Tag: Robert Zemeckis

  • Crítica | Os Fantasmas de Scrooge

    Crítica | Os Fantasmas de Scrooge

    Ebenezer Scrooge (Jim Carrey) é um senhor de idade avançada, rabugento e de caráter duvidoso. Nas primeiras cenas de Os Fantasmas de Scrooge ele observa o corpo de Jacob Marley, um antigo amigo que faleceu. Sovina, ele demora a pagar o agente funerário que prestou os serviços finais ao seu antigo sócio, e isso dá um pouco a dimensão de quem ele é. Dentre as muitas versões de Um Conto de Natal, de Charles Dickens, agora conduzida por Robert Zemeckis, esta é certamente a mais focada em estabelecer a personalidade do seu protagonista como a de um homem amargurado.

    Esta adaptação é bastante parecida com o longa em live action de 1984, Um Conto de Natal de Clive Donner, onde o personagem central é vivido por George C. Scott, que claramente é o molde para esse Ebenezer. Tal qual foi com O Expresso Polar, filme lançado em 2004, esse também se utiliza da técnica de captura de imagem para produzir os movimentos de seus personagens. Aqui os personagens humanos são ligeiramente melhor encaixados e menos estranhos do que foi no filme anterior.

    O conflito do filme se dá com qualquer pessoa minimamente sentimental, discutindo com o velho reclamão a respeito de seus hábitos isolacionistas. Um parente o chama para quebrar sua rotina de amargura e venha cear com eles na véspera do natal, seus empregados pedem mais tempo para ficar com a família, seus vizinhos cantarolam hinos natalinos, mas ele segue frio e gélido. Praticamente todas as pessoas amam a atmosfera natalina, confraternizam e brincam nas ruas, menos Scrooge.

    Se a animação com os coadjuvantes prossegue esquisita (principalmente os adultos que andam na periferia do protagonista), aos menos os fantasmas são bem detalhados. Suas formas espectrais tem cores vivas, e Carrey mesmo em baixa e longe dos sucessos indiscutíveis de anos anteriores consegue fazer ótimos papéis, no plural. Ele é bastante exigido, uma vez que atua não só como Scrooge, como é também os espíritos que o assolam. Por mais terror que eles causem no velho, é impossível não rir com cada um deles. Toda a jornada nesse sentido é fluida, e não causa tanto estranhamento quanto as outras empreitadas de Zemeckis nesse estilo de narrativa.

    A mensagem que Dickens passou em seu conto era bastante cabível, mas a lenda de Scrooge é um bocado vaidosa e sovina até na reflexão e arrependimento que Ebenezer tem. Ao menos no que toca as partes onde ele se compadece de seu empregado Bob Cratchit e tenta justificar para que as pessoas percebam sua mudança, antes de finalmente partir e se unir ao seu antigo sócio. Zemeckis tenta revitalizar isso para uma atualidade, mas não consegue cem por cento, ainda assim, a forma como ele trata o conto antigo é carinhosa e sentimental, resultando em uma mensagem que ao menos prega o bem final, mesmo que deixe a amarga sensação de quem os fins justificam os meios.

  • Crítica | O Expresso Polar

    Crítica | O Expresso Polar

    O Expresso Polar é um conto natalino sobre crenças que segue os passos de um menino que perdeu a fé nas pequenas coisas da vida. Quando adulto, o rapaz se tornaria o narrador da obra, dublado por Tom Hanks que dá voz também a boa parte dos personagens adultos. O longa de Robert Zemeckis se utiliza da tecnologia de captura de movimento que busca um realismo ao menos na movimentação das figuras humanas, ainda que seu intuito seja mirar na magia e reconquista da crença em figura míticas, como o Papai Noel e a mitologia que o envolve.

    A filmografia de Zemeckis é conhecida por brincar com o lúdico, e aqui não é diferente. O roteiro para ser bem digerido pelo espectador precisa ser encarado como uma história sobre magia e crenças abortadas. A música de Alan Silvestri ajuda a pontuar essa sensação de que a vida segundo os olhos de uma criança é mais bonita, mesmo que essa criança não creia mais em figuras lendárias, como é o caso do personagem central.

    O filme se vale de um advento bastante novo para sua época, e ao menos o personagem principal é bem animado. Já os adultos e os personagens infantis periféricos causam espanto ao olhar. Isso se dá graças ao conceito de Vale da Estranheza (no original Uncanny Valley), que prega que figuras que imitam a humana quando se aproximam do que é o homem se tornam estranhas.

    Os diálogos e interações são bastante artificiais, mas não tanto quanto as tentativas de fazer números musicais. Os garçons que servem os vagões são tão duros que parecem imitações de androides. Essa questão é aplacada de certa forma pelas partes envolvendo os animais correndo, voando e interagindo com as coisas típicas dos cenários. Os lobos e águias representam mais que apenas animais típicos da fauna norte-americana, e resultam em representantes do senso de aventura da obra.

    O filme é irregular, com momentos emocionantes e sequências de ação onde a beleza da época mais mágica do ano é soberana, enquanto outros são estranhos e fora de lugar, como a configuração das crianças entoando músicas. Ao menos quando se chega a estação final, o lar do Papai Noel, se resgata o caráter mágico com uma sequência de eventos que mostram a intimidade dos funcionários élficos, incluindo até a arquitetura de casas em miniatura já que eles são pequenos.

    O cuidado com o visual de cenários e figurinos dos habitantes do lugar mágico quebra demais o ceticismo do personagem central de O Expresso Polar, e esse certamente é um filme que tem bastante audácia, sendo pioneiro em muitos pontos que se tornariam bastante comuns em produções infantis e adultas mais atuais, e infelizmente, pagou um alto preço por conta das técnicas de captura de movimento. Ao menos sua mensagem de esperança e de resgate ao lúdico é bem representada e exemplificada.

  • Crítica | Uma Cilada Para Roger Rabbit

    Crítica | Uma Cilada Para Roger Rabbit

    Em 1988 era lançado nos cinemas mundiais, Uma Cilada Para Roger Rabbit, de Robert Zemeckis, cuja historia começa metalinguística, na gravação de um episódio de desenho animado, envolvendo o personagem-título em um insucesso breve dentro de sua carreira. O cenário onde o rabugento e desconfiado Eddie Valiant (Bob Hoskins) vive é Toontown, um mundo onde personagens animados e pessoas reais convivem normalmente, fato que o incomoda por conta de uma situação de seu passado.

    Há um cuidado do roteiro por mostrar um cenário de depressão não só para os humanos. Se Valiant está mal pela morte do seu irmão, os personagens clássicos também tem que se preocupar com trabalhos insalubres, como Betty Boop, que se torna garçonete por conta da crise financeira e institucional, além disso, existem dezenas de referências, desde a banda que acompanha a Femme Fatale Jessica Rabbit composta por corvos, os mesmos  da animação Dumbo, como inúmeros outros. A preciosidade não mora na trama com o personagem-título, mas sim nos detalhes da animação.

    A questão da possível traição de Jessica ao seu par é tão tosca em essência que faz toda a movimentação de Valiant e seu empregador parecer algo bobo, e realmente é, pois o conceito de traição para um cartoon é realmente diferente, bater palmas se equivale a dormir com outra pessoa. Diante disso, tanto o detetive quanto o astro são pessoas de vida triste, sentindo falta daqueles que um dia os fizeram felizes. A questão da traição, assassinato não resolvido e a trama de enganos e infidelidades é subalterna e fútil, fora a inserção do cinema e literatura noir, de resto tudo é bastante comum e usual, bem como as semelhanças entre as histórias de Eddie e Roger, de terem que conviver apesar das desconfianças, remetendo a dinâmica dos filmes envolvendo dupla de policiais.

    Os atores do elenco não fazem feio, especialmente Hoskins e Christopher Lloyd, que desempenham bem seus papéis, apesar de arquetípicos, e conseguem lidar bem com um sem número de personagens animados. O lúdico que o roteiro de Jeffrey Price, baseado no livro de Gary K. Wolf, só se faz real graças ao desempenho bom e franco entre criaturas tão diferentes, além é claro da potente música de Alan Silvestri, que ajuda a construir essa atmosfera de choque de mundos. O todo, bem orquestrado por Zemeckis é o ponto mais rico da obra que se tornou Uma Cilada Para Roger Rabbit, uma trama simples que conversa bem com as crianças, enquanto boa parte dos subplots, piadas visuais e referências são em boa parte entendida pelo espectador mais velho.

    https://www.youtube.com/watch?v=l5rX3vjE2OU

  • Crítica | Aliados

    Crítica | Aliados

    A carreira do diretor Robert Zemeckis tem sido de altos e baixos, em especial nos últimos anos, onde tem colecionado críticas mornas sobre seus lançamentos, em especial O Voo e A Travessia. Seu novo filme, Aliados, tenciona misturar um romance proibido com uma trama de espionagem, levando em conta produtos canônicos do cinema hollywoodiano como referência, em especial Casablanca, inserindo alguns elementos de teoria da conspiração em sua fórmula.

    A história segue os passos de Max Vatan (Brad Pitt), um militar que é designado para ir em Casablanca, Marrocos, assassinar um embaixador nazista. Para isso, ele precisa fingir ser o esposo do disfarce de Marianne Beausejour (Marion Cotillard), uma bela mulher que já está no país africano há algum tempo. Após muito resistir, os espiões decidem– mesmo com as reprimendas do superior de Vatan, Frank Heslop (Jared Harris) – se casar, tendo uma filha pouco tempo depois, com o oficial se tornando então um funcionário burocrático do exército, num período bastante próximo à Segunda Guerra Mundial.

    Toda a sequência em meio a missão dada é na verdade um despiste, um mcguffin que serve para introduzir o espectador no amor embrionário dos protagonistas, contendo algumas poucas belas cenas, no deserto onde finalmente os dois se relacionam pela primeira vez, seguidas de uma cena de ação bem construída. A vida nova do casal só começa após mais de quarenta minutos, onde a história se desdobra como um entreatos de uma peça teatral. A partir daí a rotina dos apaixonados é entre uma missão e outra, em meio a processos ordinários da vida comum de um casal, incluindo uma cena de parto bastante criativa, que beira o inverossímil.

    A questão central é o drama desenrolado na segunda metade do filme, que inclui uma dúvida cruel para Vatan que o faz perseguir desesperadamente o que lhe incomoda. Nesse ponto, a qualidade do texto decai demais, baixando ainda mais o patamar de qualidade que não era tão alto até esse momento. A tentativa de criar um thriller eletrizante esbarra na incapacidade da direção em gerar suspense.

    O elenco vasto de grandes atores não ajuda no resultado final. A química entre Pitt e Cotillard é irregular, soando forçada de início e melhorando um pouco já próximo de seu desfecho. Ao menos o final consegue causar emoção em quem vê, aspecto esse não corriqueiro dentro dos 124 minutos de exibição. Aliados tinha um potencial para ser um bom romance/drama de guerra, mas esbarra em uma narrativa morna e incapaz de criar um bom suspense.

  • Crítica | De Volta para o Futuro

    Crítica | De Volta para o Futuro


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    O tão aguardado dia 21 de outubro de 2015 chegou. O dia da chegada de Marty McFly no futuro. Futuro que a partir de hoje se tornará passado. Meio paradoxal isso, mas paradoxos temporais são mencionados durante todo o tempo pelo Dr. Emmett Brown ao longo de toda a saga. Ainda bem que esse não é um daqueles que são capazes de destruir toda a existência. A galera do Vórtex me passou a missão de falar desse que é um dos clássicos do cinema contemporâneo. Vou ser bem honesto aqui: é impossível fazer uma análise minimamente imparcial desse que deve ser um dos preferidos de muita gente e que deu origem a uma das mais divertidas e importantes sagas de todos os tempos.

    Bob Gale idealizou o filme quando estava visitando seus pais e achou uma antiga caixa de recordações deles. Ao voltar dessa visita, encontrou-se com Robert Zemeckis, contou a ele sobre seu novo conceito e os dois passaram a desenvolver um roteiro sobre um garoto de 17 anos que volta no tempo e encontra seus pais na época do colégio. Os dois levaram a ideia para a Columbia Pictures que em 1980 financiou o desenvolvimento de um script para o cinema. Porém, a produtora colocou o filme em espera. Na época, o cinema americano era povoado por comédias adolescentes de temática sexual como Porky’s, e uma comédia mais “família” talvez não obtivesse grande sucesso comercial. Gale e Zemeckis peregrinaram por todos os grandes estúdios de Hollywood e bateram com a porta fechada em todas as oportunidades. Ninguém queria bancar o filme. Por último, eles tentaram a Disney. A galera do Mickey recusou o filme alegando que a sugestão de incesto que ocorre no filme, quando Lorraine se apaixona pelo seu filho Marty após este interferir no encontro dela com seu pai, não seria apropriado para o público do estúdio. É nesse ponto que temos que agradecer muito ao senhor Steven Spielberg. Spielberg, que fez com que a Universal bancasse o projeto após enviar um memorando que convenceu o presidente do estúdio na época.

    A produção do filme teve lá seus problemas. Michael J. Fox sempre foi a escolha inicial para viver Marty McFly, mas seus compromissos com a série de TV Family Ties (Caras & Caretas no Brasil) acabaram impedindo que ele fosse escalado. Eric Stoltz entrou em seu lugar. Com duas semanas de filmagens, Stoltz sentiu que não era adequado para o papel e pediu demissão. C. Thomas Howell de A Morte Pede Carona chegou a ser cogitado para o papel, mas Zemeckis chamou Fox de volta. O ator viveu uma verdadeira maratona para gravar o filme e a série simultaneamente. Christopher Lloyd só aceitou o papel de Doc Brown após sua esposa insistir demais para que ele aceitasse. A cidade de Hill Valley, onde a produção é ambientada, foi totalmente erguida nos estúdios Universal para que tivessem liberdade para filmar. O cronograma foi apertadíssimo para que De Volta… fosse lançado na data estipulada. Porém, como todos nós sabemos, o filme deu muito certo. Vamos parar agora com os fatos históricos e partir para a análise.

    Apesar dos seus 30 anos de idade, De Volta para o Futuro é um filme que não envelhece. Robert Zemeckis e Bob Gale construíram algo que se mantém atual. A fita tem as doses corretas de ação, aventura, drama e comédia, com sequências eletrizantes que deixam o espectador pregado na poltrona e os olhos vidrados na tela, além de oferecer momentos de pura ternura capazes de mexer com os sentimentos daqueles que se julgam durões. O roteiro é bem amarrado e lida muito bem com a tal questão do incesto que a Disney repudiou. A delicadeza e a leveza com que o filme trata o amor à primeira vista, que Lorraine passa a nutrir por seu filho Marty quando este chega em 1955 e atrapalha o encontro dela com seu futuro marido (e pai de Marty) George, é algo louvável. A chance de cair no ridículo ou no mau gosto era enorme. Interessante também é a maneira que Gale e Zemeckis transformam a cidade de Hill Valley em uma personagem do filme, detalhando sua evolução e expondo os contrastes entre a versão passada de 1955 e a do presente, em 1985. Outro acerto da dupla é na forma de expor o choque de gerações, inicialmente com McFly achando aquele mundo muito estranho, mas encaixando-se a ele conforme pedido pelo jovem Dr. Brown e posteriormente quando Marty apresenta o rock n’ roll aos jovens da cidade em um momento musical genial, já que o personagem emula vários guitarristas famosos – e muito à frente daquele tempo.

    A trilha sonora, composta por Alan Silvestri, é primorosa e consegue engrandecer tudo o que acontece em tela, principalmente na sequência final em que Marty precisa acelerar o DeLorean em direção ao raio “canalizado”, que irá acionar o capacitor de fluxo e o mandar de volta para 1955. Ainda sobre a trilha sonora, mas agora sobre as músicas que tocam no ambiente do filme, a escolha é perfeita e auxilia a imersão do espectador naquele mundo. A reprodução de época é primorosa nos figurinos, carros e prédios. Nota-se que a produção se esmerou em tudo, sem deixar passar nenhum detalhe. Os efeitos especiais são em sua grande maioria práticos, o que ajuda a deixar o filme atemporal. Somente em uma cena, em que Marty começa a desaparecer, um efeito de computador um pouco grosseiro é utilizado, mas nada que possa comprometer a excelência da fita.

    O elenco não poderia ter sido melhor escalado. Michael J. Fox É Marty McFly. O ator, que na época já tinha lá os seus 24 anos de idade, faz o perfeito adolescente de 17 anos com todos os conflitos e incertezas desse conturbado período da vida: Marty não é apenas o garoto esperto com boas tiradas, típico personagem unidimensional que tanto povoa as telas do cinema. Além disso, o ator é carismático ao extremo e desperta empatia imediata quando aparece em cena. Christopher Lloyd não fica nem um pouco atrás de Fox em sua atuação. Seu Dr. Emmett Brown aparentemente parece ser aquele cientista maluco e histriônico que tanto estamos acostumados a ver, mas logo fica evidente que por trás daquele comportamento existe um homem que enxerga além. Ele não chega a funcionar como uma figura paterna de Marty, mas aquele tio bacanão e meio excêntrico que tem sempre algo bacana a transmitir para os sobrinhos, o que torna muito críveis a grande amizade e o carinho entre os dois personagens. Crispin Glover apresenta um apatetado George McFly, que chega a beirar a caricatura, mas que ao ser apresentado ao seu filho em 1955 vai se transformando e se tornando mais confiante. Glover se sai tão bem que sua atuação vai mudando em pequenos detalhes, como sua postura em cena e até mesmo o tom de voz. Já Lea Thompson tem uma atuação sensacional como uma dúbia Lorraine, já que no futuro ela é uma senhora carola e moralista, mas no passado mantinha um comportamento nada pudico, ainda que se fizesse de moça comportada perante a sua família. Biff Tannen, o valentão que é a pedra no sapato da família McFly, é interpretado de forma ameaçadora por Thomas F. Wilson. Ah, não se pode esquecer do DeLorean. O carro possui personalidade própria com suas portas asas de gaivota, suas luzes piscantes e a parafernália que o Dr. Brown instalou para possibilitar a viagem no tempo. Uma atuação tão sensacional quanto a de Herbie, o Fusca Falante.

    De Volta para o Futuro ainda deu origem a duas sequências também de altíssima qualidade (é na segunda parte que Marty aporta no dia 21 de outubro de 2015) e há 30 anos mantém-se no imaginário do espectador que toda vez que assiste, ou, se assiste pela primeira vez, rapidamente passa a se colocar na posição do protagonista e a imaginar como seria se todos os eventos do filme acontecessem com ele. Uma fábula moderna que é capaz de divertir qualquer pessoa, de qualquer idade, e que não envelheceu nada, apesar de hoje ser um trintão, tal e qual esse humilde crítico passará a ser em um futuro bem próximo. Só espero ser um trintão responsa como esse clássico.

  • Crítica | A Travessia

    Crítica | A Travessia

    A Travessia 5

    Depois de uma carreira quase toda dedicada a brincar com o imaginário infantil, Robert Zemeckis voltou sua filmografia para dramas mais realistas, cujo caráter era bem mais adulto (a exemplo de O Náufrago e O Voo especialmente), ainda que o cunho de fantástico ainda estivesse presente em todas essas sequências. Em A Travessia, cinebiografia do equilibrista Phillippe Petit, existe uma amálgama destas distintas fases da carreira do cineasta, uma vez que as proezas mostradas em tela, beiram o irreal, graças às belas descrições do próprio.

    Baseado no livro do personagem documentado – To Reach the Clouds – o filme conta a trajetória de Phillippe (Joseph Gordon Levitt) através de uma narração óbvia, que faz mais lembrar as películas de Ron Howard do que as de Zemeckis, ainda que Levitt consiga imprimir muito mais emoção e carisma do que o usual. Cada detalhe é contado com um inedistimo ímpar, desde o deslumbre do biografado enquanto criança, até a ascensão como artista circense.

    Zemeckis orquestras belas cenas filmadas dentro do formato 3D, em um ambiente que propicia uma atmosfera deslumbrante, graças ao comum imaginário infantil e juvenil, que glamouriza demais os artistas de circo. Aos poucos, outros entes se reúnem ao redor do enorme sonho de Phillippe, ditos pelo mesmo como cúmplices, pessoas que em cooperação gratuita e empática fariam ocorrer a difícil execução do que seria o maior feito do homem. A primeira delas é Annie (Charlotte Le Bon), uma bela cantora que o acompanha desde o início em sua obsessão em atravessar através da corda as duas torres do ainda não solidificado Word Trade Center.

    O período de construção do plano engloba a preparação para se tornar cada vez mais exímio, reunindo mentores, abandonos da família e muitos eufemismos franceses. O ethos de Petit é o mesmo de uma artista desbravador, não conhece limites normativos, tampouco se permite deixar de viver seu sonho em tempo integral. A mensagem central do filme é viajandona, flertando até com o anti-capitalismo, resultado especialmente pela recusa tardia de Papa Rudy (Ben Kingsley), que dedica ao seu pupilo seu tempo e segredos, muito além de qualquer interesse monetário.

    Apesar do término bastante piegas – relembrando a tragédia de 11 de setembro, mas ainda assim não tão grave quanto no anterior O Vôo – o diretor consegue amarrar uma história interessante, sentimental e apaixonante, com cenas bonitas que não ousam do ponto de vista de realizador , como é bastante comum na filmografia do diretor. A história presente no roteiro de Zemeckis e Christopher Browne consegue ludibriar a realidade e tocar os sentimentos de plateias adultas e infantis, resgatando uma questão idosa como o mundo, o homem em busca do sonho de sua vida e querendo fugir do ordinário e da mediocridade, com um clima de suspense que fita o espectador em sua cadeira em todo o tempo de duração do filme.

  • Crítica | O Voo

    Crítica | O Voo

    o voo - poster

    Robert Zemeckis há muito tempo abandonou a direção de filmes live-action para trabalhar com animações, tendo um papel fundamental na evolução de técnicas como a captura de movimento, como visto em seus últimos trabalhos – O Expresso Polar, A Lenda de Beowulf e Os Fantasmas de Scrooge. Contudo, essa escolha o deixou bem pouco presente na grande mídia. Doze anos depois de Náufrago – último live-action do diretor -, Zemeckis retorna de onde parou e entrega um grande filme.

    O Voo conta a história de Whip Whitaker (Denzel Washington), um talentoso piloto de aviões comerciais, alcoólatra e usuário de drogas. A história se desenvolve como numa manhã qualquer na vida desse piloto. Whip acorda num quarto de hotel, acompanhado de uma de suas comissárias de bordo, ainda sob efeito de álcool da noite anterior, cheira cocaína para cortar o efeito da bebida e parte para mais um dia de trabalho rotineiro. No entanto, após uma falha técnica em sua aeronave, Whip é obrigado a realizar um pouso forçado de forma pouco usual e acaba salvando a vida de boa parte dos passageiros: 96 dos 102 que estavam a bordo sobrevivem.

    Após salvar praticamente toda a tripulação da morte iminente, Whip é celebrado como herói. Contudo, sua vida começa a sair do controle quando descobre que a FAA (Federal Aviation Administration) está realizando uma investigação e que exames de sangue já foram coletados comprovando o consumo de álcool e drogas antes de o avião decolar, fato que poderia comprometer toda sua carreira e colocá-lo na prisão.

    Com os aspectos centrais da trama colocados em seus devidos lugares, Zemeckis desenvolve sua narrativa, tirando o foco do acontecimento alimentado de modo sensacionalista pela mídia para acompanhar os dilemas éticos de seu protagonista. Whip é autodestrutivo, afastando todos ao seu redor, sua família, amigos e até mesmo seu novo laço afetivo, Nicole (Kelly Reilly), uma ex-viciada.

    O grande mérito do filme é não escolher lados em seus temas, e este é também um de seus maiores problemas. O Voo deixa claro que seu protagonista é um alcoólatra funcional, sugerindo que talvez ele mesmo não tivesse realizado o pouso de forma tão eficaz se não estivesse sob efeitos de álcool e outras drogas. Essa figura questionável não o isenta de suas responsabilidades, assim como também não o redime. Contudo, em seu desfecho só soa extremamente moralista e melodramático, jogando fora boa parte da narrativa que havia construído até então para se tornar um dos contos de superação que inundam Hollywood ano após ano.

    A composição de personagem de Denzel Washington é um show à parte. Pouco a pouco se vê na tela a decadência de um homem sem horizonte, que tenta em vão vencer seus vícios em uma interpretação minuciosa, que foge da obviedade de seus papéis anteriores. Os trejeitos e olhares com os quais o personagem pede uma bebida em dado momento do filme imprimem o quão frágil seu personagem é, numa atuação intensa que demonstra toda sua angústia através de pequenos gestos corporais de suas mãos e boca, assim como sua confiança parece retornar após tomar o líquido tão esperado ou inalar cocaína, se tornando novamente o sujeito arrogante e cheio de si. O elenco coajuvante é interessante, principalmente as participações de John Goodman e Don Cheadle, trazendo debates ou cenas interessantes para a trama; no entanto, a personagem de Reilly parece ter saído de não sei onde para ir para lugar algum, tamanha a importância e a forma abrupta com a qual é utilizada.

    O Voo, apesar de extremamente didático em seu desfecho, traz uma das melhores performances de Denzel Washington nos últimos anos, além de trazer o retorno de Zemeckis na direção live-action. Uma pena pecar em ousadia.

  • Crítica | Contato

    Crítica | Contato

    poster do filme contato

    Contato (1997) é a adaptação, dirigido por Robert Zemeckis, do livro homônimo de Carl Sagan. É uma obra de ficção científica e um bom exemplo de uma grande produção, que tem mais a dizer que apenas um belo espetáculo visual.

    O filme nos conta a história de Ellie (Jodie Foster), uma pesquisadora de física astronômica que desde a infância, incentivada por seu pai, nutre um fascínio pelo cosmo e, depois de formada com louvores no MIT, declina o convite para ocupar uma cadeira no corpo docente de Harvard para trabalhar com rádio astronomia em um projeto de busca por inteligência extra terrestre (SETI) em Porto Rico e depois consegue financiamento para assumir o Very Large Array (VLA), no Novo México.

    Contato brinca em vários momentos com essa mistura de ficção e realidade, com observatórios reais e discursos reais do presidente dos EUA, Bill Clinton, colocados no contexto do filme (ele não atuou, foram usadas imagens pré existentes), além de âncoras reais da CNN, – esses sim trabalhando para o filme. Zemecks usaria esses mesmo recursos novamente em Forrest Gump. Em Contato, temos uma aproximação maior daquelas situações que são exploradas no filme e que, dados os fatos, seriam de certa forma plausíveis caso viessem a acontecer.

    Antes de mais nada, o filme é um espetáculo visual, apesar de não ser apenas isso. Com um início belíssimo, de uma tomada como se a câmera estivesse na estação espacial, o filme inicia se afastando da terra, do sistema solar, da via láctea e da galáxia. Belas representações, tanto do céu, quanto de galáxias inteiras são abusadas no filme, o que me lembrou dos melhores momentos da série Cosmos, do próprio Carl Sagan, porém aqui com um orçamento muito maior e, por consequência, muito mais trabalhado esteticamente.

    Além de tudo isso, Contato é um filme corajoso pelos temas que aborda. A começar por sua protagonista, uma cientista brilhante, que é a grande responsável por uma das maiores descobertas da humanidade e que se vê em conflito em diversos momentos pelo fato de ser uma mulher enfrentando o mundo machista da própria ciência e também por seus posicionamentos políticos e religiosos. Além da própria Jodie Foster contribuir muito com a credibilidade passada para o papel.

    É corajoso também por seus temas e suas críticas, muito delas herdadas de toda a obra de Carl Sagan. Para entender um pouco melhor essa crítica, busco falar um pouco do plot, que segue com Ellie e seu projeto SETI, o qual está prestes a perder o apoio do governo. É quando eles encontram um sinal de rádio, que não parece ser um alarme falso. Não é um pulsar, uma interferência ou estática, mas sim uma inteligência tentando estabelecer contato, tentando passar uma mensagem. Primeiramente só são detectados alguns números inicias da mensagem, números primos, que segundo Ellie seriam a prova de uma inteligência alien e não algo da natureza.

    Ellie, enquanto cientista, começou a espalhar a palavra mundo afora, já o governo, através do departamento de defesa americano, começou a sentir a necessidade de manter aquilo em sigilo. E instaurou a ameaça de militarizar suas pesquisas, mesmo sendo uma atividade civil.

    O que eles descobrem, além dos números primos, é que os aliens estavam mandando a primeira transmissão televisiva que a humanidade enviou pelo ar, que foi o discurso de abertura das olimpíadas de 1936, na Alemanha, por Hitler. Neste ponto temos mais uma crítica a nossa sociedade como um todo. Hitler é um produto da nossa sociedade, onde qualquer ser pensante não se orgulha de compartilhar a mesma estrutura de cromossomos que ele, portanto, uma crítica a nossas atitudes como seres humanos, que por mais que superemos tal situação ruim, por mais que uma ideia seja derrotada, ela deixará eternamente uma marca, um risco na nossa história.

    Seguindo, havia ainda uma terceira camada de informações, essa sim que mudaria o rumo da humanidade: Um conjunto de dados, criptografados, que estabeleciam um padrão, mas ninguém conseguia encontrá-lo. A partir disso o filme tenta traduzir no momento  Eureka de Ellie o sentimento da descoberta científica. De algo que estava ali o tempo todo e que era tão simples. Só era necessário um passo a mais de compreensão, um olhar distorcido para que o avanço fosse possível.

    A partir desse momento, descobre-se que esses dados eram projetos, plantas, de uma máquina da qual ninguém sabe o real objetivo.  Apenas decidem construí-la, afinal, era possível, – mais um dos momentos de exaltação da ciência. Daqui pra frente, se continuar estragarei a experiência com o filme. O que posso dizer, é que há o envolvimento amoroso de Ellie com Palmer Joss (Matthew McConaughey), que também levará a questionamentos sobre fé e Deus, e como isso pode “justificar injustiças”, além do personagem David Drumlin (Tom Skerritt), que é uma espécie de antagonista da história, um homem sem muitos escrúpulos para atingir seus objetivos, numa representação clara da ambição e suas consequências.

    Fato é que o filme, tem seus furos de roteiro e seus clichês. Algumas situações são resolvidas rápidas demais e outras fogem um pouco do da lógica do restante do filme, como o fato de Palmer Joss ser um assessor da presidência americana para assuntos sobre religião, sendo apenas um escritor de livros que criticam a tecnologia e ciência que nos levam a uma sociedade mecanicista.

    Esses furos, porém, são muito pequenos e não atrapalham o que deve ser observado como foco principal, que são todas as críticas sociais que Contato trás consigo. Sua crítica a religião e a fé cega, juntamente com a política e os modos com que a política se conduz ou deseja conduzir a sociedade, dando crédito a grupos extremos calcados apenas em fé e descreditando aqueles baseados em pesquisa, ciência, em busca da verdade. Apenas pelo fato de que o grupo que crê, constitui uma maioria. Se voltarmos rapidamente à Hitler, este também, em dado momento foi apoiado por uma maioria.

    Contato, além de sua crítica, é um filme que exalta a ciência, o pensamento cientifico, o ceticismo e a busca pela verdade. E acima de tudo trata-se de uma homenagem a Carl Sagan, com billions and billions de suas citações adaptadas nas frases ou às situações dos personagens. Sagan, que apesar de não ter um trabalho científico tão notável, foi importantíssimo para toda uma geração, influenciada por seu trabalho de divulgação científica, não só no aspecto técnico e acadêmico – até por ter sido alguém que fugia dos padrões da academia. Mas também pelo incentivo a criatividade e seu modo de enxergar a nossa sociedade.