holofotes, como a do Disney Júnior, Spidey e Seus Amigos Espetaculares, com bonecos em 3d cabeçudos, que lembram Esquadrão de Heróis da Marvel. As aventuras são bobinhas, mas divertidas para crianças em fase alfabetização.
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Por fim, se aguarda uma nova animação que mostraria os primeiros meses do Aranha de Tom Holland, com o nome Spider-Man Freshman Year, ainda sem muitas informações, com a promessa de que chegará ainda em 2022.
E assim segue o herói aracnídeo, em diversas versões, que seguem mostrando sua essência, algumas mais acertadas e outras nem tanto, mas sempre levando em frente a máxima que Stan Lee e Steve Ditko pensaram para ele, de que com grandes poderes, vem grandes responsabilidades. Boa parte dessas versões (sobretudo as mais recentes) podem ser vistas nos serviços de streaming.
A série do Gavião Arqueiro, personagem criado por Stan Lee e Don Heck, lida com muitos assuntos: as repercussões de Vingadores: Ultimato, a morte da Viúva Negra, a culpa de Clint Barton em sua fase como Ronin e o treinamento de sua pupila. Por mais que o seriado de Jonathan Igla não seja tão audacioso em seu roteiro, acaba se perdendo em meio a todos esses objetivos.
De positivo, há o bom ingresso da personagem Kate Bishop, interpretada por Hailee Steinfeld, que faz um bom dueto com Jeremy Renner. Sua personagem tem um passado ligado ao heroísmo do personagem-título, e remonta aos Vingadores de Joss Wheddon, e sua motivação é bem desenvolvida — ainda que apressada —, mas os aspectos de qualidade param por aí.
Antes da pandemia, quando estavam em produção Wandavision, Falcão e o Soldado Invernal e Loki, havia a promessa por parte de Kevin Feige de que as produções anteriores, comandadas por Jeph Loeb seriam esquecidas, contando aí a subestimada Agentes da SHIELD, como também Demolidor, Jessica Jones, Inumanos, etc. Ainda não se sabe se esse trato foi descumprido, ainda mais após o advento de Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa e tudo que o filme trouxe em participações e outras consequências, mas o desenrolar da série abre uma possibilidade mínima de que, ao menos em parte, as outras produções podem alguma influência.
O drama da série é urbano, mostrando a violência das grandes cidades. Como já se deu em outras séries de heróis urbanos envolvendo a parceria Marvel e Netlix. Além disso, o seriado brinca com os clichês de Nova York, arrumando espaço até para um número musical da Broadway, em um dos momentos mais inspirados em termos de humor na série.
Outro bom ponto é o drama de Clint, visto no desenrolar das desavenças do procedimento do Ronin, mas a busca frenética prometida na gênese é interrompida para dar vazão a uma enrolação e plots de vingança um pouco redundantes, além de não gerar interesse no espectador.
Mesmo tendo só seis episódios há muita enrolação, e nem mesmo participações de personagens como o Espadachim (Tony Dalton) e Yelena Belova (Florence Pugh) salvam a trama. Há um problema claro de ritmo. Metade da temporada é absolutamente parada, não se desenvolve quase nada, no máximo se apresentam easter eggs de personagens cuja aparição deveria ser bem guardada. É muito pouco.
Gavião Arqueiro não tem uma segunda temporada garantida, embora seus diretores tenham mostrado entusiasmo para um possível retorno. Fora a interação, ao estilo Máquina Mortífera, entre os protagonistas, não há com o que se empolgar. Fica a expectativa de que a série consiga trazer o roteiro de uma segunda temporada que faça jus a construção visual apresentada nessa temporada inicial, visto que o texto está abaixo da mediocridade típica das séries de heróis de quadrinhos recente, tanto em versões da Marvel quanto de suas concorrentes.
Um grande receio se estabeleceu sobre o futuro da Marvel nos cinemas após Vingadores: Ultimato e da terceira fase de filmes, os rumos das histórias não pareciam (ao menos para o público) ter um norte tão certo e em meio a toda essa confusão, se produzia Eternos, filme de equipe, formada por seres poderosíssimos, que não envelhecem dirigido pela oscarizada Chloé Zhao (Nomadland). A história é simples e adapta para a grande tela os personagens de Jack Kirby e havia bastante receio por parte dos fãs antigos por mexer com esse cenário estilo escapismo cósmico.
A história engloba variações no tempo, com momentos antes da criação do planeta Terra, onde os seres supremos chamados Celestiais criaram duas categorias de criaturas poderosíssimas, os Eternos, homens e mulheres de raças diversas super poderosos, e os Deviantes, criaturas fortes, destruidoras e irracionais. O antagonismo entre as partes serve como a desculpa perfeita para que esses seres tão fortes não tenham interferido em questões como a invasão chitauri em Os Vingadores, as ações do titã louco em Vingadores: Guerra Infinita ou demais eventos cósmicos, pois o celestial que os comandava, Arishem não permitia isso dada sua rigidez.
Esse possivelmente é o mais diferente dos filmes Marvel desde que James Gunn fez Guardiões das Galáxias, embora no caso dos Eternos haja mais fama em torno do nome de grupo, até por conta de serem uma criação tão elogiada de Kirby. As semelhanças obviamente param no fato de esses não serem personagens do primeiro escalão da editora e de ser uma obra sobre um time, e não um personagem específico, embora Sersi (Gemma Chan) seja claramente uma protagonista.
Eternos foi bastante criticado antes mesmo da estreia. Uma das maiores reclamações era de que o filme soava genérico, critica que certamente não cabe. Se Homem de Ferro, Doutor Estranho e Homem-Formiga tem o mesmo “esqueleto” de roteiro, não se pode dizer que a origem dos poderosos protagonistas foi tratada da mesma forma. Há espaço para lidar com cada um dos 10 personagens, e mesmo que o foco narrativo seja especialmente em três deles — Sersi, Icaris e Duende. Tanto Gilgamesh, Druig, Makkari, Phastos, Kingo, Ajak e Thena tem ao menos um momento de brilho e protagonismo, pontuado claro pelo bom desempenho de seu elenco.
As lutas são bem legais, e Zhao ainda permite que boa parte do humor seja referencial aos gibis, afinal, essa é uma adaptação de HQ. Muitos fãs puristas reclamaram por haver menção direta a personagens do panteão da DC. Essa é uma questão tão boba que surpreende que tenha causado tanta espécie em 2021.
Se a reclamação geral fosse a respeito do arco dramático de Duende, que apresenta um complexo de inferioridade e dificuldade de auto aceitação por ter o corpo de uma criança, até faria sentido criticar. Visto que ela viveu mais de 7 mil anos, incluindo aí eras onde não havia tabu em relações entre homens adultos e crianças, considerando que poucos séculos atrás um homem já grande e senhor de si poderia desposar uma moça de 12, 13 anos, essa não deveria ser uma questão, pois é um tabu de época, e isso se agrava dado que seu poder natural é iludir e mudar de forma. Se a ideia era ser fiel ao conceito pensado por Kirby, não seria difícil dribla-lo, tampouco inédito visto que Thanos nos gibis era um deviante e para justificar a não presença dos personagens nos últimos filmes da terceira fase, ele claramente não é desta raça.
Apesar de não ser profundo, o roteiro discute questões pontuais, como obediência cega as ordens superiores, que pode facilmente ser vista como uma crítica a miopia de quem segue rígidos dogmas religiosos. A participação de Salma Hayek nesse ponto serve bem ao propósito de dar dimensão e importância a essas questões. Outro bom exemplo de bom desenvolvimento são algumas relações não românticas, em especial entre Gilgamesh e Thena, cujo arco fala sobre tolerância, sobre condições de saúde extrema e dá pistas ao público de que algo estranho ocorre, além de dar a Angelina Jolie a oportunidade de apresentar seus dotes dramáticos, além é claro de fazer um bom dueto com Ma Dong-seok.
Um filme com tantas idas e vindas temporais poderia soar confuso, mas isto não ocorre. O problema de fato é a batalha final, pois ela existe em uma confusão que faz pouco sentido, e em um combate onde todas as forças que antes eram aliadas, ficam se contendo, para haver um embate equilibrado. A conclusão não faz muito sentido, soa forçada, com detalhes cuidadosamente pensados para deixar gancho para continuações, mesmo que seja pouco provável que ocorra um Eternos 2.
Eternos acerta mais do que erra, e possivelmente será o farol e tendência para os novos filmes da Capitã Marvel, do Aranha e demais produtos, voltados para o Team Up como já foi com Viúva Negra e as séries WandaVisione Falcão e Soldado Invernal. O que poderia ser melhor é cuidado com o visual dos Deviantes, que poderiam ser menos parecidos com meras imitações de filmes de fantasia recentes, além da ainda intensa necessidade de plantar eventos para o futuro dos filmes do estúdio, visto que tal qual a revista de Kirby, esta obra de Zhao se sustenta por si só.
A cultura pop está repleta de histórias ambientadas em futuros pós-apocalípticos, seja na literatura, no cinema ou nos quadrinhos em geral. Em que pese as características basilares do gênero, algumas obras se destacaram ao longo dos anos, por diferentes fatores.
Nos anos noventa, o prolífico artista George Pérez procurou Peter David para trabalharem juntos em algum projeto. Sendo David o maior escritor da história d’O Incrível Hulk, nada mais natural do que a parceria entre esses dois talentosos profissionais resultar em uma aventura do Golias Esmeralda.
Assim nasceu Futuro Imperfeito, minissérie publicada originalmente em duas partes pela Marvel Comics nos últimos meses de 1992. Na HQ, David e Pérez concebem a cidade de Dystopia, um lugar superpovoado, cercado por desertos e erigido a partir de ruínas do que outrora foi uma metrópole civilizada.
Nesse lugar em que vozes se confundem e pessoas vestidas em trapos fazem de tudo para sobreviver, rebeldes se camuflam no meio da multidão, enquanto organizam a resistência ao sombrio e monstruoso Maestro, tirânico líder da região. Nesse lugar em que o futuro parece se encontrar com um passado remoto, a esperança surge no verde da pele do Hulk, que é trazido de seu tempo até esse futuro absurdo para descobrir questões inconvenientes de sua vida e então se provar em batalha, pelo bem do que restou da humanidade.
Elogiar a qualidade de escrita de David é chover no molhado. Tecer elogios à narrativa visual de Pérez seria igualmente redundante. Fenomenal, a dupla construiu de forma conjunta uma história tão simples quanto memorável para um dos personagens mais complicados de se compreender no Universo Marvel.
Por ser o escritor da série mensal do Hulk à época, David possuía amplo domínio do background do personagem. Desse modo, o herói surge em Futuro Imperfeito da mesma forma com que vinha sendo representado em sua série solo daquele tempo: a consciência de Banner no corpo do Hulk, o que fazia do herói tão genial quanto poderoso, ao mesmo tempo.
Assim, o maior inimigo possível para o Hulk debuta no Universo Marvel. O Maestro é tudo o que o Hulk pode vir a ser, e tal sombra paira a todo instante na HQ, que não perde tempo nem apresenta nenhuma barriga na execução de seu dinâmico enredo.
Diálogos poderosos se intercalam entre cenas de ação ágeis e impactantes, que reafirmam a escala de poder na qual se inserem os protagonistas desse embate de iguais, tão desiguais quanto o tempo poderia tornar. Recheada de referências, a HQ entrega uma aventura distópica de primeira grandeza e se configura como uma das histórias mais emblemáticas do Gigante Verde.
Complementando o encadernado publicado pela Panini Comics, a história O Último Titã é escrita também por David, mas ilustrada por outro parceiro seu dos tempos da série mensal: Dale Keown. Ambientada em um futuro ainda mais longevo, no qual somente o Hulk sobreviveu na Terra, vemos o dilema existencial entre Banner e Hulk novamente trabalhado, de forma diferente da vista em Futuro Imperfeito, já que agora as duas personas lutam por espaço e possuem desejos completamente diferentes para encararem o fim dos tempos.
Com tradução de Jotapê Martins, Fernando Lopes e Marcelo Soares, o encadernado Hulk: Futuro Imperfeito aquece aquele coração marvete com sucesso e preenche a lacuna existente no mercado com a ausência inexplicável dessa HQ durante tantos anos, após uma republicação lá do comecinho dos anos 2000.
A produção nacional de quadrinhos é prolífica em paródias, em suas diferentes vertentes. Seguindo a tradição nacional de sucesso no humor, esse tipo de abordagem ganhou espaço e notoriedade por explorar chavões e clichês para gerar comicidade (e driblar licenciamentos editoriais).
Assim, não é de se espantar que o trabalho de um fenômeno da gibisfera brasileira como Caio Oliveira ganhe notoriedade com a velocidade que ganhou.
O quadrinista brasileiro tem uma capacidade ímpar de captar em seus Quadrinhos o zeitgeist e trabalhar a partir de uma perspectiva amplamente metarreferencial, empregando o humor como força motriz de suas inventivas histórias. Seguindo essa linha, temos aqui três diferentes trabalhos do autor, com propostas tão distintas quanto se poderia imaginar, mas que carregam consigo o humor gerado a partir da intertextualidade como traço marcante.
Em All Hipster Marvel, Caio apresenta uma sátira à cultura hipster, desenvolvida através da intertextualidade paródica em relação aos heróis da Marvel Comics, ironizando alguns dos clichês das histórias da editora, através de minicontos em cores e traços cartunescos, nos quais o riso é o alvo, nem tanto uma linha narrativa unificada e coerente. A HQ possui vinte páginas e foi publicada em papel reciclado, com lombada canoa.
Com Panza o quadrinista apresenta uma aventura de Sancho Pança, o fiel escudeiro de Dom Quixote, entrando em uma jornada para descobrir a verdade acerca da missão que norteou a vida do já idoso e doente Dom, enquanto sua sanidade é colocada à prova por seus surpreendentes inimigos.
Menos sarcástica que a história anterior, Panza investe em um traço mais firme e bem delineado em preto e branco, se aproximando muito mais do padrão das animações do que das charges, novamente brincando com referências até mesmo anacrônicas como o Monstro de Frankenstein saltar das páginas de um livro para enfrentar um assustado e impotente Sancho dentro de um moinho de vento.
O desdobramento criado por Caio a partir da história original conta com um humor mais comedido em seu tom, em contraponto com a narrativa visual expressiva e repleta de dinamismo em sua diagramação. Dessa simbiose, o autor concebe uma história que devolve o heroísmo ao Quixote, agora não mais um louco, mas sim um visionário incompreendido por seus pares, que repassa seu legado ao fiel e roliço escudeiro, forjando assim um herói improvável, mas o primeiro sidekick da história. Também em lombada canoa, Panza conta com quarenta páginas, impressas em papel pólen, além de capa cartonada.
Em R’lyehboy temos uma salada de referências saltando das páginas, passando por Hellboy, H.P. Lovecraft, Raça Negra e toda a estética e mecânica dos jogos de RPG como Dungeons & Dragons, em páginas dispostas no formato horizontal, com poucos quadros e uma proposta de traço que brinca com o expressionismo que norteia o trabalho de Mike Mignola em choque com o traço cartunesco já característico de Caio.
Assim acompanhamos a história nonsense de um investigador sobrenatural, claramente inspirado na criação máxima de Mignola e no famoso Cthulhu, símbolo maior da literatura lovecraftiana, diante de ameaças bizarras de toda sorte, como vikings cujo canto de guerra se assemelha a uma paródia de “É tarde demais”, do grupo de pagode Raça Negra. Falar em nonsense, como no início deste parágrafo, não se mostra um exagero agora que temos uma pequena noção do que estamos falando aqui, não é mesmo?
Como as duas obras anteriores, R’lyehboy foi publicada também em capa cartonada, lombada canoa e setenta e duas páginas e emula o padrão visual das capas de Hellboy, de Mignola.
Publicadas pela Quinta Capa e financiadas através do Catarse, as revistas de Caio Oliveira tecem um padrão narrativo hilário e despojado, fortemente calçado na paródia como estratégia de composição discursiva, alternando até mesmo entre estilos de narrativa visual de acordo com as propostas de cada história, evidenciando a versatilidade do quadrinista brasileiro, dono de um texto ácido e de uma arte dinâmica, que arrancam boas risadas até mesmo do leitor mais carrancudo.
Houve uma revolução na postura dos quadrinhos de heróis, nos anos 80. Se antes valia tudo, afinal o gibi era uma mídia sempre desprezada por ser “infantil” e “descartável”, o gênero ganhou um senso de maturidade com O Cavaleiro das Trevas, Sandman, ou ainda, Reino do Amanhã. Assim, se o Batman de Adam West era aceito nos anos 60, agora ele precisa lidar com terrorismo e geopolítica. A mesma coisa com (quase) todos os outros, já que a pegada ficou mais séria, sem espaço para um espírito de Sessão da Tarde – exceto para os títulos mais besteirol, como Deadpool e Shazam. Nos cinemas, a Marvel soube se atualizar para a seriedade do século XXI como ninguém, com a sorte de estar sob a tutela de Kevin Feige, o maior produtor da história de Hollywood, e assim, com o Homem de Ferro ficando cada vez mais popular, nada mais justo uma epopeia que, lá em 2008, na esteira do sucesso de Guerra Civil, ajudasse ainda mais a engrandecer o Ferroso.
E assim, foi: a saga de dois anos do O Mais Procurado do Mundo, reunida e publicada no Brasil em 2017 pela Panini. Desde a primeira página do encadernado nota-se o ninho de inspiração que a saga dos quadrinhos foi para a trilogia do Homem de Ferro, em especial para o Homem de Ferro 3. Há uma caçada imoral a Tony Stark por erros que (caluniosamente) ele cometeu, num passado recente, e a tecnologia das empresas Stark começou a ser tão banalizada como os primeiros celulares da Nokia, mundo afora. Para piorar, os inventos de Tony caem nas mãos erradas, mortes começam a acontecer, e a difamação da figura do bilionário é inevitável. O Homem de Ferro ganha teto de vidro, e de repente, vira um câncer ao bem-estar da humanidade.
Há um interessante debate aqui, escrito por Matt Fraction e desenhado por Salvador Larroca, levemente subvertido pela necessidade de ação e aventura colorida: o poder devastador da mentira, quando essa é muito grande e institucionalizada para a sociedade não acreditar nela. Se o empresário Norman Osborn, vulgo Duende Verde, arma um circo midiático e envenena a opinião pública, fazendo-a acreditar nas piores coisas sobre Tony, ninguém contesta, afinal, como o presidente de uma empresa gigantesca poderia mentir para o público? As pessoas comuns em sua ingenuidade rotineira esquecem que os lobos “acima” são capazes de tudo pelo poder, e Norman Osborn ama tudo isso. Ao tirar o Homem de Ferro da jogada, Osborn acha que venceu a batalha, mas esquece que Tony Stark não é só armas e mulheres: é um gênio de intelecto ímpar, que joga xadrez com o líder do Quarteto Fantástico, e quase sempre tem uma carta na manga. Várias, na verdade, a começar pela sua amada Pepper Potts e seus amigos de ouro.
Tal uma clássica aventura de super-herói, e tão realista como só uma saga pós-Watchmen consegue ser nos quadrinhos, O Mais Procurado do Mundo reafirma tudo o que nos faz amar uma das criações máximas de Lee, Jack Kirby, Larry Lieber e Don Heck. Se falta ao personagem frases do tipo “Com grandes poderes, vem grandes responsabilidades”, sobra carisma e o senso de empreendedorismo pelo bom combate, pelo fazer a coisa certa, sem trilhar o caminho da maldade, e sim de uma engenhosidade altruísta, e forte. Por que há um mundo melhor a ser alcançado, por meio da tecnologia e da ciência neste caso, e da coragem do homem para consigo mesmo, e homens como Tony são precisos para isso. Eis um belo arco de histórias, bastante complementar e enriquecedor aos filmes, e que de tão bom (e visualmente lindo), não nos faz sentir falta de ver Robert Downey Jr. na pele do herói, ao virar as páginas. Pasmem!
Os fãs de filmes e produtos da Marvel no audiovisual ficaram bastante mal acostumados com o decorrer da historia de Wandavision. Durante o período das 8 semanas em que a série foi ao ar (lembrando que foram 9 episódios, mas que dois foram lançados juntos) se cogitou a presença de Namor, Ultron, membros do Quarteto Fantástico e principalmente Mefisto e Pesadelo. Teorias esdrúxulas, reclamações tolas e expectativas mil foram frustradas.
Pois bem, quando Falcão e Soldado Invernal teve início semanas atrás, a série trouxe várias referências direta dos quadrinhos. Algumas mais óbvias, outras nem tanto, e para esclarecer o leitor elencamos-as aqui. O texto possuirá alguns spoilers, então se você se incomoda com isso, recomendo que veja primeiro a série para depois realizar esta leitura.
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CapitãoAmérica (Sam Wilson)
Decidi começar por ele devido ao final de Vingadores: Ultimato, que já dava conta da passagem do legado de Steve Rogers para seu sempre presente amigo, Sam Wilson, que atendia pelo codinome Falcão. Nos quadrinhos, Sam foi cogitado para ser o substituto quando Steve Rogers abandonou o manto em Capitão América: Nunca Mais. Um dos motivos para não ter sido escolhido refletia o preconceito da década de 80, ainda mais intransponível em diálogo que hoje.
Em quadrinhos mais recentes, um vilão chamado Prego de Ferro enfrenta Steve Rogers e drena o soro do Super Soldado. e parte da sua habilidade consiste em drenar o soro do Super Soldado. Steve ao ter que lutar contra ele diretamente, tem seu poder e jovialidade consumidos virando então um idoso. O parceiro Sam o Salva e logo Rogers apresenta-o como seu substituto. Seu arco como Capitão abordava questões pontuais de racismo e problemas envolvendo de imigração, fatos que foram resgatados na série, inclusive no arco dos vilões apátridas. Curiosamente, o dito país da liberdade suprema não o aceitou como Capitão, sofrendo resistência e rejeição dos leitores.
Agente Americano – John Walker
Walker já teve algumas encarnações nos quadrinhos: primeiro como Super Patriota, depois como Capitão América e, algum tempo depois, se tornou o Agente Americano. Sua índole era estranha, mas de fato ele jamais foi um vilão. Na série, após Sam Wilson entregar o escudo ao governo, é John Walker o escolhido para ostentar as cores da bandeira e o nome heroico.
O personagem reúne clichês do Capitão América e também do Justiceiro. Já substituiu o Cap. original, inclusive com um Bucky como dupla e outros sidekicks. Após confrontos com o personagem original, que retorna em um uniforme preto se auto-intitulando Capitão, Walker se redime, troca de uniforme e passa a se chamar de Agente Americano. Futuramente se tornaria parte dos Vingadores da Costa Oeste com algumas participações no Vingadores originais. Também trabalhou com os Thunderbolts.
Isaiah Bradley
Uma boa surpresa da série foi o fato de abordar um personagem que não está exatamente no mainstream dos heróis Marvel. Embora seja complicado o modo de lidar com o lado político do sujeito, Isaiah é praticamente um espantalho de um revolucionário.
Nos quadrinhos, ele já foi o Capitão América. Foi inserido como um retcon (continuidade retroativa) e sua primeira aparição foi em uma minissérie própria, Truth: Red, White & Black #1 de janeiro de 2003, jamais publicada no Brasil até o presente momento.
Criado por Axel Alonso, Robert Morales e Kyle Baker, o personagem foi um sobrevivente de uma tentativa de replicar o Soro do Super Soldado. Uma experiência feita com quase 300 americanos que morreram no processo. Interessante observar como sua narrativa se aproxima do caso real de homens negros sendo testados em experiências para curar a sífilis, sem saber que eram cobaias. A experiência trouxe muita sequelas aos envolvidos e, de certa forma, a experiência do soro faz essa aproximação. Nos quadrinhos, Isaiah sofre de Alzheimer, fruto da degeneração do soro.
Em Truth, ele rouba o traje do Capitão, sendo preso por isso. Apesar de muitas problemáticas em relação ao lado político desse personagem na série, ao menos se abre uma boa questão, ao se indagar se Steve Rogers sofreria o que Isaiah sofreu caso não tivesse desaparecido por década. Na série, o ator Carl Lumby se entrega maravilhosamente ao personagem.
Elijah Bradley
Apresentado aqui como um adolescente comum, ao menos aparentemente, Elijah é neto de Isaiah Bradley. Nos quadrinhos, viraria também um herói: O Patriota. O personagem possivelmente retornará em uma adaptação ainda não anunciada dos Jovens Vingadores, grupo de apoio nos quadrinhos, que no MCU estão sendo gradativamente apresentados: em Wandavision conhecemos Célere e Wicano. Na vindoura série do Gavião Arqueiro, teremos a Gaviã Arqueira de Katherine Elizabeth Bishop.
O Patriota dizia que sofreu experimentos com o soro do Capitão, mas usava na verdade uma droga chamada Hormônio do Crescimento Mutante, substância que dava poderes por um curto período de tempo. Esse vício repetia o drama de Allan Heinberg um dos criadores do personagem que também teve problemas com vício em drogas. Na cronologia, Elijah consegue poderes de maneira definitiva, depois de receber uma transfusão de sangue de seu avô. Fez parte da primeira formação dos Novos Vingadores.
Mercador do Poder
As duas versões do Mercador do Poder, a mais recente e Curtis Jackson.
Criado por Jack Kirby, a primeira versão do personagem é Curtis Jackson, um mercenário que fornece poderes a quem pagar uma quantia alta. É ele que dá poder a dois personagens heroicos: Lemar Hoskins e John Walker. Na série, ele é a fonte do poder dos Apátridas. Nos gibis, sumiu por um tempo, teve uma aparição em Machine Man de 1978, retornou apenas no titulo solo do Coisa em 1986. Junto ao doutor Carl Malos (personagem que já apareceu em outro produto da Marvel, Jessica Jones, 2ª Temporada), fez experimentos com várias pessoas em posição vulnerável, entre eles, Joaquin Torres, abordado nesse texto também. Jackson foi forçado em histórias posteriores a experimentar o soro do super soldado. Então ficou gigante, tão musculoso e desforme que não conseguia andar. Malos então fez para ele um exo-esqueleto.
Há outra versão do Mercador do Poder que surge após a morte do primeiro. Sua identidade é desconhecida, o que se sabe é que ele é bem diferente de Jackson. Sua primeira aparição foi em Avengers: The Initiative Annual #1, de 2008, ecom criação de Dan Slott e Christos N. Gage. Na série, o personagem é diferente, reúne elementos das duas versões e tem sua identidade revelada somente no último episódio.
Batroc, O Saltador
Esse é um personagem antigo, criado pela dupla Stan Lee e Kirby, datado de 1966. No MCU já havia aparecido em Capitão América 2: O Soldado Invernal, também interpretado pelo lutador profissional Georges St. Pierre. No filme, havia sido detido pela Hydra/SHIELD, e só reapareceu agora. Nos quadrinhos, é um mercenário francês, especialista em Savate, uma arte marcial semelhante ao Boxe, embora o vilão use bastante os pés. Não tem poderes, combate desarmado e, nos gibis, tem um certo código de honra não atacando jamais adversários em desvantagem numérica. Já lutou ao lado do Capitão América. Fez parte dos Thunderbolts de Zemo e de Wilson Fisk, o Rei do Crime, mas é mais conhecido por ter seu próprio grupo de personagens caçadores de recompensa, Brigada de Batroc.
Apátrida
Apátrida era um vilão das revistas do Capitão América. Na série, é transformado em um grupo terrorista, os Apátridas. As principais diferenças dessas versões moram nas intenções. Karl Morgenthau é um vigilante antinacionalista, algumas vezes tratado erroneamente como anarquista. Em comum com a versão em carne e osso, há o desejo de um mundo sem fronteiras, embora aqui soe um pouco confuso, pois o grupo de opositores dos heróis buscam trazer o mundo a condição antes da volta das pessoas do Blip.
O grupo é liderado por uma moça idealista e que passa longe da condição de vilã clássica. Seu nome é Karli Morgenthau interpretada por Erin Kellyman. O maior problema no seriado é que os Apátridas são presos a teorias da conspiração, e tem sua motivação revolucionária também como motivo de chacota. O grupo também tem poderes oriundos do Soro do Super Soldado fornecido pelo Mercador do Poder.
Joaquín Torres
O seriado também apresenta Danny Ramirez como Joaquín Torres. O personagem é uma adição recente aos quadrinhos da Marvel. Nos quadrinhos ele tem uma historia bastante diferente do que é visto no seriado. Nas HQs ele é um experimento do doutor Karl Malus. Na época, o vilão misturava DNA de humanos com animais. Torres era um hibrido de humano com falcão, tinha elementos do DNA de Asa Vermelha, o mascote falcão de Sam Wilson (que nos filmes, é apenas um drone). Quando Wilson, já como Capitão América, salvou as vítimas de Malus. Joaquin foi uma das poucas experiências que não retornou ao estado humano. Ele tem uma conexão psíquica com o Asa Vermelha e por isso, tem ligação também com Sam.
Quando o herói assumiu como Capitão, deu a Torres a incumbência de ser o Falcão, isso é até aludido dentro do seriado. Enquanto Falcão, Joaquin se torna parte do grupo Os Campeões, formado por jogadores jovens, que no MCU, deve se “fundir” com os Jovens Vingadores.
Estrela Negra
Lermar Hoskins, que no seriado foi interpretado por Clé Bennett, foi um parceiro do Capitão América de Walker. Criado por Mark Gruenwald e Paul Neary, era um ex-soldado das forças armadas americanas, e também teve acesso ao soro através do Mercador do Poder. Tinha poderes semelhantes ao do Capitão, era treinado em várias artes marciais e táticas. Já no seriado, não tem poderes, mas é habilidoso em termos de luta.
Nos gibis, ele usava um escudo triangular de adamantium. Era o Bucky de John Walker, mas mudou o nome para Estrela Negra após a Marvel receber várias cartas que afirmavam que o termo era usado de modo racista contra negros. Lemar foi membro dos Vingadores Secretos e teve participação importante no evento Guerra Civil.
Condessa Valentina Allegra de Fontaine
Interpretada por Julia Louis-Dreyfus, Valentina Allegra de Fontaine foi uma das grandes surpresas do seriado. A Condessa nos quadrinhos tem fortes ligações com Nick Fury, com Walker e com o grupo de vilões em recuperação os Thunderbolts, tanto que a comparação mais comumente feita com ela é de que seria uma Amanda Waller da Marvel.
Nos quadrinhos, ela foi apresentada na HQ Strange Tales #159 em 1967. De origem italiana, ela faz parte de equipes da SHIELD e rapidamente se torna uma das melhores agentes da organização. Curiosamente, a personagem já se envolveu romanticamente com Nick Fury nas HQs e chegou a flertar também com o Capitão América de Steve Rogers. Outra alcunha que ela já teve foi Madame Hydra que já fez uma aparição (com esse nome) no seriado Agentes da Shield.
Intui-se que Valentina seja uma espécie de Nick Fury para os anti heróis, podendo formar tanto os Thunderbolts como os Vingadores Sombrios. É uma forte possibilidade que esteja também no filme da Viúva Negra, e na futura série a respeito dos Skrulls, Invasão Secreta.
DoutorWilfred Nagel
Essa é uma aparição breve no terceiro episódio, mas é bastante importante. Nagel é interpretado por Olli Haaskivi. Nos quadrinhos foi introduzido em Truth: Red, White, and Black #1, a mesma história que dá origem a Isaiah. Nagel foi o cientista inescrupuloso que liderou os experimentos nos soldados de Camp Cathcart no Mississipi, que usou 300 soldados negros como cobaias com a maioria falecidos.
Na série ele é bem diferente, mais jovem, fez experiências com amostras de sangue de super soldados. No capítulo em que aparece fica subentendido que ele usou o sangue de Bradley para chegar a esta versão do soro. O sonho dele era superar o detentor da criação do soro original, Dr. Eskrine.
Outras menções
Há resgate do vilão Barão Zemo (que finalmente coloca a máscara roxa semelhante aos quadrinhos) e da agente especial Sharon Carter (que também mudou muito). Além dessas referências já estabelecidas nos outros filmes, há também algumas boas menções, como a ilha Madripoor onde o Wolverine passava boa parte de seus dias como Caolho. Também o Tigre Sorridente, alter-ego de Conrad Mack, um híbrido de homem e animal (na série é, aparentemente, um homem de visual estilo cafetão dos filmes blaxploitation). Além disso, o apelido de Lobo Branco para Bucky faz referência a um rival do Pantera Negra nos quadrinhos (totalmente diferente aqui). O próprio Soro do Super Soldado é uma referência que merece menção devido a presença constante, além de nutrir poderes aos Apátridas, Bucky, John Walker e Isaiah, também foi implantado como variante no filme O Incrível Hulk de Louis Laterrier, tanto em Bruce Banner que se tornou o Hulk e em Emil Blonsky, que virou o vilão Abominável.
Obra que reúne Donny Cates nos roteiros e Scott Moore nas ilustrações, Surfista Prateado: Escuridão é uma publicação que mistura elementos de ficção científica e filosofia em uma história de super-heróis, sendo uma das histórias recentes mais elogiadas do personagem. O quadrinho conta uma história reflexiva, que conversa bem com Surfista Prateado: Parábola de Stan Lee e Moebius, além de ser continuação da fase de Dan Slott.
Cates se vale demais de autorreferência, e sua história se situa após a morte de Thanos. Aqui, é mostrado Norrin Radd, o filho órfão de Zenn-la, lidando com a culpa proveniente dos trabalhos que fez para o devorador de mundos, Galactus, além de mergulhar na culpa do personagem e outros problemas.
A arte de Moore compensa a simplicidade textual da HQ, fazendo driblar até as amarras cronológicas. Há um bocado de surrealismo, onde se brinca com a forma do espaço e a densidade corporal e mental do Surfista. Os embates que ele por mais que contenham elementos óbvios, há um bom uso de personagens clássicos das histórias cósmicas.
A aparição do planeta vivo Ego é superlativo e ainda mais lisérgico que os momentos anteriores. As cores e a psicodelia aumentam a sensação de que toda a história é baseada na insanidade. A relação entre Ego e herói se assemelha ao conto do pequeno animal que retira a farpa dos pés de um predador grande, e essa alegoria ajuda a mostrar outra dinâmica para o personagem, mas que ainda reforça a ideia de que ele está fadado ao fracasso moral. Norrin, mesmo sem Galactus, é prisioneiro de sua condição. Sua sina é ser ligado eternamente à morte de milhões, talvez bilhões. Nem dar fim ao seu algoz ele pode, sua maldição é ter retirado de si até mesmo o livre arbítrio.
A arte resulta em um visual que deslumbra e lembra a arte de Moebius e seu parceiro de Metal Hurlan, Phillipe Druillet. Na edição da Panini há alguns poucos extras como a introdução de Paulo França e artes de capa alternativas de Ron Lim, Mike Zeck e outros artistas, e apesar de Surfista Prateado: Escuridão ser uma história repleta de referências, ainda possui identidade própria e qualidades para que seja uma leitura independente bastante rica, que referencia bem o trabalho antigo de Lee e Kirby, atualizando os clichês e arquétipos para algo mais atual e atrativo a novos leitores.
Magneto é dos personagem mutantes mais famosos entre os que participam das historias dos X-Men e derivados, seja como primeiro vilão do grupo X, como soberano da nação mutante localizada em Genosha por anos ou como líder ideológico revolucionário. Escrito por Skotti Young com desenhos de Clay Mann e Gabriel Hernandez Walta, em Magneto : Atos de Terror a trama começa com o personagem invadindo uma reunião de preconceituosos aos mutante e sua ideologia. O personagem ataca as pessoas, dizima-as e justifica bem o nome original da publicação, Not a Hero, não é um herói, uma vez que em suas atitudes não há espaço para lidar bem à intolerância alheia, nem truísmos dignos dos heróis.
Essa primeira sequência logo se prova dúbia, é preciso verificar além das aparências. O status quo consiste na decisão de Erik Lehnsherr em ser um sujeito cordato, tanto que decidiu se unir aos X-Men liderados por Ciclope e Emma Frost. A publicação da historia data de 2012, e essa fase é bastante elogiada por leitores e pela crítica, mostram a escola de super dotados tendo que lidar com a ausência de poderosos mutantes, entre eles Jean Grey e Charles Xavier embora a leitura dessa historia em particular não envolva esses aspectos de maneira direta.
A narrativa contém boas surpresas e inversões de expectativa, com participações pontuais de personagens novos para época, como a mutante Fada, e o retorno de outros antigos coadjuvantes, como Joseph e Astra. A arte de Mann resgata elementos típicos da fase de Jim Lee e Chris Claremont, embora o texto seja bem diferente dessa fase. Isso resulta em uma boa mistura, pois o sub texto é mais elaborado e adulto, resultando num estudo de personagem diferente do revolucionário quase sempre beligerante, com os desenhos que fazem lembrar fases mais clássicas. Ou seja, é fácil perceber que se trata do mesmíssimo Magneto das histórias antigas.
A luta final é apoteótica, como uma batalha entre dois deuses semelhantes. Termina de maneira visceral, discute a respeito da índole de Magnus como líder mutante, como idealista e como ente de um mundo de super seres. O personagem tem defeitos, falhas morais e de comportamento, e para uma historia a respeito de Magneto, Young mostra um bom estudo de caso da figura dúbia que Erik sempre foi desde os anos 60 e a fase pós Claremont, até os dias atuais nos X-Men de Jonathan Hickman.
X-Men: Grand Design é uma revista especial, cujo formato peculiar mira recontar a cronologia das revistas mutantes da Marvel ao estilo do trabalho anterior de seu autor, Hip Hop Genealogia, dividida em dois números. Esta versão será lançada em três volumes e conta com o alto conhecimento de Ed Piskor, e seu traço peculiar, sobre as histórias dos portadores do Gene X.
O início da historia se dá com o ser senciente conhecido como O Vigia, que grava suas palavras com um ser autômato que o auxilia em seus registros. Piskor tem total domínio sobre sua história, remete a momentos vistos nas revistas originais de Stan Lee e Jack Kirby, reunindo também os famigerados retcons, organizados como se fizessem parte das histórias desde o início.
A gênese dos personagens mutantes cita rapidamente o príncipe submarino Namor, que por sua vez causa na humanidade o primeiro grande receio aos mutantes, e a consequente rejeição à raça como um todo. Depois aborda rapidamente a dupla que Capitão América e Wolverine formaram na Segunda Guerra Mundial, passando também pela infância de Magnus e Charles, as contrapartes de Magneto e Professor X, incluindo os problemas de perseguição nazista de um, e os muitos problemas familiares do outro.
O modo de estabelecer a jornada é episódica. A arte cartunizada acrescenta uma inocência e ingenuidade muito bem vindas. As histórias dos X-Men abordando temas pesados como intolerância e segregação de raça e de minorias. Então, um estilo de imagem próximo aos desenhos animados antigos traz uma sensação de familiaridade que ajuda a aplacar o azedume da humanidade que insiste em perseguir o que não entende.
O traço de Piskor é muito característico. Combina bem com os personagens tal qual era Mike Allred com X-Tatics e X-Force, embora haja claro diferenças infinitas entre os dois traços citados. As referências dos desenhos resgatam até mesmo o seriado animado de 1992 que passava na Fox Kids.
Na versão que a Panini apresenta há uma introdução inédita do rapper Emicida, que além de fã de Piskor é também dos X-Men. Como fruto da cultura hip hop, o artista brasileiro destaca que Grand Design faz uso de samples, que são trechos no rap que reciclam partes de outras músicas, com novos significados que reúnem passado e presente em uma nova arte. Um bom resumo do espírito e caráter deste especial, que está longe de ser uma história para introdução de novos leitores, mas sim dedicada a quem já conhece a jornada dos alunos de Xavier e Lehnsherr. Um prato cheio, com homenagens lindas e muitas referências aos personagens clássicos e aos obscuros que povoavam as páginas dos mutantes.
Das mais de 120 páginas do encadernado, a história vai até nonagésima primeira pagina. Depois aparecem escritos antigos de Piskor que revelam que aquele era o seu Projeto dos Sonhos, dada a obsessão pelos mutantes e pela cronologia da Marvel que tinha desde que era pequeno, enquanto aprendia com sua mãe a desenhar. O que se vê é muita paixão e conhecimento e embora o remanejar de fatos e pessoas não seja tão ousado em fatos inéditos, tem um propósito belo, inteligente e genial até em sua simplicidade.
Eis uma figura que deveria ter muito mais popularidade do que conseguir angariar, tanto na Marvel quanto na cultura pop, até hoje. Mas é claro que, quando se é uma das criações de Stan Lee e Jack Kirby, é difícil se sobressair entre as estrelas Homem-Aranha, X-Men, Thor e Os Vingadores. Mesmo assim, a fama do advogado Matt Murdock ganhou força com a excelente série da Netflix que o apresentou a novos públicos, já que não devemos nem lembrar do terrível filme de 2003 – que fez tão bem ao personagem, quanto Batman & Robin fez ao Homem-Morcego. Altos e baixos a parte, fato é que o advogado cego que caça criminosos no bairro Cozinha do Inferno em Nova York, uma cidade quase tão desoladora e violenta quanto a Gotham da DC, vive entre a cruz e a caldeirinha, encarnando com seu uniforme vermelho e seu comportamento impiedoso de justiceiro o próprio conceito de bem e mal que todo ser humano leva, em seu coração. O problema é que, em O Diabo da Guarda, surge algo para testar a fé até mesmo daquele apelidado de “O Homem Sem Medo”.
Ao colocar em cheque sua alcunha de “herói”, o Demolidor encara seu pior inimigo: um bebê. Inesperadamente colocado sob a sua tutela, vem com a criança a certeza absoluta que ela é o Salvador, aquele que voltará a Terra para espalhar a paz e a harmonia quando tudo parecer perdido. A cargo de sua responsabilidade, chegam novos boatos de que o infante é, na verdade, o anticristo disfarçado para conceber o caos, e a destruição total acima de todos. A confusão não apenas se alastra no coração do Demolidor, mas em suas relações também, pois uma decisão deve ser tomada: matar o inocente, ou esperar ele crescer educando-o para trilhar o caminho do bem? O herói então é mergulhado em uma paranoia arrebatadora, e toma ares de anti heroísmo ao ter que defender o possível Satã, dormindo em seus braços, de todos que representam uma possível ameaça ao “sono dos anjos”. Neste conflito, uma organização religiosa aparece para reclamar essa entidade demoníaca em forma de bebê, e quando lhe é negada a criança, tudo piora ainda mais.
Quando Kevin Smith foi para a Marvel, em 1998, a desculpa que o diretor de O Balconista tinha lhe garantiu um arco só dele do Demolidor. Assim, o herói ganhou pelas mãos de Smith uma profundidade que só um fã apaixonado pelo personagem, e verdadeiramente imaginativo seria capaz de alcançar, temperando com o inferno e o paraíso os passos de um homem atormentado cujos poderes rivalizam, nas palavras do próprio Stan Lee, com o sentido-aranha de Peter Parker. Na aclamada série O Diabo da Guarda, somos inseridos numa corrida contra o tempo que faz o Demolidor duvidar de seus aliados mais próximos, devido ao desespero do fim do mundo, e da morte dos que Matt realmente ama (o fim do mundo dele, também). De repente, ninguém é mais confiável, mesmo sendo capaz de se ouvir um batimento cardíaco a quarteirões de distância, e detectar a mentira na voz de alguém como se fosse o som de uma bomba atômica na esquina. De repente, o mundo que já era de incertezas se torna o inferno na Terra para aquele que, um dia, foi louco o bastante para ousar limpar as coisas.
Com participações especiais do Dr. Estranho, Homem-Aranha e até da Viúva Negra, a quem Matt mantém aquela paixão platônica de adolescente (e a ele é retribuída), temos aqui um arco de histórias que arrastam o Demolidor ao sete círculos da danação, ainda vivo, numa verdadeira crise existencial que, para quem a vive, parece interminável. Nos anos 1990, o ritmo das histórias em quadrinhos mudou drasticamente, e a leitura de fato ficou mais ágil e dinâmica, mais sombria e cética também, nesse período pós-Watchmen e O Cavaleiro das Trevas. Smith entendeu isso de uma forma muito engenhosa, e contando com desenhistas do naipe de Joe Quesada e Jimmy Palmiotti, tratou de rejuvenescer uma personagem fascinante (em uma época que a editora Marvel estava falindo), atribuindo novos contornos, dilemas e tentações a um clássico herói cuja mitologia já foi estabelecida há décadas, e mesmo assim, foi tanto homenageada quanto fortalecida em O Diabo da Guarda, até a grande revelação final. Poucas vezes, o Demolidor pareceu tão interessante – e tão vulnerável e humano, quanto aqui. Stan Lee certamente ficou orgulhoso.
Na esteira dos acontecimentos de sua série solo, que antecede este encadernado e espantosamente ainda não foi publicada no Brasil, Kate Bishop tem trabalhado como investigadora particular em Los Angeles, mas no momento em que tubarões terrestres invadem a costa e a Tigresa surge gigantesca e insana diante de toda a cidade, a Gaviã Arqueira precisa reunir forças com improváveis heróis para darem conta desse perigo iminente.
Nesse intuito, se juntam a Kate seu amigo e mentor Clint Barton, a explosiva Miss America Chavez, a carismática Gwenpool, o infame Quentin Quire e o novo namorado de Kate, o novato Fusão. Em uma aventura tresloucada e pautada pelo nonsense, o grupo encara nessa jornada uma série de vilões de quarta (ou até quinta) categoria, enquanto são filmados e financiados por um reality show televisivo que acompanha suas peripécias pela cidade dos anjos. É isso mesmo que você leu: da efemeridade millenial surge a nova formação dos Vingadores da Costa Oeste!
Com boas doses de humor e no melhor estilo mockumentary, Kelly Thompson faz dessa série a “continuação espiritual” de seu sensacional trabalho anterior, e algumas das tramas trabalhadas em Vingadores da Costa Oeste fazem mais sentido quando se tem na bagagem a leitura das aventuras anteriores de Kate Bishop, de modo que o leitor que simplesmente caiu de paraquedas e só leu esse encadernado pode acabar se sentindo como quem subiu num bonde em movimento.
Os diálogos expositivos ao extremo e muitas vezes preguiçosos podem incomodar em algum ponto e tornar a leitura ligeiramente maçante, mas a vibe de série cômica torna possível que esses problemas sejam relevados em prol de um enredo que flerta com os conceitos mais cafonas possíveis de forma despreocupada e orgânica. Os clichês das aventuras super-heroicas são explorados com um excelente timming pela autora, que debocha do gênero enquanto faz referências diversas, tanto ao meio dos quadrinhos quanto à cultura pop em geral. Nesse sentido, são impagáveis e imperdíveis as participações de Gwenpool e Quentin Quire, o inesperado casalzinho da vez, com seus comentários metalinguísticos e tiradas espirituosas.
As piadas visuais são brilhantemente desenvolvidas pelos desenhistas que acompanham Thompson nessa empreitada, como o grande Stefano Caselli e os pouco conhecidos Daniele Di Nicuolo, Gang-Hyuk Lim e Moy R., em parceria com as cores de Tríona Farrell e do próprio Lim, que trabalha nas duas etapas da narrativa visual. Desse modo, as sequências em off, na qual os membros do grupo dão depoimentos lembram em grande medida séries populares como The Office e Modern Family, o que casa com a proposta de Thompson de fazer do grupo uma equipe de trabalho improvável e unida por laços de amizade.
A tradução de Dandara Palankof, associada com a adaptação de Mateus Ornellas se destacam sobremaneira, na medida em que as piadas e as referências se tornam palatáveis e fazem o texto ganhar fluidez, apesar da expositividade supracitada.
Por fim, Thompson entrega um trabalho honesto e bem divertido, mas que não vai muito além disso, resolvendo pontas soltas da série da Gaviã Arqueira e reativando uma equipe carismática da Casa das Ideias desde os tempos em que John Byrne esteve à frente das histórias, há mais de trinta anos.
Com suas 240 páginas e publicada em capa cartonada, a série tem excelente acabamento e impressão, um formato muito pedido pelo público em geral mas que em diversos momentos é ignorado pela editora Panini, em prol dos encadernados de capa dura, que oneram o preço final para o público e por vezes se tornam menos acessíveis. Fica a esperança de que esse formato faça sucesso e abra caminho para que outras publicações da editora saiam também dessa forma, atingindo ainda mais leitores.
A tragédia marca a biografia de Peter Parker desde a mais tenra idade. Perder entes queridos tem sido uma constante na vida do personagem desde seu surgimento no começo dos anos 60, pelas mãos de Stan Lee e Steve Ditko.
Após perder os pais, o tio, o sogro e a namorada, era de se esperar que o alter ego do Homem-Aranha já estivesse calejado e acostumado a lidar com a morte sempre ao redor, certo? Pois é a partir de mais uma perda fatal que Peter David escreveu uma das grandes histórias do herói aracnídeo, a saga da morte da Capitã de polícia Jean DeWolff.
Vista pelo Amigão da Vizinhança como alguém de confiança dentro da força policial, Jean é encontrada brutalmente assassinada em seu apartamento, um crime violento e misterioso, cujo autor não deixou pistas nem justificativas.
Empenhado a buscar justiça para sua falecida amiga, o Aranha se envolve em uma investigação repleta de idas e vindas, se mostrando sempre à beira de um ataque de nervos, dominado pela tensão, pela raiva e pela sensação de impotência diante do ocorrido.
Os assassinatos prosseguem, de modo que surge para o público a figura do Devorador de Pecados, um fanático mascarado que tem empilhado corpos por toda a cidade, criando uma teia de eventos que traz para o jogo a figura do Homem sem Medo da Cozinha do Inferno, o Demolidor.
Com brilhantismo, Peter David consegue compor uma trama tensa e bem costurada, contrapondo as personalidades de Matt Murdock e Peter Parker dentro do roteiro e em diálogo com as subtramas inseridas ao longo da narrativa, de modo a discutir a percepção de justiça versus vingança e a reafirmar a importância do sistema judicial dentro da vida em sociedade.
A trama versa sobre temáticas ainda hoje pertinentes e se encaixa dentro da proposta da Marvel à época, de modo que as representações de Nova York na história possuem muito do que vemos na fase de Frank Miller à frente da série do Demolidor, tornando as ruas da cidade como um barril de pólvora prestes à estourar, refletindo a tensão social crescente entre as mais diferentes camadas da população.
O escritor se esforça em compor um Peter Parker furioso e sombrio, afetado pelas perdas que se acumularam ao longo de sua vida, agindo de modo implacável e impiedoso. Tal caracterização é condizente com a proposta temática, dando maior seriedade para o enredo, que se desenrola competentemente dividindo o foco narrativo entre os variados eixos que compõem o núcleo da trama.
As escolhas narrativas para a história são pertinentes, gerando impacto e dando peso para cada morte ali retratada. A arte, vale ressaltar, potencializa a dramaticidade do enredo, fazendo uso de enquadramentos cuidadosamente escolhidos para manter a tensão e o ar de urgência que a narrativa pede.
Das grandes histórias do Homem-Aranha, certamente A Morte de Jean DeWolff é uma das mais celebradas, haja visto o peso que ela conferiu para a biografia já atormentada de Peter Parker e o alto nível de sua estrutura narrativa, que remete aos romances policiais sem deixar de lado os heróis fantasiados, contrapondo estilos e tons narrativos em prol do pleno desenvolvimento do enredo, valorizando todas as suas nuances.
A construção psicológica dos personagens é soberbamente bem erigida, de maneira que David consegue trabalhar com uma grande quantidade de coadjuvantes dentro da história sem perder o fio da meada nem abrir mão do controle do ritmo narrativo.
O encadernado da Panini Comics engloba tanto o arco da morte da Capitã DeWolff quanto o arco do retorno do Devorador de Pecados, de maneira que a primeira história é desenhada pelo talentoso Rich Buckler, enquanto a segunda trama fica a cargo do longevo Sal Buscema.
Se na primeira metade temos o aspecto investigativo colocado em evidência, na segunda metade Peter David investe em um arco sobre estresse pós-traumático, trabalhando a psique do Devorador de Pecados e do Homem-Aranha, colocando em perspectiva as marcas que foram deixadas em corpo e alma dos dois rivais após o assassinato de Jean DeWolff.
Enquanto a arte de Buckler trabalha as mazelas da cidade e o aspecto trágico inerente à história, a dinamicidade da narrativa visual de Buscema fica evidente em cada painel disposto no Quadrinho.
Homem-Aranha: A Morte de Jean DeWolff é o tipo de história para se ler e reler apreciando as camadas inseridas por Peter David e pelos artistas em cada sequência de quadros, evidenciando a potência que a mídia História em Quadrinhos possui.
Nos Quadrinhos mainstream, de tempos em tempos surgem linhas editoriais alternativas, como podemos perceber pelas versões 2099 e zumbis da Marvel Comics e pelos incontáveis elseworlds do multiverso da DC Comics. O sucesso dessas publicações costumeiramente resulta em continuações, com grandes oscilações nos níveis de qualidade das histórias.
A linha Marvel Noir não foge dessa tradição, colocando os grandes personagens da Casa das Ideias em um contexto mais violento e visceral da década de 1930, durante o auge da Grande Depressão norte-americana. Em um período simultaneamente sombrio e sedutor, as possibilidades narrativas se multiplicam consideravelmente, equilibrando o drama e o mistério inerentes às narrativas policiais com a ficção científica que resulta no arquétipo dos super-heróis.
Dentro desse contexto, o sucesso dessa linha editorial era inevitável, e a versão alternativa que obteve maior popularidade, para surpresa de zero pessoas, foi o Homem-Aranha Noir, tornando-se natural que fosse dele a primeira sequência de aventuras dentro dessa continuidade.
Para manter a fórmula que anteriormente funcionou, o editor Alejandro Arbona não poupou esforços para contar com o retorno da equipe criativa do volume original, formada pelos roteiristas David Hine e Fabrice Sapolsky e pelo desenhista/colorista Carmine Di Giandomenico.
Nessa nova aventura, a equipe criativa situa o herói aracnídeo em 1933, poucos meses após os eventos do arco anterior, em um momento no qual a crise econômica ainda mantém o país em uma situação delicada, mas indícios de uma retomada são sentidos através de medidas adotadas pelo recém-empossado presidente Franklin Delano Roosevelt, enquanto a sombra do Nazismo começa a tomar força em solo americano, vindo secretamente do outro lado do Atlântico.
Se no contexto macro podem ser percebidos tímidos sinais de melhora, nas ruas de Nova York a crueldade das gangues ainda impera, com o Mestre do Crime assumindo o posto outrora ocupado por Norman Osborn, O Duende, mantendo o submundo em polvorosa e preenchendo o vácuo momentâneo nas esferas de poder da máfia.
Envolvido com Felicia Hardy, socialite dona da boate Gata Negra, Peter Parker se vê às voltas com uma intrincada investigação jornalística, junto de seu novo amigo Robbie Robertson, que envolve os bizarros experimentos com animais realizados por um certo Otto Octavius.
Com um subtexto social bem calibrado, que aborda o racismo da forma abjeta que merece, a história mantém um ritmo de suspense que em muito se assemelha temática e estilisticamente ao filme de Jordan Peele, Corra!, lançado alguns anos após a publicação dessa HQ. Em, que pese o tom de ficção científica, a história mantém um diálogo bem fidedigno com a maneira com a qual a população negra sempre foi vista no ocidente, sobretudo nos Estados Unidos.
O roteiro de Hine e Sapolsky se vira muito bem ao trabalhar sua história dentro do contexto da época, adaptando os personagens do cânone do Homem-Aranha de modo que faça sentido suas presenças na história, como o agente federal Jean De Wolfe, versão da Capitã Jean DeWolff, que na época jamais conseguiria atingir tal posto, dado o machismo estrutural que impossibilitava que mulheres ocupassem postos desse tipo até então.
A inserção do Nazismo como um elemento preponderante na ameaça central da história garante um link poderoso com a história real do século XX, algo que gera uma camada de verossimilhança nessa proposta quase metaficcional de narrativa.
A arte do italiano Di Giandomenico não é marcante por sua sutileza, ganhando destaque através do uso de seu alto contraste e de uma coloração digital que foge um pouco da estética proposta pelo traço, gerando um certo estranhamento no desenrolar da leitura, atenuado pela dinamicidade dos enquadramentos do artista, famoso por fazer storyboards para filmes de cineastas como Martin Scorsese.
Um ponto que merece destaque negativo é a imprecisão histórica cometida pela tradução brasileira ao final da HQ, quando um oficial nazista fala, no original, em “the national socialist vision of the future (…)”, o trecho é erroneamente traduzido como “o ideal socialista para o futuro (…)”. Esse tipo de equívoco equipara nazismo e socialismo, correntes políticas antagônicas e cuja associação se mostra, à luz dos fatos e dos estudos teóricos, completamente descabida.
Erros de tradução à parte, Homem-Aranha Noir: A Face Oculta logra êxito ao transpor a personalidade de Peter Parker para um contexto mais bruto e violento de sociedade, apresentando um Amigão da Vizinhança não tão amigável como estamos habituados, bem mais implacável e frio, como se fosse este de fato um homem reflexo de seu tempo.
O volume publicado pela Panini Comics em capa dura reúne as quatro edições da minissérie Spider-Man Noir: Eyes Without a Face, e contém um pequeno glossário e uma interessante galeria de capas.
Algumas leituras podem se iniciar de forma claudicante, crescendo pouco a pouco, até se encerrarem de forma arrebatadora. A fase de Chip Zdarsky à frente de Peter Parker: The Spectacular Spider-Man. Se no encadernado anterior o autor apresentou uma enfadonha e inorgânica aventura de viagem no tempo que culminou em uma previsível aventura distópica, neste novo volume temos uma gradativa evolução. O autor encerra seu trabalho com o Homem-Aranha em um encadernado essencialmente focado no emocional de seus personagens, na grandeza e na bondade humana.
Encerrando a modorrenta aventura futurista do volume anterior com um grande ato altruísta do herói aracnídeo, Zdarsky se desprende das amarras editoriais e investe em histórias mais dramáticas e com maior peso autoral. O escritor conta com Chris Bachalo para contar uma história sobre o Homem Areia, na qual Flint Marko se encontra à beira da morte e com perturbadoras visões de um futuro distante. A grande capacidade empática do Aranha é colocada em cena quando o herói se dispõe a cuidar do outrora inimigo, inclusive lutando por ele contra uma corrompida versão futurista do próprio Areia. A arte de Bachalo nessa história em duas partes é um deleite absoluto, contando com diagramações extremamente inventivas e soluções visuais de uma criatividade ímpar.
John Jonah Jameson, o irascível ex-dono do Clarim Diário e ex-prefeito de Nova York, passou por profundas transformações nas mãos de Zdarsky, ao enfim descobrir a identidade do Homem-Aranha. Compreendendo Peter e seus dilemas enquanto vigilante mascarado, JJ tem se esforçado para ser um homem melhor e compensar os danos que causou à imagem do Aranha ao longo dos anos. Tal mudança, contudo, não apaga muitos dos erros do passado do jornalista, o que o leva a sofrer com os ataques de um editor concorrente dos tempos de Globo Diário. A trama, desenhada brilhantemente por Michael Allred, logra êxito ao mostrar o grande coração de Jonah, tanto no presente quanto no passado, quando se mostrou disposto a ajudar um garoto do Queens cuja vida fora transformada pela tragédia com a morte do tio. Zdarsky confere camadas à personalidade de Jameson, dando ao personagem um tratamento poucas vezes dado desde seu surgimento nos anos 60.
Após boas histórias, Zdarsky encerra sua fase no título do Aranha com uma pérola que, de tão preciosa, foi indicada ao prêmio Eisner, o Oscar dos Quadrinhos. Elaborando a trama em uma espécie de documentário inserido metalinguisticamente dentro da narrativa, o autor coloca diversos anônimos sendo entrevistados e falando o que pensam do Homem-Aranha, mostrando como o herói impacta a sociedade com suas atitudes. Relatos dos mais distintos surgem, desde policiais até advogados e vendedores de rua, evidenciando as múltiplas formas pelas quais o Aranha é enxergado pela população de sua cidade. Destaca-se na narrativa a história de uma mãe cujo filho se envolve com a criminalidade e é salvo desse caminho pela influência do Escalador de Paredes em sua vida, ainda que algum tempo depois o garoto viesse a morrer, vítima dos criminosos de quem o Aranha o salvou algum tempo antes. A história, que conta com texto e arte emocionantes de Zdarsky, se encerra com um dos depoimentos colhidos nas ruas, de um anônimo Peter Parker, que sintetiza com maestria e refinamento a essência do Homem-Aranha, aquilo que faz dele um dos personagens mais amados da ficção contemporânea:
“Eu acho que o Aranha é um cara lega. Ele tenta fazer a coisa certa, e, com sorte, as pessoas acabam vendo isso. Mas… ele também é humano. Comete erros. Ele… não pode salvar todo mundo. Por isso, quando penso no Homem-Aranha… me lembro desse fardo que ele carrega. O cara segue em frente, apesar dos fracassos, sabendo que, no fim das contas, ele ajuda os outros. Faz tempo que o Aranha tá nessa, mas, quando penso nele, acho que, haja o que houver… ele nunca vai desistir”.
O conto capta com perfeição a essência do personagem, seu heroísmo e seu grande coração, e se coloca facilmente no patamar das grandes histórias do Amigão da Vizinhança, como “O Garoto Que Colecionava Homem-Aranha” e “Leah” entre muitas outras. Iniciado de forma inconstante, o volume se encerra com chave de ouro. Méritos de Chip Zdarsky.
O ponto negativo do encadernado de 148 páginas e capa cartão vai para o tratamento editorial da Panini, que escolheu a pior capa possível para o encadernado e que poderia ter dedicado um pouco mais de atenção à creditação que consta na capa, ao listar Joe Quinones (que não desenhou nenhuma edição compilada nesse volume) como parte da equipe criativa, solenemente se esquecendo de Bachalo e Allred, que de fato trabalharam no volume.
Chip Zdarsky ganhou notoriedade na indústria dos quadrinhos ao desenhar Criminosos do Sexo, em parceria com Matt Fracion, pela Image Comics (publicado no Brasil pela editora Devir). Ao migrar para a Marvel, contudo, o artista ganhou espaço também como escritor, e dentre os títulos que já assumiu na Casa das Ideias, podemos destacar Peter Parker: The Spectacular Spider-Man. O título começou a ser publicado por aqui na mensal O Espetacular Homem-Aranha #22, e posteriormente, ao chegar à fase Legado, foi segmentado em dois encadernados em capa cartão, intitulados Peter Parker Especial: Homem-Aranha.
Nesse primeiro encadernado, Amazing Fantasy, Zdarsky coloca o herói aracnídeo em uma viagem no tempo, buscando meios de impedir uma invasão alienígena possibilitada pelo vilão conhecido como Consertador. Para essa missão incomum, Peter conta com uma “equipe” exótica, composta por sua irmã Teresa Durand e seu outrora inimigo e agora aliado, J. Jonah Jameson, que nas edições anteriores do título acabou descobrindo que Peter é na verdade o herói aracnídeo que por tantos anos perseguiu.
É bem curioso ver o Peter do presente atuando junto ao Peter do passado, Zdarsky confere uma dinâmica semelhante às de sitcoms para os diálogos entre as duas contrapartes, marcando de forma bem clara a diferença de maturidade e experiência entre os dois, enquanto revisitam eventos do começo de carreira do Amigão da Vizinhança.
As tramas de viagem no tempo comumente apresentam alterações drásticas na cronologia, gerando realidades alternativas cada vez mais díspares daquelas que conhecemos originalmente, e nessa história isso não é diferente. Os atos de Jameson, Peter e Teresa acabam por modificar a forma como os fatos se desenrolam nessa linha do tempo, alterando a descoberta de Norman Osborn como o Duende Verde e sua subsequente vingança contra os Peters Parkers, além da própria percepção do jovem Peter em continuar como o Aranha, diante das perspectivas de futuro que viu em sua contraparte mais velha.
A arte de Joe Quinones é um ponto alto da HQ, trazendo em seus traços limpos e expressivos a leveza necessária para a proposta da trama. As referências visuais dentro da história são bem interessantes, como a reprodução de cenas clássicas das histórias do herói, o emprego da roupa usada por Parker na animação clássica do Aranha nos anos 90, por parte do Peter mais velho, bem como a presença de Jessica Jones como estudante do Midtown High.
Em seguida, temos o retorno de Andy Kubert à arte, na sequência que mostra o retorno do trio ao que imaginam ser seu “presente”, encontrando uma realidade bem diferente da que deixaram anteriormente. Descobrindo que na verdade retornaram para o futuro da linha temporal que haviam visitado anteriormente, os personagens se deparam com um mundo no qual Peter e Gwen são cientistas, casados e ricos, vivendo em um EUA governado por Harry e Norman Osborn. Nessa realidade, o jovem Peter cresceu desiludido com o futuro que lhe aguardava, ao ouvir uma conversa do Peter mais velho com sua irmã Teresa, e deixou de ser o Homem-Aranha.
Auxiliados pela Gwen dessa realidade, Peter, Teresa e JJJ se encontram com a “Resistência” do lugar, liderada por Steve Rogers e Stephen Strange. Desse ponto em diante a narrativa de Zdarsky entra no piloto automático, perdendo muito de seu charme inicial e enveredando por uma trama clichê e desinteressante de viagem no tempo, recuperação do heroísmo e valorização da figura do Homem-Aranha no mundo. De ponto notável dessa parte, temos apenas a aparição do uniforme usado pelo herói aracnídeo em seu jogo mais recente para PlayStation 4.
A escolha editorial da Panini mostra-se discutível, uma vez que o grande mérito do encadernado, a relação de arrependimento de JJJ em relação aos seus atos contra o Homem-Aranha no passado, acaba sendo decorrente de histórias publicadas na revista mensal do personagem, e não dentro de uma publicação própria para o título de Zdarsky. A sensação de leitura picotada será inevitável, para os leitores que não estavam acompanhando simultaneamente a revista do Cabeça de Teia.
Contendo 116 páginas, o encadernado em capa cartão apresenta uma trama inconstante, com acertos pontuais e clichês já batidos até mesmo para o cíclico universo de super-heróis de Marvel e DC. Se as primeiras edições revisitam o período áureo do personagem sob a batuta de Stan Lee, a parte final em muito lembra as batidas e fracas tramas dos anos 90.
Queridos amigos, no meu texto de expectativas sobre Vingadores: Guerra Infinita, fiz uma grande introdução enaltecendo a Marvel e todo seu vitorioso universo cinemático – UCM, criado há pouco mais de uma década. Quando falei sobre o filme em si, enalteci também a produção que se propôs a um dos maiores desafios a serem vistos na história do cinema, dada a complexidade que a produção enfrentaria, tanto no que diz respeito ao roteiro, quanto no que diz respeito à quantidade de personagens em tela, e na química que esses dois núcleos deveria ter para um grande resultado, que, de fato, foi acima do esperado, como podemos ver na crítica do filme.
Quando se trata de Vingadores: Ultimato, podemos dizer que o desafio aumentou pelo sucesso que foi Guerra Infinita e também pelo seu impactante final, fazendo com que fãs do mundo todo ficassem atônitos, tentando descobrir como os Seis Originais, vividos por Capitão América (Chris Evans), Homem de Ferro (Robert Downey Jr.), Thor (Chris Hemsworth), Hulk (Mark Ruffalo), Viúva Negra (Scarlett Johansson) e Gavião Arqueiro (Jeremy Renner), juntamente com Máquina de Combate (Don Cheadle) e os Guardiões da Galáxia, Rocket Racoon (voz de Bradley Cooper) e Nebulosa (Karen Gillan) sairão dessa situação atribuída ao estalar de dedos de Thanos (Josh Brolin).
Às vésperas da estreia do filme, vamos tentar entender um pouco sobre como será o enredo sendo que é provável que possamos estar errados, assim como certos. Vale destacar que estamos livres de todas as milhares de teorias e spoilers apresentados e vazados na internet nos últimos meses.
Capitã Marvel e o resgate de Tony Stark e Nebulosa.
Durante a cena pós-créditos de Capitã Marvel, podemos perceber que a heroína vivida por Brie Larson chega à Terra pouco tempo após o estalar de dedos de Thanos. Talvez algumas semanas depois, se levarmos em conta o tempo que os sobreviventes encontrarão o pager de Nick Fury. Assim, deve ser ela quem sairá numa side quest para resgatar Tony Stark e Nebulosa, que juntos, conseguirão sair do planeta Titã, mas ficarão à deriva no espaço.
Além disso, a participação da Capitã Marvel no filme deve sofrer uma considerável diminuição. Embora ela possa ter muito tempo de tela, o fato de ela ser extremamente poderosa, pode prejudicar sua participação no filme. Todas as vezes que vimos Visão e Feiticeira Escarlate em algum filme, pudemos perceber que eles simplesmente desaparecem por serem fortes demais. Isso aconteceu em parte de Era de Ultron e em Guerra Civil. Conseguiram, de certa forma, ajustar isso em Guerra Infinita, quando um foi tirado do combate e o outro entrou para ajudar mais para o final, o que foi motivo de piada entre os personagens.
O retorno de Clint Barton e Scott Lang.
Na análise do segundo trailer do filme, podemos ver Clint Barton treinando sua filha com o arco e flecha. Importante lembrar que o personagem cumpre prisão domiciliar pelos fatos ocorridos em Guerra Civil. E é muito provável que o herói perca toda sua família com o estalar de dedos, o que faz com que ele acabe virando algum tipo de mercenário sob o nome de Ronin. Natasha Romanoff será a responsável por fazê-lo retornar e provavelmente, os Vingadores já teriam um plano para derrotar Thanos, o que obriga Barton a voltar para a equipe.
Já com relação ao Homem-Formiga, Scott Lang, vivido por Paul Rudd, fica claro que o herói conseguirá escapar do Reino Quântico, porém, não se sabe em que momento isso vai acontecer e nem como. A julgar pelas imagens do trailer, é muito provável que o personagem só consiga retornar anos depois do acontecido, sendo que, ou ele ficará preso por anos no reino ou ele conseguirá sair pouco tempo depois, mas numa relatividade que possa ter passado anos na Terra.
A relação de Bruce Banner com o Hulk
Guerra Infinita foi praticamente um filme sem o Hulk. Após vermos o gigante esmeralda tão somente na primeira cena, onde Thanos o coloca literalmente para dormir, Bruce Banner passa a ter uma difícil relação com sua outra metade, já que o Hulk, de jeito nenhum, quer sair e ajudá-lo na batalha.
Sem dúvida veremos ver mais dessa relação em Ultimato e o retorno praticamente certo do Hulk e de uma maneira que poderá ser surpresa pra muita gente, já que uma das teorias do filme é sobre como isso vai acontecer.
Três horas de filme, três filmes em um
Foi amplamente divulgado que a duração da fita será de pouco mais de três horas. Portanto, muito provável que os três atos sejam divididos em três pequenos filmes e que teremos pelo menos duas linhas temporais diferentes, podendo ter uma terceira ou até mais.
Por enquanto, conforme as imagens oficiais, enxergamos duas dessas linhas, sendo uma delas o período seguinte ao estalar de dedos de Thanos e o anos que se passam após o drástico evento. Mas, uma das Joias do Infinito é a Joia do Tempo, certo?
O retorno dos heróis mortos e mais mortes
Infelizmente, não é possível esconder tudo, afinal a indústria do cinema não pode parar. Já temos trailer de Homem-Aranha: Longe de Casa, e produções confirmadas como as continuações de Pantera Negra e Doutor Estranho, além dos seriados para o serviço de streaming da Disney e que envolvem alguns dos heróis. Então, assim como nos quadrinhos, podem se preparar porque eles irão voltar. Mas isso não significa que alguns deles não poderão morrer novamente. Inclusive, quem ainda não morreu, poderá morrer.
Muita emoção e um ritmo menos acelerado que Guerra Infinita
O filme deverá ter várias cenas que causarão diversas emoções nos espectadores. Com as cabines de imprensa sendo realizadas, a Marvel permite que jornalistas e diversos influenciadores digitais dissertem em pouquíssimas linhas impressões sobre o filme e essas impressões são unânimes: muito choro e muito riso. Se prepare!
É provável que o filme seja mais calmo que Guerra Infinita no que diz respeito ao ritmo. Em Guerra Infinita, tivemos vários fronts de batalha e diversos side quests espalhados pela galáxia e isso não deve ocorrer muito em Ultimato, que deverá sim ter várias cenas de ação, mas não do começo ao fim como foi seu antecessor.
Cenas emblemáticas
Pessoalmente, gostaria de ver a reedição de duas cenas já mostradas em filmes anteriores. A primeira seria a reedição de uma cena de Os Vingadores, onde os Seis Originais formam um círculo se preparando para batalha. Será que teremos a tão sonhada cena envolvendo todos os heróis lado a lado?
Outra coisa que gostaria de ver é um momento como o dos heróis comendo num restaurante após a batalha de Nova Iorque do primeiro filme, ou como a festa realizada em Era de Ultron. Muito provável que esse momento tenha sido gravado no último dia de filmagens, com os atores se divertindo como se estivessem na famosa festa da firma.
Agora é só aguardar a estreia do filme mais esperado de 2019.
Em Táxi Driver, Martin Scorcese apresentou ao mundo o clássico Travis Bickle, ex-combatente na Guerra do Vietnã que, transtornado pelas mazelas com as quais se deparou na cidade de Nova York, acaba adentrando em uma espiral de violência e insanidade, em busca de uma “limpeza” para a cidade em que vive. Mas por qual motivo estamos falando de Taxi Driver em uma resenha sobre uma história em quadrinhos do Justiceiro? Pois bem, vamos lá.
O Vietnã representou uma derrota colossal para o orgulho norte-americano, e deixou marcas profundas nos soldados que lá serviram e conseguiram retornar para casa. O cinema e os quadrinhos muitas vezes já trabalharam a partir desse conflito, e Garth Ennis, notório pesquisador sobre guerras e reconhecido escritor de histórias do gênero, foi brilhantemente cirúrgico ao utilizar o conflito como pano de fundo para sua abordagem com o trágico e violento Justiceiro.
Capitão dos fuzileiros navais durante a Guerra do Vietnã, o veterano e herói de guerra Frank Castle retorna do conflito diferente de quando lá chegou. Há algo nele, escondido em seu interior, ansiando por violência, uma sede de sangue que em muito lhe ajudou dentro do país asiático. Em 1976, contudo, Frank Castle se depara com o evento que mudaria sua vida: a morte de sua família, durante um piquenique no parte, por engano durante uma briga de mafiosos. Ali morria Castle, espiritualmente, dando lugar para sua sede interminável e insaciável por vingança, personificada pelo Justiceiro.
Travis Bickle e Frank Castle retornam para Nova York extremamente afetados pelo que viveram no Vietnã e, por motivos distintos se colocam no papel de “agentes de limpeza”, diante do crime e de tudo aquilo que consideram errado no mundo. Contudo, se a sanha violenta de Bikle dura por um breve período de tempo, a sede de punição de Castle já dura décadas, e aí mora o cerne da tragicidade por trás da ideia do Justiceiro: Frank Castle jamais terá a expiação de seus traumas, sua família jamais voltará à vida, e sua guerra ao crime jamais terá fim. Eis um homem cuja missão jamais será completada.
Em sua batalha de um homem só, Castle se afundou em seu luto, em sua necessidade de vingança, de encontrar alguma lógica, alguma missão redentora, na trágica morte de sua amada família. Diante de todo esse caos, o homem chamado Frank cedeu cada vez mais lugar para que o Justiceiro pudesse “fazer o que tinha de ser feito”, e se perdeu de forma irremediável. O Vietnã, para Frank, jamais acabou realmente, e sua sobrevivência, sua mera existência, não tem mais sentido, senão enquanto arauto da vingança, da punição, em sua ideia distorcida de “justiça”.
À frente do título, Ennis consegue desenvolver uma proposta incomum para os quadrinhos da Marvel, ao narrar a história de Castle de acordo com a continuidade do tempo no mundo real, apresentando um Justiceiro já mais velho e cansado, após quase 30 anos de guerra sem descanso. Tal escolha narrativa do autor gera uma dinâmica excepcional para o personagem, o distanciando dos super-heróis fantasiados que permeiam o Universo Marvel regular, proporcionando uma história de teor mais adulto e sombrio.
A história contada pelo autor irlandês finca seus pés em um mundo mais realista e cruel, menos fantasioso, mas não menos violento. Sangue, balas e explosões tornam-se comuns ao longo das páginas da série, tornando familiar para o leitor o absurdo cotidiano de Frank Castle. O encadernado se inicia com “Nascido para matar”, que mostra os últimos dias de Frank no Vietnã, dando as pistas do que ele viria a se tornar, anos depois. Os dois arcos que completam o encadernado, “No princípio” e “Inferno irlandês”, mostram Frank já mais velho, envolvido em conflitos entre o governo, a máfia italiana, o serviço secreto inglês e a máfia irlandesa, em plena cidade de Nova York. Ao longo das páginas, vemos um inabalável Justiceiro, experiente e cirúrgico, mais confortável do que nunca dentro de seu papel enquanto emissário da morte na guerra ao crime.
O texto de Ennis é sensacional, pode-se dizer que o autor nasceu para escrever as histórias do Justiceiro, colocando seu conhecimento de guerra em prol da narrativa urbana do personagem e entendendo o drama inerente a Frank Castle. A arte de cada arco fica a cargo de um desenhista diferente: Darick Robertson desenha “Nascido para matar”, Lewis Larosa ilustra “No princípio” e Leandro Fernández“Inferno irlandês”. Apesar da diferença de traços, os desenhistas mantém uma sincronia ao conceberem um Frank Castle sombrio, soturno e ainda assim fortemente expressivo.
A suja, violenta e corrompida Nova York que leva Travis Bickle a sua sanguinária catarse reverbera na de Frank Castle, um soldado inabalável em sua inexpiável e trágica sina.
O encadernado de 339 páginas, publicado pela Panini Comics aqui no Brasil pela linha Marvel Deluxe, é o primeiro de um total de quatro volumes, que compilarão toda a fase de Garth Ennis à frente do título Justiceiro MAX, com acabamento de luxo. O segundo, Mãe Rússia, e o terceiro, Barracuda, também já se encontram disponíveis no mercado brasileiro, restando apenas o último para que essa elogiada fase seja concluída no formato atual.