Tag: Rory Fleck-Byrne

  • Crítica | O Estrangeiro

    Crítica | O Estrangeiro

    O Estrangeiro talvez seja a primeira grande decepção do ano de 2018. Porém, isso não significa que seja um filme ruim. Muito pelo contrário, estamos diante de um bom filme. A decepção se dá pelo desperdício de material, uma vez que a sua história permite abordagens distintas e igualmente interessantes. Almejando aliar um thriller político em  uma eletrizante e violenta trama de vingança, o longa acaba por ficar no meio do caminho, se tornando um filme formulaico e indeciso sobre qual rumo abraçar, sucumbindo a fórmulas e clichês do gênero.

    Na trama, Jackie Chan interpreta Quan, um amoroso dono de restaurante que vê sua filha morrer de forma trágica em um atentado a bomba perpetrado por uma célula terrorista do IRA (Exército Revolucionário Irlandês). Sentindo-se desprezado pela polícia de Londres, Quan resolve buscar respostas com Hennessy (Pierce Brosnan), um ex-membro da organização que hoje é o Vice Primeiro-ministro da Irlanda do Norte. Ao também ser desprezado por Hennessy, Quan resolve buscar respostas por conta própria e transforma Hennessy em seu alvo primário para conseguir seu objetivo.

    Martin Campbell (diretor de Cassino Royale) imprime realismo na sua direção. Filma com esmero as cenas dos atentados, tanto os momentos anteriores quanto os posteriores aos atos, provocando certo choque no espectador. Outro ponto muito positivo é a forma como ele trata a dupla de personagens. Campbell consegue explorar muito bem os talentos dramáticos de Chan e extrai uma ótima interpretação de Brosnan, que aqui foge do lugar comum de seus papéis ao longo dos últimos anos. Porém, no que diz respeito à ação, o diretor peca bastante. Ainda que as cenas possuam um grau de realismo, fazendo com que Chan não seja um super-herói, mas apenas um homem muitíssimo bem treinando como o seu background no filme demonstra, tudo é muito picotado. O ritmo videoclíptico acaba por diluir o impacto de cenas que deveriam ser extremamente empolgantes para o espectador. O roteiro escrito por David Marconi, baseado no livro The Chinaman  escrito por Stephen Leather, é um tanto quanto engessado e formulaico, tendo a infeliz decisão de priorizar o thriller político em detrimento da trama de vingança que é desenhada nos trailers e na primeira parte do filme.

    A verdadeira força do longa-metragem está em sua dupla de protagonistas. Normalmente, nos filme de ação, os personagens são unidimensionais. Isso não ocorre aqui. Chan compõe um personagem que inicialmente parece um simples dono de restaurante cujos atos são justificados pela perda da última coisa que lhe importava na vida. Porém, com o desenrolar do filme, vamos descobrindo o seu passado e percebendo que ele não é tão simples assim. Ademais, o personagem não é um impávido colosso de moralidade, conforme vemos nos meios que ele utiliza para atingir os seus fins. O Liam Hennessy de Brosnan inicialmente parece um burocrata que renega o seu passado. Porém, vemos que ele é um homem dividido. Seus princípios de juventude sempre o colocam em conflito com as atribuições de seu cargo de primeiro-ministro, criando um personagem em constante conflito interno, o que provoca um racha até mesmo em sua vida afetiva. Outros personagens importantes são Sean e Mary, respectivamente sobrinho e esposa do personagem de Brosnan. Contando com boas interpretações de Rory Fleck-Byrne e Orla Brady, a dupla possui arcos dramáticos próprios que se tornam extremamente importantes para a trama.

    O Estrangeiro é um bom filme de ação que conta com uma grande dupla de protagonistas, mas que infelizmente desperdiça parte do seu potencial ao contar com um roteiro que não sabe onde concentrar o seu foco e com uma direção um tanto irregular.

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  • Crítica | A Marca do Medo

    Crítica | A Marca do Medo

    a marca do medo

    Assim como os clichês usados em exagero no gênero, tem sido desgastante a repetição da crítica sobre a mudança conceitual narrativa do terror desde A Bruxa de Blair. Há quinze anos, uma falsa concepção documental promoveu uma inovação no gênero e, desde então, as histórias têm se repetido com base neste estilo, obrigando críticos a, quase sempre, retomarem a questão como parâmetro de análise.

    Nestes quinze anos citados, procurou-se falsamente um enfoque para a história com um mesmo estilo. Ao usar o recurso amador como um elemento a mais para promover o medo, a parcialidade intensifica o objetivo primordial, fazendo com que as histórias se apropriem de um conceito real e utilizem-se, diversas vezes, da falsa verossimilhança do “baseado em fatos reais” para tornar a produção mais assustadora.

    A Marca do Medo é equivocado até mesmo com o título brasileiro, que insere como obrigatório o substantivo medo, nada relacionando-se a The Quiet Ones – do original -, preenchendo os requisitos básicos da repetição cinematográfica vista à exaustão. A afirmação de que a história vem de um fato verídico está presente, ainda que não importe se ela existiu de fato. O importante é projetar no público uma percepção de que, se real, o susto é mais intenso.

    A novidade dentro do estilo é inserir a história na década de 70, época anterior ao barateamento de câmeras digitais que proporcionaram a base do estilo. Na trama, um jovem cineasta (Sam Claflin) procura emprego e é contratado por um médico para documentar o caso da jovem Jane Harper (Olivia Cooke). Apoiado pela universidade em que leciona, o professor Coupland (Jared Harris) estuda a garota tentando desmistificar seus problemas, considerados sobrenaturais ou relacionados a possessões demoníacas. Órfã, testemunha da morte dos pais, a garota é mantida presa e estudada em um quarto observado pelo professor e seu grupo, que desejam demonstrar a força do consciente psicológico por detrás de tais manifestações.

    Dividida entre a filmagem tradicional e o estilo documental oriundo das filmagens do cineasta, a trama se adapta com perfeição aos pré-requisitos de um filme do gênero. A princípio, elementos sobrenaturais são descartados e as personagens levadas à descrença; até mesmo um ataque significativo põe em xeque as dúvidas e se torna evidente em uma cena climática na qual normalmente a entidade assume o corpo da vítima. Os sustos são divididos entre a descrença do grupo que participa do experimento e as cenas parciais filmadas como registro do cotidiano da garota.

    Dentro de sua própria narrativa, a trama também demonstra fragilidade ao utilizar como virada narrativa um detalhe que envolve o passado da moça estudada. Levando em consideração uma experiência conduzida inicialmente com o apoio da universidade, parece disfuncional que o professor doutor não tenha estudado o histórico e a origem de sua paciente. Uma falha que exibe – tanto na estrutura externa, como obra, quanto na interna, como roteiro – a construção desequilibrada da história como um todo.

    Se muitos cineastas provam que grandes clichês do cinema podem ser utilizados em demasia se bem realizados, compreendemos que o recurso parcial da câmera não está desgastado por si, mas sim pela mesma maneira de ser representado por diversas produções anualmente. Mesmo que se leve em conta de que há uma parcela do público sedenta por histórias de terror – elemento que justificaria uma repetição excessiva –, a semelhança desta obra em relação a outras lançadas no mesmo ano produz um sistema de reciclagem narrativa que não funciona nem como um marco no estilo, nem se torna uma lembrança ativa de uma boa história assustadora. Fazendo-nos questionar sobre a vantagem – e a validade – de se produzir uma obra repetida que, após consumida imediatamente, se tornará esquecida entre tantas outras na prateleira do gênero.