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  • Critica | 101 Dálmatas: O Filme

    Critica | 101 Dálmatas: O Filme

    Em 1996 chegava aos cinemas 101 Dálmatas: O Filme, versão do diretor Stephen Herek escrita por John Hughes para o clássico animado de 1961, 101 Dálmatas. A trama é bem diferente do filme dos anos sessenta, a começar pelo fato óbvio de que os animais aqui não falam, se comunicam através de latidos. A essência do filme é aproximadamente a mesma história, o cachorro macho Pongo vive com Roger Dearly, personagem de Jeff Daniels, um homem solitário, que trabalha desenvolvendo jogos de vídeo game.

    O filme não demora mais que cinco minutos para apresentar a vilã, a Cruella De Vil de Glenn Close, cuja persona é magnética e maléfica em perfeito equilíbrio. A personagem parece ter saído direto de um dos filmes do Homem Morcego, uma perfeita mistura de duas encarnações noventistas de seus vilões. Lembra um híbrido de Mulher-Gato de Batman: O Retorno com o Charada de Batman Eternamente, com uma atmosfera gélida e baseada em cores de tonalidades diferentes, o preto e o branco.

    A personagem é uma estilista e seu modo excêntrico de vida se reflete nos cenários vultuosos que ela usufrui, todos grandiosos. Em um desses cenários trabalha a designer Anita (Joely Richardson), também é apaixonada por cães. Obviamente o destino dela e do homem solitário se cruzariam, de maneira ainda mais atrapalhada que no clássico animado. Cruella é uma mulher estranha, de gostos bizarros, ama peles e não mede esforços para alcançar seus objetivos.

    As caras e bocas que Close faz lembram os antagonistas dos filmes de Tim Burton, como o Coringa de Jack Nicholson em Batman e Bettlejuice de Michael Keaton em Fantasmas se Divertem. Quando a câmera a acompanha o filme ganha força, mesmo que o casal de humanos seja bastante carismático e charmosos em tela.

    Os clássicos animados da Disney eram conhecidos por terem histórias breves, seja na construção de seus vilões, como também na reunião dos casais. Herek achou uma boa ideia emular essa velocidade de intimidade também em sua versão. O casal humano não precisa de mais de dez minutos de inteiração para decidirem, enfim, se casar.

    Fora uma ou outra ideia equivocada como uma reunião de pets do lado de fora da igreja durante a cerimônia, o tom do filme é acertado, ao unir de maneira engraçada o destino das famílias humanas e de cachorros, com várias brincadeiras de dualidade, como Anita descobrindo que será mãe com um ginecologista que esta ao lado de um veterinário. É em essência um produto feito para as crianças, embora possa ser consumida por toda a família, graças ao humor pastelão empregado no longa.

    Mesmo sem elementos fantásticos, a estrutura narrativa é de um conto de fadas. Os personagens agem de maneira suspeita, como se cordas amarrassem suas mãos e pés, fazendo deles títeres de uma marionetista insano. Além disso, os cachorros parecem estar um grau de inteligência a frente dos humanos. São bem menos caricaturais que Cruella e Roger, tem percepções melhores, julgam melhor eventos de entretenimento como narrativa em jogos, seriados de televisão, e ainda são arrojados o suficiente para abrir trancas das casas.

    Próximo do final, o tom mais sério do filme é completamente deixado de lado. A série de armadilhas que os animais produzem não incomodam só por serem completamente improváveis, mas também por que submetem os personagens vilanescos — incluindo De Vil — em sequências que mais lembram Esqueceram de Mim do que o filme original.

    Esses últimos momentos além de esticar desnecessariamente a trama, também destoam muito  do restante do filme, mais para além da continuação, 102 Dálmatas lançada em 2000 e do seriado animado 101 Dálmatas que daria continuidade a essa história. A versão de Herek presta muita reverência a animação original. Só poderiam utilizar mais os temas musicais do filme antigo, certamente daria mais personalidade a produção.

  • Crítica | Boa Noite e Boa Sorte

    Crítica | Boa Noite e Boa Sorte

    Vamos lá: Em Embriaguez do Sucesso, soberba película de 1957, nós acompanhamos uma trama aparentemente simples: dois homens de negócios no coliseu da fama, um lutando para retornar ao topo dos tabloides, enquanto o outro ousa não cair no nível do primeiro; uma roleta-russa filmada com enorme precisão, com alguns dos mais retumbantes diálogos que um roteiro já expressou – fato. Não é à toa, e não só por isso, que a estrutura básica d’outro clássico mais recente, O Informante, com Al Pacino e Russel Crowe, remete a isso, sendo mais sólida que concreto no sol de quarenta graus.

    Isso porque em 1999, o cineasta Michael Mann captou o cheiro fétido e o sabor azedo de uma história midiática através não só de imagens, mas da relação entre elas, como se nossos olhos degustassem e sentissem o poder que existe na transição entre películas. Em parte por conta da classe provada na condução do diretor, afinal a potência do conjunto redondo da obra é magistral. O Informante, tal qual Embriaguez do Sucesso, é uma aula fílmica moderna de peso e com pouca rivalidade dada a maestria na qual ambos se amparam. E agora, vamos ao real norte desta crítica, em questão.

    Mas não se enganem: Boa Noite e Boa Sorte, de George Clooney, é um wanna be movie; filmes que querem ser o que as influências fazem-nos querer ser. Tal um homem de estatura média subindo na cabeça dos gigantes do passado, em busca da visão do Eldorado, Clooney se dá por satisfeito nessa empreitada vertical e assim realizou, em 2005, um thriller político todo sério, breve e nada memorável com uma história muito boa, sobre a moral do jornalismo posta à prova, e a pressão que os guardiões das notícias na televisão sofrem quando essa é eclipsada por interesses além da básica responsabilidade social que a profissão carrega, com orgulho.

    Informação é poder, por todo o sempre, e esse bom roteiro original nos transmite esse imperialismo pela boca dos atores (esplêndidos, em cena, e esse parece o êxito verdadeiro de Clooney na direção: extrair ótimas atuações dos homens e mulheres que manipula na tela), deixando transparecer o jogo de prudência e a falta dela na conduta pela veracidade das notícias na rede CBS, em plenos anos cinquenta. O ator, sentado na cadeira de cineasta, quer tecer uma ode à influência da televisão na sociedade, mas não parece sentir direito para onde a história deve fluir pra alcançar isso, e de close em close, na mais absoluta confiança no seu elenco de peso, deixa o filme acontecer.

    No contexto de 2018, pode-se perceber o quanto Boa Noite e Boa Sorte remete a esses idos brasileiros do “Vai pra Cuba”, antipetismo e paneladas da classe-média alta, já que, segundo a experiência do veterano repórter e âncora de telejornal Edward R. Murrow (David Strathaim), e a dos seus companheiros de luta, o público está sempre à mercê do incomensurável poder da mídia (mesmo na época de mídias digitais), e nem sempre deve ouvir só aquilo que deseja. Dessa forma, caso a época demande alguns debates históricos contra acusações infundadas de políticos intoxicando a opinião popular, é exatamente isso o que um jornalismo sério deve fazer: Investigar, discutir e elucidar os fatos. Custe o que custar.

    Se de posse de uma premissa tão forte, acerca de um jornalismo que digladia contra verdades repletas de intolerância política, e com atores em ponto de bala encenando mil conflitos entre si, por que a sensação é de distanciamento e superficialidade? Nota-se, respondendo a isso, que Clooney é um estrategista contemporâneo do tipo Christopher Nolan, que não consegue pensar no filme todo, mas em artimanha atrás de artimanha até chegar ao fim. E mesmo sendo muito melhor com atores que Nolan, Clooney não extrai (ironicamente) veracidade de um universo que aqui chega as vias do perturbador e do sinistro, tamanha a dificuldade que pode surgir a um repórter que não concorda em veicular o veneno da injustiça.

    Para o filme, o ator/diretor emprega todo o seu charme natural de galã para as cenas em geral, tornando sua alegoria do começo ao fim um verdadeiro desfile de elegância que nunca desce do salto, mesmo em sequências mais fortes – para isso, conta com uma câmera tremida bem incômoda. Já o roteiro, enquanto a benção que é, garante momentos que dificilmente poderiam ser estragados por um cineasta, como toda a vez que Strathaim, em atuação impressionante, discursa para a câmera, duro e moralmente inquebrável como um jornalista incorruptível no auge da profissão, delegando ao seu público o seu “boa noite”, mas antes a verdade e nada mais do que isso. Na memória, ficam sobretudo essas cenas, muito mais que a obra por inteiro.

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  • Crítica | Debi & Lóide: Dois Idiotas em Apuros

    Crítica | Debi & Lóide: Dois Idiotas em Apuros

    Debi e Loide A

    O começo tímido, que se vale de piadas sexistas pouco ofensivas, introduziria uma dupla de protagonistas estúpidos, pensada pelos irmãos Peter e Bobby Farrelly. Lloyd (Lóide) Christmas (Jim Carrey) é um condutor de limousine de moral frágil e que tem na figura de sua patroa Mary Swanson (Lauren Hoolly) a sua musa. Seu pouco traquejo com as mulheres garante momentos de absoluta comicidade e falta de noção, com explosões tomando a estrada enquanto pratica direção perigosa. A despedida de sua amada – que acabara de conhecer – é emocionante, segurando o público de imediato, inserindo-o no drama. Logo ao acenar o “tchau” para a moça, após uma trapalhada, o espectador percebe uma trama policial escondida atrás de toda a pataquada da fita.

    Do outro lado da cidade, sua contraparte Harry Dunne (Debi, na versão brasileira, interpretado por Jeff Daniels) exibe todas as suas inabilidades como cuidador de cães. Ao final do dia, os dois amigos voltam ao apartamento que compartilham, desempregados, fruto, é claro, da incompetência de ambos. Cansados de fracassos sucessivos, eles resolvem se aventurar, viajando para Conneticut a bordo de seu cachorro-móvel.

    Na estrada, eles arrumam confusão com alguns caipiras, demonstrando covardia e instinto de sobrevivência, algo que os faz pregar peças nos bullyers e até nos policiais. A hilaridade idiota é a tônica dessas interações. No decorrer da viagem, Lóide tem sonhos de cunho erótico com Mary, imaginando os momentos em que o romance finalmente se concretizaria, incluindo rodas de amigos cujo centro das atenções era ele e suas piadas. Em determinados pontos, ele fantasia discussões intensas nas quais destila seus supostos dotes de briga, espancando um restaurante inteiro, como um Bruce Lee retardado, tomando o coração do chef, à força, para logo depois sonhar com as curvas de Mary, em que os seios expostos da garota como faróis de caminhão demonstram que a virgindade é o maior trunfo do personagem.

    A química entre Carrey e Daniels se dá especialmente pela troca de ofensas e pegadinhas entre um e outro, uma eterna competição para provar quem é mais infantil e imbecil, quase sempre sendo Lóide o vencedor. Qualquer um que atravessa o caminho da dupla sofre as agruras de estar ao lado de pessoas tão incrivelmente irritantes, mas absurdamente gentis e solícitas. Curioso como a ingenuidade dos dois consegue cooptar também um bom coração.

    À procura da bela mulher, os amigos sofrem muitas perdas, até terem noção de que carregam uma maleta repleta de dinheiro. O consumo indiscriminado de dinheiro nos eventos mais supérfluos possíveis. Suas atitudes fazem mal a praticamente tudo que os envolve, deixando um rastro de destruição ao matarem aves raras e esmigalhando propriedades públicas enquanto tentam se divertir.

    A rivalidade entre os dois se acirra ao perceberem estar os dois emotivamente envolvidos pela(s) mesma(s) mulher(es), algo natural, uma vez que há falta de tato de ambos com o sexo oposto. Logo, Lóide acaba por passar pelo destino da mesma moça que flertou antes com Harry, enquanto o amigo loiro se diverte na neve com Mary. A mágoa atinge a personagem de Jim Carrey, que não consegue esconder sua frustração e se vinga dele, pondo laxante na solução alimentícia do amigo.

    A disputa faz com que Lóide se jogue desesperadamente nos braços de sua amada, tentando se declarar a ela, se frustrando após descobrir que ela é na verdade uma pessoa casada. Após muita discussão e situações das mais toscas possíveis, os dois seguem seu caminho, retomando o valor da amizade, salvando um ao outro, mostrando uma inexoravelmente unida relação que suporta toda e qualquer barreira. A comédia dos Farrelly não tem qualquer mensagem edificante ou evolução aparente, mas dá voz a valores simples, como companheirismo e desapego material, sob uma ótica boba que fez muito sucesso entre o público infantil e ajudou a salientar um subgênero da comédia, que se vale de pastelões e de piadas físicas.

  • Crítica | Debi & Lóide 2

    Crítica | Debi & Lóide 2

    Debi e Loide 1

    Quase 20 anos depois da estreia do primeiro filme, após uma pouco inspirada prequência, Jeff Daniels retorna ao papel pelo qual ficara marcado ao lado de Jim Carrey, cuja carreira bastante deficitária exigia um sucesso comercial urgentemente. Sob a rédea da dupla de diretores que também comandou o filme de 94, a obra inicia-se mostrando a melancolia que está a vida de Harry/Debi (Daniels) cuidando de seu catatônico amigo, traumatizado após a rejeição de Mary Swanson – obviamente não aventada no episódio anterior. Lloyd/Lóide (Carrey) finalmente acorda, saindo do estado débil para mostrar que era apenas uma piada que durou duas décadas.

    Assim como com seus intérpretes, os tempos contemporâneos não são gloriosos. Harry está com um grave problema de saúde, com os rins danificados, e morrerá caso não consiga um órgão novo. Após uma visita aos pais adotivos de Debi, a dupla descobre que o loiro possui uma filha com Fraida Felcher, citada no filme original. Já idosa, a personagem vivida por Kathlen Turner diz que a menina foi levada para a adoção, e que não tem contato com ela desde então.

    O chamado à aventura realiza-se e eles finalmente põem o pé na estrada, repetindo e refilmando inúmeras situações cômicas, como a paixão de Lóide por uma mulher inalcançável – no caso, Penny Pinchlow (Rachel Melvin), a herdeira de Felcher –, e também os percalços na estrada e as fantasias em forma de sonho que acometem os dois protagonistas. É curioso notar que nestas imaginações há dois factoides distintos: o primeiro normalmente exclui um amigo do sonho do outro, como se as vidas deles só pudessem ser perfeitas caso a interdependência se findasse, a despeito da longa parceria; o outro mostra ambos agindo em prol da honra alheia – esse, da parte de Lóide.

    O esqueleto do roteiro contém semelhanças com Debi & Lóide – Dois Idiotas em Apuros, tanto nas lutas imaginárias fantásticas quanto as com um núcleo de bandidos, que buscam satisfazer sua ganância financeira a partir da exploração de alguém rico. Uma dupla de vigaristas acompanha o doutor Pinchelow (Steve Tom), tentando roubar seu patrimônio, constituído de recursos conquistados por sua carreira promissora de cientista. O casal formado por Adele (Laurie Holden) e Travis (Laurie Holden) decide então vigiar a dupla de estúpidos numa viagem até uma conferência a fim de entregar uma descoberta valiosa a Penny mas, atrapalhada, esqueceu a encomenda em casa.

    As rugas e sobrepeso dos astros argumentam contra o filme, especialmente por repetirem-se demasiadamente as fórmulas que deram certo antes. Ao ser resgatado e engasgar no primeiro solavanco, o velho carro/cachorro é o símbolo visual mais claro desse inconveniente, uma piada auto imposta de modo bastante humilde, não se levando a sério. Apesar da limitação física, Carrey ainda consegue fazer as piadas corporais ao estilo de Jerry Lewis, no entanto ainda existe espaço para o humor escatológico, mas com doses moderadas, já que se trata de um produto para toda a família e que visa atrair o americano médio.

    Obviamente, grande parte da graça de Debi & Lóide 2 vem da nostalgia dos fãs de Carrey e Daniels, crianças e adolescentes que cresceram com os protagonistas sentindo saudade do humor pueril, descompromissado e baseado no velho besteirol que faz muito sucesso com as plateias estadunidense e brasileira.

    Após uma briga, Debi e Lóide rompem sua unidade, indo cada um para o seu lado. Nas posições distintas que assumem, cada um à sua maneira tenta alcançar Penny. Apesar de não aparentarem, ambos sentem demais a falta um do outro, não conseguindo se sentirem plenos sem o amigo ao lado. E a iminente morte de Harry faz com que Lóide perceba que a vida é curta demais para ficar longe de quem se ama.

  • The Newsroom: O Recente Titanic da HBO

    The Newsroom: O Recente Titanic da HBO

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    A tarefa de criar e manter uma série, na qual engloba, por inteiro, o mundo multipolar do jornalismo atual, deixa de ser tarefa no primeiro segundo de concepção e passa a ser um desafio a ser vencido por poucos, a favor do apreço de muitos. Sendo que a pessoa por trás dos roteiros insanos de The West Wing não pode ser muito normal da cuca, Aaron Sorkin, o único que sabe misturar Shakespeare e Arthur C. Clarke sem nos dar enjoo e/ou frustração, fez sorrirem os seguidores da hiper-democrata HBO ao expandir o estilo de A Rede Social e Moneyball, através da sensação de entrar numa redação de jornal televisivo, na tensão ao longo do breaknews, ao longo de The Newsroom.

    Para o aspirante a jornalista, uma bela metalinguagem. Ao jornalista, de fato, uma versão inofensiva dos fatos. Defronte ao leigo do mundo onde polêmicas são servidas no café-da-manhã,  a série ganhou uma primeira temporada primorosa que fez o Titanic avançar, e uma segunda que fez a embarcação sofrer um corte tão feio na base que sua terceira leva de episódios já foi anunciada como naufrágio iminente. Mesmo no atual conjunto de ótimas produções televisivas, como True Detective e Orange Is The New Black, é chato perderem-se de vista projetos de potencial afim.

    A sensação ao adentrar a rotina da mídia pela porta de trás é o equilíbrio de forças, o respeito básico entre elas, e o atrito eventual de interesses em prol da sobrevivência de quem fabrica a opinião pública. De temas flexíveis, ao focar a equipe de Will McAvoy, o âncora do jornal News Night na pele de Jeff Daniels, a apuração leve e objetiva que a série faz de vários tipos de jornalistas vivendo e morrendo em bando, e das manobras vitais da profissão a partir de uma simples redação, é um verdadeiro brainstorm para quem consegue acompanhar a dinâmica do show e a rapidez de reflexão que o ritmo exige.

    A “leve e objetiva” abordagem se deve, então, à técnica-chave de Sorkin: apontar o dedo e desviá-lo no momento em que olhamos na direção. Ironia do destino ou por decisão do canal, devido a isso veio justamente a desarmonia da segunda temporada e a gradual diluição da identidade, antes muito bem assegurada. O declínio foi leve, mas doeu e teve um preço.

    Ainda nessa primeira fase, The Newsroom demonstra-se incapaz de reproduzir em qualidade, em razão da irritante troca de diretores, entre episódios e temas. A realidade se mantém fixa e linear numa espiral de dramatização, na verdadeira criação do seu roteirista: um dossiê técnico do jornalismo do século 21 realizado através da atualização energética de Rede de Intrigas e da conversação moderna de Doze Homens e Uma Sentença – nas cenas de debate, por exemplo , ambos filmes de Sidney Lumet, unidos no formato Mad Men de promoção.

    Acontece que Sorkin, metralhadora de palavras, apontou seu dedo ao alvo, que desde a primeira cena da segunda temporada noticiamos que é o errado. Se em momento similar a série começou num palco de entrevistas com uma resposta ácida de McAvoy sobre a dura e real razão da América não ser a maior nação do mundo, não mais, o segundo pontapé chutou pra atmosfera o lado pessoal e parcial dos personagens sem sustentar o interesse dos mesmos fora do ambiente de trabalho.

    O interesse da série, por sua vez, estava na contradição de ter um contexto de informações em plena era da desinformação, ou era do exagero, tanto pela imprensa, tanto pelo freguês. Tanto faz.

    E, de profundo, o nível ficou médio; só Deus sabe o nível do que vem até o final de 2014. Ainda assim, reciclar ou inaugurar opinião sobre a série em post de Facebook ou notas de rodapé é injusto sob a reputação que as intenções traduzem – ou traduziram. No final, Newsroom ainda está para o jornalismo ético atual como House of Cards se encontra para a ética política de hoje, entre democratas e republicanos. Produtos culturais de seu tempo, imparciais ao que já passou, mas fiéis às intrigas e sentenças promovidas em nome do futuro.

    Já o que se fez constante foi o não uso dos temas abordados como forma extrema de publicidade, ou polêmica, para atrair a audiência  uma artimanha barata usada pela mídia que a série defende, mas nunca passa a mão na cabeça. A série não termina como fracasso, mas uma promessa capaz de ter sido muito mais e rendido inúmeras temporadas  que se vendeu sozinha, internet afora, apenas com um merecido empurrãozinho de marketing da HBO  o SBT dos Estados Unidos –, um canal onde Todos parecem ter vez e sob todos os efeitos.

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  • Crítica | Uivo

    Crítica | Uivo

    Quad

    A produção de Rob Epstein e Jeffrey Friedman aborda de modo mais poético e lírico a Geração Beat que Na Estrada, tomando a figura e a obra de Allen Ginsberg como temas. Howl, a obra em que o filme se baseou, abusa do lúdico e do etilismo. O registro cinematográfico é composto de cenas equivalentemente alucinógenas, salientando a sábia escolha de usar uma animação das mais primitivas – remontando aos clássicos de Walt Disney – para ilustrar as delirantes memórias do protagonista/narrador.

    Muito mais modesto que seu primo dirigido por Walter Salles, Uivo é mais competente em demonstrar as desventuras dos beats, até por não ter a pretensão de ser algo grandioso. Sua simplicidade é algo louvável, mas não o torna medíocre, muito graças à boa encarnação do (ainda não estelar) James Franco. A produção é quase artesanal, dado o seu caráter, e confessional ao extremo, competente em reproduzir a aura do escrito original.

    A variação de estilos cinematográficos garante um novo fôlego à obra, que varia entre thriller jurídico, mockumentary, beatnik, épico etc. O estourar de palavras e letras, que formam os poemas, faz um contraponto curioso com os objetos de consumo que também teimam em aparecer na tela. A falta de apego material de Ginsberg é mostrada, evidenciando os poucos bens que importavam para ele – seus óculos, sua máquina datilográfica e objetos de uso “marginal”.

    A falta de traquejo de James Franco ao ler as poesias em público é incômoda e diferente de suas boas narrações – o defeito representa o deslocamento de Allen em relação ao mundo, suas preferências carnais e a forma com que é tratado como artista iniciante em uma época em que nenhuma dessas práticas era explorada e discutida de forma igualitária e justa. Ele era um astro fora de órbita, mesmo na galáxia em que orbitavam Jack Kerouac e Neal Cassaday. A negação da existência de uma “geração” demonstra com maestria o seu pensamento. Ainda que essa declaração tenha um forte apelo, há nela algo eufemístico, visto que (ao menos no roteiro), Ginsberg deixa claro que se sentia rejeitado até mesmo pelos dois amigos, e muito por isso se deve o fato de eles não formarem um movimento, sendo apenas escritores que buscavam vender mais.

    A empatia pelo personagem é automática e nem é tanto pela belíssima poesia – utilizada de forma inteligente, pontual e nada enfadonha – mas também pela fragilidade que ele transparece.

    Para a promotoria, Howl era uma literatura suja, imoral, que propagava obscenidades, não só para os letrados, mas também ao alcance dos incautos e dos adeptos da moral e bons costumes. A disputa no tribunal não filma Ginsberg como réu; como se a batalha fosse ideológica, de dois pólos: um conservador e outro amoral e pró-arte. O que se julga é a obra e não o autor, e o resultado é favorável a ela, garantindo-lhe o direito à livre expressão.

    O final contém os destinos dos próximos a Ginsberg e resulta numa confissão positiva do autor, que, depois de muito procurar, parecer ter finalmente achado o seu lugar ao lado de seu parceiro e, claro, com seu trabalho como escritor. Uivo é um bom retrato de época e acerta demais na ambientação e no espírito daquele período.

  • Crítica | Dívida de Sangue

    Crítica | Dívida de Sangue

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    Clint Eastwood sempre sentiu-se confortável com a proximidade da lei ou dentro de um senso moral que atravessa diversas personagens desde seu início de carreira até em produções de sua maturidade.

    Em Poder Absoluto e Crime Verdadeiro, Eastwood já demonstrava seu gosto por narrativas policiais de conteúdo político ou investigativas, histórias que sempre apresentavam elementos dúbios que se revelavam ao longo da história.

    Baseado na obra de Michael Connelly, Terry McCaleb é um ex-detetive aposentado, recém saído de um transplante de coração. Ao ser abordado por Wanda que lhe pede que investigue o assassinato da irmã, o policial teria muitos motivos para negar. Exceto que está vivo graças ao coração da vítima assassinada. A procura de trazer conforto a irmã, o investigador assume uma investigação informal sobre o caso.

    Divida de Sangue é um tradicional filme policial. Apresenta as circunstâncias do crime no início e no decorrer da trama é realizada a investigação. Não há arroubos narrativos, reviravoltas, nem vilões que chamam a atenção como no recente A Sombra do Inimigo. Mas uma investigação voltada a procura dos detalhes que conseguem produzir pistas.

    Eastwood escolheu para si um papel que condiz com sua idade. Seu detetive repete a personalidade de moral rígida e de pouco humor que permeia toda sua obra e foi composto de maneira exemplar em relação ao personagem do romance de Connelly. É um homem que ainda deseja estar ativo no trabalho mas impedido pelos limites físicos.

    A atmosfera da trama chega a resvalar em alguns momentos nas clássicas narrativas noir, com direito a trilha sonora regada a jazz e cenas que privilegiam a luz ambiente, dando um aspecto mundano a investigação.

    O filme é bastante fiel ao romance mas, devido a sua extensão, opta por encerrar a investigação antes sem perder o clímax que tem boa concepção mas poderia ser melhor executado se aprofundasse no sadismo doentio do assassino. Ao preferir deixá-lo mais simples, a trama eclode em uma desnecessária cena de perseguição policia e bandido.

    A partir deste filme, Eastwood produziria um longa metragem a cada ano. A atmosfera e a reflexão sobre a natureza humana é repetida com mais precisão e peso em Sobre Meninos e Lobos, outra narrativa do gênero, e um dos melhores filmes do diretor.

  • Review | The Newsroom – 1ª Temporada

    Review | The Newsroom – 1ª Temporada

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    The Newsroom estreou em junho desse ano na HBO americana e trouxe Aaron Sorkin de volta à televisão. O premiado roteirista de A Rede Social e O Homem que Mudou o Jogo tornou-se conhecido por seu trabalho em The West Wing e agora traz para uma série boa parte dos elementos que se tornaram sua marca.

    The Newsroom foca em Will McAvoy, um âncora de televisão tido como absolutamente inofensivo, que se vê afastado por conta de uma crise nervosa, e ao retornar ao estúdio, descobre que toda a sua equipe foi reformulada. Como chefe da nova equipe está Mackenzie MacHale, ex-namorada do protagonista, que o convence a iniciar o que ela chama de jornalismo 2.0.

    Mackenzie quer trazer os fatos, a relevância e a coragem de volta ao jornalismo. McAvoy passa a cobrir política com uma mão de ferro, e torna-se de repente o âncora mais incômodo da televisão americana.

    Os conflitos gerados por essa mudança são o motor principal da série, mas é a construção de personagens que realmente chama a atenção: eles são complexos, falhos e consideravelmente reais. Ao longo dos episódios, a personalidade de Will vai sendo construída nos mínimos detalhes, assim como sua relação com Mackenzie. O talento de Sorkin para diálogos proporciona carisma ao grupo de jovens empregados do jornal.

    São os diálogos e o realismo dos personagens que equilibram os momentos em que The Newsroom soa utópica ou piegas. Sorkin parece ter consciência de que esse jornalismo é praticamente impossível e de que sua série pode soar como uma palestra motivacional: é dito várias vezes que o projeto não vai dar certo e Mackenzie convence Will a tentar citando Don Quixote, o maior símbolo de utopia patética da literatura mundial.

    The Newsroom é uma série de Aaron Sorkin em diversos aspectos, sendo o mais gritante deles a capacidade de construir grandes momentos a partir de trivialidades, e equilibrar esses momentos com bons diálogos e personagens. A tensão e os conflitos foram bem administrados e o fim da primeira temporada inevitavelmente deixa o espectador ansioso para a segunda.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.