Tag: Michael Keaton

  • Crítica | Os 7 de Chicago

    Crítica | Os 7 de Chicago

    O sistema se alimenta, acima de tudo se protege, e não seria contra sete cidadãos banais e determinados a expor o genocídio de uma população, por um país que atirou tantos dos seus homens para morrer na guerra do Vietnã, que isso poderia ser diferente. O sistema é infalível, e ele precisa passar essa ilusão para as formigas que acordam, o alimentam com seu esforço, dormem e repetem o clico até morrer. Tudo em nome do Deus Sistema. Os 7 de Chicago é uma alegoria a essa sentença indireta para com o cidadão submetido, e como ela foi combatida pela ousadia dos “malucos que querem mudar o mundo”. A utopia almejada é real, ainda que justificável: quando os americanos estavam sendo literalmente jogados no fogo daquelas florestas tropicais, de 1955 a 75, alguém tinha que fazer alguma coisa – além de fumar, e assistir a guerra pela TV.

    Peitar o Estado, seus cães de guarda, e antes de serem presos, ser julgados por isso. Mas aqui a arma é a palavra, e isso combina demais com Aaron Sorkin, um dos mais celebrados escritores de Hollywood. Devoto da retórica e do seu poder de sedução, Sorkin é um entusiasta cuja expertise mora no jogo silábico, no bate-boca – discutir com ele deve ser fantástico, até o Tarantino perderia. O cara saber escrever uma conversa melhor que Kevin Feige produzindo Vingadores, mas agora o “salto de fé” é outro: a direção. Aos esquematizar uma Liga da Justiça de 7 integrantes peitando um juiz a favor da sobrevivência de um povo cada vez mais recrutado para morrer, e do direito de escolher do cidadão em participar do massacre internacional, ou não, Sorkin conduz o espetáculo sem a ajuda de um David Fincher para traduzir sua metralhadora de palavras, em imagens vivas.

    Isso funciona, mas a direção morna do roteirista não eleva o seu texto, muito inexperiente para construir uma verdadeira tensão, mesmo que lhe dê ritmo, realismo e consistência com uma boa encenação coletiva, e uma razoável montagem. Seja como for, enquanto filme de tribunal, Os 7 de Chicago usa e abusa de fantásticas referências jurídicas do passado para atualizar e atrair as novas gerações, ao charme do subgênero de promotores, réus e advogados. Difícil imaginar outra pessoa melhor que o Sorkin para escrever essa história original, mas dá saudades de um Fincher na direção, mesmo que o roteirista de A Rede Social brinque bem de Otto Preminger (Anatomia de um Crime), e Sidney Lumet (12 Homens e Uma Sentença), dois dos seus principais ídolos da era de ouro de Hollywood. A renovação não funciona por completo, mas o filme fica entre os melhores da Netflix, numa seara de aventuras débeis.

    Senão pela tímida construção cênica, total falta de visão estética (é incompreensível como o filme foi indicado a Melhor Fotografia no Oscar 2021), o filme vale pelas boas atuações, em especial a de Sacha Baron Cohen, um poço de carisma como o protestante que não tem nada a perder, e a de Joseph Gordon Levitt, na pele de um jovem promotor escolhido a dedo para fazer o Estado ganhar a causa – custe o que custar. Ele se protege, o império, mas a Liga dos 7 atrai a sociedade civil para representá-la, também, além dos repórteres e suas câmeras, famintos ao farejar o impacto do processo judicial. Uma pena que Sorkin não dialogue sobre a importância da mídia e da liberdade de expressão, numa situação dessas, e mesmo que o diretor não consiga nos instigar como poderia em torno do caso, eis um evento histórico que precisava ser bem contado, e de fato é. Porque nunca é demais se lembrar da importância da democracia, e dos “loucos” que a fazem resistir, de tempos em tempos.

  • Crítica | Dumbo (2019)

    Crítica | Dumbo (2019)

    Tim Burton há muito tempo não reprisa o bom cinema pelo qual ficou conhecido, e coube a Disney entregar-lhe um projeto que poderia faze-lo retomar a aura fantástica que começou a fazer em Edward Mãos de Tesoura, e o resultado final de Dumbo condiz demais com essa expectativa, conseguindo sabiamente fugir dos exageros que ele mesmo fez em Alice no País das Maravilhas, que foi uma das parcerias  mais recentes do diretor com o estúdio. O filme do elefantinho voador é emotivo, belo e transpira poesia.

    Evidentemente que liberdades  criativas precisaram ser tomadas, para tornar o clássico Dumbo de 1941 em um filme palatável não só para plateias mais novas, mas também para o novo formato, mas seja no roteiro de Ehren Kruger ou na direção de Burton há inúmeras referencias ao clássico, elementos como o trem que leva o circo dos Irmãos Medici ter um sorriso na frente, o uso das penas como combustível para o paquiderme (ainda que em uma espécie de Placebo), o uso de ratinhos amestrados para alegrar o filhote e os animais de espuma psicodélicos  estão lá, embora bem diferentes, e a repaginação deles é bem reverencial ao tom da versão antiga.

    No entanto a narrativa é mais feita pelos humanos e não pelos animais, e faz sentido, em especial por fortalecer um discurso de liberdade contra escravidão. Os dois plots principais funcionam muito bem juntos, tanto o dos animais que tem seus destinos decididos por humanos que são escrupulosos ou inescrupulosos de acordo com seu humor e necessidades básicas, há também os animais que apesar de lidar com o circo, tem personalidade própria, e é dada a atenção a ambos os núcleos, desenvolvendo mais obviamente a faceta que tem mais atores consagrados, ainda que eles tenham menos importância dramática que o animal “mágico” e as crianças que o cercam.

    Para muitos críticos da carreira de Burton é composta só de maneirismos, esse poderia soar como um filme seu sem parte de suas marcas, mas  isso não é verdade. O cineasta abre mão de um visual mais barroco, mas mantém parcerias com boa parte do seu elenco, como Danny DeVito (que repagina um personagem seu de Peixe Grande), Eva Green, Michael Keaton e Cia, além de ter consigo Danny Elfman fazendo uma das trilhas mais inspiradas de sua carreira, que dão o tom hiper fantástico necessária para todas as plateias embarcarem. É fato que o diretor está em uma coleira, e é bom que esteja, para não cometer os exageros que fez em Olhos Grandes ou O Lar das Crianças Peculiares, que não são seus piores filmes, mas ainda assim causam uma estranheza em quem gosta de sua obra anterior.

    Outra assunto que o realizador normalmente aborda e que é revisitado aqui são os problemas familiares, aqui representados pelo lado materno do parentesco, seja com a dupla de protagonistas infantis, Nico Parker e Finley Hobbins, que fazem respectivamente Milly e Joe Farrier, os órfãos filhos de Colin Farrell, que faz Holt, um veterano de guerra que adestrava equinos, além obviamente de Dumbo, que vê a Senhora Jumbo ser afastada de si por ser considerada louca. Em comum entre os dois plots, há a sensação de não pertencimento aquele lugar, ao circo dos Médici, não por falta de carinho dos que ali habitam, mas simplesmente porque eles não se encaixam ali apesar de serem formidáveis, mas tanto a jovem Milly não é circense, e sim uma cientista que quer dar vazão aos seus desejos, como os elefantes não se sentem bem no cativeiro.

    Ao menos em um ponto o filme não se diferencia muito da média, pois depende demais das coincidências para ter as reuniões de personagens que precisa. Elas soam irritantes de tão convenientes que são, mas nada que torne vã toda a jornada Dumbo, dos Holt e até do Circo Medici, que finalmente muda seu nome no final para algo mais justo. Cada um dos núcleos de desajustados, a sua maneira, alcançam o seu apogeu e seu modo mais justo de brilhar junto as luzes da ribalta, mesmo a menina que quer ser cientista atende seus próprios desejos de uma maneira que por hora, lhe serve. Ao final de Dumbo, não é só o pequeno elefante que consegue  alçar voo como uma borboleta, mas todos os  que foram agraciados pela sua convivência, e mesmo que não faça muito sentido o final adocicado da obra de Burton, ela condiz demais com a fantasia presente nos clássicos animados de Walt Disney nos anos quarenta e cinqüenta, e é uma versão ainda mais poetizada da obra de 1941.

    Facebook – Página e Grupo | Twitter Instagram | Spotify.
  • VortCast 62 | Tim Burton – Parte 1

    VortCast 62 | Tim Burton – Parte 1

    Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira), Filipe Pereira (@filipepereiral),  Bernardo Mazzei e Bruno Gaspar recebem o convidado Alexandre Luiz (@alexluizbr), do Cine Alerta, retornam para mais uma edição do VortCast, e dessa vez comentando sobre a filmografia de um dos cineastas mais originais da Hollywood nas últimas décadas, Tim Burton, criador de um universo próprio, marcado pelos tons imaginativos, soturnos e góticos, e repletos de personagens desajustados.

    Duração: 127 min.
    Edição: Julio Assano Junior
    Trilha Sonora: Julio Assano Junior e Flávio Vieira
    Arte do Banner:
     Bruno Gaspar

    Feed do Podcast

    Podcast na iTunes
    Feed Completo
    Spotify

    Contato

    Elogios, Críticas ou Sugestões: [email protected].
    Facebook – Página e Grupo | Twitter Instagram

    Acessem

    Brisa de Cultura
    Cine Alerta

    Filmografia Comentada

    As Grandes Aventuras de Pee-wee
    Crítica Os Fantasmas se Divertem
    Crítica Batman
    Crítica Edward Mãos de Tesoura
    Crítica Batman: O Retorno
    Crítica Ed Wood
    Crítica Marte Ataca!
    Crítica A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça
    Crítica Planeta dos Macacos
    Crítica Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas

    Avalie-nos na iTunes Store | Ouça-nos no Spotify.

  • Crítica | Os Fantasmas Se Divertem

    Crítica | Os Fantasmas Se Divertem

    Os Fantasmas se Divertem (Beetlejuice, 1988) talvez seja o primeiro filme que pode ser considerado um sucesso real dentro da filmografia de Tim Burton, ao menos o primeiro longa-metragem em que ele está livre para dar vazão a todas as maluquices que passavam por sua cabeça. O cenário inicial é o de uma cidade suburbana americana, com o casal recém-arranjado Adam (Alec Baldwin) e Bárbara (Geena Davis).

    Na trama, eles se envolvem em um acidente de carro, e voltam para casa como se nada tivesse acontecido, exceto pelo fato de estarem mortos. Não há sequer dez minuto decorridos e os dois percebem que muitas coisas estão erradas. O além que Burton propõe é engraçado, repleto de elementos góticos e curiosos. Após uma breve introdução onde só se vê a silhueta de Beetlejuice (ou Besouro Suco, nas versões dubladas), a dupla de recém-falecidos percebe que não será nada fácil assombrar uma casa, e apelam então para o consultor fantasmagórico vivido por Michael Keaton, uma vez que sozinhos não conseguem assombrar os novos moradores de sua antiga casa.

    Por sua vez, Keaton vive exatamente o resumo do que Burton acha agradável em matéria de cinema, suas falas e composições visuais tem muito a ver com os antigos curtas do realizador, especialmente Vincent (1982) e Frankenweenie (1984), enquanto seu modus operandi é completamente debochado, como nas comédias inglesas rasgadas. Apesar de carregar em si o nome original do filme, a jornada mostrada não é a de Beetlejuice, e sim do casal que não demora a encontrar entre os vivos que habitam a nova casa uma pessoa a quem se aliar, a adolescente problemática Lydia (Wynona Ryder), que diverge e muito dos parentes — novos ricos que só pensam em ascensão social e afins.

    O desafio para Adam e Barbara é o de romper a condição de mortos-vivos bonzinhos, para enfim assombrar, e com isso, afugentar os compradores do lugar onde moravam. A cena do jantar com a dança Day-O’Dance, canção de Harry Belafonte, é homérica e inesquecível, mas não é assustadora o suficiente, e para variar as coisas saem do controle quando uma aparição de uma cobra sobrenatural ocorre, assustando a todos, mas sem grandes conseqüências. A sequência se utiliza de animações em stop motion, que ao menos aqui parecem defasadas, em comparação com o que viria em matéria de efeitos digitais, ainda que em alguns momentos referencie o cinema expressionista alemão.

    Os momentos finais guardam uma boa convivência entre os residentes e as criaturas do além, tendo em Lydia o ponto de ligação entre os mundos. Essa questão poderia ter sido melhor trabalhada, já que haviam lacunas ali a serem preenchidas, e o final adocicado destoa um pouco da ambição de desconstrução do sub-gênero comédia de horror, mas ainda assim não invalida toda as bobagens nonsenses que Burton conduz através do texto de Michael McDowell, Larry Wilson e Warren Skaaren, que apesar de não ser a coisa mais bem urdida do mundo, ainda soa inteligente para as pretensões do filme.

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.
  • Crítica | Batman: O Retorno

    Crítica | Batman: O Retorno

    Após o sucesso da primeira empreitada de Tim Burton a frente das histórias do homem-morcego – em Batman – finalmente a Warner e seus produtores deram carta branca para o diretor e criador dar vazão a sua visão a respeito do cruzado encapuzado e o cenário ao redor, em especial o espírito que de certa forma, rondava Gotham. Se em Edward Mãos de Tesoura, ele critica fortemente a postura hipócrita e excludente dos suburbanos, a vez agora é a de analisar a ganância e egoísmo dos moradores das grandes cidades.

    Batman: O Retorno não tem os nomes de Michelle Pfeiffer e Danny DeVito antes do herói Michael Keaton, mas é certamente é um filme sobre seus antagonistas, Mulher-Gato e Pinguim, além é claro do vilão especialmente convidado, Max Shreck (Christopher Walken). O prelúdio se passa anos antes do presente da trama, com os Coblepott abandonando seu filho recém-nascido, basicamente por conta de sua aparência monstruosa. Antes de ser abandonado, o bebê come o gato da família, para só então ser jogado em um cesto, indo direto para os esgotos da cidade.

    No tempo corrente, a cidade do morcego sofre com a assombração de um bandido ligado a aves, uma lenda urbana que logo se mostra real, ao aparecer em meio ao discurso do pretenso Papai Noel da cidade, o magnata Shrek. A gangue do circo que acompanha o chefe do crime tem mais semelhanças com o Coringa, de Jack Nicholson, do que com o Pinguim. Wayne prossegue na batcaverna, entediado, a espera da chegada do batsinal. Bruce não tem vida, nada mais o entretêm, exceto quando está vestido com o objeto de seu medo, sempre na tentativa de vingar a memória de seus pais.

    Família também é a palavra chave quando se fala Pinguim e Shrek, o homem deformado que mora com os excluídos da cidade e com seus próprios pinguins – por mais bizarro que possa ser terem aves invernais em um esgoto – raptam o magnata a fim de chantageá-lo, ameaçando declarar o seu envolvimento com despejo de dejetos tóxicos, em troca ele tentaria tornar a figura pitoresca do rotundo e baixinho antagonista em algo palatável e amável.

    Enquanto isso, Selina Kyle é uma frustrada secretária de Shrek, uma mulher que se esconde atrás de seu uniforme de garota desinteressante um apetite voraz e uma vontade de vencer escondida pela monotonia do cotidiano e pelas humilhações que passa diariamente com seu patrão. Após, perceber o mal que o empregador faria a Gotham, sugando energia da cidade ao invés de gerar, ela é brutalmente assassinada, e na queda, é pega por um grupo de gatos, que após lamber suas feridas, e de alguma forma inexplicável, fazem ela retornar, anárquica e completamente maluca. Ao retornar para sua casa, ela repete a cena de introdução, dessa vez debochando do quão repetitivos sãos seus dias, e após um ataque de fúria que a faz destruir seus bichos de pelúcia e esticar um pedaço de couro, ao ponto de conseguir cobrir seu corpo magro em um traje pra lá de fetichista, que lembra muito aqueles usados em rituais de bondage. Toda essa sequência é pontuada por uma música tema poderosa, mais uma vez orquestrada por Danny Elfman.

    Aos poucos, é construído em volta do Pinguim uma aura de normalidade. Ele descobre seu nome real, Oswald, e a partir daí a reação do povo é favorável a ele. O burburinho dos cidadãos soa completamente artificial e pueril, em mais uma demonstração gráfica do quão falsa é a base da sociedade moderna e não só a parte mais abastada. Em torno do bandido antagonista que DeVito executa  é mostrado um humanoide de hábitos rudimentares, quase selvagens, tanto que Maximilian se aproxima dele oferecendo um peixe cru, além dele responder ao assessor da campanha com uma mordida no nariz, que faz o sujeito jorrar sangue. Suas vestes em casa são imundas, e ele parece estar sempre coberto de óleo.

    A farsa não demora a ser descoberta, basicamente porque o personagem por mais insano e complexo que pareça, ainda assim é elemental e arquetípico, precisando sempre relembrar que é um vilão, um vilão que sente prazer em subjugar seu adversário heroico, no caso específico, o morcego. A fotografia de Stefan Czapsky compõe um quadro interessante junto a direção de arte de Bo Welch, tanto os cenários externos, cobertos de neve quanto as luzes contrastando com os ambientes fechados ficam lindos quando registrados pela cuidadosa câmera de Burton. A arquitetura também evoluiu, agora a cidade esfumaçada dá lugar a um lugar repleto de estátuas enormes, como se fossem parte de um circo enorme, o mesmo que Oswald Pinguim comanda. O apreço pelo expressionismo do diretor fica evidente.

    Batman: O Retorno resgata elementos bíblicos para mostrar o terror da nova criatura de ódio criada para este capítulo, primeiro relembrando a tentativa de sacrifício dos primogênitos que ocorreu no livro do Êxodo a fim de matar Moisés, depois com um sacrifício do homem mau junto aos seus amigos incondicionais, que são os pinguins polares segurando bombas, semelhante ao que Abraão faria com Jacó, seu filho. A ideia de animais pilotando bombas é bastante ridícula, no entanto, a desculpa para mostrar novos equipamentos do Batman é muito bem-vinda, especialmente no que tange o veículo anfíbio do personagem, pois como lembrava o letreiro da série dos anos sessenta, essa é uma aventura escapista, que se parece e tem aroma das revistas em quadrinho antigas, fiel principalmente as HQs do período pós segunda guerra mundial onde os absurdos eram maiores, apesar do personagem ser tipicamente urbano e sem poderes.

    Os trinta minutos finais são dedicados a finalmente fechar os arcos dos vilões, com a derrocada do Pinguim, que mais uma vez termina um ciclo sendo rejeitado, com Selina indo de encontro a Max para também ter sua vingança do homem que quase a matou e do herói percebendo tudo atônito, passivo e impotente. Em alguns momentos, Burton esquece que o heroísmo deveria recair sobre Wayne e sua real identidade, isso talvez porque o diretor queria fazer filmes episódicos, como eram os quadrinhos de linha, onde em alguns momentos o personagem título triunfa e em outros, apenas sobrevive. Infelizmente essa jornada foi interrompida, e o cineasta daria lugar à direção de Joel Schumacher, em Batman Eternamente, tendo quase todos os elementos plantados sumariamente ignorados nos filmes seguintes.

    A neve que cai sobre o agora viúvo Bruce Wayne é a mostra singela de que o seu destino também ocorre graças a sorte e ao acaso, mostrando mais uma vez o herói sofredor ao não poder contar com sua amada ao lado, e nesse ponto, o texto de Daniel Waters e Sam Hamm não poderia ser mais fiel a lenda do Batman, um personagem trágico em essência.

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Crítica | O Assassino: O Primeiro Alvo

    Crítica | O Assassino: O Primeiro Alvo

    Dylan O’Brien tem se notabilizado por papéis em produções voltadas para o público teen. Protagonista de Maze Runner e parte do elenco da série de TV Teen Wolf, O’Brien nunca realmente se provou dramaticamente até Horizonte Profundo, produção onde defendeu seu papel com competência. Parecia temerário confiar um papel de protagonista de um filme que claramente se estabelece como a primeira parte de uma franquia ao jovem ator, porém, sua escolha para estrelar este O Assassino: O Primeiro Alvo foi uma boa aposta. Apoiado pelo grande Michael Keaton, Dylan foi mais uma vez competente. A questão é que o filme padece de graves problemas.

    Na trama, o O’Brien interpreta Mitch Rapp, um jovem cuja vida muda completamente após sobreviver a um ataque terrorista em que sua noiva é executada na sua frente. Rapp então inicia uma empreitada individual contra o terrorismo, entrando de cabeça no mundo dos radicais que perpetraram o ataque que tirou a vida da sua amada. Entretanto, após ser observado e ver suas pretensões frustradas no momento que iria consumar sua vingança, ele acaba sendo recrutado pela CIA. Antes, porém, ele será treinado pelo veterano Stan Hurley (Keaton) para que se torne uma verdadeira arma contra o terrorismo.

    Baseado no livro American Assassin de Vince Flynn, o roteiro escrito por Stephen Schiff, Michael Finch, Edward Zwick e Marshall Herskovitz padece de criatividade. Tudo tem uma sensação de dèja vu. O treinamento do protagonista, seu relacionamento com seu mentor, a maneira burocrata de agir da CIA, os plot twists e motivação final do vilão, tudo parece ter sido retirado de outras produções do gênero e amontoado na tela. Pra não dizer que tudo é ruim e genérico, os primeiros minutos do filme, mais precisamente do ataque terrorista ao momento que Mitch encontra com os terroristas que cometeram o ataque, são até bem interessantes e produzem bastante curiosidade. A coisa degringola a partir do momento em que ele é recrutado. Ajuda pouco a direção nada inspirada de Michael Cuesta. Em alguns momentos, ele até se sai bem em algumas sequências de luta. Porém, a regularidade não se mantém, pois ele acaba filmando de forma genérica a maioria das sequências. O diretor tenta emular Doug Liman e Paul Greengrass e seus trabalhos na saga de Jason Bourne, mas não consegue o mesmo sucesso. Um outro ponto positivo do filme é mostrar dois iranianos gente fina, ao contrário de produções que retratam todos como potenciais lunáticos terroristas.

    No que tange ao elenco, Dylan O’Brien defende bem seu papel, ainda que sua cara de moleque incomode um pouco. Isso se dá muito pela escolha do visual do personagem. É uma coisa meio hipster, meio Justin Bieber. Não funciona bem em um filme de espionagem, mas o empenho de O’Brien ajuda a superar esse problema. Keaton está competente como o habitual, ainda que seu papel seja o genérico “mentor durão que gosta de esculhambar o novato”. Keaton o interpreta no limite do sadismo, dando vazão a uma face levemente sadomasoquista durante uma cena de tortura. Chega a ser bem divertido. Shiva Negar se empenha e confere credibilidade à agente secreta iraniana designada para atuar junto do protagonista Mitch Rapp, enquanto Sanaa Lathan faz o básico enquanto a chefe quase maternal dos personagens de Keaton e Dylan, enquanto Taylor Kitsch não funciona nada como o grande vilão da trama. Além do personagem ruim, Kitsch limita-se a fazer caretas e bicos, como se isso demonstrasse alguma forma de ameaça.

    Enfim, poderia até ser um bom passatempo para um dia chuvoso em que se está sem muita paciência para escolher o que assistir. Porém, seu roteiro totalmente sem imaginação e sua execução sem inspiração o tornam mais uma produção que tinha potencial, mas que é somente uma tentativa frustrada de formar uma franquia.

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Crítica | Homem-Aranha: De Volta Ao Lar

    Crítica | Homem-Aranha: De Volta Ao Lar

    A terceira tentativa de contar a história do cabeça de teia começa com uma pequena introdução de seu antagonista, Adrian Toomes (Michael Keaton). Sua intimidade é mostrada como a rotina de um homem comum, um sujeito de meia-idade que investe dinheiro se especializando na coleta de artefatos alienígenas pela Nova York  após a invasão chitauri ocorrida em Os Vingadores, no entanto, acaba impedido pelas autoridades de continuar seus trabalhos. A crise e o capitalismo motivam a ganância do homem que usaria os esforços de seus empregados para formar uma gangue que cometeria alguns pequenos delitos, que se agravam com o decorrer de mais de duas horas de filme.

    Após uma introdução ao estilo mockumentary, se estabelece que Peter Parker (Tom Holland) ficaria a disposição de Tony Stark (Robert Downey Jr.), fingindo ter um estágio com o magnata, mas na realidade tendo contato direto apenas com o motorista Happy Hogan (John Fraveau), responsável pela mudança da mansão dos Vingadores para o outro lado da cidade.

    Haviam dois grandes receios em relação a este novo Homem-Aranha, e em ambos os erros não são completamente bem resolvidos. O primeiro medo geral é que fosse esse mais um filme de origem genérico, como foi o primeiro Homem de Ferro, Homem-Formiga e Doutor Estranho, e nesse ponto, o filme de Jon Watts ganha um pouco em originalidade, já que a referência principal não são os filmes da Marvel, e sim as comédias oitentistas ao estilo do que John Hughes escreveu e produziu. No entanto, fora dessa estética, não há espaços para grandes surpresas.

    O outro aspecto de preocupação era que esse fosse mais um filme onde Stark seria super explorado, como havia ocorrido em Capitão América: Guerra Civil, e apesar do ator não ter tanto tempo de tela, seu personagem é utilizado como muleta emocional inúmeras vezes, ao ponto de deixar o público exausto diante de tantas situações  óbvias e previsíveis.

    Watts é um diretor que até então havia feito trabalhos mais independentes, sem um grande estúdio interferindo como certamente Kevin Feige e outros produtores fizeram neste longa. A Viatura (Cop Car) e Clown foram ótimas surpresas, mas o repertório do diretor em seus trabalhos anteriores é pouco utilizado aqui, fato semelhante ao que ocorreu com Louis Leterrier, em Incrível Hulk, e Gavin Hood, em X-Men Origens: Wolverine, claro, excluindo o montante de equívocos que foram ambos os filmes. A capacidade de trazer um filme bem resolvido esbarra num defeito de não se ousar em quase nada.

    A esperança de risos fáceis repousou no núcleo adolescente. Holland não faz feio, reprisando os bons momentos do último filme do Capitão América, e seu melhor amigo, Ned (Jacob Batalon) também é um bom personagem, mas o restante é completamente dispensável, desde o interesse amoroso do herói, Liz (Laura Harrier), até a amiga Michelle (Zendaya) e o bully latino Flash Thompson (Tony Revolori). A tentativa de emular um Clube dos Cinco chega a ser irritante pelo conteúdo e espírito, sem reprisar a rebeldia adolescente presente no clássico.

    No que diz respeito as ações do Abutre, se mostra o ponto alto do texto, mas infelizmente soa sub-aproveitado para mais uma vez dar vazão a tramas bobas, como as questões juvenis de Peter, as preocupações da bela Tia May (Marisa Tomei) ou as tentativas de agradar o Homem de Ferro. Keaton faz o que pôde em tela, mas mesmo suas pequenas ações são quebradas por interferências dos heróis mais graúdos, com o livre uso do artificio do Deus Ex Machina. O excesso de moralismo barato só não irrita mais do que a capacidade que a história tem de banalizar perdas, uma vez que até as pequenas bombas que são expostas causam estragos mínimos, mesmo sendo de um material alienígena de força e origem desconhecidos.

    É irônico e curioso que não haja qualquer sacrifício ou perda significativa exatamente no filme de herói que mais se exigiria isto, já que o Homem-Aranha apesar de ser um personagem irônico e popular, carrega também um destino cheio de lições e tragédias típicas do homem comum. Nesse ponto, Homem-Aranha: De Volta ao Lar soa frio e genérico demais, reduzindo o ideal do vigilante criado por Stan Lee e Steve Ditko a um mero promoter de material de merchandising, com pouca alma e espirituosidade e muitas frases feitas, gírias e situações clichês, que servem mais para abastecer a necessidade de fan service do que a contar uma boa história em si. O avanço em relação aos filmes de Marc Webb – em especial O Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de Electro – é grande, mas ainda assim muito pouco para a expectativa criada em torno do amigo da vizinhança.

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Crítica | Fome de Poder

    Crítica | Fome de Poder

    John Lee Hancock é um diretor acostumado a trabalhar em dramas, nos quais é comum acompanharmos histórias de superação com uma certa mágica agridoce. Foi assim com Walt nos Bastidores de Mary Poppins, seu filme recente mais notável e também em Um Sonho Possível. Em Fome de Poder – ou The Founder no original – traz a história por trás do crescimento da marca McDonald’s para muito além do sul da Califórnia.

    A história é focada em Ray Kroc (Michael Keaton), que após vagar atrás de uma boa ideia, acaba por acaso consumindo os hambúrgueres dos irmãos McDonald, Dick (Nick Offerman) e Mac (John Carroll Lynch). Com o decorrer do roteiro, se mostra a evolução de um estabelecimento pequeno para um negócio expansivo e em grande escala. O filme trata de mostrar o método de produção dos alimentos como algo já planejado por seus idealizadores, mas que ainda mantinha em si uma essência de produto pequeno, feito de maneira pessoal para poucas pessoas.

    A vontade de crescer e a ganância de Ray se contrapõe ao desejo de ser apenas auto-sustentável dos irmãos McDonald’s é executada de uma maneira quase branda, e por vezes inspiradora em tudo que envolve o antigo intérprete do Batman. Mesmo quando seu personagem se mostra duro, irascível ou antiético é mostrada uma face benevolente, de quem faz sacrifícios mas só quer o sucesso típico das ambições derivadas do modo de vida americano.

    A maior malícia do texto é mostrar como o ideal do sonho americano influi diretamente no modo de operar de Kroc, justificando de certa forma até seus rompantes temperamentais. Os conflitos poderiam ser grandiloquentes, mas a maioria é contido, na eterna tentativa de não demonizar o grande empresário.

    Toda a bobagem advinda da auto-ajuda empresarial do protagonista é analisada pela câmera de maneira imparcial. O calcanhar de Aquiles de Fome de Poder está exatamente no ponto que deveria ser a sua qualidade, que é a de não tornar Ray um vilão. Ocorre que, em diversos momentos o longa faz crer que seus esforços valeram a pena e que todas as desonestidades impetradas por ele eram na verdade persistência, e não o expansionismo capitalista clássico. Qualidade indiscutível é a construção de caráter que Keaton faz para seu personagem, conseguindo com maestria mostrar o quão complicado era Ray Kroc, unindo aspectos adoráveis e odiáveis em sua conduta, soando harmônico mesmo em posturas tão antagônicas, mas ainda assim é pouco diante de uma história tão complexa.

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Crítica | Spotlight: Segredos Revelados

    Crítica | Spotlight: Segredos Revelados

    Spotlight 2

    A preocupação de Tom McCarthy em emular Alan J. Pakula em Todos Os Homens do Presidente é tamanho que todo o visual da redação do Boston Globe faz lembrar os clássicos momentos em que os repórteres setentistas desvelaram o Watergate. Nada à toa, mas os esforços de Spotlight Segredos Revelados são bem maiores do que uma simples cópia, apesar da clara aproximação dramática entre a fita de 1976 e esta.

    O plot se inicia com a aposentadoria anunciada de Walter Robby Robinson (Michael Keaton), e segue a partir dos seus últimos esforços enquanto chefe de um pequeno grupo de jornalistas, tendo como base uma acusação de corrupção envolvendo uma das instituições mais tradicionais no país, tocando em pecados graves e tradicionalmente associados ao catolicismo romano moderno. A manutenção do tabu é exatamente o inverso do ideário dos homens e mulheres que formam a equipe de Robby, e um extensivo trabalho conjunto se inicia já nos primeiros minutos de fita.

    O grupo de jornalistas, não necessariamente subordinados ou diretamente ligados a Robinson, formado por Ben Bradlee Jr. (John Slattery), Marty Baron (Liev Schreiber), Michael Rezendes (Mark Ruffalo), Matt Carroll (Brian d’Arcy James) e Sacha Pfeiffer (Rachel McAdams) é muito bem desenvolvido, com momentos únicos de brilho para cada personagem e intérprete. É no desenrolar dos depoimentos das vítimas que mora a maior emoção do roteiro baseado em fatos de McCarthy e John Singer (Quinto Poder), já que nas declarações dos antigos infantes abusados mora não só o trauma pelo temível abuso, bem como a morte de sua fé em uma crença maior, tirada de seu imaginário sem qualquer possibilidade de escolha ou refuto.

    Há um cuidado em registrar nuances e diferenciações básicas no comportamento dos entrevistados, mostrando como tais violências podem afetar homens e mulheres adultos, marcados tão fortemente em uma fase em que o ethos e a sexualidade não foram desenvolvidos. Desde sujeitos absolutamente inseguros e retraídos, até homens broncos, passivos, ativos, agressivos e mais dóceis, todos são marcados na alma. Os detalhes incluem até jogos de falsidade em níveis de aceitação e falácias por parte dos abusadores que visavam aproveitar-se da carência de meninos, incluindo os comumente excluídos por identificarem cedo a homossexualidade latente, e que viam nos sacerdotes o primeiro sinal positivo para sua orientação sexual, claro, pautados no engano mesquinho.

    A gravidade da situação faz unir dois comunicólogos de perfis diferentes, uma vez que Rezendes procura Mitchell Garabedian (Stanley Tucci) para ajudar a popularizar a causa através dos meios de comunicação por rádio. O impressionante dentro do proceder dos atores, em especial de Schreiber e Tucci, é a discrição e silêncio que produzem, gerando gama de emoções de modo comedido e nada histriônico. A contenção da indignação é algo comum também às personagens de McAdams e Ruffalo especialmente, já que a distância para o estourar da repulsa com a ética da apuração dos fatos é um aspecto em que a passionalidade deve, ao menos em tese, não fazer parte do conjunto de fatores que compõem a denúncia.

    Spotlight 3

    Alguns dos investigados demonstram uma atitude estranha, por vezes assumindo a responsabilidade por seus atos, mas sem conseguir expressar culpa, já que a rede de agressão é antiga, passando de geração a geração e  causando um impacto de normalização assustador, aspecto tão amedrontador quanto a letargia paralisação anestésica apresentada por alguns ex-padres, que em sua senilidade não conseguiam enxergar a extensão de suas graves transgressões, que atingiam tanto a Deus quanto aos homens criados à imagem e semelhança do primeiro.

    Há um mérito enorme na direção econômica de McCarthy, já que o realizador sabe dosar um roteiro que se desembrulha de modo gradativo e pontual, além de equilibrar como poucos um elenco tão multi talentoso e de perfis tão diferenciados. Conduzir um Michael Keaton pós Birdman e em um papel completamente diferente, mas igualmente exigente, não deve ter sido uma tarefa das mas fáceis, e o ator só brilha graças a toda a base que a fita lhe dedica, bem como Ruffalo só consegue exercer seu repórter inquieto graças à urgência de um assunto bem conduzido.

    A duração do filme faz o texto e abordagem amadurecerem ainda mais, fazendo um eco narrativo com as atitudes de seu protagonista, que nos primeiros dois terços permite aos seus subalternos fascinarem o público, com a procura e as descobertas dos sujos segredos sagrados. O arremate é inteiro de Walter, que se torna cada vez mais agressivo em sua abordagem, servindo como o canto de um cisne, a despedida silenciosa de toda uma carreira bem combatida. A composição da comparação metalinguística é tão cabível que se torna um crime achar que tais fatores casam por coincidência e não planejamento, já que Robinson e Keaton se misturam em uma intimidade muito maior do que a simplicidade de personagem e intérprete.

    A condução é elegante e correta, faz deslanchar uma história repleta de terríveis acontecimentos trazidos à luz em um momento de crise externa no país. Spotlight mostra parafilias terríveis de pessoas ditas normais, e que são comumente protegidas por um verniz social terrível. A cena final na redação da Boston Globe encerra o ciclo de trabalho e negligência de modo redentório, emocional e denunciativo, sob equilíbrio distante demais do comum a obras laureadas.

  • Crítica | Minions

    Crítica | Minions

    mns_scarlet1sht_rgb_0126_1_0

    Meu Malvado Favorito foi uma grande surpresa de público, e provavelmente nem os mais otimistas acionistas da Illumination Entertaiment — produtora que, além da franquia composta pelos Minions e o malvado Gru (Steve Carrel), possui apenas filmes de público médio-baixo em seu currículo — imaginariam. Fora o sucesso de público, que alcançou seu ápice com Meu Malvado Favorito 2 e seus retumbantes US$ 970 milhões alcançados mundialmente, e com a memeficação dos Minions, realizar uma prequel que explica como Gru encontrou seus capangas favoritos era questão de tempo.

    Apesar das animações de gosto duvidoso, o uso dos bichinho sem vocabulário é um acerto comercial de alto valor por parte do estúdio, pois trata-se de uma eficiente forma de comunicar-se com seu principal público: crianças pequenas. É obviamente um produto muito diferente de sua concorrente atual Divertida Mente, filme da Pixar com ambições muito mais elegantes e ousadas, e por isso mais restrita em público. Se a animação da Pixar foi capaz de fazer crianças chorarem com o desaparecimento de um querido personagem, Minions sequer arranha emoções muito profundas, ou mesmo uma profunda alegria.

    A aventura sobre a busca de um vilão mestre ao qual possam servir culmina no embate dos pequenos contra a vilã Scarlet (Sandra Bullock na versão original, e Adriana Esteves na dublagem nacional) e seu marido Herbert (John Hamm na original, e Vladimir Brichta na versão nacional), e busca desde o início incendiar-se feito rastilho, usando o característico déficit de atenção dos Minions para garantir que a cada período específico de tempo o cenário mude para um próximo e com ação ainda mais estridente. Esta estratégia é comum em animações que tentam seguir o ritmo de desatenção das crianças e falar a linguagem de seus espectadores, hoje acostumados com emojis e memes, seguindo para uma comunicação mais próxima do grunhido.

    Longe de lembrar a qualidade do humor físico de Looney Tunes e seus pares, a característica periódica dos acontecimentos pode afetar a a simpatia dos mais atentos, já que garante a certeza e previsibilidade de quase tudo o que se passa em tela, enquanto as piadas de duplo sentido, que têm os adultos como alvo, soam apenas enfadonhas e deslocadas.

    Assim, o ritmo não é frenético como se espera, e em comparação com a excelente trilha sonora — que passa por The Police e se concentra em The Beatles para ornar com o cenário —, falta harmonia entre as diversas notas que o filme gostaria de alcançar.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)

    Crítica | Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)

    birdman 2

    Como é bonito ver uma câmera de Cinema, sendo que só ela atinge a magia a seguir, flutuando do palco aos bastidores num balé muito mais que espacial entre duas nebulosas paralelas – de certa maneira, após uma reflexão de ônibus – bastante inconfundíveis. Talvez seja o teatro, bom e velho reino que suporta e abranda, com uma concordância mais segura sobre todas as outras bases, a alma de um artista posto que venha a ser o que for, numa relação de amor e ódio, concebível e perpétua, refletindo a atração e a repulsa que, seja a vida, seja a arte, sente pelo oposto de cada uma desde eras paleolíticas. Se o Cinema não aguentou ficar no preto e branco e teve que buscar os matizes expansivos do CinemaScope em testamentos revolucionários (tal Os Sapatinhos Vermelhos (1948), um marco histórico de Michael Powell do uso colorido do sentido visual e inspiração de influências soberbas, tipo Os Amores de Pandora (1951), Delírio de Loucura (1956), A Balada de Narayama (1958), ou Yimou Zhang e seu quente O Sorgo Vermelho (1987), primeira empresa do artista chinês), que dirá quanto o artista, seja ela fotógrafo, seja ele músico ou um gari de sítio público, digno sempre de ser maior que sua arte: sua vil e incorruptível semelhança sempre à prova – sempre. Primeiro, à mercê da fome de se tornar artista, aprender o aflito equilíbrio na margem da dúvida se de dia ou se de noite, cedo ou tarde, irá ou não padecer na triste analogia ao conto de Franz Kafka; ser alguém na vida é difícil, mas na arte é delírio de amantes. É a loucura de abrir a caixa de Pandora e espiar com uma lupa o conteúdo do seu plexo solar em noites quentes, em especial de lua cheia. Ser arteiro é a inadvertida sentença de ser o que é.

    Eu queria ser Michael Keaton, ou melhor, o Batman. Eu queria ser o Keaton com a roupa do Batman ganhando aquele beijo (no mínimo) de Pfeiffer e sua clássica Catwoman nos longínquos anos 90 – e também para trabalhar com Tim Burton quando ele sabia usar o taco. Porque, sério, nem o Batman é tão legal quanto Keaton, tanto quanto a pele por trás da máscara. Pele, crise e humanidade a atormentar a intolerância do Coringa que vive em todos nós, dividido em psicanálise e danação para a carga ser mais leve.

    Após assistir à obra de Alejandro Inãrrìtu, a versão talvez mais próxima que o Cinema já chegou dos quadrinhos de Watchmen, todo mundo quer descobrir A Inesperada Virtude da Ignorância, procurando, assim e a partir disso, o sentido por trás dessa metalinguagem galopante e infinita de um teatro e adjacências em Nova York, cheia de seres que precisam se esforçar para serem humanos, às vezes. Lá, onde encontramos o símbolo e os sons simbólicos, a alegoria contextual e o frisson de adentrar um filme que não se sabe o que fala mais alto, se são as palavras ou as ações, pois, afinal, é Iñárrítu. Birdman, o alterego do verdadeiro herói, pouco importa, pois se Federico Fellini focou no Guido, homem e artista (em )Billy Wilder na Norma, mulher e artista (em Crepúsculo dos Deuses), e Werner Herzog e Klaus Kinski além do doméstico e cênico, já nascidos sob aquela sentença, então que mal faz a ambição aos holofotes, quando regidos por quem refina a luz de meia dúzia de vórtices ambulantes?

    O que concluir quanto ao sentimento inesquecível de uma cena inesquecível, em prol de Keaton, homem, ator e personagem, diante de seu esquecimento e agora retorno ao apogeu de Hollywood, quando encontra um ator amador na rua, persona síntese de seu céu e inferno, sendo livre como o ator não se permite ser, sereno em exercício como a pessoa do ator não se deixa, aliás, nem diante de sua imagem num espelho qualquer. Iñárrítu é o típico cineasta masoquista com os arquétipos de suas histórias, mas em seu melhor filme reconhece que a vida já é canalha demais e parte para juiz da partida, impedindo apenas que tudo fique ainda pior, já que o abismo que surge da colisão entre a Vida e a Arte mais inerente não pode ficar. Não é uma questão de profundidade, isso vai de cada um. É pavimentar o terreno, para tanto, com tudo o que há de melhor e conceitual a favor da reciclagem de valores e experimentações de causas epifânicas, sejam quais forem, deliberada a pluralidade de intenções que superam qualquer outra obra do cineasta. Tudo oriundo de uma simplicidade existencial em forma de incógnita quântica. É preciso saber assistir à obra.

    Uma vez que o bendito travelling é uma questão de moral, o “plano-sequência” é do quê? De ética? Precisamos ser tão previsíveis assim? É claro que não. A vida não para. Hoje se está lá, amanhã no purgatório e depois, no espaço. A virtude da grande sequência de consequências na qual Birdman é conjurado, com ótimos e poucos cortes de cena, não só remete à hipnose provocada pela continuidade sensorial no Cinema e Teatro, verdadeira homenagem objetiva aos nobres fundamentos das artes em seu porão compartilhado, mas sobretudo: 1) respira na metáfora intervisual do ritmo urbano moderno; 2) na própria visão continuada do real para a ficção de um preciso artesão artístico; e ainda: 3) na proporcionalmente irônica conexão entre a vontade de se perder para enfim se achar – no desabafo em um bar com uma crítica teatral, ou no enfrentamento ou suplício carnal, como aspectos do natural em um mundo de fantasia, tão almejada como irresistível.

    Em suma: Iñárrítu, mais bem-sucedido do que nunca, apresentando a bússola de orientação de homens e mulheres num cenário de pura desorientação, de fato não poderia ter achado técnica mais certeira que a sequência infinita pelas escadas e camarins onde lirismo e pressão comercial vivem juntos, muito mal, obrigado, como todo jogo de interesses nada pequenos. Birdman é de uma atuação espetacular enquanto coletivo de atores pulsante e inebriante. Obra livre, pássaro livre de qualquer explicação singular. Não é um filme completo, mas é um dos poucos filmes americanos recentes que são tão completos e interessantes de se revisar quanto poderia, por fim, se impor e vir a calhar a algo ou a alguém.

  • Crítica | Batman (1989)

    Crítica | Batman (1989)

    Em 1989, Tim Burton era um proeminente diretor. No currículo tinha alguns curtas e duas produções cinematográficas elogiadas: As Aventuras de Pee-Wee e Os Fantasmas Se Divertem. Bases que permitiram assumir a cadeira de diretor em Batman, filme de um dos grandes heróis dos quadrinhos que ansiava por uma versão nas telas.

    Na época, heróis ainda eram um nicho restrito nos Estados Unidos. Tinham um mercado sólido, formavam personagens presentes no coletivo popular, mas estavam na periferia da arte. Não eram considerados um material bruto, rico e criativo para um filme-pipoca. E o sucesso de Superman – O Filme foi considerado um acerto que poderia não ser repetido em um futuro próximo.

    Anterior ao mercado de filmes-pipoca quadrinescos, a aventura não contém a tradicional jornada de origem presente em um primeiro filme. A morte dos pais de Bruce Wayne é desenvolvida em um pequeno flashback durante a narrativa, dando maior dinamismo ao embate entre herói e vilão.

    A abertura de Batman, de 1989, adentra de maneira eficiente o universo do Morcego e apresenta os recursos cênicos que tornariam Burton um grande diretor. Gotham City é um cenário escuro e esfumaçado, composto com leves referências góticas. Ambiente ideal para o surgimento do lendário morcego.

    Na década de oitenta, a composição de uma produção cinematográfica voltada para o entretenimento era conduzida de maneira diferente da contemporânea. Visto em comparativo, o hiper-realismo dos filmes atuais, no qual a trilogia de Christopher Nolan está inserida, faz desta produção um reflexo menos realista da personagem.

    Além da mudança natural da linguagem cinematográfica, os quadrinhos também estavam em um momento diferente. Na DC Comics, a Crise Das Infinitas Terras havia zerado a cronologia do estúdio cinco anos atrás, e Batman passava por uma transição lenta que o transformava cada vez mais em um herói soturno e indestrutível, um recurso que se potencializou após a Queda do Morcego na década seguinte.

    Nos papéis centrais, Michael Keaton e Jack Nicholson foram escolhidos para representar Batman/Bruce Wayne e Coringa. Keaton havia participado do filme anterior de Burton e, mesmo com baixa estatura, parecia uma escolha certa pela parceria com o diretor. A interpretação seria razão para reclamação de fãs durante muito tempo mesmo que, devido à ausência de carga dramática da personagem – e, por consequência, sem um aprofundamento interpretativo – o comentário seja injustificado.

    A grande estrela é Jack Nicholson, tanto pela responsabilidade de interpretar o vilão mais conhecido do personagem como pelo gordo salário que recebeu pelo papel. Uma visão do Coringa bem diferente da defendida por Heath Ledger anos depois, mas que é fiel com a personagem da época: um palhaço insano mas também apoiado na ironia cômica.

    O ator produz veracidade na insanidade da personagem e, inevitavelmente, se destaca mais do que o raso herói. Em relação aos quadrinhos, a origem é a mesma, exceto que o vilão também é responsável pela morte dos pais de Bruce Wayne. Um dos poucos elementos que enfocam o drama nesta história aventureira.

    Mesmo sem aprofundar-se na psicologia de Batman – outro conceito que se tornaria primordial a partir da década de noventa e na nova trilogia – a produção apresenta com eficiência a personagem e a luta contra a violência e o mal. No quesito das cenas de ação, as batalhas estão longe das bem elaboradas e sincrônicas coreografias atuais, mas resultam em bons momentos pelo clima cênico do Morcego. Como na cena do museu em que o Coringa, destruindo peças de arte de maneira iconoclasta, é interrompido por um herói que quebra a claraboia e adentra o local.

    Mesmo com o embate primordial de Batman x Coringa, demais elementos da mitologia são utilizados brevemente. O promotor Harvey Dent e o Comissário Gordon mal aparecem em cena; a batcaverna, embora não seja exibida em nenhuma cena extensa, apresenta-se bem ambientada, como um local lúgubre e tecnológico, bem registrado pelos quadrinhos da época; assim como o arsenal do Cavaleiro das Trevas com tecnologia de ponta para a época; e um uniforme que, embora aparente imobilidade na luta corporal, assemelha-se a uma armadura rígida (sem nenhuma possibilidade de mamilos desenhados sobre o peito). Contornos definitivos que representam com adequação a figura tradicional do herói.

    Vinte e cinco anos após sua realização, o filme continua vivaz e fiel à personagem. A produção, que foi supervisionada pelo criador Bob Kane, é uma das grandes referências culturais, com diversas representações visuais em mídias diferentes. Não se poderia prever que, anos depois, os heróis se tornariam presença obrigatória no verão americano e que Tim Burton pareceria tão esgotado em sua temática de árvores retorcidas, utilizando a participação da esposa, Helena Bonham Carter, e de Johnny Depp em quase todas as suas obras.

  • Crítica | Need for Speed: O Filme

    Crítica | Need for Speed: O Filme

    Need-For-Speed

    Uma série de fatores já denunciavam que esta seria uma produção complicada. O primeiro e mais óbvio: o timing, que resultou numa aparente falta de originalidade. Impossível olhar para este filme e não encará-lo como um Velozes e Furiosos genérico. Ironicamente, a franquia de games Need For Speed serviu como inspiração para a saga de Toretto e sua turma. No cinema a relação fica invertida  um tanto injusto, mas a vida é assim. John Carter que o diga.

    Mas quem dera se a sensação de algo já visto antes fosse o único problema de Need For Speed – O Filme. Adaptações de games para as telonas sempre encaram um monstro chamado “perda da interatividade”, restando apenas a história. O que fazer em casos de filmes cujos roteiros não são exatamente o forte do jogo? E ainda: como se diferenciar daquela outra franquia que envolve carros velozes? Enquanto Velozes e Furiosos abraçou a zoeira sem limites e encontrou seu nicho na diversão descerebrada, Need For Speed tenta se levar a sério, investir numa histórica dramática entre as corridas. Mas aí parece se lembrar de que “precisa” fazer algumas referências aos games e embarca em situações altamente inverossímeis que não se encaixam no realismo trabalhado até então.

    Dirigido por Scott Waugh e roteirizado por George e John Gatins, o longa conta a história de Tobey Marshall (Aaron Paul). Dono de uma oficina e talentoso piloto de rachas, Tobey é incriminado por seu arqui-inimigo Dino Brewster (Dominic Cooper) e acaba preso. Anos depois, ele parte em busca de justiça e vingança, naturalmente sobre quatro rodas e em alta velocidade. E aí o roteiro começa a derrapar. Obstáculos e elementos complicadores são sugeridos, mas tudo se resolve rapidamente, com muita facilidade.

    Tobey e seus amigos (todos absurdamente fiéis) trabalham em uma oficina prestes a falir, mas possuem carros e equipamentos de ponta. Uma corrida ilegal, supostamente secreta e exclusiva para poucos, mas que é amplamente anunciada na Internet por um famoso radialista amador. O protagonista, recém-saído da prisão, consegue convencer o ricaço a “emprestar” seu carro de três milhões de dólares para usá-lo numa atividade ilegal, cujo prêmio para o vencedor seria apenas levar pra casa todos os outros carros  supondo que estes não acabem destruídos ou apreendidos. E, evitando entrar em spoilers, a forma infantil e simplória com que um caso judicial é resolvido dois anos depois do ocorrido é uma agressão à inteligência do espectador.

    O roteiro também não acerta a mão ao estabelecer o desenvolvimento dos personagens e as relações entre eles. Falta carisma a Aaron Paul; ele repete todos os trejeitos do seu Jesse Pinkman da reta final de Breaking Bad, e simplesmente não convence como protagonista/herói de ação. Não há química alguma entre ele e o interesse romântico vivido pela absurdamente linda Imogen Poots, também porque esta personagem não diz a que veio, parece estar ali simplesmente por obrigação. Dominic Cooper é prejudicado por ter pego o papel de um vilãozinho quase mexicano de tão caricato. Michael Keaton pouco acrescenta, pois só faz monólogos (e parece interpretar o mesmo personagem de Robocop). Ah, e um destaque negativo para Scott Mescudi, que vive um dos amigos de Tobey. Espécie de Jamie Foxx genérico, ele tentar ser cool, engraçado e falastrão, mas fica tão forçado e estereotipado que se torna o personagem mais chato do filme.

    Com relação aos aspectos visuais, o filme merece crédito. O diretor entende a proposta de espetáculo e emprega bem recursos como zoom, câmera lenta, e ângulos que favorecem a beleza das máquinas e dos cenários. Os efeitos especiais acompanham a qualidade, sendo dignos do que se espera de um blockbuster. Mas é pouco, não há como negar. Need For Speed – O Filme é razoável e esquecível mesmo se encarado como simples entretenimento. Ainda que a arrecadação fora dos EUA tenha evitado o fracasso (domesticamente, o filme sequer se pagou), é difícil enxergar uma franquia nascendo aqui. Velozes e Furiosos, indo para o sétimo filme, não enxergou nem mesmo uma distante poeirinha pelo retrovisor.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | RoboCop (2014)

    Crítica | RoboCop (2014)

    robocop-2014-movie-poster-image

    O cineasta holandês Paul Verhoeven marcou uma geração de jovens dos anos 90 com suas produções marcadas pela violência gráfica e distopias futuristas. Com três clássicos nas mãos (Robocop, Vingador do Futuro e Tropas Estelares), o diretor estabeleceu uma linguagem própria e uma base considerável de fãs mesmo dentro da crítica, mas não resistiu à modernização e ao crescimento da “caretice” de Hollywood no final da década. Tanto é que Verhoeven acabou voltando desiludido para a Holanda e lá produziu o excelente A Espiã e, o ainda não lançado no Brasil, Steekspel. Como já era de se esperar, a onda de remakes atingiu seu legado, e em 2012 foi refilmado O Vingador do Futuro, fracasso retumbante e totalmente esquecido pelo público.

    Agora é a vez de Robocop, considerado por muitos seu melhor filme nos EUA. A MGM já tentou refazer o filme algumas vezes, mas não encontrava a pessoa certa. Após ver o sucesso dos dois Tropa de Elite, acabaram-se as dúvidas. A visão política e social de José Padilha, combinada a intensas cenas de guerra urbana das autoridades contra os “inimigos”, assemelhava-se bastante à proposta de Verhoeven. Logo, o brasileiro foi chamado para dirigir o projeto.

    A história se passa em torno do incorruptível e incansável detetive Alex Murphy (Joel Kinnaman), que investiga, na cidade de Detroit, crimes que sobem cada vez mais na escala de poder. Após seu parceiro Jack Lewis (Michael K. Williams) ser baleado em uma operação, ele decide investigar sozinho a rede de corrupção da cidade, mas sofre um atentado que quase tira sua vida. Nisso entra a Omnicorp e o plano de trazer para o mercado doméstico a produção de soldados robôs com a função de proteger o país. O presidente da companhia, Raymond Sellars (Michael Keaton), empenha-se arduamente com a ajuda do apresentador de TV Pat Novak (Samuel L. Jackson). Assim, decidem transformar o moribundo Murphy em uma máquina, porém os planos da empresa não saem como planejados.

    As comparações com a obra original serão inevitáveis, mas ao contrário dos remakes/reboots lançados atualmente no mercado, o novo Robocop possui história própria a ser contada de forma singular. Esse mérito podemos dar a Padilha, que não caiu na tentativa de recriar o filme de Verhoeven, tampouco de inovar completamente retirando a essência política da história. Porém, faltam ao remake a originalidade e a anarquia criativa do original justamente como sátira de um universo policialesco e anestesiado, sofrendo com a violência endêmica sem conseguir reagir dentro dos moldes de uma sociedade democrática. Dessa forma, Robocop surge como a união dos traços marcantes da modernidade: a automatização robótica e o discurso policial como salvador da pátria. E, neste aspecto, Padilha flerta timidamente com esses temas, sem causar nenhum tipo de reação ao espectador.

    A Detroit do filme de 1987 era realmente suja, decadente e claramente violenta, em uma previsão profética do que se tornaria a cidade hoje. Porém, no remake ela é uma cidade moderna, com policiais honestos morando em bairros de classe média alta sem nenhuma preocupação. Nem de longe passa a imagem falada na história de que Detroit estava entregue à violência.

    As inserções televisivas, e satirizadas ao extremo pelo diretor do original, foram diminuídas em um único personagem, Pat Novak, apresentador de algo como um programa da Fox News, ou mesmo um Datena ou Cidade Alerta no Brasil. Reacionarismo e discurso da ordem através da violência contaminando o debate, mas que não causam nenhum efeito além de informar friamente o espectador. A TV possui esse único papel: o jornalismo-marrom. Não vemos nenhuma propaganda contra a radiação solar ou programas de humor com bordões ridículos que pareciam entreter a todos, elementos que marcaram o tom humorístico televisivo de 1987, ausência essa que transparece sisudez.

    Os acertos do filme se dão pela visão política interna e global, que provavelmente teve o dedo de Padilha. A questão não é somente a segurança interna de uma cidade dos EUA, e sim como o império já se alastrou pelo mundo e os robôs e drones são usados pela máquina militar a fim de estabelecer seu poder, como mostra a cena inicial em Teerã, na qual um ED-209 executa um garoto. Também é interessante o papel da China na história. Murphy é transformado no Robocop em uma linha de montagem na Ásia, e quando foge, sai em uma linha de produção tão automatizada quanto ele, lembrando as fábricas da Samsung, Apple e outras multinacionais. Definitivamente, os EUA deixaram de concentrar todo o poderio industrial do planeta. Porém, isso poderia ter uma contradição, já que o crescimento econômico da China é acompanhado de crescimento político, e nesse contexto talvez uma invasão ao Irã não aconteceria ali tão perto dos chineses.

    O papel da família de Murphy também se tornou muito maior no remake. Enquanto no original sua família era uma simples lembrança distante, agora sua esposa, Clara Murphy (Abbie Cornish), possui participação ativa, na tentativa de humanizar o personagem. O que faria sentido se seu papel não fosse cada vez mais diminuído conforme o filme avança, até chegar a uma cena final um tanto quanto embaraçosa no heliporto. Seu filho então é praticamente um poste. Até o ator mirim de Homem de Ferro 3 foi mais importante.

    Também é menos impactante a figura do vilão. Enquanto Kurtwood Smith dá vida ao impressionante e odiável Clarence Boddicker, em cuja cena da morte de Murphy traumatizou uma geração de crianças, Antoine Vallon (Patrick Garrow) não cativa em momento algum, servindo somente para ser morto no final em estéril cena de tiroteio que causou um pouco de vertigem, tamanha velocidade e quantidade de cortes. Toda a gangue de Boddicker era marcante, enquanto a gangue de Vallon é representada somente por dois policias corruptos, personagens também unidimensionais e sem graça. Também é difícil estabelecer uma violência tão grande em um filme PG-13, a praga do cinema moderno, em que todos os filmes precisam ser “para a família”.

    Como era de se esperar, as cenas de ação do Robocop moderno não suportariam mais aquela velocidade lenta da década de 80, e o protagonista consegue pular e saltar a fim de cumprir objetivos, em cenas bem realizadas e que não incomodam, como era o medo de muita gente. Apesar de ser boa, a estética de videogame e FPS incomoda um pouco não só pela filmagem, mas também pela falta de uma ameaça realmente importante ao espectador. A cena de luta com os ED-209 foi bem feita, e 9 entre 10 espectadores esperaram uma referência ao fato de ED não conseguir descer escadas, o que infelizmente não ocorreu. A referência maior ficou na aparência do protagonista, com traços que lembram a “armadura” original, inclusive seu tom de cinza, que a deixou muito bonita. Depois transformada em preta, perde um pouco esse charme, lembrando mais os soldados do BOPE e a temática de “policialização” do debate político.

    Como elemento em desarmonia, a trilha sonora original, composta por Basil Poledouris, foi repaginada e usada em alguns momentos estranhos, não encaixando neles muito bem. As músicas de cenas de ação e principalmente dos créditos finais tampouco soaram como complemento ao filme, parecendo mais com o restante da produção, dando uma sensação de “faz sentido, mas tem algo errado aqui”.

    A ciência também possui um papel maior no filme de 2014. Explicações técnicas do cientista responsável pelo projeto, Dennett Norton (Gary Oldman), estão sempre presentes, seja em cena, seja em narração, o que se torna algo desnecessário. Também há a boa e velha ciência hollywoodiana com seus termos do tipo “queimadura de 4º grau em 80% do corpo” e “ele está sobrescrevendo as prioridades do sistema”, sempre usadas para justificar uma guinada fácil no roteiro. Como quando Murphy, inexplicavelmente, passa a sentir emoções novamente mesmo quando essa capacidade foi biologicamente retirada. O detalhe da mão humana também é complicado: apesar de eficiente dramaticamente, pois deixa Murphy ainda com toque humano, torna todo o projeto do robô mais difícil, afinal, basta uma queda da moto em alta velocidade, um pisão de ED-209 ou simplesmente um tiro para incapacitar sua mão.

    Robocop (2014) é um bom filme, mas possui os defeitos clássicos do cinema moderno: excesso de explicação, violência sem peso dramático, resoluções fáceis e rápidas e personagens unidimensionais. A impressão presente no final da projeção é que vimos um filme inteiro como robôs “com 2% dopamina” no sangue. A produção tem seus méritos e consegue trazer novos debates, mas sem brilho e empatia. Não será esquecido como o remake de O Vingador do Futuro, mas tampouco figurará entre os clássicos do gênero. Que sirva ao menos para Padilha conseguir se estabelecer no mercado norte-americano e produzir obras melhores por lá.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.