Já nos habituamos a todo ano receber notícias a respeito do cancelamento de nossas séries. 2021, apesar de completamente atípico, não poderia ser diferente. É verdade que o atual cenário pandêmico mundial mudou consideravelmente a produção do audiovisual, com diversas delas sofrendo interrupções, mas pouco a pouco as gravações foram retomadas. Entretanto, muitas delas foram encerradas prematuramente — ou até que outra emissora ou serviço de streaming decida continuá-la —, apesar de uma boa recepção de público e crítica, por isso, confira a lista de algumas das que tiveram seu desfecho interrompido neste ano.
Lovecraft Country
A adaptação do livro homônimo de Matt Ruff chegou na HBO em 2020, recebeu diversos prêmios e ainda assim teve o anúncio de seu cancelamento neste ano sem grandes explicações e causou bastante surpresa após receber mais de 18 indicações ao Emmy. A showrunnerMisha Green vinha trabalhando em um roteiro e o elenco da série ainda com agenda reservada para as gravações de uma nova temporada.
A série se passava nos Estados Unidos dos anos 1950 e mesclava o horror pulp (e extremamente preconceituoso) de H.P. Lovecraft com o segregacionismo racial do país.
Punky, A Levada da Breca
Vocês sabiam que Punky, a série de sucesso dos anos 80 teve um revival em 2021? Nem eu. A continuação da série apostou em produções como Três é Demais, que tiveram continuações recentes com boa parte do elenco original e tiveram um sucesso relativo, no entanto, não foi o caso de Punky que teve seu cancelamento anunciado quatro meses após a exibição da primeira temporada com dez episódios.
Os Irregulares de Baker Street
O que aparentava se tornar uma série de sucesso no serviço de streaming da Netflix fracassou amargamente e teve sua produção cancelada na primeira temporada. O grupo de jovens detetives sobrenaturais que trabalhavam para Sherlock Holmes parece não ter feito o sucesso esperado e os custos altos de produção cobraram o preço.
Meu Pai e Outros Vexames
Produzida e estrelada por Jamie Foxx, a comédia Meu Pai e Outros Vexames foi inspirada na relação entre Foxx e sua filha. O ator surgiu na comédia, mas a péssima repercussão de público e crítica foi o fator primordial para a Netflix cancelar a sitcom, ainda que os envolvidos aleguem que optaram por não renovar em comum acordo. A primeira temporada contou com oito episódios e, aparentemente, não era apenas a filha que ele estava deixando envergonhada.
Os Eleitos
A Disney+ anunciou no primeiro semestre de 2021 que Os Eleitos não retornariam para uma segunda temporada. Com essa decisão, a série se tornou a primeira produção do serviço a ser cancelado.
Os Eleitos é fruto da parceria da Disney+ com a National Geographic e contou a história da corrida espacial norte-americana. Apesar do cancelamento, outras emissoras e serviços tem apontado o interesse em continuar essa história.
Cursed: A Lenda do Lago
A série de fantasia medieval teen, Cursed: A Lenda do Lago, foi cancelada pela Netflix em 2021 após a recepção morna do público em relação ao custo da produção. A releitura da lenda arturiana do ponto de vista de Nimue é baseada na graphic novel de Frank Miller e Tom Wheeler.
O Legado de Júpiter
A parceria de Mark Millar e Netflix ainda não rendeu nenhuma produção digna de nota, seja nos quadrinhos ou no serviço de streaming. Na esteira do seriado The Boys, Millar e Netflix acreditavam que a desconstrução dos super-heróis seria uma escolha mais do que acertada, no entanto, a escolha por adaptar apenas pouquíssimas páginas do primeiro arco do quadrinho parece ter cobrado seu preço e o cancelamento foi mais que merecido.
Ainda assim, tanto o autor quanto o serviço já anunciaram que o mundo de O Legado de Júpiter será abordado em outras produções futuras, como a adaptação da mediana Supercrooks, que ganhará uma série em live action e anime.
Turner & Hooch
A série Turner & Hooch estrelada por Josh Peck e servia como um reboot da comédia policial com Tom Hanks, Uma Dupla Quase Perfeita, não conseguiu renovação para uma segunda temporada. Apesar do apelo nostálgico, o serviço de streaming encerrou o seriado com apenas uma primeira temporada de doze episódios. Embora a recepção do público parecesse popular, a série recebeu críticas medíocres da maioria dos veículos especializados.
Y: O Último Homem
A adaptação da série em quadrinhos de Brian K. Vaughan e Pia Guerra tinha tudo para ter vida longa na TV, mas assim como O Legado de Júpiter, a produção optou por espremer tudo e mais um pouco de poucas páginas de história e entregar nada ao espectador acreditando que teriam mais tempo para desenvolver a trama. Não rolou. Y: The Last Man não tinha ritmo algum e pouco a pouco a audiência foi diminuindo. Os produtores estão buscando uma nova casa para o seriado, mas até agora sem sucesso.
Cowboy Bepop
A adaptação em live action de Cowboy Bebop era bastante aguardada, mas como costuma acontecer em adaptações americanas de produções japoneses, o receio do público era grande. No entanto, assim que a primeira temporada foi disponibilizada na Netflix a recepção foi dividida e ainda que tenha atraído uma parcela considerável de espectadores, o serviço optou por cancela-lo semanas depois da estreia, visto que a audiência não justificava os gastos. Para quem esperava uma continuação para saber o final da série, recomendo que procurem o anime.
Mare Of Easttwon é uma minissérie da HBO protagonizada e produzida por Kate Winslet, que vive Mare Sheeran, uma chefe de família divorciada e detetive da pequena cidade de Easttown. O lugar é conhecido pelo desaparecimento de algumas jovens, fato esse que faz com que a sociedade acredite que exista um psicopata ou assassino em série à solta, e tudo se agrava quando a polícia encontra o cadáver de outra jovem.
O roteiro brinca com elementos comuns de histórias provincianas. Há mistérios e eventos estranhos que se acentuam por conta da condição emocional de Mare. Diante desse cenário, os crimes parecem fazer parte da atmosfera acinzentada estabelecida na cidade e alguns personagens. A série tem apenas sete episódios, todos muito bem conduzidos por Brad Ingelsby, showrunner da série e roteirista de bons filmes policiais (Tudo Por Justiça, Noite Sem Fim), e dirigidos por Craig Zobel, conhecido por seu trabalho no incômodo Obediência e o recente A Caçada.
Jean Smart e Angourice Rice fazem bons papéis como Helen e Siobhan Sheehan. O estilo de ambas funciona com a dinâmica da protagonista, tornando-a mais humana e complexo do que uma mulher de meia-idade com poucas perspectivas. Julianne Nicholson ajuda a fortalecer a condição de que as pessoas fortes de Easttown são as mulheres, não só por serem as condutoras de suas próprias historias, mas também por movimentarem todas as curvas dramáticas da série, mesmo antes do presente ocorrer, já que a cidade é conhecida por um time de basquete feminino local que venceu competições amadoras, e que tinha em Mare sua craque.
Os homens, que em suma, são fracos, inexpressivos, passivos, quase impotentes, exceção talvez ao detetive Colin Zabel (Evan Peters) um sujeito sensível e bem diferente dos seus últimos personagens, que também não é exatamente um exemplo de virilidade, e ainda esconde consigo um incômodo segredo a respeito de seus feitos no passado. Mare of Easttown contém uma personagem poderosa e humana, dona de um código ético irrepreensível, incapaz de ser dobrado. A discussão dessas condições dentro dos episódios é bem realizada e pontuada pela exploração da dificuldade que pessoas reais têm em seguir em frente após um trauma.
Há não muito tempo atrás os canais HBO apresentavam em suas séries tramas elaboradas, acompanhada de um elenco diferenciado, incluindo uma boa equipe de produção, roteiro e direção. Essa fama se solidificou com Família Soprano, A Sete Palmos, Roma entre outras, e com o tempo, produções que no começo eram elogiadas, foram perdendo fôlego, como Game of Thrones, Westworlde True Blood.
Uma das novas apostas da emissora é a produtora e showrunnerMisha Green, que tem pouca experiência na televisão e que resolveu adaptar o livro Território Lovecraft, de Matt Ruff, trazendo à luz Lovecraft Country, uma história que reúne elementos realistas e referências a literatura pulp, quadrinhos e terror. Evidentemente, a maior parte das referências dentro dessa temporada são aos contos psicodélicos de H.P. Lovecraft, inclusive colocando o racismo galopante do autor como elemento narrativo, subvertendo a obra do próprio. No episódio piloto se tem uma sequência sensacional onde o jovem veterano de guerra Atticus ‘Tic’ Freeman tem uma visão/sonho, que reúne elementos de livros clássicos de H.G.Wells, Julio Verne com lendas do esporte como o jogador de Baseball Jackie Robinson.
Tic fala que histórias são como as pessoas, não precisam ser perfeitas para se gostar delas. Claro que a intenção é colocar em perspectivas as narrativas dos autores, e claro, fazer um comentário sobre a efervescência política da época, mas de certa forma isso acaba sendo um comentário a respeito das fragilidades do roteiro, que faz muitas concessões e apela demais para a suspensão de descrença, e não por conta dos eventos fantásticos da série, afinal esses são esperados, mas sim porque algumas regras são facilmente quebradas e dobradas, enquanto outras se mantém firmes.
Apesar dessa problemática, a maioria dos dez episódios tem mais aspectos positivos que negativos. Os efeitos especiais são bem legais, e a abordagem de cada episódio brinca com um gênero diferente dentro do escopo de ficção cientifica, terror e aventura. Além disso, o elenco está afiadíssimo, não só com Jonathan Majors, mas também com Jurnee Smollett que vive a coprotagonista Letitia, com Abbey Lee, que apresenta muito mais camadas que seus personagens anteriores de Mad Max: Estrada da Fúria e outros filmes, além dos veteranos Michael Kenneth Williams, Jamie Neumann, Courtney B. Vance e Aunjanue Ellis que tem grandes momentos em tela.
Uma das forças das séries antigas do canal, morava no vasto grupo de coadjuvantes, que produziam histórias paralelas que variavam o nível de interesse do espectador. Lovecraft Country resgata essa sensação. Ruby, a irmã de Letitia vivida por Wunmi Mosaku tem um ótimo arco que conversa com a atualidade. Em alguns pontos, as conclusões são mostradas com base no didatismo explícito, mas isso claramente não incomoda. Exceção ao destino final da personagem, todo seu arco é muito bem explorado e exemplificado, além de ser bem amarrado à trama principal.
Lovecraft se baseou em Salém para fazer seus contos, mas o horror do seriado de Green se baseia em questões de segregação, da violência dos intolerantes, e ainda tempera tudo isso com o choque de gerações entre os personagens. Toda a narrativa da série prima pela pressa, para o bem e para o mal, é como se o mundo estivesse prestes a acabar, mesmo que a história seja muito contida em si e em seus cenários e personagens.
A falta de confirmação de uma possível segunda temporada é – ao menos por enquanto – um alento, uma vez que até aqui a história do livro se esgotou, e materiais semelhantes como Handmaid’s Tale e Game of Thrones pioraram e muito após temporadas que não adaptam mais seu livro de origem. A chance de se esticar demais uma premissa interessante, porém esgotada, faz torcer para que os produtores optem pela satisfação do que a série já apresentou até aqui, e como a audiência não foi tão estrondosa, seria natural não renovar.
Apesar das muitas conveniências e incongruências, sobretudo quando se aborda a magia, Lovecraft Country consegue trazer à luz temas bastante potentes e caros, reunindo à sua formula uma trilha sonora repleta de Hip-Hop como foi recentemente com a também série da HBO Watchmen, de Damon Lindelof, além de ser um aceno aos fãs de literatura especulativa e ao abordar de forma tão criativa e direta as temáticas que desenvolve.
Watchmen está entre os grandes clássicos dos quadrinhos. A DC Comics já havia tentado lucrar com as figuras dos quadrinhos de Alan Moore e Dave Gibbons, com o desprezo extremo do primeiro desses, e depois de Antes de Watchmen e da minissérie O Relógio do Juízo Final, foi a vez de Damon Lindelof (Lost e Leftovers) se juntar a diretora Nicolle Kassell para dar a sua versão da continuação da história criada por Moore há mais de 30 anos.
Sabiamente, os produtores escolheram que Watchmen fosse uma história curta e sem chances de continuação. Todo o seu drama e ação se desenvolvem ao longo de nove episódios que envolvem discussões sociais e políticas, principalmente na figura da Sétima Kavalaria, um grupo supremacista branco que utiliza a figura de Rorschach como símbolo de sua atuação. Muito se falou a respeito da interpretação equivocada das falas que Walter Kovacs, o Rorschach, pregava, mas ao ler o Diário enviado ao tabloide, não é de se admirar que reacionários tenham abraçado sua causa, e esta foi uma das grandes sacadas do roteiro.
Os personagens novos predominam na trama. A escolha de Tulsa, Oklahoma, como cenário também evoca as disputas ideológicas e raciais. A história é contada a partir da família de Angela Abar (Regina King), a vigilante que usa o codinome de Sister Knight. Em sua cidade o vigilantismo é não só permitido, mas também encorajado desde que ocorreu um ataque a todos os policiais alguns anos antes.
A publicação original possui muito material extra, e aqui há também alguns momentos que servem como paralelos ao Contos do Cargueiro Negro, como o seriado American Hero Story: Minutemen, que imita os show de TV de Ryan Murphy. Esse programa serve também para referenciar o passado de alguns personagens da primeira era.
Da parte da “velha guarda”, o que se vê é uma decadência escancarada. Os antigos vigilantes são mostrados velhos, alguns bem decadentes, outros reinventados e cínicos em versões ainda mais duras do que as pensadas originalmente. Tanto Jeremy Irons quanto Jean Smart tem participações soberbas, e produzem bons embates com Hong Chau e King.
O formato dos episódios normalmente se dá com um epilogo, no passado que exemplifica como o mundo chegou aquele estado de um possível apocalipse novamente, agora por meio de conflitos raciais e não mais por Guerra Fria, seguido de um lento e providencial desenrolar dos plots e intenções dos homens, tanto dos poderosos como da milícia armada que protege Tulsa. A trilha sonora funciona, e na maior parte das vezes bastante acertada.
Alguns momentos se valem demais da teatralidade, seja nas ações do personagem que faz Jeremy Irons, ou nos métodos que Tim Blake Nelson e seu Looking Glass faz ao empregar seu método de investigação. A forma como a tecnologia aparece também é bastante peculiar e curiosa, um modo inventivo de imaginar esse mundo que mesmo com o advento dos poderes do Dr. Manhattan, não tem acesso a coisas triviais, como a internet. Em um mundo real que possui seres super poderosos é natural que hajam mudanças significativas, sobretudo no saber político e na presunção das autoridades de que conseguiriam controlar os ânimos da humanidade, que basicamente, parece presa a ciclos bélicos de tempos em tempos.
Cada episódio dedica-se em partes ou integralmente a resgatar as origens dos novos personagens, ou simplesmente reapresentar os velhos, e é certamente Sister Knight a mais rica dentre todos, seja pela completa perversão da condição de garota-refém – uma vez que é ela a chefe de sua família – como também no julgamento ingênuo que ela faz das pessoas que a cercam. Seu destino parecia pré-estabelecido, mesmo que ela não soubesse exatamente quem eram seus antepassados, e as surpresas envolvendo sua intimidade são certamente as mais assertivas e criativas dentro da série, principalmente no capítulo An Almost Religious Awe, que amarra seu passado com os inúmeros ataques da Klu Klux Klan e o levante anti-imperialista no Vietnã.
Watchmen ainda consegue fazer um comentário bastante poético com Jon Osterman, que consegue enfim cumprir um dos seus desejos mais íntimos, com uma resolução que não pôde ser feita na sua primeira despedida, quando foi desintegrado nos laboratórios que deram origem aos seus poderes, fechando a trama principal com um final em aberto que foge da gratuidade e oportunismo, fato esse que acaba resultando em um produto bastante reverencial ao material original, por mais que Moore claramente preferisse que nem Lindelof e nem ninguém continuasse os passos além da graphic novel de 1986.
A mensagem, aqui, é clara: testes nucleares são um perigo? Sim, exatamente como a disseminação de falsas verdades em tempos em que todos acreditam em qualquer coisa espalhada com força pela internet. Isso porque quando o poder está nas mãos erradas, seus efeitos são tão catastróficos quando a explosão de um reator nuclear, funcionando na antiga União Soviética, trinta anos atrás, sob a garantia de que nada de tão grave, poderia acontecer. Chernobyl se torna memorável não “apenas” por manter nosso interesse por cinco episódios extremamente bem escritos, ambientados e encenados, mas principalmente por associar esse acidente histórico com os acidentes também alarmantes que as mentiras, ou num termo mais contemporâneo, as fake news, podem acarretar no bem-estar da social de um país.
Não à toa a produção da HBO, o mesmo canal da Warner Bros responsável pelo frustrante término de Game of Thrones, vem sendo determinante para restaurar a fé do grande público com o melhor canal atualmente de séries adultas, em contraponto com a infantilização do público em larga escala que a Disney tanto promove. A minissérie consegue ser boa a ponto de acalmar os ânimos dos fãs furiosos com o desfecho televisivo da criação de George R.R. Martin, fazendo todos voltarem sua atenção a HBO mais uma vez, para uma trama dividida em cinco capítulos a prova de qualquer desilusão ou pessimismo por parte dos seus espectadores.
Mas engana-se quem acha que Chernobyl é pura ação, ou suspense. A minissérie usa de artifícios da ficção para impulsionar e nos hipnotizar a respeito da assombrosa e tensa realidade antes, durante e após a catástrofe que mobilizou o mundo, e ainda hoje, mantém isolada uma gigantesca área do mundo banhada nos perigos de uma radioatividade intensa, e resistente. Se há ação e explosões, do jeito que a massa gosta de assistir, ela reserva-se apenas a grande explosão, quando os cientistas, angustiados na sala de comando de uma Usina Nuclear, em uma noite comum de 1986, cientes do desastre que já se adiantava, tentam salvar suas vidas e as de seus colegas de trabalho em meio a fumaça química, e mortal.
A maioria morreu, é claro, e o restante se tornou herói aos olhos do mundo na proteção e desespero eternos dos seus familiares que, implacáveis, tentavam se manter juntos dos entes queridos, nas alas hospitalares. Até o fim, mesmo que a contaminação dos corpos dos físicos e bombeiros também envenenasse e apodrecesse os seus – como expõe algumas cenas bastante fortes, mas precisas quanto aos horrores decorrentes de uma enorme mentira: se as autoridades políticas tivessem reconhecido o erro dos seus cientistas e avisado a população, e não esperado 36 horas para isso, os danos seriam menos danosos aos milhares de seres humanos respirando doses cavalares de radiação. Para não divulgar sua incompetência, o governo preferiu desinformar, enquanto o estrago, além de interesses políticos, se propagava livre, pelo ar.
Uma mistura bem-sucedida de drama e suspense que, nesta década, poucas produções cinematográficas alcançaram – O Espião que Sabia Demais salta à mente, a charmosa adaptação do livro detetivesco de John Le Carré. Se fosse um filme, cujo dever é sumariamente faturar nas bilheterias americanas e do mundo, Chernobyl iria se vender como uma produção barulhenta, cheia de clímax, talvez até inserindo zumbis ou as também icônicas máscaras de ar, para dar um clima de suspense hollywoodiano em que tudo pode acontecer. Nós somos os nossos próprios heróis na vida real, e não há porque esconder isso. Aqui, o caminho na televisão para a trágica e inesquecível história foi o de acentuar o drama humano e deixar os atores brilharem, em especial nas sessões intermináveis de tribunal nas quais os envolvidos tiveram de explicar as condições do grande desastre ao júri, ou nos momentos mais íntimos em que percebemos que, para aqueles que amamos, a morte já fez amizade. E tudo por conta de verdades seguradas nas mãos de poderosos, preocupados com sua reputação nacional, e internacional.
Tal sensação mórbida que assolou a cidade pela situação que enfrentou é expressa na paleta de cores desse marco da HBO, evidenciando, assim, com tons leitosos de verde, branco e azul uma atmosfera pesada, como se as pessoas que ali viviam e trabalhavam estivessem cercadas, e condenadas, por um destino cruel à espreita. Quando Valery Legasov, um renomado químico soviético é preso, a mando do governo, após a violenta explosão nuclear ter a sua fumaça tóxica espalhada pelo vento, quilômetros além da cidade do norte da Ucrânia, a morbidez de uma futura cidade fantasma é ainda mais acentuada nas cores de sua cela, solitária e redutiva a figura do homem. A ambientação da minissérie impressiona, num louvável trabalho de reconstrução da época do regime socialista da URSS, a ponto dos cenários do acidente, por exemplo, serem tão realistas quanto suas inspirações verídicas. Um dos brilhantes fatores a nos lembrar que, quando a HBO quer fazer conteúdo de primeira magnitude aos que buscam menos espetáculo pirotécnico, e mais intelecto, ela continua imbatível.
Ao término de sua sexta temporada, foi anunciado ao grande público que o desfecho da grande saga criada por George R. R. Martin e que ganhou vida sob os olhos de D. B. Weiss e David Benioff teria somente apenas mais 13 episódios a serem divididos numa penúltima temporada de sete episódios, sendo a temporada derradeira, seis. Os fãs de Game of Thrones receberam a notícia como se fosse um banho de água fria, já que a série é a mais querida e mais assistida da televisão. Afinal, qual seria o real motivo de diminuir a quantidade de episódios logo em sua reta final? Porém, quando os créditos do último episódio desta 7ª temporada começaram a aparecer, teve-se a sensação de que a decisão dos produtores foi acertada.
Se a ótima 6ª temporada havia sido a melhor de toda a série, sua sucessora tinha a injusta missão de superá-la, ou ao menos, igualá-la. E para isso, Weiss e Benioff tinham em mãos um planejamento certeiro, que acabou por casar a história com a quantidade de episódios a serem distribuídos, sendo que, o que se teve, foi uma temporada com episódios maiores em termos de duração, mas sem nenhuma morosidade, inclusive apresentando certa urgência incomum em seus desenrolares e acontecimentos, deixando um saldo final como a temporada mais regular até aqui em termos de episódios, não cabendo, portanto, espaço para a enrolação tão criticada nas outras temporadas.
Se logo no começo da 1ª temporada os principais personagens se separaram, mas ainda assim podendo mencioná-los e dividi-los por núcleos (ainda que cada membro de uma determinada casa estivesse um em cada lugar de Westeros), o que se viu aqui foi uma satisfatória mistura recheada de primeiros encontros e vários reencontros. A premissa desta vez foi extremamente simplificada. Enquanto Daenerys Targaryen (Emilia Clarke) cruzou o Mar Estreito pela primeira vez junto dos Dothraki e os Imaculados nos navios fornecidos por Yara (Gemma Whelan) e Theon Greyjoy (Alfie Allen), trazendo consigo sua mão, Tyrion Lannister (Peter Dinklage) e Lorde Varys (Conleth Hill). O Rei do Norte, Jon Snow (Kit Harington), se preocupa em reunir demais aliados ao Norte para a ameaça dos White Walkers, liderados pelo Rei da Noite, que busca atravessar a muralha com seu exército de mortos. Enquanto isso, a nova rainha, Cersei Lannister (Lena Headey), continua estabelecendo suas alianças e se fortalecendo através do terror e da intimidação.
Obviamente, a história passa a se converter na urgência maior, obrigando Jon a viajar até Dragonstone, onde Daenerys estabeleceu sua moradia. Sua missão é convencê-la da ameaça dos White Walkers, pedindo para que ela lute ao seu lado e ainda permita que a equipe do Lorde de Winterfell extraia o vidro de dragão, extremamente abundante na ilha e efetivo contra os mortos-vivos. O encontro que foi bastante aguardado, seguindo a tradição de encontros emblemáticos, não sai como esperado, haja vista que a orgulhosa khaleesi ordena que Jon Snow se ajoelhe, jurando servir a Casa Targaryen. O pedido é totalmente negado, mas Snow consegue convencê-la a deixar com que se extraia o mineral.
Uma das principais deficiências da série sempre foi o fato dos produtores e roteiristas introduzirem sérias ameaças sem justificativa nenhuma, como foi o caso do Alto Pardal de King’s Landing, seus seguidores e dos Filhos da Hárpia, que causaram muitas baixas no exército de Daenerys nas temporadas anteriores. Na atual temporada, o descaso/ameaça da vez é o irritante e cruel Euron Greyjoy (Pilou Asbaek), personagem introduzido na temporada anterior e que consegue tomar para si todo o poder das Ilhas de Ferro. Aliado aos Lannisters e querendo ser casar com Cersei, Euron intercepta pelo mar parte da armada de Daenerys numa sensacional batalha entre navios, sequestrando Yara Greyjoy e as Serpentes de Areia, entregando essas últimas (assassinas da menina, Myrcella) para a rainha de Westeros.
Um outro ponto que mereceu destaque foi a maneira como os dragões foram utilizados nesta temporada, onde foi deixado de lado seus aparecimentos apenas para salvarem o dia, no melhor estilo Deus Ex Machina, ou “Dragões Ex Machina”, como preferir. Após ser enganada numa bela manobra militar feita por Jaime Lannister (Nicolaj Coster-Waldau), que conseguiu afastar o exército de Imaculados, Daenerys resolve responder de maneira efetiva aos leões, dizimando violentamente parte do exército de Jaime com seus 3 dragões pelo ar e os Dothraki em terra. Jaime que quase não sobrevive e que estava cego pelo seu amor por Cersei, passa a ter lampejos de racionalidade, reconhecendo a supremacia de Daenerys, a força dos Dothraki e o poder dos 3 dragões, demonstrando, por várias vezes, ser contrário aos ideais de sua irmã, dando a entender, ao final da temporada, aparentemente, ter escolhido um caminho a seguir. A batalha em questão teve um escopo maior que a Batalha dos Bastardos, usando mais figurantes, mais cavalos e mais tempo para ser preparada, ainda que, aparentou ter sido filmada com um pouco menos de cuidado em relação ao embate de Jon Snow e Ramsey Bolton na temporada anterior.
Enquanto tudo isso acontecia, assuntos menores, mas de suma importância desenrolavam em outros pontos de Westeros. Sam (John Bradley), por exemplo, no caminho de se tornar um meistre para ajudar Jon Snow, além de descobrir algumas respostas sobre os White Walkers e sobre o casamento em segredo de Rhaegar Targaryen (Wilf Scolding) e Lyanna Stark (Aislin Franciosi), esbarra, sem querer, numa conveniência de roteiro que levou à Cidadela Sor Jorah Mormont (Iain Glenn), que está num estado degradável com a escamagris tomando boa parte de seu corpo. Enquanto isso, um chato Bran Stark (Isaac Hempsted Wright), agora como o Corvo de Três Olhos, chega a Winterfell que está sendo guardada por sua irmã, Sansa (Sophie Turner), sendo que as reuniões não param por aí, quando a corajosa Arya (Maisie Williams), chega para fazer a maior reunião da Casa Stark, desde o final do 1º episódio da série. Vale destacar que é o cenário perfeito para que o ardiloso Mindinho (Aidan Gillen) continue com seu plano de tomar tudo para si. Acontece que Arya e Sansa não são mais as mesmas garotas de antes e, mesmo que tenhamos uma noção de que apesar de tudo que passaram, elas ainda guardam diferenças e uma certa inveja uma da outra, foi bom poder acompanhar a continuidade do “trabalho” de Mindinho e a maneira como as irmãs Stark lidaram com isso.
Sem dúvida, o momento mais sensacional de toda a temporada e seguindo a tradição da série do melhor episódio ser sempre o penúltimo, foi quando Jon Snow resolve capturar algum membro do exército de mortos com a finalidade de provar à Cersei que é hora de colocar as divergências de lado em prol do futuro da humanidade. Assim, reúne num só time nada mais, nada menos, que parte dos mais queridos e melhores guerreiros de Westeros, causando furor na internet que, carinhosamente, comparou o time com a Sociedade do Anel, ou com os Vingadores, ou com um nome ainda mais justo: Esquadrão Suicida. Quem se juntou a Snow na empreitada foi o selvagem Tormund Giantsbane (Kristofer Hivju), o Cão, Sandor Clegane (Rory McCanne), Sor Jorah Mormont, completamente curado e novamente integrado à Daenerys, o sumido Gendry (Joe Dempsie), repatriado por Sor Davos (Liam Cunningham), além de Thoros De Myr (Paul Kaye) e Beric Dondarrion (Richard Dormer), a dupla que sobrou da extinta Irmandade Sem Bandeiras. O episódio tem diálogos sensacionais e divertidos, principalmente quando Tormund e Clegane conversam sobre Lady Brienne (Gwendoline Christie). Toda a empreitada teve momentos para prender a respiração e momentos de apresentar baixas significativas, tanto na equipe, quanto no que diz respeito à morte de um dos dragões, demonstrando que o Rei da Noite é muito mais poderoso do que se imagina.
Além de ter sido o episódio mais tenso de toda a temporada e também foi aquele que bateu recorde de audiência, ainda que a HBO Espanha tenha cometido a irresponsabilidade medonha de passar o episódio dias antes de sua estreia, em vez de passar uma reprise do episódio anterior, fazendo com que tudo fosse disponibilizado na rede muito antes da hora.
Se o sexto episódio foi um dos top 3 de toda a série e detentor de recordes, o último episódio acabou por superar o recorde antigo no que diz respeito à audiência. Nele, pudemos acompanhar a maior reunião de personagens numa única cena. Junto de Cersei e alguns soldados da guarda real, estavam Jaime, Qyburn (Anton Lesser), Euron Greyjoy e a Montanha, Gregor Clegane (Hafþór Júlíus Björnsson). Do lado de Daenerys, estavam Tyrion, Jon Snow, Davos, Varys, o Cão, Sandor Clegane, Brienne, que foi representar Sansa Stark; Missandei (Nathalie Emmanuel), Theon, Jorah Mormont e alguns Dothraki. A importância dessa reunião foi enorme, tanto para o seguimento da história, quanto para os fãs que aguardaram anos para ver concretizada. Jon Snow, pela primeira vez, desde o primeiro episódio da série confronta os assassinos de Ned Stark. Brienne reecontra Jaime e o Cão que foi derrotado por ela, sendo que o respeito mútuo entre os dois chega a ser louvável. O Cão confronta seu irmão, deixando claro que a história entre os dois, o chamado Clegane Bowl está perto do fim. E por último, Daenerys tendo seu primeiro contato com o reino e a rainha de King´s Landing.
O episódio, que foi o mais longo de toda a série, teve uma pegada bem cadenciada, mas longe de ser chata, ou cansativa. Contudo, pudemos experimentar detalhes importantes para a trama, primeiro no que diz respeito a Jon Snow, onde todas as teorias a seu respeito foram confirmadas com um adendo especial: seu nome, que poderá, inclusive delimitar o seu destino na trama. Um outro ponto foi a conversa secreta que Tyrion teve com Cersei. O que será que o anão fez para convencer a rainha a apoia-los na batalha contra os White Walkers? E o que a fez desistir tão facilmente do acordo a ponto de Jaime tomar as decisões que tomou? E Tyrion que se demonstrou extremamente desconfortável ao ver Jon Snow entrando no quarto de Daenerys? Essas perguntas só serão respondidas na derradeira temporada da série.
Afinal, a sensação é que não restará muita coisa, assim como parte da grande muralha, destruída por Viserion, o dragão de Daenerys, ora derrotado e revivido pelo Rei da Noite. O inverno que já havia chegado ao Norte, chegou inclusive na Capital. E na história de Westeros, neve na Capital não é sinal de bons ventos. A previsão é de um longo e tenebroso inverno, porém curto o bastante para os espectadores.
Atenção: este review contem spoiler de toda a série. Siga por sua conta e risco.
OZ tem importância histórica para o momento atual da Era de Ouro da televisão norte-americana. Criada por Tom Fontana em 1997, foi uma das primeiras séries originais da HBO ao lado de Sex And The City, de 1998, a serem concebidas de forma autoral, onde o criador e roteirista tinham mais liberdade criativa. As duas ganharam prêmios relevantes e tiveram o reconhecimento da crítica suficiente para encorajar o canal a cabo a continuar o investimento que permitiu produzir The Sopranos em 1999.
A série acompanha a rotina na Penitenciária Estadual nova-iorquina Oswald de Segurança máxima Level 4, mais conhecida como OZ, mostrando a convivência entre os presos de diversas facções e diferentes entre si.
Claustrofobia, essa é a sensação de assistir a série. O tema central é um só: o aprisionamento do ser humano e todas as discussões levantadas ao longo dos 56 episódios giram em torno do encarceramento do homem na sociedade. O tema é desenvolvido sob diversos ângulos, como também outros temas como a fé e a falta dela; os estupros constantes e a sexualidade; o tráfico de drogas, o poder e vício gerados; e o maior deles, a reabilitação social do preso.
A narrativa da série é tão densa que sentiu a necessidade de recorrer a um narrador, Augustus Hill, que se dirige à câmera e aparece no início, final de cada episódio, além de flashes no meio. No início ele aborda o tema do episódio, no final faz uma conclusão, e sempre que um preso novo chega à OZ ele lê a sua ficha criminal, como também ocasionalmente lê a ficha de outros que estão lá há tempos.
Augustus Hill, um dos personagens mais icônicos de OZ
As digressões da série feitas pelo narrador
A primeira temporada da série se inicia com a inauguração do projeto experimental Emerald City, cujo objetivo é forçar uma convivência entre os grupos dos mais variados possíveis para que sua reabilitação futura na sociedade seja menos traumática. A rotina da série mostra os presos criando ou mantendo seus grupos de influência e competindo pelo poder.
Os personagens e núcleos principais também se consolidam aqui. A irmandade ariana liderada por Vern Shillinger que odeia os negros encabeçados por Jefferson Keane e Simon Adebisi, que tem diferenças com os muçulmanos ministrados por Kareem Said e se chocam com os mafiosos italianos de Nino Schibetta. Neste meio, os latinos de Miguel Alvarez e o irlandês Ryan O’Reily, além dos quatro personagens mais icônicos da série que não pertencem a grupo nenhum, os veteranos Busmalis e Rebadow, o cadeirante Augustus Hill e Tobias Beecher. O outro lado da prisão é o corpo administrativo, o diretor Leo Glynn permite que Tim McManus crie Emerald City, ele conta com a ajuda da guarda Diane Whittlesey, a freira e psiquiatra Irmã Pete Marie, o padre Ray Mukada, além da médica Gloria Nathan e as aparições esporádicas do governador James Devlin.
Jefferson Keane é executado pelo estado no meio da temporada e Nino Schibetta morre após comer vidro esmagado que O’Reily e Adebisi colocaram na sua comida, provando que em OZ não deve-se apegar a nenhum personagem, e termina com uma rebelião após os grupos antagônicos se reunirem contra a administração de OZ.
Kareem Said, interpretado por Eamonn Walker, o melhor personagem de OZ
Na segunda temporada vemos os desdobramento da rebelião que fechou Emerald City e causou a morte de dois guardas e seis presos. Ela se inicia uma investigação da corregedoria que não chega a nenhuma conclusão com provas. 10 meses depois Emerald City é reaberta e inicia na série os projetos sociais que marcam cada temporada. Nesta segunda, McManus cria um projeto de aula para os detentos. Poeta, um viciado em heroína, se inscreve no programa e com a ajuda de Kareem Said publica as suas poesias, conseguindo a condicional. Porém, ele volta à OZ após matar um dos traficantes. Ryan O’Reily é diagnosticado com câncer de mama pela Dra Glória e se apaixona por ela, ele pede para seu irmão Cyril matar o marido de Glória e Cyril acaba indo para OZ.
Novos personagens aparecem nesta temporada além de Cyril O’Reily; Chris Keller, aliado de Vern, seduz Beecher e quebra suas costelas; Shirley Bellinger como a nova presa do corredor da morte; El Cid como o líder dos latinos; o guarda Eugene Rivera que é atacado por Miguel Alvarez e acaba cego; Peter Schibetta, filho de Nino, assume a máfia, porém após se envolver em uma briga com Adebisi, Peter é estuprado e perde a liderança dos italianos para outro recém chegado Antonio Nappa. Uma característica desta temporada é a inserção do aspecto espiritual na série com a chegada de Jara. Ele se torna um xamã para Adebisi, fazendo com que ele se reconecte com a sua origem africana, até que Jara é morto e Simon se sente à deriva.
Na terceira temporada, um novo programa social é implementado pela irmã Peter Marie, encontros entre vítimas e agressores. Novos personagens entram na série, como o guarda Clayton Hughes, filho de um antigo amigo de Glynn que morreu no seu lado. Clayton investiga a morte do pai e aos poucos vai ficando louco até tentar matar o governador em um evento e acabar preso, provocando o fechamento de Emerald City. Outro personagem importante é o novo guarda Sean Murphy, antigo amigo de McManus, que organiza um campeonato de boxe como forma de aliviar a tensão dos detentos. Cyril decide participar e Ryan vai dopando seus adversários até que na última luta Cyril acidentalmente mata o favorito Hamid Khan.
Enquanto isso, Adebisi ainda à deriva rouba uma agulha infectada de HIV e fere Antonio Nappa, provocando a sua transferência de Emerald City para a ala dos aidéticos, fazendo com que Chuck Pancamo vire o novo líder dos italianos. Mais um personagem marcante da terceira temporada é Claire Howell, a guarda de OZ que usa o seu poder para explorar sexualmente primeiro McMannus e depois os presos, especial Ryan O’Riley.
J.K. Simmons como Vern Schillinger
A quarta temporada é marcada por ser a mais longa da série com o dobro de episódios e foi dividida em duas partes. Na primeira, Emerald City é reaberta e Diane se muda para Londres, já que Edie Falco havia se comprometido com The Sopranos. O principal evento da primeira parte é a vinda de um novo diretor para Emerald City, Martin Querns, para o lugar de Tim McMannus, o que é bem visto aos olhos dos presos pois ele é negro. Querns quer baixar o nível de violência do local e para isso libera o tráfico de drogas.
As novas políticas de Querns causam mudanças radicais nas relações com os guardas, pois o novo diretor transfere todos os não negros de Emerald City, transformando o local no reino de Adebisi. O final da primeira parte da temporada é coroada pela morte de Adebisi por Said, que tentava ajudar a controlar a situação e evitar uma nova rebelião.
Na segunda parte, Querns é demitido e McMannus retorna. Um caso curioso é a droga experimental que faz com que alguns presos aceitem tomar em troca da pena reduzida e que causa a morte de alguns deles. A dinâmica entre Beacher e Vern fica ainda mais tensa quando eles tentam acertar as contas e um mata o filho do outro. Outra morte da temporada é a de Clayton Hughes, que perde a sanidade por completo e é esfaqueado por um colega de solitária quando tentava matar Glynn e morre em seus braços, assim como o pai.
Um novo personagem é introduzido, Burr Reading, veterano da Guerra do Vietnã. Ele assume o tráfico de drogas ao liderar os negros e acaba alterando a relação com os italianos e os latinos para mais conflituosa. O Reverendo Jeremiah Cloutier também chega a OZ e altera o realismo da série, iniciado por Jara, ao influenciar os protestantes na sua jornada contra o catolicismo. Outro personagem curioso é o viciado Omar White, que é o elemento caótico que causa sérias alterações. Por último, o membro do IRA, o irlandês Padriac Connelly que coloca uma bomba em Emerald City no último episódio provocando a sua evacuação.
Chris Keller e Tobias Beecher e a sua relação de amor e ódio
A quinta temporada marca retornos e ironias à OZ. A mãe de Ryan começa a fazer trabalho voluntário na prisão, a ex-esposa de McMannus se transforma na nova assessora do governador em Oswald e Chris Keller, que havia sido transferido na temporada passada, volta para o corredor da morte. Um novo programa social se inicia, o treinamento de cão-guia para cegos, o que transforma a relação de Miguel Alvarez com Eugene Rivera.
As ironias continuam. McMannus pede ajuda de Said para reabilitar Omar White, mas falha todas as vezes até que ele vai no show de variedades e passa a não usar mais drogas. O bilhete premiado da loteria de Rebadow, que havia pedido ao guarda Dave Brass comprar e ele some, fez com que o seu neto morresse devido a um tratamento caro. E a maior ironia de todas é a morte de Augustus, o narrador da série, após se livrar do vício das drogas ele vai defender Burr Reading do ataque dos italianos e é esfaqueado.
A abertura da série que muda a cada temporada com as novas cenas
A sexta temporada tem novos narradores, todos que morreram na própria prisão, como Jeferson Keane, Shirley Bellinger, os filhos de Schillinger, Antonio Nappa e até Dino Ortolani. Para salientar, McMannus coloca um labirinto da meditação na quadra de basquete, o que permite a diversos detentos refletir sobre os seus problemas. Para salientar, um novo personagem é introduzido, o pantera negra Jahfree Neema, que traz mais questionamentos do que soluções na nova dinâmica da prisão.
Outro programa social permite a interação entre os presos, a encenação de MacBeth. Beecher consegue a condicional, mas volta à OZ traído por Keller, Ryan deixa de entrar com recursos no tribunal para Cyril morrer, pois não vê mais solução. Robson, um dos arianos mais fortes do grupo, tem a sua gengiva trocada pela de um negro, promovendo a sua expulsão da irmandade ariana e fazendo com que ele virasse a puta de outro detento.
O alívio cômico de OZ através da dupla Busmalis e Rebadow
E a sexta temporada promove uma série de mortes que visa a dar um final para cada personagem, algumas não tão satisfatórias. Pancamo mata Peter Schibetta, Said morre por conta de um repórter louco, este depois mata Omar também, o pai de Beecher é esfaqueado por uma puta de Schillinger que queria subir de hierarquia, Morales é morto pela enfermeira serial killer Carol, que deixa um rastro de outras mortes na enfermaria, Cyril é executado pelo estado, e na encenação de MacBeth, Beecher mata Vern após Keller trocar as facas, o próprio Keller mata diversos arianos com um pó químico entregue numa carta, depois Keller se suicida na frente de Beecher, e o próprio diretor Leo Glynn, que investigava a morte suspeita de um prefeito amigo do governador, é morto a mando do governador como queima de arquivo.
E como não poderia ser diferente, OZ termina por causa de uma evacuação geral da prisão. Após a morte de Glynn, Querns volta como o novo diretor, e, alertado pela Dra Glória do pó químico usado para matar os arianos, todos vão embora e assim o ciclo se fecha pois a rotina daqueles presos terminou.
Os irmãos Ryan e Cyril O’Reily
Por se tratar de uma série de rotina, similar a The Sopranos e Mad Men, é difícil encontrar uma linearidade de tema em OZ. A partir da terceira temporada passa a existir temas marcantes, mas ainda não arcos centrais, os episódios iniciam e terminam em si, promovendo uma narrativa híbrida tanto episódica quanto contínua.
A rotina da prisão opta por não mostrar a vida dos personagens principais fora da penitenciária, nem os poucos presos que conseguiram sair e depois voltaram. As cenas externas são sempre com algum filtro de cores aleatórias, geralmente usado em cinema para as cenas de sonhos, para mostrar os crimes cometidos por cada preso que os levaram para lá, elas servem também em sua maioria das vezes para introduzir novos personagens. O que importa na série é a visão daqueles presos, e, para eles, a sociedade é um sonho distante.
Outra característica que reforça o aprisionamento ao espectador é a noção do tempo. Não existe o desenvolvimento narrativo linear de cenas encadeadas entre si ou até mesmo uma unidade temporal. Ao longo das seis temporadas quando há alguma conspiração sendo tramada na cena seguinte já acontece o fato que levaria alguns dias ou semanas, como por ex a morte do marido da Glória por Cyril O’Reily, planejada na cena anterior por seu irmão Ryan.
Simon Adebisi
Mais uma particularidade da reclusão é o número limitado de locações. Todos os 56 episódios se passam em poucos locais, como Emerald City, Unidade B, Corredor da Morte, Solitária, Academia, Hospital e nas salas do diretor Leo Glynn, de Tim McMannus e da Irmã Pete Marie.
Ao lado do roteiro denso e a direção que traz uma boa mise-en-scène, a atuação é o grande forte de OZ. Eamonn Walker interpreta Kareem Said, o líder dos muçulmanos e o melhor personagem da série; Lee Targersen dá vida ao ótimo Tobias Beecher; o excelente J.K. Simmons como o líder dos arianos Vern Schillinger; Christopher Meloni é o bom Chris Keller; Harold Perrineau é o cadeirante e narrador Augustus Hill; Adwale Akinnuoye-Agjabe é o imponente Simon Adebisi; o canastrão David Zayas como o novo líder dos latinos Enrique Morales; Michael Wright é o caótico viciado Omar White; Luna Lauren Velez como a Dra Gloria Nathan; Ernie Hudson como o diretor Leo Glynn; a sempre ótima Edie Falco na pele da guarda Diane Whittlesey; Rita Moreno interpreta a boa personagem Irmã Pete Marie; Terry Kinney é Tim McMannus; o limitado Chuck Zito é Chuck Pancamo; Scott William Winters como Cyril O’Riley; Kirk Acevedo é Miguel Alvarez; BD Wong é o Padre Mukada; Luke Perry como o pastor Jemeriah Cloutier; Anthony Chrisolm como o veterano Burr Reading; Peter Francis James é o pantera negra Jahfree Neema; R.E Rogers como o caótico ariano Robson; Craig MuMs Grant é o Poeta; Tony Musante o mafioso italiano Nino Schibetta; Luís Guzman como o líder latino El Cid; e George Morfogen e Tom Mardirosian dão vida à dupla hilária Bob Rebadow e Agamemnon Busmalis. A pior menção é Dean Winters, o ator mais limitado do elenco que interpreta um dos melhores personagens, Ryan O’Reiley.
OZ merece ser vista pelo valor histórico, além de ser densa, trata de diversos temas sociais que pode vir a interessar diversos públicos adultos.
Ambientada na Nova York de 1973, a nova parceira entre Martin Scorsese, Mick Jagger, Rich Cohen e Terence Winter foca em Richie Finestra, presidente da America Century Records interpretado pelo promissor e competente Bobby Cannavale, que já havia trabalhado com Martin, no passado, em Boardwalk Empire. O começo da trama mostra Finestra lançando mão de entorpecentes, fazendo da cocaína a sua fuga da realidade massacrante que vive, causada por alguma crise que ainda seria explorada nos momentos seguintes.
Ainda no início do piloto, dirigido por Scorsese, o protagonista passa por corredores sujos de uma boate da qual era íntimo, percorrendo corpos desfalecidos de pessoas usando heroína, drogas de fumo e ácido. Ao final da sequência, ele vê um grupo de rock n’ roll se apresentando e se assusta com os rumos da música mainstream, além de observar um consumo muito diferente do que na época da transição da era disco e do ingresso do blues para a fase do hard rock mais clássico, na década de 1970.
A narrativa é bifurcada, mostrando o momento atual do empresário e seu início de carreira, tentando popularizar a figura do cantor negro Lester Grimes, batizado de Little Jimmy Little (Ato Essandoh). Desde a descoberta do artista até o início do empreendimento de Richie são mostrados em detalhes bastante agressivos, incluindo até um subplot envolvendo assassinato, o que na prática perde foco e importância ao longo desse primeiro ano.
A abertura, mostrada a partir do episódio Yesterday Once More é simbólica, pois reúne os símbolos de trabalho e obsessão dos personagens enquadrados pelas lentes de Allen Coulter (o mesmo de Hollywood Land e do piloto de Sons of Anarchy), com a música. Os núcleos de personagens secundários são desenvolvidos a passos muito lentos, o que faz com que o ritmo caia quando sai da relação entre Richie e Devon (Olivia Wilde). Família Soprano e Boardwalk Empire orbitavam ambos em torno de Tony Soprano e Nucke Thompson, mas havia conteúdo e substância nos outros personagens e nas discussões, caso não repetido neste início, quando a trama deixa Finestra em segundo plano. Neste ponto, a semelhança de Vinyl é maior com os mais fracos folhetins globais do que com a elite das produções da HBO.
A partir do quinto episódio, o quadro muda ao explorar a relação ainda mais deteriorada de Richie e sua esposa, que é basicamente um reflexo da confusão em que está sua carreira e vida pessoal. O protagonista pinta sua jornada com o branco das lagartas de cocaína que inala, fazendo de suas reações mais simples espasmos apressados, que deixam transparecer sua crise existencial e moral. Os números musicais ajudam a dar ainda mais significado à ladeira que o personagem começa a trilhar, ao ver seu relacionamento amoroso fracassar de vez. Em tempo, ele consegue ensaiar um restabelecimento, antes de ser tarde demais, ainda que essa virada seja bastante discutível do ponto de vista moral.
Vinyl não é uma série sobre música e sim sobre os negócios que envolvem a arte, o que evidentemente envolve ícones musicais como parte do mote. Há o uso de imagens de cantores reais, como David Bowie, Robert Plant, John Lennon, Lou Reed, mas no geral tanto as gravadoras quanto os musicistas são inspirados em figuras reais. O personagem interpretado por James Jagger, Jerry Hall, é parcialmente inspirado em Richard Hell, vocalista que teria sido plagiado por John McLaren na confecção do visual dos Sex Pistols, mas em suas atitudes agrega elementos de outros rock stars, aumentando ainda mais a sensação de que o programa é uma junção dos destaques fonográficos desse tempo específico, os 70’s.
O maior problema de Vinyl é o foco de suas histórias paralelas, que fazem o arco principal de desconstrução de mitos musicais perder força. A ideia de envolver Finestra em um crime passional faz sentido dentro da trama emocional, mas faz perder importância na discussão a respeito da indústria. O 10º e último episódio finda com uma perspectiva muito positivista, especialmente se colocada em comparação com o início da temporada. A mudança do nome do selo para Alibi simboliza uma mudança institucional que se torna anticlimática, graças à exploração que somente ocorrerá no futuro. Para uma série envolvendo o nome de Scorsese e Winter, é muito pouco.
Durante os últimos anos, fomos bombardeados com diversos documentários sobre Kurt Cobain; a maioria, tentativas frustradas de “desvendar” o suicídio do lendário vocalista do Nirvana. Não é o caso de Cobain – Montage of Heck, documentário dirigido por Brett Morgen, que deixa Kurt falar, nos levando a uma viagem por sua mente e sua alma.
Cento e trinta e dois minutos se passam antes de vermos em tela: “No dia 5 de julho de 1994, Kurt Cobain pôs fim a sua vida”. A sensação de estar na pele do vocalista nas últimas horas é tanta que a pequena frase volta a ter os mesmos efeitos que teve em seu tempo.
Os filmes, as fotos e os vídeos presentes no longa deixam claras as intenções de Morgen ao produzir o documentário da forma mais completa e sincera possível. Temos um retrato biográfico completo de Kurt, começando em seus primeiros passos, passando pelo “boom” do Nirvana, até chegar aos seus últimos dias. A atmosfera criada, cheia de relatos, fotos e até sequências de animação, demonstra que o intuito principal aqui é deixar Kurt falar por si, contar suas histórias e, talvez, explicar seu estilo de vida.
Trechos de entrevista, capas de revista e notícias em jornais, são elementos utilizados na formação de um “quadro” muito maior, ao lado de todos os poemas incompletos, das listas bizarras e dos traços perturbadores de seus desenhos, visando um olhar mais aprofundado e inquietante da vida pelos olhos de Kurt.
Ao passo em que nos aproximamos do fim, somos aprofundados na relação Cobain-Love, com uma atmosfera densa, melancólica e pesada. É desconcertante ver Kurt Cobain aos beijos com Courtney Love. Ambos parecem ter tido toda a vitalidade consumida, seja pela fama ou até pela união. Aliás, ter um vislumbre da relação, independentemente do momento, já é desconcertante por si só. É como se o chocante fosse comum para eles, a ponto de vermos Courtney Love injetando heroína durante sua gravidez.
Porém, o maior choque existente em Cobain: Montage of Heck é a entrada brusca na vida de Kurt, feita de forma repentina, singular, até mesmo crua. Antes da figura lendária, o símbolo da rebeldia que pouco se importava com as críticas e opiniões, vemos um homem. Um homem frágil que não suportava humilhação e abominava invasão particular.
E quanto a isso, ao fim, resta apenas uma dúvida: o que Cobain pensaria se visse sua vida exposta de maneira tão crua e intensa, como realmente foi?
Dirigido por Doug Ellin, criador do seriado de mesmo nome, Entourage: Fama e Amizade começa frenético, sem pausas para explicações, como um grande episódio de retorno de temporada. Com mudanças drásticas nas relações do quinteto que envolve Vincent Chase (Adrian Grenier), o filme ignora as consequências dos eventos mostrados no traumático ano de cancelamento do telesseriado, em 2011.
Após uma mini-introdução, acompanhada de Superhero de Jane’s Addiction, música que também abria o programa, prossegue a história de Eric “E” Murphy (Kevin Connolly), Turtle (Jerry Ferrara), Johnny Drama (Kevin Dillon) e Ari Gold (Jeremy Piven), além do retorno de dezenas de coadjuvantes e, claro, algumas aparições de famosos, marca registrada do produto da HBO.
Retomando os temas da oitava temporada, (ou quase isso), estabelece-se o divórcio de Vinny, assim como a ascensão de Ari ao posto de chefe do estúdio, a despeito de suas belas intenções de dedicar mais tempo ao seu casamento. O argumento resgata grande parte dos plots do último ano, ainda que leve em conta a evolução dos personagens. O roteiro de Ellin e Rob Weiss resgata a vontade do ator em tornar-se diretor, usando o artifício como rito de passagem, aludindo as situações conturbadas que envolvem a produção de filmes, como os estouros de orçamento e pedidos recorrentes de mais aporte financeiro para terminar edição, montagem e pós produção.
A rotina do quarteto prossegue a mesma, com festas cheias de regalias, mulheres com pouca roupa, além dos dois estarem cercados dos agregados da fama de Chase, festejando sempre, mesmo diante de um iminente fracasso. A expectativa em relação a Hyde acaba servindo de comentário metalinguístico para a transposição do seriado para as telas de cinema, ainda que os motivos para um possível fracasso do longa ficcional passem longe da problemática de Entourage – Fama e Amizade.
A força do programa era pautada na multiplicidade de protagonistas, e o filme cai no erro recorrente das transposições dos dramas televisivos para o cinema ao dividir mal os dramas das personagens, que acabam por ser pouco interessantes ou caros. A profundidade que é bem trabalhada em 96 episódios parece frívola nos 100 minutos de duração do longa-metragem, especialmente graças ao script que não justifica o fato de ter sido filmado e executado desta maneira.
As sequências na premiação do Globo de Ouro guardam momentos que deveriam ser ternos e repletos de sentido para quem acompanhou a trajetória de “E” e Vince, mas que se perdem em meio a colagens de figuras extremamente famosas mal encaixadas em um filme que deveria ser sério, assim como ocorre na cena pós créditos. O longa de Entourage fracassa tanto em trazer um significado maior aos fãs mais antigos, quanto em nada significar para quem jamais viu a série. As figuras de destaque anteriormente nada brilham nesta nova versão, o que justifica plenamente a baixa bilheteria caseira e a falta de apelo do longa. Se Ellin tivesse entregue a direção a um cineasta mais imponente, talvez lhe sobrasse mais tempo para trabalhar no texto de continuidade no texto que lhe fez famoso. Mas, ocorre o contrário: seus esforços só fazem banalizar a trajetória dos agregados de Vince Chase, inclusive a do próprio showrunner e pretenso realizador.
Quando Ned Stark proferiu uma das mais célebres frases de Game Of Thrones, “preparem-se, o inverno está chegando”, ele não estava brincando. Stark se referia ao período sombrio e rigoroso que aquele mundo criado por George R. R. Martin passaria a enfrentar dentro de algum tempo. Pois bem, o inverno chegou, e se traçarmos um paralelo com a novela de Westeros, podemos dizer que o inverno também chegou, não só para os criadores e principais roteiristas da série, David Benioff e D. B. Weiss, mas também para os fãs da série e dos livros. Com a demora (justa) de Martin para entregar o sexto (e possível penúltimo) livro, pré intitulado Winds Of Winter, percebeu-se que essa quinta temporada conseguiu não só alcançar os livros das Crônicas de Gelo e Fogo, como também já apresentou momentos e passagens que, até então, eram desconhecidas para seus leitores.
Pela primeira vez, com exceção da Casa Bolton, já estabilizada como a casa que domina o Norte, a quinta temporada mostrou uma certa homogeneidade entre os núcleos, uma vez que era normal um núcleo ser mais vitorioso ou bem-sucedido em relação ao outro. Ainda que do outro lado do continente, em Meereen, onde o deserto e o clima quente prevalecem, o inverno também chegou para Daenerys Targaryen (Emilia Clarke), ainda que de forma figurada. Por conta de seu governo que, por um lado libertou os escravos, mas por outro acabou trazendo fome e miséria para a população, despertou a ira de um grupo conhecido como Filhos da Hárpia e passou aos poucos a dizimar a população, os aliados e alguns imaculados que servem Daenerys. E é justamente no núcleo de Daenerys que temos um dos primeiros acontecimentos que até então não havia registro nos livros. Após fugir de King’s Landing, junto com Varys (Conleth Hill), Tyrion Lannister (Peter Dincklage) é sequestrado por Sir Jorah Mormont (Iain Glenn), que tem como objetivo entregá-lo a Daenerys como prova de que agora está ao seu lado.
Aliás, vale destacar o quanto a Casa Lannister enfraqueceu com a morte de seu patriarca, Lorde Tywin. O rei Tommen (Dean-Cherles Chapman) é muito jovem e seu tio, Jaime Lannister (Nikolaj Coster-Waldau) está numa missão em Dorne para resgatar a jovem Myrcella (Nell Tiger Free), irmã de Tommen. Desta forma, Cersei Lannister (Lena Headay) ficou sozinha na capital e consequentemente, desprotegida. E, assim como os Filhos da Hárpia, um grupo religioso extremamente conservador, liderado pelo Alto Septão, começou a fazer justiça com os pecadores da cidade, o que gerou uma das mais memoráveis cenas desta quinta temporada.
Pela primeira vez conhecemos Dorne, a terra da Casa Martell, do Príncipe Oberyn, um dos personagens mais queridos da quarta temporada. Infelizmente, o que vemos em Dorne foi mal trabalhado. Mostrou-se tudo, mas não vimos nada. Conhecemos as filhas de Oberyn, e vimos pouquíssimo suas habilidades como guerreiras, sendo o destaque, apenas, um ótimo diálogo entre Obara Sand (Keisha Castle-Hughes) e o sempre sensacional Bronn (Jerome Flynn). O mesmo podemos falar da viagem de Brienne de Tarth (Gwendoline Christie) e seu escudeiro, Podrick (Daniel Portman), que esbarraram com Sansa Stark (Sophie Turner) no caminho para, depois, acabarem com o sofrimento de Stannis Baratheon (Stephen Dillane) em Winterfell. Aliás, o orgulhoso Stannis só colecionou derrotas e desgosto em sua jornada ao trono de Westeros. O único herdeiro ao trono por direito se aliou à feiticeira Melisandre (Carice Van Houten) que só trouxe desgraça para a sua família. Talvez, as coisas tivessem sido diferentes se Stannis ouvisse Sir Davos Seaworth (Liam Cunningham), que novamente, dividiu ótimas cenas com seus colegas, principalmente com a jovem Shireen (Kerry Ingram), que foi responsável pelo que talvez seja a cena mais chocante de toda a temporada.
A vida de Arya (Maisie Williams) também foi dura. Mesmo chegando sã e salva a Braavos, e após encontrar seu “velho amigo”, Jaqen (Tom Wlaschiha), começou seu treinamento para se tornar uma Sem Face, mas o treinamento é mais difícil do que aparenta ser, o que deixa a menina completamente desmotivada. Pela primeira vez na história do seriado, o arco de Arya foi desinteressante e o mesmo seguiu com sua irmã, Sansa, que foi deixada em Winterfell pelo “mindinho”, Lorde Petyr Baelish (Aiden Gillen) para se casar com o cruel Ramsey Snow (Iwan Rheon), que agora detém o sobrenome Bolton. Aliás, o jovem ator Iwan Rheon merece ser elogiado por suas ótimas atuações que não vêm desta temporada. Ramsey já é mais odiado que o falecido Geoffrey por toda crueldade (merecida, diga-se) cometida a Theon Greyjoy (Alfie Allen), que foi transformado praticamente num cão doméstico, além de cometer outros atos cruéis e sádicos de gostos duvidosos que causaram muita ira e controvérsia aos fãs, como o estupro de Sansa, assistido por um arrependido Theon, que cresceu junto a Sansa como se irmão fosse.
Um pouco mais ao norte de Winterfell está AMuralha defendida pela Guarda da Noite, e que agora tem um novo lorde comandante, qual seja Jon Snow (Kit Harington), que liderou e saiu vitorioso na batalha contra parte dos selvagens liderados por Mance Rayder (Ciaràn Hinds). Jon, que contou com o apoio de Stannis Baratheon para aprisionar Mance, se viu numa situação difícil, tendo que recusar, inclusive, o sobrenome de Stark oferecido por Stannis caso a Guarda da Noite o ajudasse em sua investida contra os Bolton em Winterfell. Porém, presenciou um dos momentos mais sensacionais da temporada, quando liderou uma expedição à terra dos selvagens para oferecê-los ajuda e abrigo no Castelo Negro. A investida não deu muito certo e Jon e a Guarda da Noite tiveram a certeza de que o inverno tinha chegado por conta da horda de White Walkers que atacou a vila dos selvagens. Não sei se foi intencional, mas, aqui, os efeitos especiais lembraram muito (claro, com a tecnologia dos dias atuais) os do primeiro Fúria de Titãs, além de remeter e muito ao jogo Diablo. Aliás, seria muito bom se todas as casas de Westeros parassem de guerrear umas com as outras e se unissem contra os White Walkers. Realmente, o que vai acontecer daqui pra frente é uma incógnita. O que nos resta é acreditar que, de fato, esses seres são coisa séria.
De qualquer forma, ainda que essa quinta temporada tenha sido morna, o maior seriado da história do canal HBO e o mais pirateado do mundo continua com sua qualidade inegável. Infelizmente, os arcos não emplacaram, muito menos empolgaram, exceto por uma vez ou outra. Porém, não se sabe o que aconteceu, uma vez que o time de roteiristas continuou o mesmo. O que mudou muito em relação às outras temporadas foi o time de diretores, sendo que muitos deles dirigiram a série pela primeira vez. Não tivemos grandes nomes como Alan Taylor (que dificilmente retornará, por ter feito filmes como Thor: O Mundo Sombrio e O Exterminador do Futuro: Gênesis), David Nutter, Michelle McLaren e Neil Marshall. Mas, ainda assim, fica aqui a curiosidade sobre qual será o desfecho dos personagens nas próximas temporadas, uma vez que deixou claro que muitos deles já fizeram as suas últimas curvas para o final da história, que deverá ser em mais duas ou três temporadas.
Um Corpo que Cai e Intriga Internacional, David Carbonara e sua mina de ouro tocam pela última vez e fazem aqueles 30 segundos abrirem o último episódio de Mad Men.
Como começar melhor o fim do que lembrar o espectador que já estamos nessa estrada há quase 10 anos? Basta, após os créditos, encararmos um deserto e, à la Mad Max, o barulho ensurdecedor de um carro dirigido por Don Draper, de capacete e óculos. O próprio personagem nos recorda da conversa com sua filha dizendo que tudo passou rápido demais. Depois de encerrar 2014 com a cena mais inesperada e, provavelmente, uma das mais belas na história das produções pra TV, o último episódio de Mad Men se concentra exclusivamente em não parecer o fim de nada, e apenas mais um episódio muito bem executado como todos os outros.
Matthew Weiner volta para continuar cavando o buraco que abriu dirigindo e roteirizando. Temos pequenas jóias de diálogos entre amigos que parecem não se ver ou se encontram na mesma frequência de tempos anteriores em algumas passagens do episódio. Aquelas três pessoas, que começaram como coadjuvantes do grande diretor de arte da Madison Avenue, agora possuem algo próprio, apesar de não tão grande, e fizeram tanta presença nessa história quanto ele. São bons amigos agora, estão longe uns dos outros e vão continuar assim daqui em diante.
Ken e Joan nos relembram novamente sobre o dinheiro. Ele sempre estará ali. Foi o dinheiro que traçou o caminho de todos, retornando eventualmente como prioridade. O Dinheiro pra Joan é o respeito de poder trabalhar com o que quer, de estabelecer seu nome e não precisar estar na sombra de ninguém, um preço que aceita sem hesitar. Para Peter foi finalmente a chance de reconquistar Trudye, largar toda a estrada que consequentemente resultou no seu divórcio, mas que, ainda assim, deixa boas memórias pra trás.
O trabalho é o corpo dessas pessoas; não o fazem pelo dinheiro, mas pelo hábito. Não interessa se algo não se encaixa ou se tudo não se encaixa mais: simplesmente é necessário fazer. Um processo quase mecânico, assim como precisar de dinheiro. Peggy reflete muito bem essa faceta do trabalho durante a série, e curiosamente é Joan e ela que se mostram mais viciadas no que fazem antes de qualquer outro.
Mas antes de olhar para trás, Sally e Betty nos lembram de que tudo que está acontecendo agora vai continuar acontecendo também daqui pra frente. Faz parte do grande abismo que essas pessoas viveram no decorrer de cada temporada (não podendo faltar um ultimo “What?”). Ninguém, de fato, nunca está ou esteve bem por muito tempo, mas ainda assim há espaço aberto para vermos Peter e Trudy como um casal prometido e feliz a caminho de seu jatinho particular. Certamente, se ele irá seguir pelo caminho de Don como pessoa, como já havia feito algumas vezes, é incerto, mas foi um final feliz.
E o Don? Não é a primeira vez que vai embora aleatoriamente para qualquer lugar. Repetir o mesmo processo há mais de 20 anos não deve ser simples, muito menos mecânico. Mais uma vez com outra mulher e outro problema que irá corroê-lo por dentro da mesma forma como qualquer outro problema. Don é a pessoa que mais tenta juntar pequenos pedaços de um todo desfeito há muito tempo. Poderíamos esperar qualquer coisa menos um retiro espiritual como opção para acabar com sua decadência contínua.
De todos, ele é o único que precisou encarar tudo o que representa e faz esse exercício todos os dias naquele lugar com sua própria imagem refletida na vida de outra pessoa. Precisou ver o abismo de outros e se prender ao próprio abismo sem beber ou fugir (de novo). Encarar que é um péssimo pai e que nunca irá fazer parte importante de uma família que ele já teve ao seu lado, a qual hoje não existe mais. É triste pensar que sua última conversa com Peggy foi uma carta de confissão, quase como um suicídio. A sensação de que algo ruim estava por vir é cortada de maneira sobrenatural pela declaração de amor de Stan por Peggy. Sem nenhum tipo de preparação, com a própria Elizabeth Moss cortando o clima da declaração, mostrando que aquilo está completamente perdido no meio de tudo. e daí lembramos: é o ultimo episódio.
Com o tempo quase esgotado, vemos Roger e Marie finalmente juntos (quem sabe até o fim dessa vez), e passamos por todos os outros personagens novamente, cada um mais distante do outro e certamente com os mesmos problemas de sempre. Don finalmente aparece, em seu estado mais zen já antes visto. O som de tudo cessa e a meditação ilustra ordem e controle de todo aquele abismo que ele se encontrava, porém um sorriso aparece. Ele finalmente conseguiu se dividir da sua pior parte? Ele voltou a trabalhar e aquela propaganda da Coca-Cola é de sua autoria? Não saberia dizer, mas é certo que algo ali mudou, pelo menos em parte.
Se pudesse chutar, diria que o episódio 7 encerraria o programa de forma que não pudéssemos pensar em nada disso. Mas, ao mesmo tempo, seria uma lágrima no final das contas, e não um sorriso curioso que encerraria uma das maiores produções na história da TV. Sentirei falta de pensar no que ele poderia ter sido.
Atenção: este review contém spoilers de toda a série. Siga por sua conta e risco.
Mad Men entrou para o seleto grupo de séries que mudaram a televisão americana atual, ao lado de Breaking Bad, The Sopranos, Deadwood, The Wire e Six Feet Under. A série criada por Matthew Weiner relata a rotina dos homens e mulheres que modernizaram a publicidade a partir dos anos 60.
Entre os turbulentos anos de 1960 a 1970, acompanhamos as principais figuras da agência de publicidade nova-iorquina Sterling Cooper, centralizadas na figura de seu misterioso diretor de criação, Don Drapper.
Por se tratar de uma série que acompanha a rotina dos mesmos personagens em um ambiente que pouco altera com o tempo, as mudanças em Mad Men poderiam ser ainda menos perceptíveis de uma temporada para a outra se não fossem as contextualizações históricas. Os grandes eventos da época foram agentes importantes para as mudanças que a publicidade sofreu. Não obstante, os anos 60 são reconhecidos nos Estados Unidos como a grande fase em que houve a quebra do padrão em toda a cultura, além das manifestações políticas contra a guerra do Vietnã, a ascensão da mulher no mercado de trabalho e os conflitos raciais através da luta dos direitos civis.
Os personagens principais da série na primeira Sterling Cooper
No entanto, os três atos da série podem ser identificados entre antes e depois do divórcio de Don, e após o seu afastamento da agência.
A primeira temporada consolida os personagens principais da agência, os “homens loucos” que modernizaram a publicidade. Eles são compostos pelos chefes de atendimento que lidam diretamente com os clientes e o núcleo de criação que dá ideias para o seu diretor fazer as apresentações, e assim conquistá-los e mantê-los. No entanto, é através da rotina de Don Drapper que vemos quase tudo o que acontece na agência, além dos seus inúmeros casos extraconjugais. Aos poucos, também vemos como Don vai se mostrando um personagem com passado misterioso que ele tenta a todo o custo esconder; sua única fraqueza aparente. Don na verdade se chama Dick Whitman, filho de uma prostituta, sem família, que na guerra da Coreia acaba assumindo a identidade do seu superior para fugir do conflito.
É aqui também que vemos o outro lado da Sterling Cooper através da contratação da nova secretária de Don, Peggy Olson e do trabalho de quem a contratou, a secretária geral Joan Harris. O manjado artifício nos permite conhecer o funcionamento da Sterling Cooper através de um novo personagem, além de mostrar o lado das mulheres da empresa, o que permite problematizar o sexismo no trabalho. Não à toa, as duas personagens crescem de importância já no final da primeira temporada, com Peggy se tornando redatora e Joan resolvendo problemas cada vez maiores. O terceiro núcleo se fixa na residência de Don, através da sua esposa Betty, dona de casa que cuida dos seus dois filhos.
Na segunda temporada temos o evento histórico da crise de mísseis de Cuba. Apesar de ser somente nos episódios finais, o evento histórico dialoga com os principais acontecimentos: Duck Phillips, apresentado na temporada anterior, trouxe instabilidade a todos os personagens principais da agência, e não à toa ele se torna o responsável pela compra da Sterling Cooper pela Putnam, Powell & Lowe, uma agência inglesa.
Don tem um novo caso, agora com a esposa de um comediante que destrata seus clientes, algo que se torna um resumo da sua vida no momento, já que não consegue respeitar seu casamento depois do acordo que fizera com a própria esposa e ainda termina por engravidá-la. Aliado a isso, em uma viagem com Pete, Don acaba sumindo, e assim conhecemos Anna Drapper, esposa do verdadeiro Don, o que faz com que comece o colapso do seu casamento.
Peggy Olson, interpretada por Elisabeth Moss, liderando a sua equipe
Na terceira temporada vemos uma mudança na Sterling Cooper, agora controlada pelos ingleses sob o comando de Lane Pryce. A mudança de rotina com a fusão afeta menos a publicidade em si e mais a forma de trabalho do núcleo principal da agência. Como não possuem mais o controle, Don Drapper e a sua equipe agora têm que seguir ordens de Londres das quais discordam, sendo o caso mais emblemático do Jai Alai: aceitar o investimento de um cliente em algo que eles sabem que está fadado ao fracasso. Somado a outras complicações com clientes, o desgaste com Londres vai crescendo até que os publicitários tomam uma decisão: sair da empresa que venderam antes de uma nova aquisição e fundar a sua própria agência levando os clientes que conseguirem.
Enquanto isso, a relação de Don com a sua esposa se desgasta, apesar do nascimento do novo filho. A crise se agrava ainda mais com a morte do pai de Beth, o que a faz buscar em Harry Francis um amante e no fim da temporada terminar se divorciando de Don, decisão que encerra o primeiro grande ato da série.
Uma das cenas mais brilhantes da série: o carrossel
A quarta temporada traz uma mudança no protagonista e inicia o segundo ato de Mad Men. Agora solteiro, Don está vivendo solitário em seu apartamento experimentando a vida de Dick Whitman que ele tinha deixado para trás. Entre prostitutas e curtos relacionamentos que não dão certo, ele passa a beber ainda mais.
A sua instabilidade acaba sendo a síntese de todos os personagens da nova agência Sterling Cooper Draper Pryce. É nesta temporada que vemos todos os personagens enfrentando ou começando a ter problemas pessoais mais sérios, além da nova agência se tornar instável financeiramente por causa dos novos e incertos clientes. Para piorar a situação, a SCDP perde Lucky Strike, o seu principal cliente, e em uma tentativa desesperada de salvar o negócio, Don comete um erro grave, o que acaba sendo o início do seu declínio na empresa. Assim como o divórcio foi um trauma para o protagonista, a perda da Lucky Strike o foi para a agência. E ambos agora seguem se recuperando.
Na quinta temporada, Don está casado com sua ex-secretária Megan, e o equilíbrio volta um pouco para a sua vida ao se afastar dos casos extraconjugais e, por consequência, ao funcionamento da própria SCDP. Somente no último episódio, ele dá indícios de que voltará a ter uma possível amante. Lane Pryce comete suicídio no final por um erro que ele mesmo cometeu, e a empresa acaba expandindo.
O assassinato e a morte das enfermeiras em Chicago também marca esta quinta temporada em se tratando dos direito civis dos negros e das mulheres. A barbárie causada em 1966 permite a discussão sobre o racismo e o sexismo no mercado de trabalho. Assim, no final da temporada, Peggy recebe proposta da agência rival e decide ir, e Joan Harris se torna cada vez mais indispensável dentro da SCDP.
Na sexta temporada, a SCDP, que havia voltado a crescer, acaba se fundindo com a agência do antigo rival de Don, Ted Chaough, a Cutler Gleason Chaough. Por causa dessa união, a nova agência acaba tendo maiores problemas, como lidar com os dois diretores de criação no mesmo lugar. O assassinato de Martin Luther King serve como contexto histórico para discutir o racismo na sociedade americana e a luta pelos direitos civis dos negros através de Dawn Chambers, a secretária de Don. A principal figura negra dentro da agência acaba representando todo o preconceito sofrido.
Com o novo casamento consolidado, Don voltou a ter amantes, e sua arrogância está ainda maior, o que só reforçará a sua queda dentro da própria empresa, iniciada com a sua decadência na quarta temporada. A sexta temporada termina o segundo ato de Mad Men com o afastamento de Don da agência.
Assim como Breaking Bad, que termina o ato principal na penúltima temporada, a sétima e última temporada soa como um grande epílogo. Don Drapper, desvinculado da agência e mais solitário do que nunca, agora tem que se virar para voltar a ser uma pessoa relevante tanto no mundo publicitário quanto na vida pessoal e familiar. Ele começa passando seu tempo entre Nova York e Los Angeles, onde agora vive a sua esposa Megan, o que faz com que a sua vida fique ainda mais perdida. A luta para ser readmitido de volta a Sterling Cooper passa por entraves entre os sócios, e Don tem que voltar a provar o seu valor. Aqui vemos uma faceta já mostrada na série, mas através de Peggy: como um iniciante em publicidade virou o principal e mais desejado diretor de criação. É também aqui que vemos a chegada do homem à Lua, em 1969, e isso dialoga com a chegada de uma nova tecnologia na agência: a computação. A inovação representa um novo momento para todos, pois Peggy agora chegou onde jamais esteve ao se apresentar para um cliente grande, e, com a morte de Bert Cooper, tudo muda.
Joan Harris, vivida por Christina Hendricks
A segunda parte da última temporada inicia pela quinta vez com a mudança de nome da agência após ser vendida/passar por fusão/absorvida pela McCann-Ericksson. Don inicia um romance com uma garçonete misteriosa que desaparece, e isso dá o tom de toda a temporada final da série: a magia por trás de Mad Men chegou ao fim. Todos os personagens principais se desvinculam de alguma forma do trabalho que estavam acostumados. Matthew Weiner, o criador da série, dá indícios o tempo todo nesta temporada que ela está terminando: a morte de Cooper, o segundo divórcio de Don, a venda do seu apartamento, o câncer de Betty, a segunda demissão de Joan e de Ken Cosgrove, e o devaneio que leva Don a se aposentar do trabalho.
Don Drapper, interpretado por Jon Hamm
A jornada final do protagonista é a desconstrução de Don Drapper para voltar a ser Dick Whitman. Ao dirigir sem rumo pelo país e acabar em um hotel de beira de estrada onde o dono é um veterano da Segunda Guerra Mundial, voltamos ao soldado que admite que causou a morte do seu superior e ficou com seu nome. Neste mesmo lugar, vemos um vigarista que rouba dinheiro e consegue bebida alcoólica, duas coisas que Dick fez ao se passar por Don metade da vida inteira: ganhar dinheiro sendo aquilo que não é, ou, em suma, a essência da publicidade. Don é levado pela sobrinha de Anna Drapper, esposa do Don original, a um retiro espiritual para a sua final desconstrução do personagem. É emblemática a cena onde ele abraça um senhor que compartilha o sonho de ser aquilo que todo mundo é: uma pessoa irrelevante para a própria família. Finalmente ele deixa de ser Don Drapper de vez ao abandonar seus filhos e volta a ser Dick Whitman, um desconhecido para a sociedade.
A estrutura de Mad Men é toda baseada em The Sopranos, inclusive não é segredo nenhum que Matthew Weiner, enquanto roteirista da série, via como mentor David Chase, criador de Sopranos. Ambas tratam a rotina de um grupo de homens poderosos liderados por um chefe, o “Don”, protagonista. Os cabos e soldados da máfia são os chefes de atendimentos das agências, que respondem a ele para aprovar ou não as peças publicitárias ou ajudar com alguma coisa, e resolvem problemas dos seus clientes, sendo que nenhum deles respeita a própria esposa e tem amantes. Apesar de aparentar ser um homem forte, Don Drapper sofre do mesmo mal de Tony Soprano: a ansiedade de ter o tempo todo que representar um papel que ele não é. Enquanto Don Drapper na verdade é Dick Whitman, Tony Soprano não é o chefão da máfia, mas uma pessoa frágil.
O momento em que Dick Whitman vira Don Drapper
Por se tratar do cotidiano de uma agência de publicidade que lida basicamente com os mesmos clientes, fica mais difícil pontuar as diferenças entre uma temporada e outra. Para tal, são usados os grandes eventos dos anos 60, que acabam servindo para discutir parte dos problemas da Sterling Cooper. Acaba que o microcosmo da agência serve como uma versão resumida da própria América.
Se Breaking Bad prima pela direção e The Wire pelo roteiro realista, um dos grandes diferenciais de Mad Men é a discussão política, social e cultural da sociedade americana através da publicidade. Não à toa a série se passa nos anos 60: os produtos que sempre foram feitos para os públicos certos agora enfrentam mudanças intensas nunca antes sentidas na sociedade.
A desconstrução do mito norte-americano, que começa na falência do american way of life centrado na família de Don, passando pela força de um capitalismo baseado na exclusão ao deixar mulheres e negros em posição inferior, enfrenta a hostilidade da guerra do Vietnã e da crise de mísseis de Cuba. Além disso, é brigado a se adaptar à contracultura e ao movimento hippie, mas termina com uma esperança quando o homem chega à Lua e vence a corrida espacial. Como se adaptar a essas mudanças? Os EUA continuam sendo o modelo ético e moral para a sua própria população? E que população é essa? Será que o mundo também está mudando? Como nós vamos nos vender agora? E que novo mundo é esse?
A outra discussão da série é a filosofia e a moral da publicidade. Como transformar o inútil em um desejo? Como vender algo para alguém que não precisa daquilo? É ético tentar moldar o caráter de alguém? O todo poderoso chefe de criação Don Drapper na verdade é alguém que se passa por outra pessoa o tempo todo, alguém que negou a sua própria história e personalidade, e construiu outra para chegar ao poder de persuasão sob os demais como diretor de arte. E o que é a publicidade senão a vitória da persuasão sobre a personalidade?
Bert Cooper e Roger Sterling, dois dos melhores personagens da série
Por fim, algumas curiosidades da série. É comum nas salas de roteiristas o criador da série, ou showrunner, reescrever os episódios de algum dos roteiristas, porém mantendo o crédito original. Matthew Weiner mudou isso e ele se deu crédito em quase todos os episódios da série como co-autor. Para quem quiser se aprofundar: a lista de alguns livros que os personagens leram durante a série; o figurino que os atores usam de acordo com os seus personagens; um guia pela direção de arte da série; e a história do publicitário Draper Daniels, principal referência para a criação do protagonista.
Além da direção de atores, direção geral e direção de arte, a atuação da série é outro ponto forte de Mad Men. Jon Hamm dá vida a Don Draper; a ótima Elisabeth Moss é Peggy Olson; Vincent Kertheiser como Pete Cambell; Christina Hendricks é Joan Harris; a limitada January Jones vive Betty Drapper e depois Betty Francis; Rich Sommer é Harry Crane; Aaron Stanton vive Ken Cosgrove; a boa atriz Jessica Paré dá vida a Megan, ex-secretária e segunda esposa de Don; Jay R. Ferguson vive Stan Rizzo, o melhor amigo da Peggy; o limitado Michael Gladis é Paul Kinsey; Bryan Batt como Salvatore Romano; por último o sempre ótimo Jared Harris é Lane Price; e sem esquecer do bom ator John Slattery como Roger Sterling e Robert Morse como Bert Cooper.
Mad Men é o tipo de série que vale a pena simplesmente por tudo o que a história representa. Ela não somente foge do padrão das séries na TV fechada, mas também consegue contar uma boa história usando um ótimo fundo histórico.
Atenção: este review contém spoilers de toda a série. Siga por sua conta e risco.
Figurando entre as cinco séries consideradas revolucionárias, ao lado de The Sopranos, The Wire, Breaking Bad e Mad Men, a série criada por Alan Ball conseguiu atingir um alto nível de roteiro e direção, colocando Six Feet Under em um patamar acima das séries comuns.
Ao longo de cinco temporadas, acompanhamos as vidas de Ruth, Claire, David e Nate Fisher, donos da funerária Fisher & Sons (depois Fisher & Diaz). Entre os seus desentendimentos, familiares e amorosos, e a luta contra a compra de uma multinacional, vemos como uma rotina cercada de morte pode significar tanto.
As cinco temporadas conseguem ser divididas por temas sempre gerados pela morte. Por se tratar da rotina dos mesmos personagens, o diferencial é pautado pelas situações das mais absurdas que ocorrem com os protagonistas.
O elenco principal da série: Freedy Rodriguez como Rico, Rachel Griffith como Brenda, Lauren Ambrose como Claire Fisher, Peter Krause como Nate Fisher, Frances Convoy como Ruth Fisher, Michael C. Hall como David Fisher e Matthew Patrick como Keith
O seriado começa com a morte do patriarca Nathaniel Fisher. A partir daí, todos os personagens acabam se livrando de diversas amarras sociais: Ruth se liberta sexualmente, assumindo o caso que tinha com o seu cabeleireiro; Claire passa a ser uma pessoa menos rebelde; David se revela gay e assume seu namoro com Keith; e Nate deixa a cidade onde morava e volta para a casa. O tema é claro na primeira temporada: a libertação.
É através da rotina da funerária que sabemos como o negócio funciona. Por conta disso, os Fishers passam a ser assediados pela Kroehner, gigante do ramo. O dilema de vender ou não o negócio da família permeia esta primeira temporada, ainda mais utilizando a estrutura do filho renegado, Nate, que não quis assumir o empreendimento familiar.
Toda a série tem personagens que se destacam dos demais de alguma forma, seja pela condução do roteiro, seja pela atuação. Em Deadwood, é Al Swarengen e em The Wire, é Omar Little. No caso de Six Feet Under é Brenda Chenowith, a namorada e segunda esposa de Nate. Ser criada por pais psicanalistas e que a usaram como tema de um livro, além de ter um irmão psicopata, transformou-a na melhor personagem da série.
Uma das muitas cenas da série em que os protagonistas conversam com os mortos do começo dos episódios
A segunda temporada tem como tema a decisão. Ruth começa a ficar na dúvida do que fazer da vida e se fica ou não com Nikolai; Nate e David são assediados novamente pela Kroehner; David ainda tem incertezas sobre se assumir gay publicamente; e Claire não sabe o que fazer quando se formar na escola; e Brenda passa a trair Nate com várias pessoas assim que fica noiva. Porém, as maiores indecisões da temporada recaem sobre Nate: a partir de uma ida a sua antiga cidade, Seattle, ele revê uma antiga amiga. Meses depois, ela o procura com barriga grande, e ele reflete se vai assumir a filha ou não. Outra grande indecisão de Nate ocorre ao descobrir que sofre uma espécie de AVC, que resolve operar mesmo correndo o risco de ficar em coma.
É aqui também que vemos que Rico, o ajudante embalsamador de Nathaniel, se torna sócio da empresa, fazendo com que a funerária passe a se chamar Fisher & Diaz. Ao mesmo tempo, ocorre um processo, esquecido pela série, que iria levá-los à falência. A Kroehner também não é mais mencionada daqui em diante.
Na terceira temporada, temos a própria vida como tema. Nate cria a sua filha, Maya, e aceita se casar com a mãe dela; David começa a ter desejos de adoção, junto a Keith, após tomar conta da sua sobrinha; Claire entra na faculdade de arte e deseja iniciar um relacionamento adulto; e Ruth acaba se envolvendo com Arthur, o novo empregado da funerária. Brenda se mantém fora da maior parte dessa temporada, voltando, no final, após a morte do seu pai, enquanto Ruth acaba se casando com George.
É também aqui que temos um dos momentos mais tensos da série em relação à morte. Lisa, a esposa de Nate, desaparece nos episódios finais, o que faz com que Nate se altere de uma forma nunca vista. E a forma como o roteiro e a direção trata o tema faz com que os episódios finais tenham uma carga muito pesada.
Na quarta temporada, temos como tema o castigo. Nate enterra a esposa da forma como ela queria, e não como a família dela gostaria, e acaba descobrindo que talvez o próprio cunhado tenha matado Lisa; Claire se sente perdida e desiste da faculdade de arte; Brenda começa a se dar bem com o vizinho, até que Nate chega; Keith é demitido do emprego de guarda-costas após transar com a cantora; Arthur se demite; Rico se divorcia após ser infiel; e David sofre um sequestro que o deixa traumatizado.
É aqui também que temos uma guinada na vida de Brenda, que deseja ser psicanalista, finalmente seguindo a profissão dos pais. Nesta temporada, aparecem dois novos personagens, George, novo marido de Ruth apresentado na temporada passada, e sua filha Maggie, cuja função é ajudar o pai, que começa a apresentar sinais de demência.
As melhores mortes dos começos dos episódios
Na quinta e última temporada, o tema é o perdão, fechando o ciclo. Nate e Brenda finalmente se casam após os preparativos da temporada passada, e logo depois Brenda perde o bebê; David e Keith conseguem adotar dois meninos, depois de muitas tentativas, e acabam tendo dificuldades em criá-los; Claire desiste da faculdade de arte e começa a trabalhar em um emprego que odeia; Ruth se divorcia de George; Brenda engravida novamente; Rico volta para a esposa, mas sem ser como antes; Nate trai Brenda com Maggie, e Nate morre após um novo AVC.
Nos dois últimos episódios, os personagens acabam seguindo a cartilha padrão, e o que poderia ser um bom final se transformou no dramalhão apelativo nível novela das oito do Maneco. Nível este que já havia se instaurado na série desde meados da terceira temporada. O término da série foi fraco, piegas, e a última cena, desnecessária.
A estrutura dramática da série ainda se aproxima da tradicional, no entanto cada episódio começa com uma morte aleatória, algo que vai significar trabalho para a funerária. A partir daí, as circunstâncias que levaram a esse falecimento passam a dialogar com o tema de cada episódio. Literalmente os Fishers conversam com os mortos enquanto os preparam para o velório, dando, inclusive, mais tridimensionalidade aos protagonistas. Nathaniel sempre volta para conversar com sua viúva, Ruth, e seus três filhos, ao longo de toda a série.
Ao incorporar a morte como tema principal e trabalhá-la a partir de vários outros assuntos, a série mostra que a sua principal característica é a diversidade. A morte tem a função de sustentar aquela família, que por si oferece algum conforto para os parentes dos mortos. Dessa forma, a morte gerou vida, uniu, separou, perdoou, criou indecisões e, por fim, libertou, seja quem estivesse em vida ou em uma morte dolorosa. E essa diversidade também é mostrada através das minorias, a exemplo de latinos, negros, gays e mulheres como os protagonistas da série.
Uma das melhores cenas da série, com Nate chapado de ecstasy
A atuação é um dos pontos altos de Six Feet Under. Rachel Griffiths interpreta a melhor personagem da série, Brenda Chenowtiz; Frances Convoy dá vida à matriarca Ruth Fisher; Peter Krause é Nate Fisher; Michael C. Hall faz de David Fisher o melhor papel de sua carreira (colocando Dexter no bolso); Lauren Ambrose é Claire Fisher; Richard Jenkins faz as ótimas aparições momentâneas de Nathaniel Fisher; Matthew Patrick é Keith, o namorado e depois marido de David; Freddy Rodriguez dá voz a Frederico ‘Rico’ Diaz e Justina Machado, à sua esposa, Vanessa; Jeremy Sisto interpreta Billy, o irmão psicopata de Brenda; Tina Holmes como Maggie; Lili Taylor como Lisa, a mãe da filha do Nate. E ainda há espaço para a menção de três excelentes atores que emprestaram o seu talento para a série de Alan Ball: James Cromwell como George Sibley, o segundo marido de Ruth; Kathy Bates como a amiga de Ruth, Bettina; e Patricia Clarkson como Sarah, a irmã de Ruth.
Six Feet Under merece ser vista não só pelo tema diferencial de uma família que ganha a vida como agente funerária, mas também por atingir um nível de roteiro como poucas séries o fizeram, principalmente nos primeiros episódios. Quem quiser mais detalhes pode se aventurar pelo Wiki da série.
Após dois mandatos consecutivos, o presidente americano George W. Bush deixava a Casa Branca com um espantoso nível de rejeição. Uma porcentagem, divulgada em uma pesquisa da CNN, suficientemente alta para torná-lo o presidente mais impopular desde Nixon no caso Watergate. Na eleição presidencial de 2008, o Partido Republicano tinha dois objetivos na composição de sua campanha: a primeira era vencer o democrata Barack Obama, o senador americano considerado ponto de mudança na política mundial. Para isso, o candidato John McCain precisava demonstrar ao seu eleitor que, apesar de oito anos de governo Bush, o partido ainda era forte o suficiente para continuar na presidência do país e conduzir os Estados Unidos da América de maneira diferente daquela realizada pelo antecessor.
Baseado no livro de John Heilemann e Mark Halperin, com roteiro de Danny Strong (O Mordomo da Casa Branca) e dirigido por Jay Roach (Os Candidatos), Virada no Jogo, lançado pela HBO, apresenta a versão republicana das eleições e a composição da chapa de McCain. (Considerando que toda história baseia-se em uma verdade parcial, além do universo político ser carregado de interpretações variadas, a análise seguinte enfocará o conteúdo apresentado por esta produção, sem um amparo maior no contexto americano e em especialistas políticos).
Roach já realizou outra produção política para o canal: Recontagem, que analisa a eleição de 2000, em cuja contagem de votos elegia Al Gore mas fez George Bush o 43º presidente do país. Virada no Jogo é mais uma narrativa centrada em acontecimentos contemporâneos da política americana. Ed Harris personaliza o candidato republicado à procura de uma chapa forte o suficiente para derrotar Obama. Diante das poucas opções para vice-presidente, a equipe escolhe um caminho inédito e incômodo para a ala mais conservadora ao colocar Sarah Palin (Julliane Moore), governadora do Alaska, como representante.
Entre partidos, havia um jogo silencioso de intenções. Se os Republicanos confiavam em um presidente que ganhava status de celebridade e promovia um novo contato com o público jovem, o partido opositor escolheu um representante que também apresentava novidade ao eleitorado e, neste caso, a escolha de Palin demonstrava a importância de um estado normalmente diminuto ou ignorado e evidenciava uma disposição partidária nova, a de escolher uma mulher como vice-presidente. Um embate oculto e absurdo que, silenciosamente, fazia da raça e do gênero, aliados.
A princípio Palin demonstra coerência com os objetivos de McCain, porém, aos poucos, demonstra uma alienação disfuncional para um candidato desse porte, destacando-se na mídia não como ponto de mudança, mas sim por entrevistas e depoimentos inusitados, tornando-se constantemente alvo de deboche. A atriz Tina Fey, no programa Saturday Night Live, compôs uma das paródia mais elogiadas, em parte pela semelhança física de ambas. Uma representação que resumia de maneira exagerada um pensamento interno do partido: Palin poderia ser suficientemente boa para o Alaska, mas não possuía apelo nacional. Incapazes de retroceder e nomear outro líder, a governadora é dominada como pode, sendo vista com respostas decoradas e um discurso preestabelecido.
A produção analisa a incoerência dentro do sistema político e o quanto é difícil unir políticos com visões díspares para representar os mesmo interesses. Palin reconhece os conflitos que surgiam, mas parece negar sua incapacidade. Impõe seu estilo em diversos momentos, causando desconforto no partido. Como mérito de uma história biografada, a composição física das personagens estabelece a credibilidade das cenas. Harris e a sempre talentosa Julianne Moore estão caracterizados com esmero. Além da maquiagem e figurino que os deixaram idênticos aos candidatos, a atriz compõe uma governadora que demonstra uma força interior destruída aos poucos, questionando a própria credibilidade como representante político.
A obra é considerada fiel aos acontecimentos factuais. Porém, gerou discussão quanto à veracidade dos fatos, tanto da própria Palin quanto de militantes que apontam incongruências e mentiras nesta produção. Mesmo considerando uma possível parcialidade dos fatos, a trama demonstra a delicadeza do agressivo jogo político e do necessário alinhamento interno de um partido para selecionar seus representantes.
A tarefa de criar e manter uma série, na qual engloba, por inteiro, o mundo multipolar do jornalismo atual, deixa de ser tarefa no primeiro segundo de concepção e passa a ser um desafio a ser vencido por poucos, a favor do apreço de muitos. Sendo que a pessoa por trás dos roteiros insanos de The West Wing não pode ser muito normal da cuca, Aaron Sorkin, o único que sabe misturar Shakespeare e Arthur C. Clarke sem nos dar enjoo e/ou frustração, fez sorrirem os seguidores da hiper-democrata HBO ao expandir o estilo de A Rede Social e Moneyball, através da sensação de entrar numa redação de jornal televisivo, na tensão ao longo do breaknews, ao longo de The Newsroom.
Para o aspirante a jornalista, uma bela metalinguagem. Ao jornalista, de fato, uma versão inofensiva dos fatos. Defronte ao leigo do mundo onde polêmicas são servidas no café-da-manhã, a série ganhou uma primeira temporada primorosa que fez o Titanic avançar, e uma segunda que fez a embarcação sofrer um corte tão feio na base que sua terceira leva de episódios já foi anunciada como naufrágio iminente. Mesmo no atual conjunto de ótimas produções televisivas, como True Detective e Orange Is The New Black, é chato perderem-se de vista projetos de potencial afim.
A sensação ao adentrar a rotina da mídia pela porta de trás é o equilíbrio de forças, o respeito básico entre elas, e o atrito eventual de interesses em prol da sobrevivência de quem fabrica a opinião pública. De temas flexíveis, ao focar a equipe de Will McAvoy, o âncora do jornal News Night na pele de Jeff Daniels, a apuração leve e objetiva que a série faz de vários tipos de jornalistas vivendo e morrendo em bando, e das manobras vitais da profissão a partir de uma simples redação, é um verdadeiro brainstorm para quem consegue acompanhar a dinâmica do show e a rapidez de reflexão que o ritmo exige.
A “leve e objetiva” abordagem se deve, então, à técnica-chave de Sorkin: apontar o dedo e desviá-lo no momento em que olhamos na direção. Ironia do destino ou por decisão do canal, devido a isso veio justamente a desarmonia da segunda temporada e a gradual diluição da identidade, antes muito bem assegurada. O declínio foi leve, mas doeu e teve um preço.
Ainda nessa primeira fase, The Newsroom demonstra-se incapaz de reproduzir em qualidade, em razão da irritante troca de diretores, entre episódios e temas. A realidade se mantém fixa e linear numa espiral de dramatização, na verdadeira criação do seu roteirista: um dossiê técnico do jornalismo do século 21 realizado através da atualização energética de Rede de Intrigas e da conversação moderna de Doze Homens e Uma Sentença– nas cenas de debate, por exemplo –, ambos filmes de Sidney Lumet, unidos no formato Mad Men de promoção.
Acontece que Sorkin, metralhadora de palavras, apontou seu dedo ao alvo, que desde a primeira cena da segunda temporada noticiamos que é o errado. Se em momento similar a série começou num palco de entrevistas com uma resposta ácida de McAvoy sobre a dura e real razão da América não ser a maior nação do mundo, não mais, o segundo pontapé chutou pra atmosfera o lado pessoal e parcial dos personagens sem sustentar o interesse dos mesmos fora do ambiente de trabalho.
O interesse da série, por sua vez, estava na contradição de ter um contexto de informações em plena era da desinformação, ou era do exagero, tanto pela imprensa, tanto pelo freguês. Tanto faz.
E, de profundo, o nível ficou médio; só Deus sabe o nível do que vem até o final de 2014. Ainda assim, reciclar ou inaugurar opinião sobre a série em post de Facebook ou notas de rodapé é injusto sob a reputação que as intenções traduzem – ou traduziram. No final, Newsroom ainda está para o jornalismo ético atual como House of Cards se encontra para a ética política de hoje, entre democratas e republicanos. Produtos culturais de seu tempo, imparciais ao que já passou, mas fiéis às intrigas e sentenças promovidas em nome do futuro.
Já o que se fez constante foi o não uso dos temas abordados como forma extrema de publicidade, ou polêmica, para atrair a audiência – uma artimanha barata usada pela mídia que a série defende, mas nunca passa a mão na cabeça. A série não termina como fracasso, mas uma promessa – capaz de ter sido muito mais e rendido inúmeras temporadas – que se vendeu sozinha, internet afora, apenas com um merecido empurrãozinho de marketing da HBO – o SBT dos Estados Unidos –, um canal onde Todos parecem ter vez e sob todos os efeitos.
Bem-vindos à bordo. Nesta edição, Flávio Vieira (@flaviopvieira), Filipe Pereira e Carlos Brito comentam sobre a primeira temporada da série da HBO, True Detective, estrelada por Matthew McConaughey e Woody Harrelson, escrita por Nic Pizzolatto e dirigida por Cary Fukunaga. Saiba um pouco mais sobre a filosofia da série, suas personagens e todos os temas que envolvem a trama de True Detective. Aperte o play e adentre à Carcosa.
Duração: 93 mins. Edição: Felipe Vieira Trilha Sonora: Felipe Vieira Arte do Banner: Bruno Gaspar
A AIDS como denúncia enquanto produto do meio inexplicável. Teorias da conspiração são o tipo de coisa que não falta nesse mundo, e até hoje seguem feito esporte efetivo aos incapazes de compreender a pandemia, alastrada nos anos 80, do vírus de tantos amores soropositivos, de segregação sexual. Você sente que The Normal Heart é dedicado a todas as vozes caladas no passado, esquecidas na época por seus representantes políticos (que hoje ganham ou perdem votos por apoiar o casamento homo, como se o direito fosse alienígena), e cientes de que nunca seriam lembradas. Um daqueles raros filmes gays que não tenta se heteronormatizar, não tenta se encaixar no contexto que a maioria do público gosta de ver. Se faz com total orgulho acerca de uma minoria, e realizado para ela mesma, ainda que possa ser totalmente adotado por qualquer pesquisador da raça humana e usuário do cinema para tanto.
Se resgatar atos e fatos de um passado recente e incômodo indispõe muita gente, o telefilme do canal HBO tem a força de mil elefantes, carregada nas costas da visibilidade, da expressão, sendo tal expressão totalmente econômica e serena durante toda a projeção, além de utilizar-se como ponto central da polêmica enfermidade, já tratada antes mas não debatida ainda com tamanho realismo, seja em Clube de Compras Dallas ou em Meu Querido Companheiro, os dois melhores exemplos até então.
A questão do direito foi mencionada acima. Direito de ser o que é? Quanto ao amor, esse é guerra. Quanto ao filme, Ryan Murphy, o cineasta, se apropria da história em mãos para tecer uma analogia própria e intrínseca ao enredo, ou seja, constrói uma obra democrática e bilateral, de pontos de interpretação diversos junto a um dínamo ligado a todos eles, ao fator ambíguo da proposta derivado de cada personagem apresentado; ora pelo representante do presidente dos Estados Unidos que se apavora na dúvida de que a AIDS poderia ser transmitida em contato hetero, ora pelos amigos, desesperados e a ponto de explodirem, do ativista da causa Ned Weeks – Mark Ruffalo, melhor atuação da carreira, com postura de Milk, de Sean Penn, e ecos do Lincoln de Daniel Day-Lewis. Weeks também não sabe direito quais procedências tomar em relação a uma doença que deixou de ser simples endemia ou caso isolado há muito, ou em quem acreditar, senão na responsável doutora Emma Brookner (Julia Roberts, a joia do filme). Em The Normal Heart, provocações só nascem de quem ainda não sabe o que lhe agrada.
Murphy comanda o show e seu elenco com uma serenidade e um desejo de perícia, entre causa e efeito, inesperados, em especial para um cara que não detinha provas reais do seu talento, a despeito da fraca trilha sonora aqui, que perde a chance de embalar várias sequências, num incentivo voltado a uma maior profundidade sensorial. Todavia, num filme que contém a difícil cena de uma mãe, em prantos agonizantes que, junto do namorado de seu filho infectado, deve enterrar o próprio herdeiro rejeitado pelo nojo dos médicos que atestaram seu óbito, seria previsível um clima pesado, apelativo ou cético, certo? Nada mais contraditório a tal expectativa num filme acerca do amor, que aqui sofre a desconstrução a partir de quem o sente, jamais do sentimento.
Trilhando caminho oposto aos taxativos de plantão, o explícito da obra gira em torno da necessidade de mostrar o que é preciso na tarefa de escancarar um mundo semi-proibido, sob uma economia de recursos eficiente para uma experiência serena, informativa e bem temperada, ao longo de elementos cuja intensidade vai além de um romance de Woody Allen.
Atenção, este review contém spoilers de toda a série. Siga por sua conta e risco.
Segundo o livro Homens Difíceis, de Brett Martin, The Wire entrou para o seleto grupo das cinco séries dramáticas que mudaram a televisão americana atual e a fizeram entrar em uma nova era de ouro. Ao lado de The Sopranos e Six Feet Under da HBO, e Breaking Bad e Mad Men da AMC, a série criada por David Simon, sem nenhum exagero, conseguiu atingir o nível de excelência de roteiro através dos seus 60 episódios divididos em 5 temporadas. Entretanto, com uma peculiaridade que se tornou uma das identidades da série e a diferenciam de todas as citadas: o realismo.
Sinopse: todas as possíveis ramificações do tráfico de drogas na cidade de Baltimore são mostradas tanto sob o ângulo dos vários traficantes e seus subordinados, quanto da polícia, principalmente da equipe especial de inteligência responsável pelos grampos.
Pela densidade do roteiro de uma hora que contém muitas informações, seguindo o padrão HBO de qualidade, The Wire pode ser considerada uma das melhores séries policiais de todos os tempos. As cinco temporadas se dividem entre os vários casos que vão surgindo e suas investigações decorrentes, conforme o tráfico de drogas vai se adequando as novas realidades, gerando uma interação curiosa entre os dois lados.
A primeira temporada consolida uma parte do elenco fixo da série, focando principalmente no detetive de homicídios Jimmy McNulty, e os policiais que farão parte da primeira equipe formada com o intuito de perseguir os traficantes sob a forma de grampos telefônicos, a Major Crimes Unit, chefiados pelo superior Cedric Daniels e liderados pelo principal investigador da equipe, Lester Freamon. Como os traficantes usam pagers para se comunicar, eles acabam percebendo o padrão utilizado pelos bandidos. É aqui também que se inicia também a investigação pelo dinheiro gerado pelo tráfico, para mostrar o quanto o comércio ilegal das drogas está intrínseco na sociedade, fato recorrente durante toda a série.
A Major Crimes Unit
Stringer Bell e Avon Barksdale
É aqui que vemos também toda a politicagem nos bastidores dos mais diversos escalões de poder da polícia, que dificultam ou ajudam a formação da equipe, com os coronéis, tenentes e outros chefes tentando subir na hierarquia a qualquer custo. Em toda a temporada da série algum chefe de polícia se destaca, nesta primeira é o caso do comandante Burrell e do Major Raws.
A outra parte do elenco fixo se centra no outro lado, a rua, e, claro, as drogas. O traficante Avon Barksdale, junto com seu braço direito Stringer Bell e seu sobrinho atrapalhado D’Angelo com seus vários subordinados, se tornam o alvo da investigação policial. Todas as séries costumam ter um personagem que se torna especial de alguma forma, seja pelo carisma do ator ou pelo roteiro que lhe permite essa possibilidade. Em Deadwood é Al Swarengen e em The Wire é o caso de Omar Little, o bandido que rouba outros bandidos. Ele aparece de vez em quando durante a série, e proporciona os pontos altos dos episódios.
Michael K. Williams como Omar Little
D’Angelo Barksdale com os seus soldados
Na segunda temporada há um novo caso para ser investigado. O porto de Baltimore é dominado por imigrantes poloneses, chefiados pelo líder sindical Frank Sobotka. Eles encobrem seus esquemas ilegais operando dentro da lei, se diferenciando do tráfico nas ruas a céu aberto. Nesta temporada o superior da polícia que se destaca é o Major Valchek, também descendente de poloneses e adversário de Sobotka. É ele quem age nos bastidores para o retorno da equipe de investigação com o objetivo de ir atrás de seu desafeto. Não demora muito para que a Major Crimes Unit, agora uma unidade fixa dentro da polícia, descubra o padrão utilizado pelo sindicato dos estivadores.
Como a investigação mudou de rumo, há um novo olhar sobre o tráfico, agora internacional. O sistema operado no porto permite a entrada de matéria prima para a fabricação da droga fornecida pelo Grego para o traficante Proposition Joe, adversário de Barksdale. Continuamos a ver o que aconteceu a Avon e seu sobrinho D’Angelo na prisão, e Stringer Bell operando seu esquema do lado de fora. Stringer, sem conseguir manter a área conquistada com tanto custo por ele e Avon com um produto de baixa qualidade, mas com uma força ainda grande, começa a maquinar uma espécie de parceria com Prop Joe.
Frank Sobotka e seu sobrinho Nick
Na terceira temporada acontece um fato extraordinário. A princípio instigado em abaixar as estatísticas de assassinato no Distrito do Oeste, o Major Colvin opta por tentar combater o tráfico de uma maneira diferente. Colvin faz com “Hamsterdam”, o que se torna um ensaio sócio-econômico-político-cultural sobre o que aconteceria se o tráfico de drogas fosse legalizado em uma grande cidade dos Estados Unidos. É, de longe, uma das maiores contribuições da série para o debate a cerca do tema.
Em paralelo, há uma espécie de retorno à primeira temporada, pois a unidade de escuta de grampo volta as atenções para os traficantes na rua. Eles agora vão atrás de Stringer Bell e Prop Joe, mas a princípio não conseguem nada. Se os pagers antes eram a base para o grampo, o foco muda para os celulares pré-pagos descartáveis. Também vemos a formação de uma Cooperativa. Liderados por Stringer e Joe, os traficantes percebem que se não há corpos nas ruas, diminui o risco do negócio com menos investigações policiais. Marlo Stanfield e sua gangue também surgem nesta temporada; ele declina participar na Cooperativa em função da sua própria força e poder, e o seu estranhamento com Avon gera uma das melhores guerras de tráfico da série.
Marlo Stanfield e sua gangue
Ainda na terceira temporada, David Simon nos apresenta mais um foco de debate na guerra ao tráfico: os políticos. Se antes as maquinações se atinha aos bastidores nas esferas do poder policial, agora com a nomeação de Burrell como comissário, chegamos diretamente ao prefeito Clarence Royce e o ambicioso líder da câmara dos vereadores Thomas Cercetti.
Na penúltima temporada quase não há escuta. Por ser ano eleitoral, todas as grandes investigações cessam em função da disputa pela prefeitura, principalmente as que iam atrás do dinheiro sujo. Agora, Baltimore vai decidir entre o atual prefeito, o negro Royce ou o branco Cercetti. As discussões que surgem em torno da questão racial, além do uso político da polícia são mais uma visão sobre os problemas do tráfico de drogas que David Simon nos fornece. No final, a vitória de Cercetti mostra que um novo horizonte se abre para a polícia, pois o novo prefeito quer mostrar serviço.
The Wire consegue nos fornecer ainda outro foco sobre a questão: o momento anterior da ida dos traficantes para as ruas, a sua infância. Durante toda a temporada acompanhamos, ao lado do ex-Major Colvin, um estudo sociológico sobre um grupo de pré-adolescentes que um dia vão se tornar traficantes. Além de discutir a falta de perspectivas sobre o seu futuro e a veneração que as ruas geram pelo poder do tráfico, também vemos a politicagem dentro da própria escola com as notas dos alunos, provando que qualquer sistema público que vive em função de estatísticas para eleger ou reeleger políticos é cruel.
Se o objetivo da Cooperativa era evitar mortes entre os traficantes para não atrair investigação policial, Marlo Stanfield resolve isto nesta quarta temporada de uma forma curiosa: deixando os cadáveres em casas vazias e abandonadas pela cidade. É aqui que o escritor policial Dennis Lehane começa a participar do roteiro da série.
Os futuros traficantes
Na última temporada não há mais escuta, porque o novo prefeito eleito optou por cortar muito da verba da polícia em função da educação. Como estava muito próximo de conseguir pegar Stanfield, Lester e McNulty decidem arriscar a volta da escuta realizando algo extraordinário como no arco de Hamsterdam da terceira temporada. É aqui que novamente há uma quebra do realismo da série, ainda que tentando manter o máximo de plausibilidade para o espectador.
Esta quinta temporada opta por mostrar agora um dos últimos ângulos que faltava: a mídia. Agora a redação do Baltimore Sun entra em destaque para fornecer novos debates sobre o tráfico que só enriquecem a discussão, além de dar mais sustentação ao evento curioso que ocorre nesta última parte. Este evento, inclusive, acaba dando um final digno para a série, e vemos como terminou a história de cada personagem.
O Major ‘Bunny’ Colvin, interpretado por Robert Wisdom, responsável por Hamsterdam
Uma característica é a presença maciça de atores negros na série. Baltimore, como é dito algumas vezes durante os episódios, é uma cidade americana com 75% da população afro-descendente. Além de conferir mais realismo, felizmente não há a utilização pelo autor de premissas com enfoque racial. O que existe é simplesmente uma adequação ao real: em uma cidade onde a maioria da população pertence a uma etnia, esta mesma etnia domina todas as formas de representação social. Existem detetives, chefes de polícia, traficantes, advogados, repórteres, políticos e professores negros e brancos. É diferente de uma certa novela brasileira ambientada na cidade de São Paulo em que boa parte da população é negra, mas no hospital só há médicos brancos por “decisão artística”, porém, quando um casal gay decide adotar um menino cuja a mãe morreu por causa de crack, ela é negra.
A redação do Baltimore Sun, retratada na quinta temporada
Diferente de Breaking Bad, que apresentou vários episódios muito bem dirigidos e fotografados, com câmeras POV e ótimas decupagens, o principal em The Wire é o roteiro, e tudo acaba ficando em segundo plano, desde a edição e a fotografia, até o som e a direção. A direção, inclusive, é padronizada, com planos médios, americanos e closes comuns, que não acrescentam muito na dramaticidade da série. O enquadramento pode causar estranheza nas televisões de tela plana de hoje em dia, já que a série usou o tempo todo o 4 x 3 padrão das TVs de tubo da época. Entretanto, o roteiro não é igual a The Sopranos, que inovou ao criar situações cotidianas das mais variadas possíveis para os mafiosos, ou Deadwood que permitiu a reconstrução de personagens históricos no velho oeste, o diferencial em The Wire é primar pelo realismo. E o realismo na série é tanto que algumas vezes chega a quebrar o clímax construído nos episódios anteriores, se distanciando assim de uma dramaturgia tradicional como Breaking Bad ou Dexter. David Simon, inclusive, era conhecido como “non-fiction man” na HBO por reclamar que algumas situações se distanciavam da realidade por causa da dramaturgia.
Outra marca da série são as epígrafes no início de cada episódio
O que também ajuda a manter o realismo na série é a falta de música. Só a abertura e os créditos finais são musicados. Outro momento em que aparece música são nos clipes no final dos episódios que fecham cada temporada, dando um resumo visual do que aconteceu. Sobre a falta de música na série tem uma discussão interessante aqui.
Todas as entradas da série, que mudavam a cada temporada
A atuação em The Wire é outro ponto forte da série. Como não é dramaturgia tradicional, os atores estão mais soltos com pouca ou nenhuma marcação de cena, e já que a ideia de David Simon é primar pelo realismo, o improviso se torna praticamente uma regra para criar a mise-en-scene nas locações. Michael K. Williams cria o melhor personagem da série, Omar Little; Idris Elba encarna de forma fantástica o estrategista Stringer Bell; Dominic West é o detetive caótico descendente de irlandeses Jimmy McNulty; Wendell Pierce atua magistralmente como o detetive ‘Bunk‘ Moreland, seu melhor amigo; Clarke Peters interpreta a mente por trás da Major Crimes UnitLester Freamon; Wood Harris personifica o traficante Avon Barksdale; Sonja Sohn se torna a detetive ‘Kima’ Greggs; Andre Royo é o viciado Bubbles, outro ótimo personagem; Lance Reddick vive o tenente Cedric Daniels; Deirdre Lovejoy é a assistente da promotoria Rhonda Pearlman; Jim True-Frost interpreta o detetive e professor maluco Roland ‘Prez’ Pryzbylewski; Hassan Johnson se torna um dos tenentes de Avon, Wee-Bee; Lawrence Gilliard Jr é o sobrinho maluco D’Angelo Barksdale; J.D. Williams como Bodie, um dos seus soldados; Chris Bauer dá vida ao líder sindical Frank Sobotka; James Ransone é Chester ‘Ziggy’ Sobotka, seu filho porra-louca; Pablo Schreiber vive Nick Sobotka, seu sobrinho e também um dos estivadores; o limitado Jamie Hector é o traficante sedento por poder Marlo Stanfield; Gbenga Akinnagbe vira Chris Partlow, seu braço direito; Felicia Person é Snoop, o outro braço direito de Marlo; Robert Chew interpretou o traficante Proposition ‘Prop’ Joe; Anwan Glover como o tenente do tráfico ‘Slim’ Charles; Glynn Turman é o prefeito Clarence Royce; Aiden Gillen, o mindinho de Game of Thrones, magistralmente interpreta o vereador Thomas Cercetti; Frankie Faison dá show quando encarna o comissário Ervin Burell; John Doman vive o chefe de polícia Bill Rawls; Al Brown é o Major Valchek; Tristan Wilds é Michael Lee, a criança que mais se destaca da quarta temporada; Jarmaine Crawford se torna Duquan, um dos seus melhores amigos; Maestro Harell vive Randy Wagstaff; Julito McCullum é Namond Brice, filho de Wee-Bee e outra criança que também se destaca; Robert Wisdom dá vida ao controverso Major ‘Bunny’ Colvin; Domenick Lombardozzi encarna Herc; Seth Gilliam é o detetive Carver, seu parceiro na polícia; Reg Cathey como Norman, o assistente de Cercetti; Clark Johnson, que dirigiu alguns episódios da série, é o editor do Baltimore Sun, Gus Haynes; Thomas McCarthy encarna o repórter ambicioso e atrapalhado Scott Templeton; David Costabile, o Gale Boetticher de Breaking Bad, é Thomas Blebanow, editor chefe do Baltimore Sun. Ainda vale uma menção a Isiah Whitlock, que compôs o Senador Clay ‘Sheeeet’ Davis; o rapper Method Man que deu vida ao traficante Cheese, sobrinho de Proposition Joe; além de Michael Kostroff, que se tornou Maurice Levy, o advogado preferido dos traficantes.
Uma das melhores definições para os personagens da série
The Wire merece ser vista, não só porque se encontra no distinto grupo das séries que revolucionaram a televisão americana moderna, mas também para quem quiser ver uma boa história contada de forma magistral. Para aqueles consumidores que sempre criticam clichês e a estrutura narrativa, o realismo da série é outro incentivo. Quem quiser também pode se aventurar pela wiki da série.
Atenção, este review contém alguns spoilers da série.
Infelizmente, Deadwood não é tão conhecida na internet pelos adoradores de séries, talvez por ser de época e ter como cenário o velho oeste americano ou mesmo por ter sido cancelada pela HBO após a terceira temporada devido aos altos custos de produção. Seja como for, a série criada por David Milch (também criador de Nova York Contra o Crime), mesmo com os 36 episódios, conseguiu de forma magistral recriar a cidade de Deadwood com seu clima instável de território livre, os mistérios do garimpo do ouro e, principalmente, os personagens históricos que a habitaram.
Sinopse: durante a turbulenta década de 1870, acompanhamos o período antes, durante e depois da anexação da cidade livre de Deadwood pelo estado da Dakota do Sul, transformando-se em território norte-americano.
As três temporadas se dividem quase que exatamente entre estas três fases: a primeira é a anterior à anexação e apresenta o clima clássico de velho oeste americano, de uma cidade sem lei que está em guerra eterna com os índios perto dali. Consolidando o elenco principal, ela se foca em mostrar basicamente a vida no local, que alternava entre o bar e as firulagens de Al Swearengen e as disputas dos garimpos de ouro das regiões em volta.
Ian McShane é o fucking c**ksu**er Al Swearengen.
Timothy Olyphant é o xerife durão Seth Bullock.
A série começa com a chegada na cidade de uma caravana, liderada pelo protagonista Seth Bullock e seu sócio na loja de ferragens Sol Star. No mesmo comboio estão Wild Bill Hickock com Charlie Utter e Calamity Jane, em uma cidade já dominada pelo dono do bar/saloon The Gem, Al Swearengen, que tem como comparsas Dan Dority e Johnny Burns, além do dono de hotel E.B Farnum e do médico Doc Cochran.
É logo no começo da série que vemos o clichê do gênero com a figura do lendário atirador Wild Bill Hickcok e a sua repercussão local. Porém, este clichê logo é superado nos primeiros episódios, principalmente ao focar nos dois protagonistas que se transformam em adversários: Seth Bullock e Al Swearengen.
A segunda temporada ganha com a chegada de um competidor à altura de Al, Cy Tolliver, que monta o seu próprio bar/saloon/puteiro Bella Union com sua ajudante e cafetina Jonnie Stubbs. Além disso, passa-se a mostrar para o espectador todo o processo de negociação com os delegados e juízes estaduais para ver qual estado anexaria a cidade, sempre liderados por Swearengen. É muito curioso ver todos os trâmites legais da época, além, é claro, da repercussão que isso irá gerar sobre todos os envolvidos, principalmente os que possuem negócio, como o jornalista A.W. Merrick, Al e Cy com os bares/saloons/puteiros, e, óbvio, os donos dos terrenos que estão procurando ouro.
É nesta metade que também se insere a figura de Francis Walcott, o procurador de George Hearst (pai de William Handolph Hearst, em que Orson Welles se baseou para criar o Cidadão Kane), que deseja comprar todo o garimpo de ouro, e toda a mudança que Hearst trará para a cidade na última temporada. Nesta metade insere-se a figura da cunhada de Seth Bullock, interpretada por Anna Gunn, a esposa de Walter White na “impecável” Breaking Bad.
Uma das melhores cenas da série.
A terceira temporada e o período pós-anexação prefere focar na legalidade da cidade. Como se transformou em território americano, Deadwood agora precisa de xerife, prefeito, banco e outros cargos/necessidades públicos. É aí que esta última temporada tem um ganho substancial, pois mostra como a corrupção é intrínseca à cidade, e agora ela se torna institucionalizada. Outra enorme adição é finalmente a chegada de George Hearst. Poder e corrupção agora se elevam a um nível nunca visto antes por uma pequena e simples comunidade.
A linda abertura da série.
A última temporada também apresenta o arco dramático e a relação entre Calamity Jane e Joanie Stubbs. O amor das duas é apresentado de uma forma natural por causa da Joanie, que já mostrava indícios de sentir atração por outras mulheres, e da Calamity Jane, por ser o tipo pessoa agressiva que sempre espantava qualquer um que se aproximasse dela, principalmente homens. O envolvimento entre ambas não deixou de ser surpreendente, e a forma como isso aconteceu foi um dos grandes trunfos da série. Outro destaque é mostrar como George Hearst se tornou um adversário à altura de Al Swarengen e Seth Bullock, que terminaram por se unir contra o magnata.
Calamity Jane, interpretada por Robin Weigert, um dos melhores personagens da série.
A atuação é outra questão a ser ressaltada. Apesar de alguns atores limitados, os personagens principais baseados em personagens históricos estão muito bem representados. O dono de bar/saloon Al Swearengen interpretado magistralmente pelo inglês Ian Macshane pode entrar para a história da televisão moderna como um dos melhores personagens de todos os tempos; o limitado, porém esforçado Timothy Olyphant dá rosto e voz ao xerife Seth Bullock; a igualmente limitada Molly Parker encara Alma Garret, esposa de um interessado em procurar ouro na região; o excelente Brad Dourif, o Grima Língua de Cobra da trilogia Senhor dos Anéis, encarna Doc Cochran em um dos melhores papéis da sua vida; o ótimo ator John Hawkes é Sol Star, o sócio de Seth Bullock na loja de ferragens; Paula Malcomson, a mãe de Katniss Everdeenno plágio de Battle Royale em Jogos Vorazes, é a prostituta Trixie; Dayton Callie é Charlie Utter, o melhor amigo de Wild Bill Hickcock; William Sanderson consegue criar o dono de hotel E.B. Farnum, um dos mais interessantes personagens da série; o pouco expressivo Powers Boothe encarna Cy Tolliver; Robin Weigert é a bêbada Calamity Jane, um dos melhores papéis em Deadwood; Kim Dickens é a cafetina Joanie Stubs; e Gerald McRaney é o inigualável George Hearst.
George Hearst, interpretado por Gerald McRaney.
Deadwood é o tipo de série que envolve o espectador logo de cara pela excelência do roteiro. Diferente da “impecável”Breaking Bad, aqui não há golpes de roteiro aparentes, os furos existentes são pequenos, e, da mesma forma que em The Sopranos, não existe encheção de linguiça – não há um detetive que passa uma série inteira sem saber que seu cunhado fabricava drogas, por exemplo. As situações de tensão e os vários dramas são apresentados, e seus personagens, logo postos à prova. Cada episódio de uma hora em média costuma ter tanta informação que pode ser difícil fazer maratona para quem gosta do tipo.
A fotografia da série mantém o padrão HBO de qualidade, com o diferencial de adaptar um período histórico riquíssimo. Filtros e tons de marrom são escolhidos o tempo todo por causa da terra batida, das casas e móveis de madeira, além de alguns figurinos. A edição dos episódios segue o padrão televisivo HBO de qualidade, focando no roteiro e na atuação. A direção de arte também merece destaque, pois foi primorosa ao reconstruir de forma crível todos os cenários e figurinos da época.
Se o seu receio é o cancelamento da série após a terceira temporada, fique tranquilo, pois no final dela se fecha uma espécie de ciclo na história. Portanto, não há motivos para não assistir Deadwood.
Sem exageros, Deadwood pode ser considerada uma das poucas obras da dramaturgia televisiva moderna que conseguiu atingir a excelência no roteiro, e figura ao lado de The Sopranos e The Wire como as séries que mudaram o roteiro da televisão moderna e a percepção dos espectadores sobre elas. Foram estas três séries que, por exemplo, abriram espaço para que Game of Thrones, Breaking Bad e Mad Men pudessem ser feitas e hoje figurarem nas listas de melhores séries da atual era de ouro da televisão norte-americana.
O inverno ainda não chegou, mas não tem problema, pois mesmo assim a recém concluída segunda temporada de Game of Thrones manteve o alto nível da estréia no ano passado e consolidou a série como uma das melhores da atualidade (só não é A melhor porque existe Spartacus). Adaptando o segundo livro da saga, A Fúria dos Reis, mas mantendo o nome simplesmente por questões de marca, a HBO mais uma vez esbanjou qualidade e cuidado em todos os elementos da produção. Direção sempre impecável, figurinos e cenários, muitos deles reais, mais uma vez dignos de blockbusters cinematográficos, e atuações se não brilhantes, todas competentes.
Até mesmo nos roteiros, aspecto mais discutível e complexo (principalmente pra quem leu os livros), a emissora soube trabalhar muito bem. Essa temporada trouxe muito mais mudanças do que a anterior, todas ainda justificáveis pelas limitações de orçamento e duração dos episódios. Em muitos momentos, não deu pra evitar uma sensação de estar vendo um resumão, ultra rápido e um tanto for dummies, do livro. Mas o mais importante é que se manteve uma grande fidelidade, com as alterações levando a trama pra onde ela precisa ir, sem uma preocupação babaca com “originalidade” desviando a história pra caminhos muito menos interessantes. Aprende, The Walking Dead!
Em linhas gerais, a temporada foi menos impactante que a passada. Mas nem poderia ser diferente, pois o segundo livro é inferior ao primeiro. George R. R. Martin tem um problema sério com os livros pares, fato que se confirma de vez em O Festim dos Corvos. Mas isso é assunto pro futuro. Por enquanto, uma análise dos núcleos desse ano 2, com evidentes SPOILERS.
Em Porto Real, o protagonista indiscutível (ao menos no livro) Tyrion esteve por cima da carne seca. Enviado pelo pai, o fodão-mor Lorde Tywin, para ser a Mão do Rei, o Duende teve que se virar pra organizar um pouco as coisas. Entre o Rei mais imbecil, despreparado e leite com pêra que os Sete Reinos já viram, e sua mãe ainda mais tola e inútil do que no livro, tarefa ingrata. Como tempo urge, pouco se viu das várias reuniões do conselho onde questões gerais do reino são debatidas. O foco foi mesmo em gerenciar a cidade e os preparativos pro ataque iminente de Stannis. Peter Dinklage mais uma vez deu show em todas as cenas que apareceu.
Também na capital, a personagem mais insuportável, insossa e sansa: Sonsa. Ah, vocês entenderam. Problema sério aqui: se no livro a utilidade dela é basicamente termos a visão do que acontece neste núcleo, na série isso acaba sendo desnecessário. Então uma personagem já fraquíssima se enfraqueceu ainda mais. Não deu nem pra sacar por que ela insistiu na atitude besta de “eu amo Joffrey e está tudo bem”, isso no livro fica mais bem explicado. Sansa não é esperta e ativa como a irmã, pois engoliu toda educação de lady que lhe foi passada. A cortesia é, então, sua única arma pra sobreviver naquele ninho de cobras.
Falando na Arya, ela é uma das personagens que chamo de “pé na estrada”. Em todos os livros, sempre tem alguém viajando pelo reino, a utilidade é mostrar os efeitos da guerra por todos os cantos. Mas esta storyline sofreu bastante com os cortes e aceleradas. Já de início, a batalha em que Yoren morre (que no livro é um mini-cerco a um castelo) teve sua grandiosidade apagada pra um simples ataque noturno na floresta. Depois, em Harrenhall, também pouco se trabalhou na crueldade com que as tropas Lannister agiram contra as aldeias da região dos rios, e menos ainda se mencionou Beric Dondarrion e a Irmandade. As várias interações entre a menina e Tywin (inexistentes no livro), mesmo que tenham rendido cenas interessantes, geraram muita expectativa que inevitavelmente resultou em nada de nada. Por outro lado, tudo relacionado a Jaqen H’ghar atendeu as expectativas, sendo a melhor coisa desta subtrama.
Ainda nos Stark, Bran pouco apareceu, como era previsto. Entre ser o lordezinho de Winterfell e uma leve introdução aos Sonhos de Lobo, aspecto mais interessante desse personagem, não havia muito pra onde ir com ele ainda. Sua participação será mais ativa na próxima temporada. Catelyn, outra da categoria “pé na estrada”, no início serviu pra vermos a corte de Renly Baratheon, um cara que honra o símbolo da sua Casa. Mas como ele acaba morrendo logo de cara (única morte relevante da temporada, e eu avisei que tinha spoiler), essa parte serve mesmo pra apresentar/situar personagens que serão explorados mais a frente, como Margaery e Loras Tyrell, além de Brienne de Tarth.
Esta última, aliás, vai protagonizar uma das partes mais surpreendentemente legais da próxima temporada, ao lado de Jaime Lannister. Pois Catelyn, na sua dor mãe, acaba libertando o Regicida pra tentar reaver as filhas. Esse plot acabou sendo antecipado, o que foi uma boa, pois assim vimos mais de Jaime. Quem pensava (como eu) que ele era só um vilãozinho vazio e unidimensional, já começou e ainda vai se surpreender muito. Na minha opinião, é com ele que Martin mais se revela MESTRE (ou meistre, hehehe) no quesito desenvolvimento de personagens.
Voltando a Catelyn, no livro é somente através dela que vemos Robb, e na série sabiamente o Rei do Norte assume o centro das atenções em seu próprio núcleo. Não pra reclamar das batalhas não serem mostrada, pois no livro é do mesmo jeito. Porém, pecou-se em não explorar praticamente nada dos conflitos internos das tropas nortenhas, dedicando este plot quase que exclusivamente ao romance. Com uma personagem, que nos livros, é OUTRA. Mas o objetivo disso permaneceu o mesmo, fazer o Jovem Lobo trair a promessa feita aos Frey, o que trará conseqüências terríveis.
Um personagem que teve muito mais destaque do que o esperado foi Theon Greyjoy. E isso acabou sendo ótimo, pois todo o núcleo das Ilhas de Ferro ficou muito bem caracterizado. Os caras são os vikings de Westeros, pô! Theon foi mais humanizado, sim, mas o que muitos encararam como uma descaracterização, prefiro enxergar como um enriquecimento da história. E o ator esteve muito bem ao retratar um merdinha que se acha o Senhor Fodão.
Por outro lado, Davos, um de meus personagens preferidos, teve sua importância diminuída. Se no livro ele é a única visão que temos da corte de Stannis, a série resolveu simplificar, focando em Stannis e Melisandre (em cenas que Davos não estava presente) e explicitando de vez coisas que o Cavaleiro das Cebolas só podia suspeitar. A Mulher Vermelha ficou muito bem caracterizada, méritos inclusive pra atriz, mas foi uma pena ver pouco da interessante relação de respeito mútuo entre Davos e seu Senhor.
Além da Muralha, Jon Snow teve sua subtrama retratada com bastante fidelidade. Sem muito a discutir aqui, pois foi tudo uma grande preparação pra próxima temporada, quando o bicho vai pegar gloriosamente nesse núcleo. Jon é sem dúvida um dos personagens mais cativantes nos livros, pois sua jornada (do herói) é bastante movimentada e épica. Pena que na série, a cara de bunda do ator acabe comprometendo um pouco. Há que se destacar aqui, a fotografia fantástica de todas as cenas, filmadas na Islândia.
Por fim, Daenerys e seus mini-dragões. Uma coisa que me divertia muito na temporada passada era ver as pessoas comentando e se preocupando com detalhes da cultura dothraki. Agora acho que ficou claro pra todo mundo que nada daquilo importava de PORRA NENHUMA, pois o foco sempre foi na Mãe dos Dragões. Ela continua sua evolução, percebendo que não é por ser a legítima herdeira do Trono de Ferro que alguém vai dar mínima pra ela. Principalmente do outro lado do Mar Estreito, na rica cidade de Qarth. Seu grande momento, o final na Casa dos Imortais, foi um tanto decepcionante. Tudo bem que essa passagem do livro era inadaptável (pra quem não sabe, é uma série de visões, uma mais doida dorgas mano do que a outra), mas creio que simplificaram DEMAIS as coisas nessa parte. Enfim, a storyline de Dany é outra que vai ser incrível na próxima temporada.
As expectativas pro ano 3 da série são enormes. A saga chega ao seu melhor momento, o fodaralhaço A Tormenta de Espadas. Os produtores já declararam que nem todo o livro será mostrado na terceira temporada, decisão mais do que acertada, afinas são quase 900 páginas de pura epicidade, onde tudo é importante e não há enrolação. A adaptação fica mais difícil do que nunca, mas a HBO já provou estar à altura do desafio. Só nos resta aguardar e confiar.
PS: George R. R. Martin, seu velho maldito, faça o favor de parar de ficar roteirizando episódios pra série e vai logo terminar os dois livros que faltam, por gentileza.