Tag: Aaron Sorkin

  • Crítica | Os 7 de Chicago

    Crítica | Os 7 de Chicago

    O sistema se alimenta, acima de tudo se protege, e não seria contra sete cidadãos banais e determinados a expor o genocídio de uma população, por um país que atirou tantos dos seus homens para morrer na guerra do Vietnã, que isso poderia ser diferente. O sistema é infalível, e ele precisa passar essa ilusão para as formigas que acordam, o alimentam com seu esforço, dormem e repetem o clico até morrer. Tudo em nome do Deus Sistema. Os 7 de Chicago é uma alegoria a essa sentença indireta para com o cidadão submetido, e como ela foi combatida pela ousadia dos “malucos que querem mudar o mundo”. A utopia almejada é real, ainda que justificável: quando os americanos estavam sendo literalmente jogados no fogo daquelas florestas tropicais, de 1955 a 75, alguém tinha que fazer alguma coisa – além de fumar, e assistir a guerra pela TV.

    Peitar o Estado, seus cães de guarda, e antes de serem presos, ser julgados por isso. Mas aqui a arma é a palavra, e isso combina demais com Aaron Sorkin, um dos mais celebrados escritores de Hollywood. Devoto da retórica e do seu poder de sedução, Sorkin é um entusiasta cuja expertise mora no jogo silábico, no bate-boca – discutir com ele deve ser fantástico, até o Tarantino perderia. O cara saber escrever uma conversa melhor que Kevin Feige produzindo Vingadores, mas agora o “salto de fé” é outro: a direção. Aos esquematizar uma Liga da Justiça de 7 integrantes peitando um juiz a favor da sobrevivência de um povo cada vez mais recrutado para morrer, e do direito de escolher do cidadão em participar do massacre internacional, ou não, Sorkin conduz o espetáculo sem a ajuda de um David Fincher para traduzir sua metralhadora de palavras, em imagens vivas.

    Isso funciona, mas a direção morna do roteirista não eleva o seu texto, muito inexperiente para construir uma verdadeira tensão, mesmo que lhe dê ritmo, realismo e consistência com uma boa encenação coletiva, e uma razoável montagem. Seja como for, enquanto filme de tribunal, Os 7 de Chicago usa e abusa de fantásticas referências jurídicas do passado para atualizar e atrair as novas gerações, ao charme do subgênero de promotores, réus e advogados. Difícil imaginar outra pessoa melhor que o Sorkin para escrever essa história original, mas dá saudades de um Fincher na direção, mesmo que o roteirista de A Rede Social brinque bem de Otto Preminger (Anatomia de um Crime), e Sidney Lumet (12 Homens e Uma Sentença), dois dos seus principais ídolos da era de ouro de Hollywood. A renovação não funciona por completo, mas o filme fica entre os melhores da Netflix, numa seara de aventuras débeis.

    Senão pela tímida construção cênica, total falta de visão estética (é incompreensível como o filme foi indicado a Melhor Fotografia no Oscar 2021), o filme vale pelas boas atuações, em especial a de Sacha Baron Cohen, um poço de carisma como o protestante que não tem nada a perder, e a de Joseph Gordon Levitt, na pele de um jovem promotor escolhido a dedo para fazer o Estado ganhar a causa – custe o que custar. Ele se protege, o império, mas a Liga dos 7 atrai a sociedade civil para representá-la, também, além dos repórteres e suas câmeras, famintos ao farejar o impacto do processo judicial. Uma pena que Sorkin não dialogue sobre a importância da mídia e da liberdade de expressão, numa situação dessas, e mesmo que o diretor não consiga nos instigar como poderia em torno do caso, eis um evento histórico que precisava ser bem contado, e de fato é. Porque nunca é demais se lembrar da importância da democracia, e dos “loucos” que a fazem resistir, de tempos em tempos.

  • Crítica | A Grande Jogada

    Crítica | A Grande Jogada

    Aaron Sorkin não se limita a drama de tribunal nem a linhas temporais únicas, muito pelo contrário, algo que muitos já sabem. Tampouco o roteirista precisava provar nada a ninguém depois de A Rede Social, grande filme moderno de David Fincher cujo pelo excepcional roteiro adaptado para casa Sorkin levou o seu merecido Oscar. Aqui, quis brincar de diretor profissional, traduzindo palavras para a tela. Manobra difícil mas que o escritor encara com vitalidade surpreendente, “homenageando” e se apoiando em vários trejeitos práticos de Fincher (a iluminação, os cenários, a direção dos diálogos, a postura dos atores, tudo parece ser de um mundo paralelo ao universo do diretor de Clube da Luta), fazendo entregar um pequeno grande filme atual sobre os fundamentos da superação, das prioridades, do oportunismo e do pôquer – para iniciantes.

    Após se envolver com o submundo das jogatinas, com os privilégios e as possibilidades financeiras que disputas envolvendo milhões de dólares trazem aos espertinhos que bolam e gerenciam esses encontros ocultos ilegais, a ex-atleta Molly Bloom, depois de quebrar sua coluna na neve, decide mudar de vida – e de preferência de uma forma que não dê para voltar atrás. A trama de A Grande Jogada parte de uma situação tentadora muito semelhante à da secretária Marion em Psicose, de Alfred Hitchcock, que recebe aqui uma grana preta do patrão para guardar mas que resolve fazer com ela algo de bem inusitado: Desenvolver o seu próprio sistema de trambicagens em Nova York, e dar a volta por cima desde seu acidente esportivo. Nisso, Molly abandona seu uniforme de esquiadora olímpica e opta por vestidos vermelhos longos, rímel e olhos de raposa entre os lobos milionários. Só que a pose dura pouco tempo, até a realidade bater na porta da forma mais cruel possível, e é exatamente isso que o filme (corajosa [e linda] mente) consegue emoldurar, na maior parte do tempo: O processo de desconstrução de uma femme fatale.

    Jessica Chastain é um monstro, e merece papéis à altura do seu talento, tal como esse. Encarnando com os olhos a ousadia e otimismo de Molly, apegada mais a família que nos seus próprios princípios morais, tudo pouco a pouco desaba na sua história como empresaria, e é para um advogado nada ousado e realista (Idris Elba) que ela recorre, desesperada quando o castelo de cartas começa a desabar, mas sem nunca escorregar do salto ou manchar a maquiagem – exceto quando a mesma é manchada de sangue, na cena mais violenta de A Grande Jogada. Aaron Sorkin tenta polvilhar no filme inteiro essa elegância que uma atriz igual Chastain ostenta, e de fato é bem-sucedido nisso, entre seus diálogos inspirados (a citação ao livro Ulysses, de James Joyce, é irresistível pra ele), verborragia e sobretudo conflitos reais, e urbanos. Seus personagens não calam a boca, e isso não poderia ser mais divertido, afinal, apenas quatro mentes do Cinema americano conseguem transmitir a sensação de puro entretenimento através de diálogos ritmados: Os Irmãos Coen, Quentin Tarantino, e o próprio Sorkin.

    Temos então o cara revisitando sua identidade já conhecida para quem acompanha seus trabalhos de perto, seja no Cinema ou em séries como The Newsroom, e filmando bem e com conforto o roteiro que é dele, num típico suspense dramático (ou seria um drama com ares de inerente mistério?) prontamente oriundo de uma mente labiríntica e que conhece muito bem a história de Molly de trás, pra frente. Um trabalho que, se não é marcante, é ultra decente e até impõe certo carisma nas construções de cena e do que extrair delas. Fica a vontade de ver o que Sorkin poderia fazer, enquanto cineasta, com um roteiro que não é dele, afinal fica fácil vasculhar, ser versátil e mandar bem com algo de autoria própria, certo? Mas o que a gente queria mesmo era ver essa Chastain de A Grande Jogada, toda vestida para matar e aqui fingindo ser o mulherão poderoso que Molly nunca foi, sendo dirigida pelo Brian de Palma dos anos 80, no auge da carreira. Ninguém pode afirmar o que sairia dessa parceria entre a atriz e o mestre, mas provavelmente, entraria para a história.

    Facebook – Página e Grupo | Twitter Instagram.

  • Agenda Cultural 64 | Pantera Negra, Filmes do Oscar e Meu Amigo Dahmer

    Agenda Cultural 64 | Pantera Negra, Filmes do Oscar e Meu Amigo Dahmer

    Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira), Filipe Pereira (@filipepereiral) e o convidado Matheus Fiore (@matheuusfiore) retornam para mais um episódio da Agenda Cultural, e comentam sobre os principais lançamentos de cinema no mês de fevereiro — com diversas indicações de filmes do Oscar —, o programa de entrevistas de Jerry Seinfeld e o quadrinho Meu Amigo Dahmer, publicação da DarkSide Books.

    Duração: 94 min.
    Edição: Julio Assano Junior
    Trilha Sonora: Flávio Vieira
    Arte do Banner: 
    Bruno Gaspar

    Feed do Podcast

    Podcast na iTunes
    Feed Completo

    Contato

    Elogios, Críticas ou Sugestões: [email protected].
    Facebook – Página e GrupoTwitter Instagram

    Acessem

    Brainstorm 9
    Cinemático
    Plano Aberto
    Cineplot
    Brisa de Cultura

    Comentados na Edição

    Cinema

    Crítica Todo o Dinheiro do Mundo
    Crítica A Forma da Água
    Crítica Eu, Tonya
    Crítica Mudbound: Lágrimas Sobre o Mississipi
    Crítica Pantera Negra
    Crítica Lady Bird: Hora de Voar
    Crítica Três Anúncios Para Um Crime
    Crítica A Grande Jogada
    Crítica Trama Fantasma

    Quadrinhos

    Meu Amigo Dahmer – Compre aqui

    Séries

    Comedians in Cars Getting Coffee

    Podcasts indicados sobre o caso Marielle

    Lado B do Rio
    Viracasacas
    Chutando a Escada
    Petit Journal

    Avalie-nos na iTunes Store.

  • Crítica | A Rede Social

    Crítica | A Rede Social

    A Rede Social 3

    Maior fenômeno da internet dos últimos anos, o Facebook sempre esteve envolto em controvérsias desde sua criação pelo estudante de Harvard Mark Zuckerberg em 2003. Atualmente, devido à dinâmica e velocidade da informação, entender a complexidade das relações que fazem algo tão grande existir, assim como as mudanças que tais eventos causam na sociedade, nunca é fácil. O Facebook caracteriza-se por essas mudanças. Alterou, junto com outras empresas, a dinâmica do empresariado jovem americano, além de ter mudado para sempre o comportamento e as formas de relacionamento de toda uma geração. É dentro do contexto de criação do Facebook que foi publicado, em 2009, o livro Bilionários por Acaso, escrito por Bem Mezrich, contando uma versão sobre o surgimento da rede social e as brigas judiciais pelos seus direitos criativos. O livro teve a consulta de Eduardo Saverin, o que impactará o resultado final do filme. Em 2010, o conhecido roteirista Aaron Sorkin e o diretor David Fincher adaptam o livro para o cinema, dando origem ao filme A Rede Social.

    O filme começa contando a história do jovem e complicado estudante Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg) em Harvard, com um diálogo – típico das produções de Aaron Sorkin, rápido e difícil de acompanhar – com sua namorada Erica Albright (Rooney Mara). Após ser insensível e condescendente de uma forma quase brutal com ela, o namoro termina, e, com raiva, Mark retorna a seu dormitório e resolve criar, com a ajuda dos colegas de quarto Eduardo Saverin (Andrew Garfield) e Dustin Moskowitz (Joseph Mazzello), um site com um catálogo de fotos de garotas, também estudantes de Harvard, em que as pessoas poderiam entrar e dar notas a elas. Tudo isso era feito enquanto Mark escrevia a respeito em seu blog, detalhando o processo de hackeamento dos bancos de dados das páginas das fraternidades em busca das fotos. A quantidade de acessos derruba a rede de Harvard e trará consequências para o estudante.

    Após enfrentar os problemas, Mark tem contato com os irmãos gêmeos Tyler e Cameron Winklevoss (Armie Hammer), este que dá a ele a ideia de criar uma rede exclusiva para alunos de Harvard. Após aceitar a proposta, Mark desaparece por semanas até o seu site thefacebook.com estar no ar, o que enfurece os irmãos. Os acessos ao site se expandem exponencialmente em várias universidades americanas, até chamar a atenção do jovem e excêntrico empreendedor Sean Parker (Justin Timberlake), criador do polêmico Napster alguns anos antes. Parker fornece a Mark uma visão nova e diferente sobre a modernidade dos negócios e das possibilidades a respeito do Facebook, causando tantos problemas entre ele e Saverin que acabarão indo para a Justiça.

    A estrutura do filme alterna momentos do passado dos jovens e momentos nos quais estão se enfrentando nos tribunais americanos a respeito dos direitos de criação do Facebook. Em um primeiro momento, essa alternância causa uma certa confusão e estranheza no espectador, mas após alguns minutos a estrutura é reconhecida e tudo fica mais claro, favorecendo o desenvolvimento da história.

    Apesar de os diálogos de Aaron Sorkin por vezes se atrapalharem na história por conta de sua rapidez e da quantidade de termos, piadas e referências, é interessante ver sua proposta de, em momento algum, rebaixar esses diálogos para um público geralmente tão acostumado a receber tudo mastigado das produções cinematográficas. O exercício de tentar acompanhar os diálogos e compreendê-los em sua totalidade é desafiador e instigante.

    A direção de David Fincher, com sua capacidade técnica recorrente, fornece uma recriação daquele momento único na história de maneira pujante. Utilizando o frio e a escuridão do inverno de Massachusetts, o (auto?) isolamento social de Mark é sempre reforçado em sua postura corporal e posicionamento da câmera. As cores escuras, azuladas e em tons pastéis também compõem o cenário rico e ao mesmo tempo frio e distante da juventude atual, onde todos estão sempre juntos, conectados, mas afastados.

    Toda essa composição das cenas é novamente auxiliada pela fantástica trilha sonora da já conhecida dupla Trent Reznor e Atticus Ross. Os músicos, que já trabalharam com Fincher em outros projetos, atingem seu nível máximo de qualidade ao inserir em cada momento os elementos certos, ajudando a compor o tom das sequências e das atuações, ajustando-os em um encaixe perfeito com a narrativa. Ela funciona tão bem que vale a pena ouvi-la separadamente.

    Jesse Eisenberg consegue compor um Mark Zuckerberg que vai além da semelhança física. Traço marcante de suas atuações, a fala rápida e a postura de “nerd” ajudam o espectador a acreditar. a todo o instante, que aquele é o criador do Facebook. Sua falta de empatia e emoção ao lidar com amigos e pessoas que eram tão queridas vão transformando-o, pouco a pouco, em um vilão semitrágico, pois sua postura moral e seus valores estão todos inseridos nas regras de utilização da rede social: ao mesmo tempo que fotos e vídeos de violência, e páginas que propagam discursos de ódio contra minorias são permitidos, fotos expondo minimamente o corpo feminino são logo retiradas do ar, assim como conteúdos políticos que possam se opor ao establishment. Todas essas características de sua personalidade estão claras na composição de seu personagem, assim como sua arrogância e falta de conhecimento e prática em lidar com a diversidade de pensamento e de pessoas.

    Portanto, o maior mérito de A Rede Social não é a discussão judicial sobre quem teve a ideia de criar o Facebook, ou mesmo que fim levou tudo isso. Esse tema é usado como pano de fundo para se discutirem as relações humanas em épocas em que a humanidade, e seu contato real, parece ter cada vez menos valor frente a um mundo dominado pelo mercado dos valores simbólicos, no qual é mais importante parecer do que ser. É mais importante mostrar o que está se fazendo do que realmente aproveitar o momento, alterando até mesmo todo o significado da experiência humana.

    Dentro deste contexto, acompanhar a degeneração do relacionamento de Mark com todos os que o cercam é sintomático, pois vemos que alguém sem muitas noções de relacionamento com outras pessoas foi capaz de criar uma rede que une milhões de pessoas ao redor do mundo, de várias línguas e culturas. A prova definitiva de que o relacionamento virtual é um simulacro nem sempre confiável a respeito de nossa humanidade. A análise do comportamento humano é interessante, e a visão de Fincher e Sorkin sobre esse caso tão emblemático da humanidade nos auxilia não só a compreendermos um pouco mais a época e as pessoas que nela vivem, mas também ajuda a nos entendermos. Talvez um pouco mais do que gostaríamos.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • The Newsroom: O Recente Titanic da HBO

    The Newsroom: O Recente Titanic da HBO

    newsroom

    A tarefa de criar e manter uma série, na qual engloba, por inteiro, o mundo multipolar do jornalismo atual, deixa de ser tarefa no primeiro segundo de concepção e passa a ser um desafio a ser vencido por poucos, a favor do apreço de muitos. Sendo que a pessoa por trás dos roteiros insanos de The West Wing não pode ser muito normal da cuca, Aaron Sorkin, o único que sabe misturar Shakespeare e Arthur C. Clarke sem nos dar enjoo e/ou frustração, fez sorrirem os seguidores da hiper-democrata HBO ao expandir o estilo de A Rede Social e Moneyball, através da sensação de entrar numa redação de jornal televisivo, na tensão ao longo do breaknews, ao longo de The Newsroom.

    Para o aspirante a jornalista, uma bela metalinguagem. Ao jornalista, de fato, uma versão inofensiva dos fatos. Defronte ao leigo do mundo onde polêmicas são servidas no café-da-manhã,  a série ganhou uma primeira temporada primorosa que fez o Titanic avançar, e uma segunda que fez a embarcação sofrer um corte tão feio na base que sua terceira leva de episódios já foi anunciada como naufrágio iminente. Mesmo no atual conjunto de ótimas produções televisivas, como True Detective e Orange Is The New Black, é chato perderem-se de vista projetos de potencial afim.

    A sensação ao adentrar a rotina da mídia pela porta de trás é o equilíbrio de forças, o respeito básico entre elas, e o atrito eventual de interesses em prol da sobrevivência de quem fabrica a opinião pública. De temas flexíveis, ao focar a equipe de Will McAvoy, o âncora do jornal News Night na pele de Jeff Daniels, a apuração leve e objetiva que a série faz de vários tipos de jornalistas vivendo e morrendo em bando, e das manobras vitais da profissão a partir de uma simples redação, é um verdadeiro brainstorm para quem consegue acompanhar a dinâmica do show e a rapidez de reflexão que o ritmo exige.

    A “leve e objetiva” abordagem se deve, então, à técnica-chave de Sorkin: apontar o dedo e desviá-lo no momento em que olhamos na direção. Ironia do destino ou por decisão do canal, devido a isso veio justamente a desarmonia da segunda temporada e a gradual diluição da identidade, antes muito bem assegurada. O declínio foi leve, mas doeu e teve um preço.

    Ainda nessa primeira fase, The Newsroom demonstra-se incapaz de reproduzir em qualidade, em razão da irritante troca de diretores, entre episódios e temas. A realidade se mantém fixa e linear numa espiral de dramatização, na verdadeira criação do seu roteirista: um dossiê técnico do jornalismo do século 21 realizado através da atualização energética de Rede de Intrigas e da conversação moderna de Doze Homens e Uma Sentença – nas cenas de debate, por exemplo , ambos filmes de Sidney Lumet, unidos no formato Mad Men de promoção.

    Acontece que Sorkin, metralhadora de palavras, apontou seu dedo ao alvo, que desde a primeira cena da segunda temporada noticiamos que é o errado. Se em momento similar a série começou num palco de entrevistas com uma resposta ácida de McAvoy sobre a dura e real razão da América não ser a maior nação do mundo, não mais, o segundo pontapé chutou pra atmosfera o lado pessoal e parcial dos personagens sem sustentar o interesse dos mesmos fora do ambiente de trabalho.

    O interesse da série, por sua vez, estava na contradição de ter um contexto de informações em plena era da desinformação, ou era do exagero, tanto pela imprensa, tanto pelo freguês. Tanto faz.

    E, de profundo, o nível ficou médio; só Deus sabe o nível do que vem até o final de 2014. Ainda assim, reciclar ou inaugurar opinião sobre a série em post de Facebook ou notas de rodapé é injusto sob a reputação que as intenções traduzem – ou traduziram. No final, Newsroom ainda está para o jornalismo ético atual como House of Cards se encontra para a ética política de hoje, entre democratas e republicanos. Produtos culturais de seu tempo, imparciais ao que já passou, mas fiéis às intrigas e sentenças promovidas em nome do futuro.

    Já o que se fez constante foi o não uso dos temas abordados como forma extrema de publicidade, ou polêmica, para atrair a audiência  uma artimanha barata usada pela mídia que a série defende, mas nunca passa a mão na cabeça. A série não termina como fracasso, mas uma promessa capaz de ter sido muito mais e rendido inúmeras temporadas  que se vendeu sozinha, internet afora, apenas com um merecido empurrãozinho de marketing da HBO  o SBT dos Estados Unidos –, um canal onde Todos parecem ter vez e sob todos os efeitos.

    Compre aqui: primeira temporada (DVD)

  • Review | The Newsroom – 1ª Temporada

    Review | The Newsroom – 1ª Temporada

    the-newsroom

    The Newsroom estreou em junho desse ano na HBO americana e trouxe Aaron Sorkin de volta à televisão. O premiado roteirista de A Rede Social e O Homem que Mudou o Jogo tornou-se conhecido por seu trabalho em The West Wing e agora traz para uma série boa parte dos elementos que se tornaram sua marca.

    The Newsroom foca em Will McAvoy, um âncora de televisão tido como absolutamente inofensivo, que se vê afastado por conta de uma crise nervosa, e ao retornar ao estúdio, descobre que toda a sua equipe foi reformulada. Como chefe da nova equipe está Mackenzie MacHale, ex-namorada do protagonista, que o convence a iniciar o que ela chama de jornalismo 2.0.

    Mackenzie quer trazer os fatos, a relevância e a coragem de volta ao jornalismo. McAvoy passa a cobrir política com uma mão de ferro, e torna-se de repente o âncora mais incômodo da televisão americana.

    Os conflitos gerados por essa mudança são o motor principal da série, mas é a construção de personagens que realmente chama a atenção: eles são complexos, falhos e consideravelmente reais. Ao longo dos episódios, a personalidade de Will vai sendo construída nos mínimos detalhes, assim como sua relação com Mackenzie. O talento de Sorkin para diálogos proporciona carisma ao grupo de jovens empregados do jornal.

    São os diálogos e o realismo dos personagens que equilibram os momentos em que The Newsroom soa utópica ou piegas. Sorkin parece ter consciência de que esse jornalismo é praticamente impossível e de que sua série pode soar como uma palestra motivacional: é dito várias vezes que o projeto não vai dar certo e Mackenzie convence Will a tentar citando Don Quixote, o maior símbolo de utopia patética da literatura mundial.

    The Newsroom é uma série de Aaron Sorkin em diversos aspectos, sendo o mais gritante deles a capacidade de construir grandes momentos a partir de trivialidades, e equilibrar esses momentos com bons diálogos e personagens. A tensão e os conflitos foram bem administrados e o fim da primeira temporada inevitavelmente deixa o espectador ansioso para a segunda.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.