O 23º filme do universo compartilhado da Marvel começa no Novo México, mostrando alguns personagens lidando com uma nova figura, Quentin Beck (Jake Gylenhaal), que encarna um vigilante chamado Mysterio. Isso ocorre antes mesmo do logo da Marvel aparecer em tela, e demonstra que a prioridade de Homem-Aranha: Longe de Casa não é exatamente mostrar uma aventura do Cabeça de Teia, e sim prosseguir com a cinessérie iniciada no primeiro Homem de Ferro. Ao menos, Jon Watts conseguiu encaixar uma montagem engraçadíssima, repercutindo e resumindo os acontecimentos pós Vingadores: Ultimato, falando sobre as perdas e sobre os que retornaram após cinco anos.
O filme busca ser um desafogo, a bonança pós-tempestade, com a escola levando seus alunos para uma viagem pela Europa, onde convenientemente Beck está, e onde ocorrerão ataques massivos. Para o leitor mais atento, nesses momentos há boas referências a sagas e a personagens secundários, como aos vilões Homem-Hídrico, Magma e até a micro saga Crise de Identidade, quando Parker larga o manto do Aranha e passa a agir com outras alcunhas e uniformes.
A realidade é que o Cabeça de Teia sempre foi um herói mundano, a classificação de Amigão da Vizinhança transparece isso, mas a realidade que lhe cabe é outra neste universo do cinema, e isso também não é novidade diante do cânone nos quadrinhos. Uma das fases mais aclamadas do herói foi em Guerras Secretas quando ele fez uso da roupa preta que daria origem ao Venom, mas aqui ele quer ser só um adolescente, que busca dar vazão ao seu amor pela MJ de Zendaya, que aliás está muito bem, embora esse interesse mútuo entre ambos tenha sido bem pouco desenvolvido no primeiro filme e se assuma como algo fundamental e que sempre existiu. Talvez o fato dos dois terem sido desintegrados tenha feito a urgência aumentar, mas MJ sequer apareceu no ultimo Vingadores.
O tom de humor aumentou bastante e o elenco de “adolescentes” parece estar mais solto, embora o Ned de Jacob Batalon aparente ter envelhecido cinco anos. No entanto, esse grau de comédia influencia até o ritmo do longa, que faz questão de repetir muitas vezes as piadas, tornando ele mais jocoso e infantil até que o recente Shazam, que é assumidamente um filme para crianças. Certamente o filme não precisava interromper tanto sua história só para fazer troça, soando forçado na maioria das vezes.
O outro defeito terrível é que Peter não parece ter aprendido nada com as outras aventuras que sofreu. Mesmo sendo experimentado ele é muito mais engraçado como adolescente estudante do que como herói, ao utilizar o uniforme, ele trava e não é nada desenvolto e a todo momento parece não estar a vontade. Ora, ele enfrentou criaturas espaciais milenares, inclusive carregou a Manopla do Destino, mas ele não digeriu nada disto, ao contrário. Levando isso em conta, o fato dele tirar a máscara a todo momento nem irrita tanto, mesmo que fira bastante a ideia por trás do personagem. Se ele deixou de ser o garoto sem dinheiro, que passava necessidade e precisava ralar para ser um dos herdeiros de Tony Stark.
Em Homem-Aranha: De Volta Ao Lar se entende ele precisar de um mentor – ainda que o Homem de Ferro ocupar esse papel não faça quase nenhum sentido, já que ele nunca foi uma bússola moral – mas Longe de Casa não precisa se fundamentar tanto na instabilidade do herói, que recusa o fardo o tempo inteiro. Também não há muito sentido em manter a incógnita em relação a Mysterio não engana qualquer pessoa que tenha lido mais que 5 gibis do Aranha, a abordagem é obvia e extremamente expositiva, embora Gylenhaal faça salvar um bocado.
O elenco de apoio funciona bem, em especial Jon Favreau e Zendaya, que tem bastante bons momentos. Tom Holland claramente merecia ter um roteiro melhor, pois ele faz um Peter Parker interessante e inteligente, mas o filme exagera no caráter episódico, é divertido mas não parece ter muita alma, mesmo as piadas boas são deslocadas, diante disso o romance dos protagonista parece sem força e o drama soa fraco e totalmente deslocado. O Homem Aranha de Jon Watts não é nem o Amigão da Vizinhança de Stan Lee e Steve Ditko, nem o Homem-Aranha do Sam Raimi, nem o dos desenhos e nem o introduzido em Capitão America: Guerra Civil, Vingadores: Guerra Infinita e Ultimato, e sim uma paródia de todos esses, uma amálgama de bons e péssimos elementos, com piores momentos dentro desse cerne, sendo mais uma vez refém da figura do mentor mesmo que ele não seja mais vivo, além do que tudo que toca a responsabilidade de Stark para com ele mostre uma nada sábia escolha de entregar nas mãos de um rapaz um sistema de monitoramento mundial, em mais uma demonstração de fragilidade no que foi pensado pelos roteiristas deste Longe de Casa e do futuro da Marvel nos cinemas.
Bem-vindos a bordo.Flávio Vieira (@flaviopvieira), Fábio Candioto (@fabiozcan), Jackson Good (@jacksgood) e Filipe Pereira (@filipepereiral) se reúnem para comentar sobre o amigão da vizinhança e suas incursões em carreira solo nas telonas com os filmes de Sam Raimi, Marc Webb e Jon Watts.
Duração: 97 min. Edição: Victor Marçon Trilha Sonora: Victor Marçon
Arte do Banner: Bruno Gaspar
Spider-Man – ABC (Série Animada – 1967-1970)
The Amazing Spider-Man – CBS (Série de TV – 1977-1979)
Supaidāman – Toei (Série de TV – 1978-1979)
Homem-Aranha e Seus Amigos – ABC (Série Animada – 1981-1983)
Homem-Aranha: A Série Animada – Fox (Série Animada – 1994-1998)
Homem-Aranha: Sem Limites – Fox (Série Animada – 1999- 2000)
Homem-Aranha Ultimate – ABC (Série Animada – 2012 – 2017)
A terceira tentativa de contar a história do cabeça de teia começa com uma pequena introdução de seu antagonista, Adrian Toomes (Michael Keaton). Sua intimidade é mostrada como a rotina de um homem comum, um sujeito de meia-idade que investe dinheiro se especializando na coleta de artefatos alienígenas pela Nova York após a invasão chitauri ocorrida em Os Vingadores, no entanto, acaba impedido pelas autoridades de continuar seus trabalhos. A crise e o capitalismo motivam a ganância do homem que usaria os esforços de seus empregados para formar uma gangue que cometeria alguns pequenos delitos, que se agravam com o decorrer de mais de duas horas de filme.
Após uma introdução ao estilo mockumentary, se estabelece que Peter Parker (Tom Holland) ficaria a disposição de Tony Stark (Robert Downey Jr.), fingindo ter um estágio com o magnata, mas na realidade tendo contato direto apenas com o motorista Happy Hogan (John Fraveau), responsável pela mudança da mansão dos Vingadores para o outro lado da cidade.
Haviam dois grandes receios em relação a este novo Homem-Aranha, e em ambos os erros não são completamente bem resolvidos. O primeiro medo geral é que fosse esse mais um filme de origem genérico, como foi o primeiro Homem de Ferro, Homem-Formiga e Doutor Estranho, e nesse ponto, o filme de Jon Watts ganha um pouco em originalidade, já que a referência principal não são os filmes da Marvel, e sim as comédias oitentistas ao estilo do que John Hughes escreveu e produziu. No entanto, fora dessa estética, não há espaços para grandes surpresas.
O outro aspecto de preocupação era que esse fosse mais um filme onde Stark seria super explorado, como havia ocorrido em Capitão América: Guerra Civil, e apesar do ator não ter tanto tempo de tela, seu personagem é utilizado como muleta emocional inúmeras vezes, ao ponto de deixar o público exausto diante de tantas situações óbvias e previsíveis.
Watts é um diretor que até então havia feito trabalhos mais independentes, sem um grande estúdio interferindo como certamente Kevin Feige e outros produtores fizeram neste longa. A Viatura (Cop Car) e Clown foram ótimas surpresas, mas o repertório do diretor em seus trabalhos anteriores é pouco utilizado aqui, fato semelhante ao que ocorreu com Louis Leterrier, em Incrível Hulk, e Gavin Hood, em X-Men Origens: Wolverine, claro, excluindo o montante de equívocos que foram ambos os filmes. A capacidade de trazer um filme bem resolvido esbarra num defeito de não se ousar em quase nada.
A esperança de risos fáceis repousou no núcleo adolescente. Holland não faz feio, reprisando os bons momentos do último filme do Capitão América, e seu melhor amigo, Ned (Jacob Batalon) também é um bom personagem, mas o restante é completamente dispensável, desde o interesse amoroso do herói, Liz (Laura Harrier), até a amiga Michelle (Zendaya) e o bully latino Flash Thompson (Tony Revolori). A tentativa de emular um Clube dos Cinco chega a ser irritante pelo conteúdo e espírito, sem reprisar a rebeldia adolescente presente no clássico.
No que diz respeito as ações do Abutre, se mostra o ponto alto do texto, mas infelizmente soa sub-aproveitado para mais uma vez dar vazão a tramas bobas, como as questões juvenis de Peter, as preocupações da bela Tia May (Marisa Tomei) ou as tentativas de agradar o Homem de Ferro. Keaton faz o que pôde em tela, mas mesmo suas pequenas ações são quebradas por interferências dos heróis mais graúdos, com o livre uso do artificio do Deus Ex Machina. O excesso de moralismo barato só não irrita mais do que a capacidade que a história tem de banalizar perdas, uma vez que até as pequenas bombas que são expostas causam estragos mínimos, mesmo sendo de um material alienígena de força e origem desconhecidos.
É irônico e curioso que não haja qualquer sacrifício ou perda significativa exatamente no filme de herói que mais se exigiria isto, já que o Homem-Aranha apesar de ser um personagem irônico e popular, carrega também um destino cheio de lições e tragédias típicas do homem comum. Nesse ponto, Homem-Aranha: De Volta ao Lar soa frio e genérico demais, reduzindo o ideal do vigilante criado por Stan Lee e Steve Ditko a um mero promoter de material de merchandising, com pouca alma e espirituosidade e muitas frases feitas, gírias e situações clichês, que servem mais para abastecer a necessidade de fan service do que a contar uma boa história em si. O avanço em relação aos filmes de Marc Webb – em especial O Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de Electro – é grande, mas ainda assim muito pouco para a expectativa criada em torno do amigo da vizinhança.