Tag: Jared Harris

  • Review | Chernobyl

    Review | Chernobyl

    A mensagem, aqui, é clara: testes nucleares são um perigo? Sim, exatamente como a disseminação de falsas verdades em tempos em que todos acreditam em qualquer coisa espalhada com força pela internet. Isso porque quando o poder está nas mãos erradas, seus efeitos são tão catastróficos quando a explosão de um reator nuclear, funcionando na antiga União Soviética, trinta anos atrás, sob a garantia de que nada de tão grave, poderia acontecer. Chernobyl se torna memorável não “apenas” por manter nosso interesse por cinco episódios extremamente bem escritos, ambientados e encenados, mas principalmente por associar esse acidente histórico com os acidentes também alarmantes que as mentiras, ou num termo mais contemporâneo, as fake news, podem acarretar no bem-estar da social de um país.

    Não à toa a produção da HBO, o mesmo canal da Warner Bros responsável pelo frustrante término de Game of Thrones, vem sendo determinante para restaurar a fé do grande público com o melhor canal atualmente de séries adultas, em contraponto com a infantilização do público em larga escala que a Disney tanto promove. A minissérie consegue ser boa a ponto de acalmar os ânimos dos fãs furiosos com o desfecho televisivo da criação de George R.R. Martin, fazendo todos voltarem sua atenção a HBO mais uma vez, para uma trama dividida em cinco capítulos a prova de qualquer desilusão ou pessimismo por parte dos seus espectadores.

    Mas engana-se quem acha que Chernobyl é pura ação, ou suspense. A minissérie usa de artifícios da ficção para impulsionar e nos hipnotizar a respeito da assombrosa e tensa realidade antes, durante e após a catástrofe que mobilizou o mundo, e ainda hoje, mantém isolada uma gigantesca área do mundo banhada nos perigos de uma radioatividade intensa, e resistente. Se há ação e explosões, do jeito que a massa gosta de assistir, ela reserva-se apenas a grande explosão, quando os cientistas, angustiados na sala de comando de uma Usina Nuclear, em uma noite comum de 1986, cientes do desastre que já se adiantava, tentam salvar suas vidas e as de seus colegas de trabalho em meio a fumaça química, e mortal.

    A maioria morreu, é claro, e o restante se tornou herói aos olhos do mundo na proteção e desespero eternos dos seus familiares que, implacáveis, tentavam se manter juntos dos entes queridos, nas alas hospitalares. Até o fim, mesmo que a contaminação dos corpos dos físicos e bombeiros também envenenasse e apodrecesse os seus – como expõe algumas cenas bastante fortes, mas precisas quanto aos horrores decorrentes de uma enorme mentira: se as autoridades políticas tivessem reconhecido o erro dos seus cientistas e avisado a população, e não esperado 36 horas para isso, os danos seriam menos danosos aos milhares de seres humanos respirando doses cavalares de radiação. Para não divulgar sua incompetência, o governo preferiu desinformar, enquanto o estrago, além de interesses políticos, se propagava livre, pelo ar.

    Uma mistura bem-sucedida de drama e suspense que, nesta década, poucas produções cinematográficas alcançaram – O Espião que Sabia Demais salta à mente, a charmosa adaptação do livro detetivesco de John Le Carré. Se fosse um filme, cujo dever é sumariamente faturar nas bilheterias americanas e do mundo, Chernobyl iria se vender como uma produção barulhenta, cheia de clímax, talvez até inserindo zumbis ou as também icônicas máscaras de ar, para dar um clima de suspense hollywoodiano em que tudo pode acontecer. Nós somos os nossos próprios heróis na vida real, e não há porque esconder isso. Aqui, o caminho na televisão para a trágica e inesquecível história foi o de acentuar o drama humano e deixar os atores brilharem, em especial nas sessões intermináveis de tribunal nas quais os envolvidos tiveram de explicar as condições do grande desastre ao júri, ou nos momentos mais íntimos em que percebemos que, para aqueles que amamos, a morte já fez amizade. E tudo por conta de verdades seguradas nas mãos de poderosos, preocupados com sua reputação nacional, e internacional.

    Tal sensação mórbida que assolou a cidade pela situação que enfrentou é expressa na paleta de cores desse marco da HBO, evidenciando, assim, com tons leitosos de verde, branco e azul uma atmosfera pesada, como se as pessoas que ali viviam e trabalhavam estivessem cercadas, e condenadas, por um destino cruel à espreita. Quando Valery Legasov, um renomado químico soviético é preso, a mando do governo, após a violenta explosão nuclear ter a sua fumaça tóxica espalhada pelo vento, quilômetros além da cidade do norte da Ucrânia, a morbidez de uma futura cidade fantasma é ainda mais acentuada nas cores de sua cela, solitária e redutiva a figura do homem. A ambientação da minissérie impressiona, num louvável trabalho de reconstrução da época do regime socialista da URSS, a ponto dos cenários do acidente, por exemplo, serem tão realistas quanto suas inspirações verídicas. Um dos brilhantes fatores a nos lembrar que, quando a HBO quer fazer conteúdo de primeira magnitude aos que buscam menos espetáculo pirotécnico, e mais intelecto, ela continua imbatível.

    https://www.youtube.com/watch?v=fFfZppLFops

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  • Crítica | Aliados

    Crítica | Aliados

    A carreira do diretor Robert Zemeckis tem sido de altos e baixos, em especial nos últimos anos, onde tem colecionado críticas mornas sobre seus lançamentos, em especial O Voo e A Travessia. Seu novo filme, Aliados, tenciona misturar um romance proibido com uma trama de espionagem, levando em conta produtos canônicos do cinema hollywoodiano como referência, em especial Casablanca, inserindo alguns elementos de teoria da conspiração em sua fórmula.

    A história segue os passos de Max Vatan (Brad Pitt), um militar que é designado para ir em Casablanca, Marrocos, assassinar um embaixador nazista. Para isso, ele precisa fingir ser o esposo do disfarce de Marianne Beausejour (Marion Cotillard), uma bela mulher que já está no país africano há algum tempo. Após muito resistir, os espiões decidem– mesmo com as reprimendas do superior de Vatan, Frank Heslop (Jared Harris) – se casar, tendo uma filha pouco tempo depois, com o oficial se tornando então um funcionário burocrático do exército, num período bastante próximo à Segunda Guerra Mundial.

    Toda a sequência em meio a missão dada é na verdade um despiste, um mcguffin que serve para introduzir o espectador no amor embrionário dos protagonistas, contendo algumas poucas belas cenas, no deserto onde finalmente os dois se relacionam pela primeira vez, seguidas de uma cena de ação bem construída. A vida nova do casal só começa após mais de quarenta minutos, onde a história se desdobra como um entreatos de uma peça teatral. A partir daí a rotina dos apaixonados é entre uma missão e outra, em meio a processos ordinários da vida comum de um casal, incluindo uma cena de parto bastante criativa, que beira o inverossímil.

    A questão central é o drama desenrolado na segunda metade do filme, que inclui uma dúvida cruel para Vatan que o faz perseguir desesperadamente o que lhe incomoda. Nesse ponto, a qualidade do texto decai demais, baixando ainda mais o patamar de qualidade que não era tão alto até esse momento. A tentativa de criar um thriller eletrizante esbarra na incapacidade da direção em gerar suspense.

    O elenco vasto de grandes atores não ajuda no resultado final. A química entre Pitt e Cotillard é irregular, soando forçada de início e melhorando um pouco já próximo de seu desfecho. Ao menos o final consegue causar emoção em quem vê, aspecto esse não corriqueiro dentro dos 124 minutos de exibição. Aliados tinha um potencial para ser um bom romance/drama de guerra, mas esbarra em uma narrativa morna e incapaz de criar um bom suspense.

  • Crítica | Certas Mulheres

    Crítica | Certas Mulheres

    certas-mulheres

    Filme de Kelly Reichardt, o drama episódico Certas Mulheres (Certain Woman no original) mostra a vida de algumas mulheres que residem em Livingston, Montana. O filme ganhou notoriedade por estar na seleção do Festival de Sundance em sua edição de 2016 e contém um caráter feminista interessante, em especial em sua primeira história.

    O primeiro segmento mostra a advogada Laura Wells (Laura Dern), uma mulher inteligente e ótima profissional que se encarrega do caso de Fullher (Jared Harris), um operário que foi vitimado em um acidente de trabalho. O drama dela é que apesar dos muitos avisos, o cliente simplesmente não a ouve, demonstrando um velho clichê machista de se ignorar a voz feminina unicamente por ser a de uma mulher. Das histórias é a mais interessante, especialmente pelo atabalhoada final e pela química interessante entre Dern (melhor atriz do filme, alias) e o carente personagem de Harris.

    A segunda história é protagonizada pela premiada Michelle Williams (Gina Lewis), que com seu marido uma casa, tentando então conversar com Albert (Rene Auberjonois) para conseguir o terreno do homem idoso. Neste ponto, nada acontece, há pouca movimentação e toda a trama soa desinteressante, exatamente por não existir qualquer necessidade dos eventos ocorrerem daquela forma. Tudo soa frívolo e é aqui que o drama aqui cai de qualidade, se tornando moroso e cansativo, fator que chega a denegrir até o próximo evento, que envolve a professora Beth Travis, vivida por uma tímida e contida Kristen Stewart, e que sofre com a obsessão de Patty (Ashlie Atkinson), uma moça carente que só busca aceitação e empatia da mesma.

    O tomo três é mediano, bem melhor que o segundo, mas a esse ponto o todo já estava comprometido. É válido mostrar uma pessoa que tem uma obsessão pela outra sem necessariamente apelar para a violência ou agressividade, uma vez que esses fatores não acontecem sempre em questões de stalker. Próximo ao final, Reichardt resgata os personagens que deram certo e que funcionaram bem, conseguindo então um desfecho que é bastante digno para suas personagens femininas fortes, ainda que sua estética e o modo de contar história soe um pouco desinteressante, graças ao terço do meio de seu longa.

  • Crítica | Poltergeist: O Fenômeno (2015)

    Crítica | Poltergeist: O Fenômeno (2015)

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    O game jogado pelo pequeno Griffin Bowen (Kyle Catlett) precede a mensagem que seria o mote da nova versão do clássico dos anos oitenta de Steven Spielberg e Tobe Hooper, Poltergeist: O Fenômeno. O incômodo principal começa pela enorme duração desta versão, além de artifício que resulta em uma fita que banaliza por completo o gênero de terror.

    A cena citada logo no início desvela não intencionalmente o quão contraditória é a covardia do filho do meio, sendo o rapaz peça-chave de uma engrenagem familiar mal construída e repleta de clichês. Ao invés de situar o público em arquétipos universais, o roteiro de David Lindsay-Abaire se mostra confuso, com dificuldade em dar importância aos dramas alheios. A experiência do escritor em filmes como A Lenda dos Guardiões e Robôs ajuda a explicar a extrema infantilidade, os sustos e a inocência das cenas de ação.

    Sam Rockwell faz Eric Bowen, um patriarca deprimido, resignado e desempregado, que pilota a nave familiar rumo a uma casa suburbana, em um bairro mal quisto pelos moradores da cidade, se isolando de praticamente todos os familiares, amigos e possíveis colegas de trabalho. Mais estranho do que esse background é a quantidade de cor saturada que predomina nos cenários, além do excessivo humor nos trejeitos de Rockwell, como no contexto da obra em geral, que reduz o espectro do medo a quase zero.

    A parte assustadora se concentra na desenfreada gritaria do menino, um personagem irritante, chato e escandaloso, ainda mais covarde e fraco que o rapaz do filme original. Seu discurso gera tanto enfado que todos os seus reclames são prontamente ignorados, mesmo quando os espíritos formam equivalentes a castelo de cartas com revistas em quadrinhos.

    Sam Rockwell e Jared Harris falham ao tentar dar credibilidade ao remake, especialmente pela pouca inspiração de ambos e pela total displicência com o argumento final. Ambos se mostram apáticos em relação ao drama das personagens, e o elenco parece coadjuvante diante dos muitos aparatos tecnológicos, que fazem lembrar um comercial publicitário bem pobre.

    O abusivo uso de CGI, em cenas sem o menor impacto visual aumenta a sensação de que o filme é uma paródia mal feita, orquestrada pelos irmãos Wayans. Gil Kenan já havia feito uma animação de tema semelhante, até mesmo em A Casa Monstro ele consegue emular mais elementos de terror do que neste. Sequer o argumento antigo, unindo a possibilidade dos pais lançarem mão de alucinógenos, é inserido nesta versão, resultando em um filme de horror para toda a família, por mais contraditório que isso seja.

    Falta alma e substância. Mesmo os péssimos filmes de Marcus Nispel, e mesmo o novo Carrie: A Estranha conseguem trazer mais novidades que essa versão. O desfecho mostra uma explicação sobre o modo de operar dos espíritos, evocando novas diretrizes, jamais vistas e nunca provadas. Poltergeist: O Fenômeno mais parece um pastiche do original, já que até sua cena pós-crédito remete à comédia, resultando em um dos espécimes mais patéticos do cenário de filmes de terror.

  • Crítica | Os Boxtrolls

    Crítica | Os Boxtrolls

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    Estreando na direção de animações em longa-metragem, a dupla Anthony Stacchi e Graham Annable se vale da mesma estética stop motion utilizada em Coraline e o Mundo Secreto para remontar uma história de cunho político, ao menos em comparação com outros produtos infantis. A história gira em torno de uma sociedade fanática por elegância e por queijos que tem em seus esgotos uma subexploração do povo, seres vivos tão inteligentes quanto os cidadãos da superfície, mas que são caçados unicamente em razão do medo do diferente.

    Os boxtrolls são criaturas de aparência grotesca que aparentemente não entendem a dualidade do bem e do mal, fator que os diferencia dos demais cidadãos, possivelmente pondo-os em uma escala maior de inteligência. A subsistência deste grupo realiza-se pela exploração do lixo dos moradores da cidade Ponte Queijo, e eles somente têm coragem para ir à superfície no período da noite, por medo de serem capturados por Arquibaldo Surrupião (dublado por Ben Kingsley) e sua gangue.

    É do meio dos excluídos que surge a maior atitude de altruísmo, repetindo os dogmas de muitas histórias de redenção, levando o tema a uma nova geração. Ovo é um menino humano, tratado como um nobre pelos pequenos monstrinhos. Ao ingressar no mundo dos humanos, sempre buscam novas formas de entretê-lo, seja com brinquedos, música ou demais aspectos culturais típicos dos homens.

    Já crescido, Ovo – interpretado em fase adulta por Isaac Hempstead – Wright – decide ir à cidade para ver como seus colegas de espécie agem. Uma vez na meca, ele observa um forte discurso contestador formado por verdadeiras ofensas aos seus criadores. Sua missão é resgatar um de seus velhos amigos na casa de Rupião, onde se prova que a caça de Arquibaldo é motivada por rancor e supercorreção, uma vez que ele tem intolerância ao bem maior social, o queijo. A incursão revela detalhes da origem do bebê Trubshaw, além de mostrar pelo relato da pequena filha do monarca, Winnie (Elle Fanning), que Ovos na verdade não é um boxtroll, e sim um menino.

    Não demora para revelar-se que a origem do protagonista é intimamente ligada a do vilão, que em um ato cruel assassinou seus pais. O roteiro, baseado no livro de Alan Snow, ganha ares de obra adulta ao abordar a temática de não julgar as figuras de autoridade por seu poder ou aparência, além de focar seu enredo em uma parcela de pessoas excluídas de seu universo, debochando do estilo de governo oligárquico, mas sem abrir mão de um discurso leve.

    O fator que faz os oprimidos agirem é a iminência de suas próprias mortes, e os boxtrolls finalmente agem, pouco antes de serem exterminados, em uma reviravolta muito comum em desenhos animados, mas que em análises mais profundas serve de alegoria ao comportamento revolucionário, quando o povo se une para acabar com o czarismo que os escraviza e os deslegitima.

    A ação dos pequenos trolls acontece pouco antes da execução de Ovos. Em uma cena demasiado forte, vestido como um boxtroll, o personagem é posto para ser queimado vivo por uma população conservadora e inflamada, provando que suas atitudes são mais dignas de honra do que as dos até então poderosos. Perto do final, é mostrada a nova configuração da sociedade em Ponte Queijo exibindo as mazelas desfeitas, e ambas as espécies convivendo harmoniosamente, mesmo com a antiga rejeição. Prova-se, portanto, nunca ser tarde para a mudança de postura, levando o belo ensinamento a uma animação muito esmerada.

  • Crítica | A Marca do Medo

    Crítica | A Marca do Medo

    a marca do medo

    Assim como os clichês usados em exagero no gênero, tem sido desgastante a repetição da crítica sobre a mudança conceitual narrativa do terror desde A Bruxa de Blair. Há quinze anos, uma falsa concepção documental promoveu uma inovação no gênero e, desde então, as histórias têm se repetido com base neste estilo, obrigando críticos a, quase sempre, retomarem a questão como parâmetro de análise.

    Nestes quinze anos citados, procurou-se falsamente um enfoque para a história com um mesmo estilo. Ao usar o recurso amador como um elemento a mais para promover o medo, a parcialidade intensifica o objetivo primordial, fazendo com que as histórias se apropriem de um conceito real e utilizem-se, diversas vezes, da falsa verossimilhança do “baseado em fatos reais” para tornar a produção mais assustadora.

    A Marca do Medo é equivocado até mesmo com o título brasileiro, que insere como obrigatório o substantivo medo, nada relacionando-se a The Quiet Ones – do original -, preenchendo os requisitos básicos da repetição cinematográfica vista à exaustão. A afirmação de que a história vem de um fato verídico está presente, ainda que não importe se ela existiu de fato. O importante é projetar no público uma percepção de que, se real, o susto é mais intenso.

    A novidade dentro do estilo é inserir a história na década de 70, época anterior ao barateamento de câmeras digitais que proporcionaram a base do estilo. Na trama, um jovem cineasta (Sam Claflin) procura emprego e é contratado por um médico para documentar o caso da jovem Jane Harper (Olivia Cooke). Apoiado pela universidade em que leciona, o professor Coupland (Jared Harris) estuda a garota tentando desmistificar seus problemas, considerados sobrenaturais ou relacionados a possessões demoníacas. Órfã, testemunha da morte dos pais, a garota é mantida presa e estudada em um quarto observado pelo professor e seu grupo, que desejam demonstrar a força do consciente psicológico por detrás de tais manifestações.

    Dividida entre a filmagem tradicional e o estilo documental oriundo das filmagens do cineasta, a trama se adapta com perfeição aos pré-requisitos de um filme do gênero. A princípio, elementos sobrenaturais são descartados e as personagens levadas à descrença; até mesmo um ataque significativo põe em xeque as dúvidas e se torna evidente em uma cena climática na qual normalmente a entidade assume o corpo da vítima. Os sustos são divididos entre a descrença do grupo que participa do experimento e as cenas parciais filmadas como registro do cotidiano da garota.

    Dentro de sua própria narrativa, a trama também demonstra fragilidade ao utilizar como virada narrativa um detalhe que envolve o passado da moça estudada. Levando em consideração uma experiência conduzida inicialmente com o apoio da universidade, parece disfuncional que o professor doutor não tenha estudado o histórico e a origem de sua paciente. Uma falha que exibe – tanto na estrutura externa, como obra, quanto na interna, como roteiro – a construção desequilibrada da história como um todo.

    Se muitos cineastas provam que grandes clichês do cinema podem ser utilizados em demasia se bem realizados, compreendemos que o recurso parcial da câmera não está desgastado por si, mas sim pela mesma maneira de ser representado por diversas produções anualmente. Mesmo que se leve em conta de que há uma parcela do público sedenta por histórias de terror – elemento que justificaria uma repetição excessiva –, a semelhança desta obra em relação a outras lançadas no mesmo ano produz um sistema de reciclagem narrativa que não funciona nem como um marco no estilo, nem se torna uma lembrança ativa de uma boa história assustadora. Fazendo-nos questionar sobre a vantagem – e a validade – de se produzir uma obra repetida que, após consumida imediatamente, se tornará esquecida entre tantas outras na prateleira do gênero.

  • Crítica | Pompeia

    Crítica | Pompeia

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    Filmes de tragédias anunciadas, isto é, cujo final já é de conhecimento público precisam ter um mínimo de criatividade para prender a atenção do público, já que saber como termina não é o foco. Não é o caso de Pompeia. Dirigido por Paul W.S. Anderson, conhecido por alguns filmes da franquia Resident Evil, não nega a fama do diretor que costuma preterir a narrativa em favor do visual.

    Milo, o Celta (Kit Harrington) – o Jon Snow de Game of Thrones – é de uma “tribo de bárbaros” que foi dizimada por uma horda romana. É capturado e feito escravo. Cresce e se torna um gladiador. Levado a Pompeia para lutar, conhece uma moça, Cassia (Emily Browning), filha de Aurelia (Carrie-Ann Moss) e Severus (Jared Harris), um comerciante rico. Durante a erupção do Vesúvio, o Celta precisa salvar Cassia das mãos do senador Corvus (Kiefer Sutherland).

    A junção de filme-catástrofe com épico romano dificilmente escaparia de estar repleta de clichês. Nada contra clichês, desde que bem utilizados. Mas um pouco de criatividade é sempre bem-vindo. No entanto, o roteiro parece uma colcha de retalhos de outros filmes. O início remete a Conan. O envolvimento do Celta e Cassia – com o antagonismo de Corvus – lembra Jack, Rose e Cal Hockney em Titanic, sem contar a catástrofe já esperada. E o “retalho” maior cabe a Gladiador. A quantidade de cenas similares é tamanha que tem-se a impressão de estar assistindo a uma versão para TV do filme de Ridley Scott. O escravo que se torna gladiador. O amigo do protagonista é outro gladiador negro, Atticus (Adewale Akinnuoye-Agbaje) – o eterno Mr. Eko de Lost. No anfiteatro da cidade, ocorre uma luta entre gladiadores simulando uma batalha real, em que o grupo que deveria perder – onde está o protagonista – se organiza e vence. Em suma, mesmo que as cenas de luta sejam interessantes, a falta de originalidade e a sensação de déjà-vu atrapalham.

    Os aspectos políticos e históricos são apenas tangenciados. O que é uma pena, pois poderiam dar uma “encorpada” na trama. Os personagens são rasos e pouco carismáticos. A mocinha é insossa. Seus pais seguem um modelo bem comum – pai justo e compreensivo, mãe dedicada. O mocinho, que deveria ser estereótipo do bravo lutador, passa boa parte do tempo com cara de cachorro perdido. O romance entre os dois não convence, não se percebe qualquer atração ou tensão entre eles. Nem se pode culpar os atores pela bidimensionalidade dos personagens. Ao menos o vilão, apesar de caricato, é vivido de forma enérgica – e quase divertida – por Sutherland.

    A fotografia não faz feio. Mas boa parte da violência – e do sangue – não aparecem em cena, para permitir que o filme seja PG-13, classificado para maiores de 13 anos. O 3D neste filme, que felizmente não é convertido, consegue fazer alguma diferença, com grandes planos abertos repletos de detalhes ao fundo dando realmente a impressão de profundidade – não apenas nas legendas.

    E já que é tudo bastante previsível e quase nada consegue surpreender o espectador, resta aguardar pelo cataclisma final, torcendo para que seja grandioso e espetacular. E não decepciona. Como todo bom filme-catástrofe há multidões em correria, pessoas pisoteadas, uma criança perdida resgatada por um dos mocinhos, bolas de fogo, prédios desmoronando, cinzas voando, enquanto o casal central se esforça para escapar do vilão e do desastre. Enfim, polegar para cima para fotografia e efeitos especiais; e polegar para baixo para roteiro e personagens.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.