Tag: Matthew McConaughey

  • Crítica | Tempo de Matar

    Crítica | Tempo de Matar

    Após um considerável sucesso adaptando John Grisham em 1994, com O Cliente, o diretor Joel Schumacher se volta novamente para outro livro do autor, dessa vez, trazendo Tempo de Matar, uma história sobre justiça, vingança e intolerância racial. A trama tem início com dois rapazes brancos passeando de carro pelas ruas de Canton, Mississipi, causando terror entre pessoas de minorias étnicas. Dentro de seu veículo há signos e símbolos neonazistas, além da bandeira dos Estados Confederados da América. Ao passo que mostra os dois sujeitos, a trama também apresenta o advogado idealista Jack Tyler Brigance, de Matthew McConaughey (em um dos seus primeiros papéis sérios e de destaque), além de membros da família Lee Hailey, que estão entre os negros atacados pela primeira dupla.

    O roteiro de Akiva Goldsman não demora quase a estabelecer sua ação, mostrando uma criança sendo vitimada pelos personagens da maneira mais baixa e cruel possível, além é claro da repercussão com os familiares da pequena Tonya (Rae’Ven Kelly), em especial, seu pai,  Carl Lee Hailey (Samuel L. Jackson), que se sente indignado e impotente diante do que ocorreu com um dos membros de sua família que, a priori, deveria ser protegido por ele.

    A virada no roteiro acontece com pouco mais de vinte minutos, com o revide de Carl aos homens que violaram sua vida e família, e é seguida de uma tomada sentimental, onde os personagens da força policial se vêem obrigados a executar uma ordem que não queriam. O filme lida com questões espinhosas e bem caras nos tempos atuais, especialmente, no tocante a volta de manifestações de supremacistas brancos nos EUA.

    Schumacher não tem receio em apresentar uma história crua, não tem receio em mostrar um conflito aberto em clima de guerra civil, como era comum décadas antes de 1996. O roteiro trata a história de forma cíclica, aparentemente a humanidade tende a repetir alguns conflitos, de tempos em tempos, e isso faz sentido, tanto que movimentos de afirmação dos direitos da população negra precisam retornar como no ano de 2020, após mais um de muitos atos por parte de forças do Estado punirem a população por conta única e exclusivamente do tom da pele. Embora a realidade não tenha tantas licenças poéticas quanto o que ocorre no longa de Schumacher.

    Tempo de Matar tem uma crítica voraz ao modo como uma parte dos Estados Unidos têm lidado com a segregação racial e as diferenças culturais entre os povos, e ainda que apele para a fantasia em alguns pontos, Schumacher consegue tirar ótimos momentos de seu elenco. Jackson, McConaughey, Kevin Spacey e até Sandra Bullock têm boas participações e que ajudam a entender o filme como uma fábula jurídica e de entraves raciais, ainda que infelizmente o quadro político atual recoloque o filme numa posição de mais pragmatismo que uma obra escapista sobre preconceito.

  • Crítica | Calmaria

    Crítica | Calmaria

    “Isso muito Black Mirror!”. A frase que se transformou em uma espécie de meme na internet poderia se encaixar aqui. Vejam bem, poderia. Caso Calmaria fosse um bom filme, com certeza seria comparado a algum episódio da bem sucedida série sci-fi que tem surpreendido pessoas por seus roteiros inventivos. Entretanto, esse thriller estrelado por Matthew McConaughey e Anne Hathaway só conseguiu me remeter ao clássico trash O Passageiro do Futuro.

    Dirigido e roteirizado por Steven Knight, britânico que roteirizou o sensacional Senhores do Crime (dirigido pelo mestre David Cronenberg), escreveu e dirigiu o ótimo Locke (estrelado unicamente por um inspiradíssimo Tom Hardy), além de fazer parte das ótimas séries Peaky Blinders e Taboo, ao mesmo passo que cometeu os argumentos de A Garota na Teia de Aranha e de O Sétimo Filho, seu novo longa é um thriller neo-noir estrelado pela proeminente dupla de atores mencionada acima (McConaughey e Hathaway), Djimon Hounson, Diane Lane e Jason Clarke. Na trama, um pescador obcecado em fisgar um atum que ele jura o provocar pessoalmente é procurado por um antigo amor de seu passado que quer o contratar para matar seu marido. Enquanto se decide sobre cometer ou não o assassinato, fatos estranhos passam a acontecer ao redor do pescador.

    O roteiro é uma completa bagunça. A tentativa de Knight criar algo “inteligente” acaba se tornando somente pedante. O cineasta tenta incluir elementos de clássicos literários como O Velho e o Mar e Moby Dick, mas o faz de forma rasa e pretensiosa. Pior, só faz a história se tornar mais desagradável ao paladar do espectador. Ao longo do desenvolvimento da trama, elementos noir são adicionados, mas de forma atabalhoada e incoerente. Aos trancos e barrancos a história vai se tornando cada vez mais sentido e cômica até culminar em um plot twist que praticamente cospe na cara do espectador. Nem M. Night Shyamalan em seus piores momentos conseguiu conceber algo tão bizarro quanto o que é visto em tela.

    No que diz respeito à direção, Knight é ainda mais equivocado. O cineasta não consegue criar um clima decente de mistério e todas as suas tentativas de subir o tom soam bregas. Há um momento especial que resume isso: a primeira aparição de Hathaway. É uma cena tão caricata que poderia estar Uma Cilada para Roger Rabbit. O que deveria causar admiração, causa risada. A direção passeia com a câmera mostrando detalhes da atriz. Sua aliança é mostrada em destaque, sua forma de andar, a trilha sonora ganha um tom mais solene… até que ela diz que vai pagar a bebida do personagem de McConaughey. Nesse momento há um movimento de câmera súbito que fecha no rosto de Hathaway fazendo uma tentativa de expressão de femme fatale enquanto corta subitamente para McConaughey engolindo a bebida rápido em um momento de surpresa. Não tive como não pensar no clássico filme de Robert Zemeckis. A diferença é que Eddie Valiant (Bob Hoskins) e Jessica Rabbit atuam muito melhor que a dupla de protagonistas de Calmaria. Além não estarem bem separadamente, a dupla não tem a menor química. Simplesmente não convencem. Clarke está tão canastrão que acaba odioso por sua interpretação preguiçosa, não pela natureza horrenda de seu personagem. Já Lane e Hounsou são completamente desperdiçados pelo diretor. No final das contas, o longa se torna um sofrido exercício cinematográfico pretensioso que subestima a inteligência do espectador.

    Facebook – Página e Grupo | TwitterInstagram | Spotify.

  • Crítica | White Boy Rick

    Crítica | White Boy Rick

    A historia de White Boy Rick começa de um modo frenético, incluindo aí um plano sequência muito bem construído por seu diretor Yann Demange. Nesses primeiros momentos se assiste Richard Wershe Senior (Matthew McConaughey) e Richard Wershe Jr. (Richie Merritt) indo a uma feira de armas, com o pai utilizando o filho para mendigar a compra de uma arma uma a uma mulher, dizendo que ele é necessitado, escondendo na verdade o simples fato dos dois  não terem dinheiro para comprar o artefato. Essa compra ilegal pode gerar no espectador a sensação de que aquela relação entre pai e filho é mesquinha e cruel, mas a realidade durante o decorrer do longa vai se mostrando diferente, embora obviamente hajam fracassos ali.

    Toda a trama presente no roteiro de Logan Miller, Noah Miller e Andy Weiss é baseado numa historia de verdade, e o filme pontua capitularmente as passagens de tempo, começando por 1984. Ainda com catorze anos, Rick vê sua casa em colapso, com sua irmã Dawn (Bel Poley) preferindo sair de casa para casar-se com um viciado (que inclusive a ajuda a se tornar uma adicta também). O motivo dela sair são os maus tratos de seu pai e o presente que o filme assume mostra que Richard não pratica esse tipo de violência, ainda que pontua que obviamente ele fez muito isso no passado.

    Com a configuração familiar falida, ele se aproxima dos gangsters locais, rapidamente ganha a confiança dos bandidos e é interceptado pelo FBI, para se tornar informante dos mesmos. Esse pedaço em especifico da historia é tão surreal que fica difícil acreditar realmente esses fatos ocorreram. A realidade é que a marginalidade sempre esteve muito próxima do clãs dos Wershe, Richard mesmo negociava armas, mas tinha um código moral serio demais para se deixar vender drogas, ou isso, ou tinha receio das severas penas que eram impostos a quem traficava entorpecentes.

    Em determinado ponto o filme deixa de lado seu caráter policial e abraça completamente seu lado melancólico, com a família abandonada pelas autoridades, Rick decide incursar no mundo do crime por conta própria e as razões que contribuem para essas escolhas são dúbias, não sabe-se se ele é ingênuo ao ponto de achar que seu passado de colaboração com a policia o livraria de penas de encarceramento, ou se ele se achava onipotente como boa parte dos adolescentes se servem, claro, aqui essa sensação é elevada a enésima potência.

    O quadro que Demange monta é curioso demais, pois ao mesmo tempo que apresenta uma trama agridoce, ele apela para momentos bem engraçados, como quando Rick tem de lidar com o irmão de uma menina que ele engravidou. Todas as questões envolvendo dramas familiares são mostrados de forma muito sentimental, enquanto a derrocada moral que Rick sofre é mostrada de modo visceral. As traições que sofre, das autoridades e de seus antigos parceiros de crime também são mostradas de maneira muito crua e a atmosfera visual que é apresentada prima por cores muito claras, contrastando com os tons acinzentados do caráter dos personagens adultos, e consequentemente, fazendo um contraponto ao caráter do personagem principal, que ainda forma seu caráter mas já comete crimes graves no processos.

    Um dos momentos mais tristes é perceber que Richard passa quase todos os 111 minutos de filme sonhando em abrir uma franquia de locadoras, achando que tendo um emprego fixo poderia expiar os pecados de sua família. Este sonho persiste mesmo quando Rick decide traficar drogas e ele finalmente ganha vida, ainda que em um momento tardio, distante demais da utopia que o pai pensou. Ao fazer um homem que falhou a vida inteira e tenta  se redimir McConaughey acerta demais, é impossível não afeiçoar por sua miséria existencial e não torcer para que ele consiga acertar os ponteiros não só com Rick, mas também com Dawn, que eventualmente, volta para casa, mas não sem um ter um momento de extrema emoção. A cena em que ela é carregada de um ponto de uso de drogas para a casa dos seus é forte e emotiva.

    Próximo ao final, Richard Junior decide fazer a barba, em mais um dos muitos simbolismos do filme sobre a transição a vida adulta, e ao brincar com Dawn, em um dos únicos momentos de verdadeira ternura dentro da historia, ele recebe a noticia de que será preso, em uma ação truculenta da policia. Toda a sequencia do final, a tentativa de redenção juntos ao FBI e o abandono das autoridades mostra o quão mesquinho e falso podem ser as atitudes das autoridades mediante o cidadão de pequeno porte, diante do marginal que foi construído graças também a influencia desse mesmo FBI. Mesmo com o tom de denúncia, a sensação mais forte flagrada em White Boy Rick é a dificuldade que os familiares de criminosos tem em lidar com situações onde seus herdeiros são  acusados ou injustiçados. Richard se sente mais impotente do que nunca e o fato de ter morrido sem conseguir ver seu filho livre é triste, e registra uma realidade crua demais para ser aplacada pela ficção. Demange faz um filme emocional e conflituoso, que causa sentimentos extremos em sua platéia e que não se permite em momento nenhum deixar de ser hiper realista, mesmo em seus devaneios e fantasias.

    Facebook – Página e Grupo | Twitter Instagram | Spotify.

  • Crítica | Friedkin Uncut

    Crítica | Friedkin Uncut

    Em 2017, durante o Festival do Rio pude assistir O Diabo e o Padre Amorth. Um ano depois, um novo documentário envolvendo o nome de William Friekin chegava em circuito, dessa vez comandado por Francesco Zippel, roteirista e documentarista que acompanhava o cineasta durante a produção do filme citado. Friedkin Uncut além de acompanhar o diretor, também reflete sobre sua obra e alma, de uma maneira bem íntima de direta.

    A trama não demora a falar da obsessão de William com o diabo e a  religião, e claro, se debruça bastante sobre O Exorcista. Logo começam as entrevistas com famosos, incluindo Wes Anderson, Quentin Tarantino, Walter Hill, Juno Temple, Phil Kaufman, Francis Ford Coppolla (que fez A Conversação com auxílio de Friedkin), Dario Argento e tantos outros. Uma das mais notórias é Ellen Burstin, uma das estrelas do clássico de terror, que dizia achar ter preparo para a experiência de filmar o longa que se tornaria um clássico, mas ao fazê-lo se surpreendeu com a dificuldade. Para ela, Friedkin não filosofa sobre o mal e sim o mostra, assim como acerta em ter alguma base na realidade, pois com isso assusta ainda mais o seu espectador.

    Entre as anedotas mais legais do filme estão as falas de Tarantino, que destaca que as filas dos cinemas eram enormes e o medo de sua mãe em deixá-lo assistir. Friedkin mesmo tendo origem judia se dedicava a analisar e ler o Novo Testamento, parte canônica da Bíblia que não está na Torá, e de certa forma ele passou isso aos que faziam o filme, na criação da atmosfera. O diretor era teimoso, e se não fosse por sua insistência Jason Miller não estaria no elenco, pois era pouco conhecido.

    Quando era mais novo ele vivia pregando peças nas pessoas, assustando-as só por ter prazer em ver a reação das pessoas, e isso conversa demais com um dos aspectos que compõem seu estilo de dirigir, sempre priorizando a primeira tomada que faz, por achar a reação do elenco mais genuína. Zippel acerta demais ao fazer o espectador se apaixonar pela figura analisada, pois o modo como ele conduz seus filmes é igualmente movido por sentimentos impulsivos e de paixão e isso de destaca na entrevista de Gina Gershon, que fez Killer Joe. Gershon o descreve como um diretor do método, por conta da aura criada no set. Ele a fazia se sentir um lixo, para encarnar bem o personagem – e em entrevistas na época, Linda Blair fala algo semelhante – tanto que em cenas de nudez ele também tirava a roupa, para que as atrizes não se constrangessem em serem as únicas nuas, para que ao menos algum pé de igualdade existisse ali.

    Friedkin filmava bastante de surpresa seus atores e também não se incomodava quando a câmera aparecia no corte final dos filmes, para ele, era óbvio que as pessoas entenderiam que é necessário esse tipo de equipamento para fazer a história que as entretém. Após assistir Cidadão Kane ele decidiu fazer cinema, pois se sentiu tocado com o quanto aquela obra tinha poder. O pensamento e palavras do cineasta são extremamente simples e ele até confessa uma dificuldade, a de dar nota aos filmes, pois para ele mensurar o quanto um filme é bom ou não através de números é algo errado e simplista demais, e ele obviamente tem sua razão.

    Logo o documentário volta a refletir sobre a filmografia do biografado, e Friedkin declara que acha seus filmes ruins, medíocres, mas ao menos, tem alguma importância. Seu documental The People vs Paul Crump, segundo ele, salvou a vida de Paul, que foi julgado inocente apesar do próprio artista achar que o filme em si não era muito bom. Já quando se  fala de Operação França, o quadro muda, apesar do gosto do sujeito não se alterar tanto. Friedkin diz que algumas cenas do corte final jamais poderiam ser feitas hoje, em especial as de perseguição pelas ruas do Brooklin, pois eram perigosas e viscerais demais, para Edgar Wrigth, os filmes do cineasta não envelhecem por expressarem bem a realidade. Há outra fala interessante, de Sonny Grosso que diz que algumas das histórias do filme ocorreram consigo, que trabalhava como policial infiltrado e com o diretor, que o acompanhou por alguns dias. Sua definição de cinema passava principalmente pela verdade.

    A proximidade do fim da vida o deixa o personagem central do filme inconsolável, indócil e melancólico. Talvez se já não tivesse uma idade avançada na época do filme (72 anos) ele não conseguiria ser tão franco e certeiro. O mesmo afirma que não se considera um artista e nem seus filmes com arte propriamente dita, ainda que valorize alguns exemplares de sua filmografia para além da aceitação de público e crítica, como Comboio do Medo, que segundo ele é é seu filme para entrar na memória. Ao falar sobre o que deu errado ali, ele diz que  o sucesso tem muitos pais mas o fracasso é órfão.

    Algumas das influências e cultos do diretor são revelados, ele elogia muito Buster Keaton, e diz que ninguém filma perseguições como ele. Também demonstra admiração por Fritz Lang, com quem conversou já no final da vida, para um filme que fez. Lang é descrito como um homem cheio de manias, genioso e engraçado, expressivo mesmo sem conseguir se locomover muito no final da vida. Entre as histórias, a de que Lang achava que seria morto quando Hitler subiu ao poder, por conta de seu filme Dr. Mabuse. Lang também não apreciava muito a própria filmografia e isso conversa bem com a visão sobre a própria obra que Friedkin guardava sobre si, não se sabe se por influência do diretor alemão, ou em concordância via acaso com o pensamente do seu ídolo.

    Friedkin considera que um cineasta precisa de três fatores principais, ambição sorte e graça divina. Em atenção a isso ele declarava que gosta muito de Damian Chazelle e Kathryn Bigelow dos que fazem cinema atualmente. Toda a discussão sobre Parceiros da Noite volta a ter Tarantino como centro das articulações. O rebuliço que ocorreu na imprensa e na comunidade gay não faz com que o realizador de Pulp Fiction diminuísse a sua admiração pela película. Ainda sobre os filmes, há uma historia curiosa sobre Viver e Morrer em Los Angeles, onde o dinheiro falso que eles fabricaram  foi extraviado e utilizado, segundo reza uma lenda. Aqui, Friedkin teria outra recepção ruim da crítica, basicamente por apostar em rostos desconhecidos, incluindo aí Willem Dafoe, e por perverter a regra de não matar seu protagonista.

    Não conseguir transcender a realidade é uma das reclamações constantes de Friedkin e uma das razões para ser tão crítico a seus trabalhos. No entanto, o que se vê são artistas e influenciadores de diferentes áreas se rendendo ao seu modo de ver cinema, e agradecendo por tudo o que fez. Matthew McConaughey mesmo diz que só conseguiu o papel de Rustin Cohle em True Detective por conta de Killer Joe. Zippel consegue inspirar demais em seu filme e mostra uma faceta emocional e encantadora de William Friedkin, prestando uma homenagem ainda em vida a sua obra e ao seu caráter, carregado de humor ácido e ironia, como é de praxe na carreira do diretor.

    Facebook – Página e Grupo | Twitter Instagram | Spotify.

  • VortCast 54 | Piores Filmes de 2017

    VortCast 54 | Piores Filmes de 2017

    Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira), Filipe Pereira (@filipepereiral), Bernardo Mazzei, Bruno GasparCaio Amorim Rafael Moreira (@_rmc) se reúnem para comentar sobre a lista publicada no site sobre os piores filmes lançados em 2017 no Brasil.

    Duração: 110 min.
    Edição: Caio Amorim
    Trilha Sonora: Flávio Vieira
    Arte do Banner: 
    Bruno Gaspar

    Feed do Podcast

    Podcast na iTunes
    Feed Completo

    Contato

    Elogios, Críticas ou Sugestões: [email protected].
    Facebook – Página e Grupo | Twitter Instagram.

    Acessem

    Brisa de Cultura

    Piores Filmes de 2017

    Lista Completa dos Piores Filmes de 2017
    Crítica Rei Arthur: A Lenda da Espada
    Crítica Boneco de Neve
    Crítica Internet: O Filme
    Crítica Death Note
    Crítica Transformers: O Último Cavaleiro
    Crítica A Torre Negra
    Crítica Emoji: O Filme
    Crítica Alien: Covenant
    Crítica Assassin’s Creed
    Crítica A Múmia

    Menções Honrosas

    Crítica Liga da Justiça
    Crítica Mulher-Maravilha
    Crítica Bright
    Crítica Homem-Aranha: De Volta ao Lar
    Crítica A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell
    Crítica O Jardim das Aflições
    Crítica Policia Federal: A Lei é Para Todos
    Crítica O Círculo

    Comentados na Edição

    VortCast 49 | Liga da Justiça
    VortCast 48 | O Que Estamos Lendo?
    VortCast 47 | Homem-Aranha e o Cinema
    VortCast 46 | Melhores Filmes de 2016
    VortCast 44 | Piores Filmes de 2016
    VortCast 30 | Steve McQueen, Diretor
    VortCast 19 | Ghost In The Shell
    Estrelas não garantem mais a venda de ingressos de filmes de Hollywood

    Avalie-nos na iTunes Store.

  • Crítica | Sing : Quem Canta Seus Males Espanta

    Crítica | Sing : Quem Canta Seus Males Espanta

    Sing : Quem Canta Seus Males Espanta mais nova animação dos criadores de Meu Malvado Favorito, chega cheio de energia e recheado de canções capazes de encantar o público.

    Na história um Coala que preside um decadente teatro, resolve inovar e promover um gigantesco concurso de talentos musicais, visando assim trazer o anfiteatro de volta para seus tempos áureos. Desde o início somos apresentados aos futuros concorrentes que buscam seu lugar ao sol no mundo do show business através de seu talento musical, personagens que vão desde um Gorila que contraria as expectativas de seu pai para buscar seu sonho de ser cantor até uma Elefoa dona de uma bela voz que espera ansiosamente ser descoberta e provar seu valor.

    A animação segue uma cartilha bastante habitual e nada ousada e é aí que reside seu grande ponto falho. Por mais que o filme seja bem feito e conte com grandes dublagens, ele não ousa ir além e se acomoda em sua fórmula. A obra tem boas sacadas como à escolha da trilha que se alterna o tempo todo e acentua bons momentos com canções que vão do clássico ao pop, de Stevie Wonder até Carly Rae Jepsen. Infelizmente a pluralidade de sua ótima playlist acaba não conseguindo se sustentar por si só.

    Há medida que história avança, ela vai deixando pelo caminho a oportunidade de explorar melhor tudo àquilo do qual ela (a história) dispõe, não se aprofundando em seus personagens e acabando com isso por não gerar ou estabelecer uma grande conexão entre suas estrelas centrais e o telespectador. O final que vai sendo construído o para ser catártico o tempo todo,  acaba se transformando em uma simples resolução dos fatos apresentados. O tão almejado grand finale inerente há musicais e há histórias que buscam consagrar seus indivíduos acaba por soar sem peso suficiente.

    Curiosamente, o filme não é de todo descartável, a narrativa tem seus ápices ao conseguir muitas vezes encantar através da suas respectivas interpretações musicais, é competente em sua comicidade e de certa maneira inspiradora na retratação da obstinação de suas personagens e seus sonhos. Sing : Quem Canta Seus Males Espanta pode não acertar o tempo todo, porém, está longe de ser um desastre. No frigir dos ovos vale a pipoca, vale a diversão.

    Texto de Tiago Lopes.

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Crítica | Kubo e as Cordas Mágicas

    Crítica | Kubo e as Cordas Mágicas

    Já desde sua primeira produção, é de se admirar os esforços dos Estúdios Laika em levar até o público animações de narrativa rústicas e sombrias, em contrapontos quase que obrigatórios ao sentimentalismo tocante dos Estúdios Ghibli ou a sempre constante fofura da Pixar. Coraline e o Mundo Secreto já denota de forma explícita o desejo em dar vida às velhas “animações para adultos”, se é que assim pode ser dito, uma vez que os filmes do estúdio são (quase) sempre deveras carregados para o público menor.

    E dessa vez ocidentalizando uma história japonesa, Kubo e as Cordas Mágicas, de Travis Knight, mantém o tradicionalismo do stop motion e nos comprova o quanto está técnica ainda carrega tanto para ser dito, independente do quão crua em tela possa parecer. Se o ritmo frenético de aventura de Kubo, aliado às suas constantes tiradas cômicas, pouco lembram alguma produção oriental, é no respeito mitológico e chacoalhar inteligente dos elementos abordados que a animação sobrevive e se firma como um entretenimento para qualquer idade, por mais assustados que os pequenos terminem a projeção.

    De um elenco de vozes que reúne Rooney Mara e Matthew McConaughey, passa por Ralph Fiennes e chega em Charlize Theron (e acreditem, o trabalho vocal dos atores está irreconhecível), Kubo e as Cordas Mágicas faz valer o extenso trabalho de produção que a técnica do stop motion trás, algo do qual, inclusive, o estúdio se orgulha ao exibir uma de suas grandes maquetes durante os créditos finais. Auto-suficiência? Poderia ser, se o próprio espírito da obra não denunciasse que, de fato, Kubo é um filme que acredita em sua história bem contada, em seu deslumbramento visual (que não é pouco, basta reparar nas cenas dos origamis) e em seus próprios simbolismos que, amontoados em cima de transparências sutis aos adultos (temas como morte e sacrifício estão fortemente presentes), deverão passar despercebidos aos olhos mirins. Estes se sentirão mais surpresos com a variedade de criaturas que irão passar diante de seus olhos, num trabalho de composição criativo e cheio de imaginação dos designers gráficos da animação.

    Como qualquer animação passada no Japão mas feita por uma equipe americana, alguns momentos se rendem a resoluções fáceis e uma necessidade de introduzir o máximo de pequenas reviravoltas possíveis para extasiar o público. Kubo não precisa disso, e deixando essa pequena pretensão de lado, Kubo e as Cordas Mágicas representa o que há de mais rico na animação e suas possibilidades de hoje em dia, nem que pra isso seja necessário adotar esta técnica que garante poucos retornos financeiros, é verdade, mas abre as portas da imaginação. E Kubo é isso, um filme imaginativo.

    Texto de autoria de Rafael W. Oliveira.

  • Crítica | Um Estado de Liberdade

    Crítica | Um Estado de Liberdade

    Se tem um assunto além da segunda guerra mundial que os EUA adoram fazer filmes sobre é a sua Guerra Civil. Durando de 1860 a 1865 entre os confederados e a união, a também chamada Guerra de Secessão forjou violentamente o caráter industrial do Norte do novo país, assim como manteve suas tradições racistas e agrárias no sul. Este conflito mexeu tanto com o imaginário do americano que museus, roupas, armas, cartas de soldados e encenações de batalhas são um enorme filão de comércio, mas sempre mantendo a dicotomia Norte x Sul. Neste sentido, Um Estado de Liberdade joga uma nova luz sobre o evento.

    O filme conta a história de Newton Knight (Matthew McConaughey), um pequeno proprietário de terras do interior do Mississipi que ao perceber a inutilidade de uma guerra que não era sua, deserta (como muitos soldados confederados) e volta para casa. Ao se dar conta das injustiças que os confederados cometem contra uma família de amigos, tenta protege-los, mas isso expõe seu status de desertor e ele precisa fugir. Ao ser ajudado, se une a também escravos fugidos e ali passam a tramar uma insurreição contra os confederados dentro de seu próprio território.

    Devido aos desmandos do comando sulista, os desertores só engrossam as fileiras dos revoltosos, causando problemas reais aos grandes proprietários de terras e escravos da região, devido ao caráter abolicionista e igualitário da insurreição. Porém, quando Knight não recebe apoio nem da união, a revolta enfraquece, e o consequente fim da guerra e os acordos de paz entre as elites locais trazem uma paz para os ricos de outrora, mas uma perseguição intensa aos antigos escravos libertos, formando as primeiras células da KKK na região, tratados no excelente terceiro ato do filme.

    Se por um lado a história de Knight é interessantíssima sob o ponto de vista da história local e de como uma pequena parcela da população local se organizou por conta própria, o filme trata o próprio protagonista de uma forma tão heroica que soa como uma das grandes biografias do passado, contrastando com a proposta de trazer novos tons a uma narrativa tão batida. O passado de Knight, que poderia explicar porque ele não era racista como seus iguais (a ponto de ter o primeiro casamento inter-racial registrado) no estado mais racista dos EUA, é completamente ignorado, e ele acaba encarnando o papel do “homem branco bom”, que assola os filmes passados na época.

    Na mão de um roteirista e diretor um pouco mais competentes, toda a excelente produção e reprodução fiel das batalhas do século XIX, de uma guerra antiga, teriam uma importância muito maior, assim como o trabalho de atuação, muito competente, por parte de todo o elenco. Comparando com Tempo de Glória, todas essas diferenças de tratamento ficam abundantemente claras, no entanto, com essas escolhas dramáticas rasas, lembra mais O Patriota. Com seus 139 minutos de duração, tempo para desenvolver isso não foi uma questão, e sim direcionamento, ou talvez talento.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Interestelar

    Crítica | Interestelar

    Interestelar

    Desde que o primeiro homem andou sobre esse planeta, o céu e as estrelas exercem uma fascinação na espécie como nenhum outro fenômeno da natureza. Não à toa, praticamente todos os povos terrestres tinham como deuses planetas e estrelas, dadas sua magnitude, distância e beleza. Portanto, nada mais natural que, na era moderna, as artes tentem reproduzir esse senso de admiração pelo desconhecido. Dentre todas, o cinema é a que chega mais próxima de construir e reproduzir essas sensações para o público dito “comum”, que em meio à correria do dia a dia, mal tem tempo de olhar para o lado, quanto mais para cima.

    Desde Georges Méliès, passando pelo sempre cultuado 2001 – Uma Odisseia no Espaço, Contatos Imediatos de Terceiro GrauContato e, mais recentemente, por Gravidade, o Universo exerce um fascínio por sua exuberante beleza, ao mesmo tempo que assusta por suas escalas inimagináveis de grandeza e a sensação de que, ali, estamos perto de ser literalmente nada. Ciente de todas essas questões, o cultuado diretor britânico Christopher Nolan se lançou em uma empreitada arriscada, a de fazer uma história que se passa nesse cenário e que, ao mesmo tempo, possa emplacar um sucesso comercial.

    Interestelar gira em torno do piloto Cooper (Matthew McConaughey), que cuida de sua fazenda no interior dos EUA junto a sua família. Em um futuro não muito distante, que flerta com uma distopia onde a humanidade não foi destruída, mas passa por dificuldades e tenta viver normalmente, a sociedade não precisa mais de engenheiros e pilotos, pois a exaustão natural do planeta, junto ao crescimento da população, provocou a escassez de comida, sendo essa a atual função de Cooper, que nunca superou o fato de não ter levado adiante sua vocação. Sua filha, Murph (Mackenzie Foy/Jessica Chastain/Ellen Burstyn), mostra uma grande inteligência e inclinação para a ciência, enquanto seu filho, Tom (Timothée Chalamet/Casey Affleck), se mostra contente em seguir seus passos de fazendeiro, tudo aos cuidados do pai de sua falecida esposa, Donald (John Lithgow).

    Cooper tenta ao máximo se esforçar para cumprir suas tarefas como fazendeiro e pai, mas a frustração de não ser piloto sempre o impede de dar a tudo a atenção e importância que merecem. A passagem em que ele discute com os responsáveis da escola de seus filhos, onde os livros de história sobre a exploração espacial foram alterados, é excelente na medida em que mostra o descompasso entre aquele estágio da humanidade, que se contenta em apenas sobreviver, e a reminiscência de um passado sonhador, na figura de Cooper, que imaginava expandir as fronteiras da humanidade rumo ao espaço. A discussão a respeito do pioneirismo da exploração espacial – relembrando o Velho Oeste -, e o papel da ciência como salvadora da humanidade também poderia ser mais problematizada. O filme ignora condições sociais e ideologias das quais a ciência é fruto. Ela não existe sem seres humanos dotados de vontade produzindo-a, e da mesma forma que ela é tratada sozinha como a salvadora da humanidade, também poderia ter sido a causadora de sua extinção.

    Dentro deste mundo, os fenômenos naturais com os quais estamos habituados não acontecem mais do mesmo jeito. Elementos como uma poeira constante (que às vezes se transforma em tempestades) e alterações na gravidade por vezes acontecem, mas a preocupação com o dia a dia é tão grande que poucos ligam. Menos Murph. A criança percebe em seu quarto que algo estranho, que ela chama de “fantasma”, acontece, já que os livros de suas estantes sempre caem sozinhos. Cooper diz a ela para compilar dados e analisá-los, para depois se chegar a uma conclusão, como manda a lógica científica. Prontamente, Murph realiza o pedido do pai e em pouco tempo descobre uma mensagem codificada, em código Morse, e que, para a surpresa e espanto de Cooper, os leva a uma instalação secreta da NASA.

    Lá, Cooper reencontra um antigo amigo de seus tempos de piloto, o professor Brand (Michael Caine), e conhece a filha dele, Amelia Brand (Anne Hathaway). Então, a história dá uma guinada. Cooper é convidado para fazer parte de um projeto de tentativa de salvação da humanidade, que será extinta por uma “praga” que consome nitrogênio e altera o balanço da atmosfera. O projeto, que estava em andamento há anos, levou equipes diferentes de cientistas para outra galáxia através de um buraco de minhoca posicionado perto de Saturno por “alguém”, que ninguém sabe quem, mas que não estaria ali por acaso. E esse seria o caminho da viagem, o qual envolveria muitos riscos, provavelmente sem retorno.

    Nesse momento, o desenvolvimento dos personagens e suas angústias é parado para dar vazão a uma velha mania de Nolan, que é explicar para o espectador tudo o que os especialistas do filme pretendem fazer. Nesse caso, o professor Brand explica todo o passo a passo para Cooper, e o fato de escolherem um ex-piloto e fazendeiro, que apareceu por acaso naquela base para pilotar a missão mais importante da humanidade, causa um certo estranhamento, em que a explicação dada, onde “algo” o enviou ali, convence o espectador mais crédulo, mas não aquele mais exigente. A explanação do professor Brand sobre os planos A (resolução de sua equação e retirada da população da Terra para outro planeta) e B (popular o novo planeta com material genético guardado) também é acometida por isso.

    Chamado de volta a sua vocação, Cooper aceita a missão e precisa deixar a família, para o desespero de sua filha. A promessa do retorno do pai não resolve o conflito, que ecoará para sempre na vida de ambos. O relógio que Cooper dá a Murph como uma tentativa de criar um elo sentimental e temporal entre ambos também falha nesse sentido.

    Ao abandonar a Terra e ir para o espaço, o filme toma outra proporção, e as discussões científicas entre os personagens, para decidirem o próximo passo da missão, são sempre explicativas dentro de um limite do aceitável, mas bem perto deste limite. Para um espectador sem nenhum tipo de conhecimento científico, talvez ajudem-no a entender alguns conceitos básicos e o que estaria acontecendo em determinados momentos. Porém, para este mesmo espectador, explicação alguma ajudaria a entender fenômenos mais complexos, como o que acontece dentro de um buraco negro, o que, na verdade, ninguém sabe. Se em A Origem o excesso de explicações sobre uma trama relativamente simples acaba entediando o público, em Interestelar isso não acontece, pois as informações estão inseridas em um contexto totalmente diferente do que estamos habituados, e os diálogos ajudam-nos a familiarizar tanto com o tema quanto com as motivações por trás de cada personagem. Obviamente, escorregões acontecem, quando Amelia Brand discorre sobre o amor, mas são poucas as vezes.

    A sequência de aproximação, e quando entram no buraco de minhoca, é belíssima e lembra muito a viagem de Ellie, em Contato, ao transformar uma viagem espacial sob condições inéditas e extremas em uma aventura por si só. Ao mesmo tempo, a chegada ao local se transforma em uma paisagem visual para o vislumbre do espectador e dos protagonistas. Juntos na viagem estão os outros cientistas Doyle (Wes Bentley) e Romilly (David Gyasi), além dos computadores com inteligência artificial TARS (voz de Bill Irwin) e CASE (voz de Josh Stewart), que garantem bons alívios cômicos.

    Ao transformar o desconhecido do espaço em potenciais riscos para os astronautas, Nolan consegue criar situações de tensão de forma eficiente, e utilizando-se de toda a complexidade de estar em uma realidade com tempo e espaço totalmente diferentes, o horror da situação aumenta ainda mais, como na excelente sequência dentro do planeta aquático onde estava uma das cientistas que buscavam mundos habitáveis. Lá, tudo o que poderia dar errado, deu, em referência a uma própria brincadeira do filme com a “Lei de Murphy”. O fato do planeta estar próximo do buraco negro Gargantua faz com que poucas horas ali se transformem em quase 30 anos perdidos na Terra, e o peso de tais erros, ainda mais brutal sobre os tripulantes. Ao retornar à nave, percebem que se passaram 23 anos na Terra, e muita coisa aconteceu. Os filhos de Coop cresceram, e Murph, que agora trabalha com o professor Brand na NASA, ainda não superou a partida do pai, enquanto Tom permanece cuidando da fazenda. A teoria da relatividade é citada, usada e explicada extensivamente no filme e serve de fundo para explicar a motivação de Coop para tentar retornar logo para a Terra.

    Por perderem muito tempo e combustível nesse planeta, sobram mais dois para visitarem: um do Dr. Mann (Matt Damon), brilhante cientista, e outro do Dr. Edmmonds – que tinha um relacionamento amoroso com Amelia -, ambos com motivos para serem visitados. Porém, o lado racional de Cooper fala mais alto e eles seguem para o planeta de Mann, que, desesperado pela solidão e medo da morte, manda o sinal mesmo sem ter encontrado nada para tentar escapar, o que também garante boas sequências de ação e tensão, mesmo que previsíveis, com os velhos discursos do vilão e tudo mais. Aqui, ele poderia encarnar de forma mais enfática o papel crítico sobre a ciência, mas foi feita a escolha mais simples.

    A transformação do homem racional e altruísta em um homem egoísta, contradizendo todos os argumentos racionais de Cooper para escolherem aquele planeta, é feita de forma rasa ao contrapor o velho “sentimento versus razão”. A fuga do Dr. Mann danifica o equipamento espacial que acopla as naves, e a sequência para tentar encaixar a nave pilotada por Cooper e Amelia lembra bastante Gravidade, ao colocar seres humanos em risco no espaço, realizando manobras praticamente impossíveis para tentarem se salvar, mas sempre sem abusar da expectativa e tensão, que poderia cansar caso fosse esticada demais.

    Nesse momento, é também revelado para Murph e para Coop e Amelia que o plano original do professor Brand sempre foi o B, e a sua equação gravitacional não resolveria o problema de como salvar a humanidade, que sempre esteve condenada. Portanto, a viagem de volta de Coop seria impossível.

    Com o gasto excessivo de combustível, agora não havia o suficiente nem para Cooper voltar para casa, nem para irem ao planeta de Edmmonds. A solução é usar os recursos para contornar Gargantua e usar sua força para impulsionar a nave, mas Cooper engana Amelia e solta sua nave, caindo no buraco negro. E dentro do buraco negro onde Nolan se rende a homenagear, à sua maneira, o clássico espacial de Kubrick. Se em 2001 – Uma Odisseia no Espaço estamos sozinhos com Dave, dando a cada imagem o nosso próprio significado, Cooper faz questão de perguntar ao computador TARS cada passo da etapa no qual se encontra, em uma conversa que não chega a incomodar, mas tira um pouco o poder do espectador de ter a mesma epifania visual e criativa que Kubrick corajosamente permitiu.

    Assim como em 2001, a estrutura de dentro do buraco negro falou diretamente com Cooper, dando a ele elementos de sua natureza para conseguir se comunicar – no caso, a biblioteca do quarto de Murph quando criança. Lá, todas as condições são radicalmente diferentes de tudo o que conhecemos, e tanto o tempo quanto a gravidade são distorcidos. A estrutura consegue distorcê-los de forma padronizada, fazendo com que Cooper envie os dados da equação gravitacional que resolveria o problema de como salvar a população da Terra, ou seja, ele era o fantasma de Murph quando criança tentando se comunicar com ela. Todas essas cenas dentro do buraco negro, apesar de serem atrapalhadas por tanta explicação, brincam com conceitos da física, ao mesmo tempo que garantem uma gama enorme de emoções, em grande parte por causa da brilhante atuação de McConaughey.

    Após enviar a mensagem para Murph usando o mesmo relógio que havia dado à menina, ela consegue decifrar os dados e salvar a humanidade, enquanto Coop é reenviado pela estrutura do buraco negro e encontrado pelos terráqueos do futuro em Saturno. Nessa conclusão, um pouco da magia inicial se perde, pois o objetivo principal do desenlace é explicar e resolver praticamente todas as pontas soltas do filme, não deixando margem para praticamente nada, a não ser o paradeiro e situação de Amelia Brand. O reencontro de Coop com Murph, já idosa e prestes a morrer, não garante muitas emoções, e o passeio turístico dentro da estação espacial em Saturno soa desnecessário.

    Porém, em relação ao aspecto técnico, a produção funciona muito bem. As sequências no espaço, sempre em silêncio, garantem uma atmosfera de suspense que se mantém, até misturar com o som dos ambientes fechados dos atores. O jogo de luzes dentro das naves, remetendo sempre ao sol (o nosso, ou não), é sempre interessante de acompanhar. A também já criticada parceria com Hans Zimmer mostra sinais de cansaço, mas ainda funciona para compor canções que, por vezes, casam perfeitamente com os momentos vividos na tela, em especial nas cenas finais.

    Muito se tem comparado Interestelar a outras produções do gênero, mas nenhuma comparação é justa. Nolan, como qualquer artista, retira influências de suas obras preferidas e as coloca ali, misturadas a seus próprios elementos dentro de uma narrativa própria, que tenta fazer uma homenagem não só à ficção científica, mas ao próprio sentimento humano de querer saber o que existe além. Quem condena a exploração espacial por ser gasto inútil de dinheiro não consegue ver mais adiante. Como o próprio filme cita, a tecnologia espacial gerou vários outros frutos para a humanidade, como as comunicações via satélite e a máquina de ressonância magnética, que poderia ter salvado a vida da esposa de Coop. Se a humanidade gasta dinheiro à toa, ali realmente não é o lugar. O Professor Brand também afirma que cada pedaço de metal sendo usado na construção daquelas naves poderia ser utilizado na fabricação de uma bala de uma arma, então, de certa forma, tudo aquilo foi positivo. É junto a esse conceito básico e humanitário que o filme se posiciona e se constrói, em como a ciência, ao desvendar o funcionamento por trás da natureza, nos ajuda a entender como ela é bela e, principalmente, nos torna mais humildes e capazes de admirar tudo o que está lá fora.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Jovens, Loucos e Rebeldes

    Crítica | Jovens, Loucos e Rebeldes

    De tempos em tempos, surgem alguns filmes que retratam uma época em toda sua essência, mas poucas obras conseguem captar uma década como foi o caso de Jovens, Loucos e Rebeldes (Dazed and Confused), de 1993, dirigida pelo ainda novato Richard Linklater.

    À primeira vista, o longa parece apenas mais um entre tantos filmes que retratam um pouco da cultura jovem americana e visto repetidas vezes, principalmente ao longo da década de 1980. No entanto, ele se mostra um exemplar mais próximo de produções como American Graffiti, de George Lucas; Clube dos Cinco, de John Hughes; Picardias Estudantis, de Amy Heckerling (com roteiro de Cameron Crowe), além de outras que possuem mais camadas do que simples histórias sobre adolescentes, como Porks, American Pie, Superbad, ou mais recentes, como Projeto X.

    Linklater parece não se importar em não focalizar sua história em um personagem específico, mas seguindo o maior número de jovens possíveis para fazer um retrato destes no último dia de aula, que se estende atravessando a longa noite, até o seu desfecho. A trama é ambientada na década de 1970 e não traz um enredo específico em seu material, apenas salienta as experiências da idade, como flertes, festas e alguns ritos típicos desses estudantes, tudo isso regado a muita cerveja e maconha.

    O grande acerto de Jovens, Loucos e Rebeldes é a forma com que o diretor captura essa geração, colocando uma lente de aumento nesses grupos de personagens tão diferentes e ao mesmo tempo tão parecidos entre si. Esses vislumbres de muitas vidas retratam todas as ilusões, distorções e, claro, a rebeldia típica contida no discurso anti-establishment dos jovens dessa época, como fica claro na fala final de um dos protagonistas, o qual diz: “se algum dia eu disser que estes foram os melhores anos da minha vida, lembre-me de me matar”.

    Jovens, Loucos e Rebeldes não se trata de um filme sobre o galã do high school que se apaixona pela garota inocente, ou sobre o nerd em busca da perda da virgindade em uma dessas festas típicas de colegiais norte-americanos. Acima de tudo, a obra discute uma form de luta contra um modo de vida que a sociedade te impõe, luta essa que a maioria sabe que já começou perdida.

    O cineasta é incisivo ao mostrar a personagem de Jason London se negando a assinar o termo de compromisso com o time de futebol e deixando claro que não deixará de jogar, mas que será do jeito dele. Linklater demonstra, em um pequeno gesto, toda uma geração que parecia compreender que ignorar as regras impostas era a melhor forma de se sentir livre. Tudo isso sem grandes romantizações, por vezes bastante tolas, algo que, felizmente, todo jovem é.

  • VortCast 33 | True Detective – Primeira Temporada

    VortCast 33 | True Detective – Primeira Temporada

    Bem-vindos à bordo. Nesta edição, Flávio Vieira (@flaviopvieira), Filipe Pereira e Carlos Brito comentam sobre a primeira temporada da série da HBO, True Detective, estrelada por Matthew McConaughey e Woody Harrelson, escrita por Nic Pizzolatto e dirigida por Cary Fukunaga. Saiba um pouco mais sobre a filosofia da série, suas personagens e todos os temas que envolvem a trama de True Detective. Aperte o play e adentre à Carcosa.

    Duração: 93 mins.
    Edição: Felipe Vieira
    Trilha Sonora: Felipe Vieira
    Arte do Banner: Bruno Gaspar

    Feed do Podcast

    Podcast na iTunes
    Feed Completo

    Contato

    Elogios, Críticas ou Sugestões: [email protected]
    Entre em nossa fanpage do facebook e Siga-nos no Twitter: @vortexcultural

    Comentados na edição

    Box True Detective – 1ª Temporada
    Artigo “True Philosopher”, por Luiz Felipe Pondé
    Review True Detective – 1ª Temporada, Por Thiago Augusto Corrêa
    Galveston – Nic Pizzollato
    Resenha O Rei de Amarelo – Robert ChambersCompre Aqui
    O Símbolo Amarelo e outros contos – R. Chambers e A. Bierce – Compre Aqui

    Conheça a fanpage da série: True Detective Brasil.

    Dicas de materiais relacionados

    Cinema
    Crítica Os Suspeitos
    Crítica Obsessão
    Crítica Medo da Verdade
    Crítica Sobre Meninos e Lobos
    Crítica Killer Joe
    Crítica Millennium: Os Homens que Não Amavam as Mulheres
    Crítica Gosto de Sangue
    Crítica Coração Satânico
    A Marca da Maldade
    Dragão Vermelho
    Festim Diabólico
    Estrada Perdida

    Quadrinhos
    Resenha Fell
    Resenha Neonomicon
    A Casa do Fim do Mundo
    Resenha Morte no Bronx (Vertigo Crime) Compre aqui
    Resenha Monstro do Pântano Raízes Volume Um
    A Saga do Monstro do Pântano – Alan Moore

    Literatura
    Trilogia Millenium – Stieg LarssonCompre aqui
    Resenha Histórias Extraordinárias – Edgar Allan Poe – Compre aqui
    A Busca Onírica Por Kadath – H. P. Lovecraft – Compre aqui
    A Sombra de Innsmouth – H. P. Lovecraft – Compre aqui
    Nas Montanhas da Loucura – H. P. Lovecraft – Compre aqui
    Gone, Baby, Gone – Dennis Lehane – Compre aqui
    Estrada Escura – Dennis Lehane – Compre aqui
    Dalia Negra – James Ellroy – Compre aqui

  • Crítica | O Lobo de Wall Street

    Crítica | O Lobo de Wall Street

    The-Wolf-of-Wall-Street

    Em algum lugar entre o humor negro, fino e cáustico e o sonho de total prosperidade presente no American Dream está o discurso de Jordan Belfort, na quinta paragem envolvendo Leonardo DiCaprio nos filmes de Martin Scorsese. O ator amadureceu e cada vez mais mostra-se digno das películas de seu mentor, e prova disso é a completa ausência de temor que o artista mostra ao falar de forma fluída e direta com a câmera.

    O que Scorsese faz ao montar uma história baseada numa narração chega a ser transgressor dada sua qualidade. A abordagem usa de imagens lúdicas e justapostas para exemplificar o total desapego moral do panteão de personagens e a evolução de malcaratismo que o homem pode (e deve) experimentar. A afeição do realizador por ramos marginais de comércio faz dele o sujeito certo para explorar todas as “traquinagens” do profissional especulativo dos agentes da bolsa de valores, as nuances, os enganos, os blefes e, claro, os excessos de quem tem muito dinheiro e o que o uso desmedido dele pode fazer de “bom e ruim” com o sujeito. Em alguns momentos chega a passar uma mensagem voltada para o moralismo, até para desdenhar desse pensamento e mostrar o quanto ele se torna diminuto diante dos abissais excessos comportamentais de quem passa a vida brincando com um alto patrimônio econômico de terceiros.

    A falta de escrúpulos de Jordan é um diferencial, o que o torna um vencedor entre os perdedores que prosseguem na profissão e os que não se submetem a tentar novas coisas e a buscar desafios. Esta ousadia é muito bem registrada pela lente de Rodrigo Prieto e pontuado pelo texto interpretado magistralmente por DiCaprio. As fontes de renda que seu personagem vai arrecadando ultrapassam a barreira da criminalidade. O objetivo de atingir a riqueza absoluta também não conhece limites dentro do aceitável. O auge da charlatanice é a invenção da Straton Oakment por Belfort, que já começa como uma enorme rede de mentiras, obviamente criada por um sujeito que parece ter nascido com um talento único de trapacear.

    O modus operandi da companhia é regrado a orgias e práticas sexuais necessariamente infiéis a qualquer matrimônio possível. Estar chapado por entorpecentes durante o processo criativo era prática comum, assim como toda sorte de pecados provenientes do ser de cromossomo Y. O mundo é tão machista e chauvinista que é quase clássico, ignorando toda e qualquer regra politicamente correta atual. O cinismo de Jordan é passado para seus empregados como um bom aprendizado proveniente da relação entre mestre e pupilos.

    Ainda que Jonah Hill tenha recebido um sem número de indicações por sua performance – plenamente justificável em referência à cena em que demonstra os efeitos dos barbitúricos – o coadjuvante que merece menção por roubar a atenção do público é Max Belfort, o Mad Max, interpretado por Rob Reiner, com suas tiradas sensacionais e acessos de raiva contínuos e sua calma estabelecida de modo instantâneo.

    O glamour da vida bandida de Belfort ajuda a aumentar a simplicidade no entendimento do público, mesmo no espectador menos afeito ao vocabulário do mercado econômico. Sem falar que Jordan é um personagem que angaria a simpatia do público muito facilmente como o anti-herói cheio de fanfarronices que faz mesmo o espectador mais conservador torcer contra a lei e a ordem. O pecado mortal do bando passa pelo preciosismo e a completa falta de cuidado em conduzir as ações marginais, fazendo as transações de forma tresloucada e sob efeito das drogas mais pesadas que estes poderiam lançar mão. A inteligência no tratamento profissional deles era inversamente proporcional à maturidade em realizar as transações de modo ordeiro. A batalha pelo telefone da mansão dos Jordan entre Donnie e Jordan mostra do modo mais degradante e engraçado possível o quanto as relações entre os membros do grupo são loucas, inclusive estabelecendo uma comparação entre o espinafre do Marinheiro Popeye e a cocaína do protagonista. A situação faz o chefe de operações se precaver mais, o que evidencia sua evolução. Incrível como, mesmo com toda a sua hipocrisia, ele permanece amado e inspirador para todos ao seu redor.

    Como em Os Bons Companheiros e Cassino, os minutos finais sintetizam a decadência do criminoso e sua queda após todos os seus atos indignos. O cinismo chega ao auge quando ele tem de romper com o seu ethos ao ter de “entregar seus antigos companheiros”, mas o infrator ainda sofre algumas reviravoltas antes de ter sua sentença decretada. Não só a queda que coincide com o desfecho de Goodfellas, as reações dos protagonistas são semelhantes. O “Lobo” acerta no todo: a trilha sonora variando entre o nostálgico e o atual, o roteiro impecável, o clima odisseico/épico da trama, as atuações impecáveis, e, é claro, a lente ainda afiada e pontual de Martin Scorsese, que se mostra o sujeito de sua geração mais competente na contemporaneidade.

  • Crítica | Obsessão

    Crítica | Obsessão

    ThePaperBoy_24x40.indd

    Um pouco distante da temática que o fez ganhar notoriedade – ligada e muito à questão racial e sempre pelo olhar do negro, citando Preciosa e O Mordomo da Casa BrancaLee Daniels aborda questões de interesse público e privado, sob uma estética bastante semelhante às andanças de Jack Kerouac e aos poemas de Allen Ginsberg. O roteiro de Obsessão é baseado no livro de Pete Dexter, lançado no Brasil como Paperboy – Não Existem Homens Íntegros (compre aqui). É interessante como tanto o subtítulo do romance quanto a tradução do nome do filme expressam bastante o espírito da película, resumindo algumas das questões apresentadas no roteiro do autor e do realizador da obra.

    A imoralidade contrastava com o ambiente rural dos white trash, um lugar tradicional que remete normalmente a momentos de extremo conservadorismo. A escolha do diretor ao contar a história começando com uma filmagem documental é um enorme acerto, pois dá à película um aspecto de veracidade, o que obviamente faz toda a efervescência de insanidade presente na história fazer sentido dentro do universo proposto. A escolha do bom menino Zac Efron para interpretar Jack aumenta ainda mais o escopo de cinismo do filme, assim como a opção pela figura de musa para Nicole Kidman (Charlotte Bless), cinquentenária, decadente, entupida de botox, mas ainda assim, sensualíssima. A dupla formada por Matthew McConaughey (Ward Jansen, irmão mais velho de Jack) e David Oyeleywo (Yardley Acheman) é uma perversão do ideal mostrado em Todos os Homens do Presidente  por Hoffman e Redford obviamente levando em consideração a tensão racial e os conflitos que a interação entre ele e o mundo poderiam ocasionar.

    A câmera, por múltiplas vezes, registra os personagens de uma vista aérea, distante fisicamente deles, no intuito de se fazer notar a diferença entre o pensamento comum e a insana psiquê de cada um dos obcecados personagens. Charlotte é uma tiete de marginais; Jack tem uma séria necessidade sentimental pela senhorita Bless, fantasiando o seu status conjugal de noiva; Ward e Acheman querem chegar ao cerne do personagem investigado  o assassino encarcerado Hillary Van Wetter, interpretado por um desfigurado John Cusack. Dos insanos, ele obviamente é o pior, vide o repertório que o fez ser preso: pelos idos de 28/29 minutos de exibição, ele dá mostras de um pouco de sua insanidade pessoal, pondo em prática seus diálogos sujos que troca com Charlotte através de cartas, e consegue se sujar sem sequer tocar na mulher.

    O script é cortado por disfunções comportamentais protagonizadas por quase todos os personagens principais. O eterno desejo de Jack não se concretiza, apesar de ele desejar desfrutar das curvas de sua musa, sem se mostrar um predador sexual em momento algum. O auge do platonismo na relação, e que mais se aproxima do seu tencionado alvo, é o momento em que ele é obrigado a sofrer com uma chuva dourada dela em plena praia, em uma situação no mínimo inesperada.

    O clã Wetter, ligado a Hillary, é formado por caipiras de aspecto visual degradante, todas figuras esquisitíssimas, maltrapilhas e de aparência asquerosa ou desleixada. Uma das moças, grávida, é mostrada sem camisa ou roupa de baixo, exibindo sua barriga e partes íntimas no pântano. A possibilidade de anomalia mental parece ser algo que abrange as famílias, tanto os Wetter quanto os Jansen.

    As figuras de inspiração de Jack vão caindo diante dele, a começar por seu pai, até o seu irmão, pego em uma situação constrangedora. Quem estende a mão a ele é Charlotte, que está no lugar e momento certos para aliviar as tensões do rapaz. O caçula guarda seus sentimentos e não se entristece com o irmão, graças às suas “preferências”, mas não contém a mágoa por ele ter escondido o segredo de si.

    A fotografia de Roberto Schaefer é um primor e a câmera nervosa de Daniels consegue emular as sensações dúbias das conversas após a revelação de Ward. As relações vão ruindo na medida em que o interesse acaba, ligado, é claro, à solução do caso graças ao artigo publicado. Dali em diante, as situações tornam-se ainda mais loucas e doentias. As cenas de “amor” entre Hillary e Charlotte revezam-se entre o violento coito e flagrantes de animais no pântano. Cusack consegue fazer uma das mais demoníacas figuras do cinema atual sem precisar apelar para clichês, e sua insanidade é justificada e plausível graças a toda sua caracterização.

    Jack era um menino solitário, sem a presença do irmão que sempre trabalhou fora e com a presença da figura opressora da madrasta. Só se afeiçoaria por Anitta (Macy Gray), a doméstica negra que serviu como para-raio de sua solidão e que por muito tempo foi a única pessoa em quem confiou. No seu pensamento irreal, Charlotte era a princesa encantada, a protagonista do conto de fadas, quem ele imaginava ter uma vida perfeita. Saber que ela estava com o asqueroso psicopata o enojava, o que pioraria evidentemente após saber o destino de sua amada. Na fúria elevada pelo ciúme, Jack se mostra um macho viril, mas tal estado ilusório logo cede com a queda do irmão, sua figura de exemplo. O instinto de sobrevivência rivaliza com a aspiração assassina do facínora e este, após perder tudo, finalmente tem sua primeira vitória sobre o inimigo baseada no único comportamento que conhecia: a covardia.

    A película faz apologia ao bizarro e constitui um dos melhores exemplares de filmes que usam o homem como figura monstruosa, tecendo uma possibilidade de futuro nada otimista. O curioso é que o jovem motorista não é tão diferente da nêmese, especialmente no que envolve o nível de isolamento destes do mundo real: enquanto um volta suas atenções para a fria psicopatia sem limites, o outro torna-se um criador de histórias, provavelmente de cunho tão grotesco quanto o que foi narrado em tela.

  • Review | True Detective – 1ª Temporada

    Review | True Detective – 1ª Temporada

    true-detective

    A escritora policial Dona Leon em seu primeiro romance, Morte No Teatro La Fenice, definiu semelhanças entre a função de um detetive investigador e a de um médico legista. Ambos partiriam de um mesmo elemento em comum – o crime – mas se movimentariam contrariamente. O médico legista, ao examinar o corpo, dá continuidade à ação natural. O exame à procura de indícios criminológicos é feito com base no cadáver, quando há um, ou em outras evidências forenses passíveis de análise. Em contrapartida, o detetive é aquele que parte do crime para resgatar momentos anteriores, reconstituindo a história com o máximo de indícios que a cena fornece e, a partir da construção do passado, busca a verdade.

    O gênero policial é um estilo narrativo que ainda resiste às hibridizações ou fusões com outros. Ainda que, no decorrer na história, muitos autores produziram narrativas diferenciadas, o princípio fundamental permanece imutável. Há um crime ou outro elemento transgressor e uma investigação que busca elucidá-lo. Atividade que se inicia na reconstrução de fatos, no retorno a momentos anteriores, como ponderou Leon.

    Há uma semana, a série True Detective encerrou sua primeira curta temporada. Manter o registro temporal é interessante para observarmos que sete dias foram suficientes para que uma quantidade considerável de informações, teorias e curiosidades sobre a série surgisse na rede a respeito de sua trama. São elementos que reforçam o bom enredo, teorizando-se sobre sua mitologia.

    Desde sua criação, qualquer seriado da marca HBO é formatado de maneira diferenciada, justificando o conteúdo inédito que se paga para adquirir o canal. Normalmente, suas séries são apresentadas com uma quantidade menor de episódios, filmados e finalizados meses antes da estréia. Uma confiança genuína no trabalho competente da equipe e dos produtores. Afinal, como afirma o slogan, não é televisão, é HBO.

    Além do “estofo” do canal, capaz de sempre atender à expectativa do público, dois nomes conhecidos no cenário cinematográfico são os produtores executivos da série. Atores que estão na indústria há longo tempo, conquistaram papéis importantes e buscam na televisão mais um motivo para fundamentar sua carreira numa época em que o cinema parece sofrer uma evasão de qualidade.

    Ainda hoje, a personagem do detetive é uma das representações românticas mais tradicionalistas. Um dos poucos heróis que resistiram ao tempo e não perderam o viço moral ou o senso de justiça – ainda que o noir e o hard boiled tenham distorcido esta linha com vigor. Escolher o gênero policial como estilo narrativo é um trunfo que tem riqueza dramática e agrada aos espectadores.

    Os detetives são personagens que vivem como resistência de um mundo caduco. Valendo-se do aprendizado da corporação e de uma sabedoria intrínseca para desvendar crimes, procuram restabelecer a balança entre o bem e o mal, devotados de uma causa invisível. O senso de justiça ou moral referido anteriormente faz parte de sua conduta, como se ser um agente da lei fosse maior do que uma profissão.  Mas uma vocação amaldiçoada, próxima de um vício difícil de ser largado. Uma obrigação inerente por desejar a justiça, ainda mais quando se reconhece em si habilidades para tal.

    São personagens que deixam a vida de lado em detrimento da profissão, vivem à margem de si mesmas e da família, porém respeitando o que consideram justo ou moral. Dentro de um universo desestruturado, a figura policial permanece como resistência romântica. A última guarda antes da falência da lei. Figuras dedicadas a uma causa maior.

    Como bastiões desta causa, surgem as duas personagens centrais da trama. As duplas de detetives são um dos recursos mais tradicionais da narrativa policial pela capacidade de dar ao público dois personagens, diferentes entre si, que fazem parte de um único conjunto necessário. Sem dúvida, Sherlock Holmes e John H. Watson formam a dupla mais icônica que se completa em inteligência e emoção, respectivamente. Tal recurso nunca foi abandonado e ainda está presente em obras contemporâneas, como a de Denis Lehane, e os detetives Patrick Kenzie e Angie Gennaro; ou de Jeffery Deaver, com o paralítico Lincoln Rhyme e Amelia Donaghy.

    Na série, Martin “Marty” Hart (Woody Harrelson) representa o policial tradicional que acredita em sua vocação e no senso de fazer o bem, tendo a religião como base moral. Crente na prosperidade da família, o detetive é o arquétipo comum que degusta rosquinhas quando chega ao trabalho, o que transforma a personagem de Rust Cohle (Matthew McConaughey) em um exemplo ainda mais estranho.

    Mesmo que se evite tal afirmação, a espinha dorsal da série está em McConaughey. Cabe a ele desenvolver uma personagem acentuada que cause estranheza, simpatia e erudição ao mesmo tempo. Rust entra na lista de policiais enigmáticos da ficção, um homem mergulhado no niilismo e agarrado a uma percepção racional da vida. Um severo agente da lei que reconhece a vilania do mundo e ainda disposto a lutar contra o mal. Rust é a citada representação romântica policialesca. Equilibra sua profissão entre uma intuição natural e a sensação de carregar um fardo nas costas. É devido a sua obsessão pela história dos assassinatos que chegamos ao desfecho da trama.

    true detective plot

    Os papéis fornecidos a Harrelson e McConaughey são duplamente ingratos. Sem um personagem representando com veracidade um policial comum como Marty, Rust perderia sua credibilidade. Parte da aceitação do público em compreender Rust vem do julgamento de Marty que, mesmo contra a corporação, confia na índole do excêntrico detetive texano. Ingrediente que fundamenta a antítese paradoxal e fundamental da trama.

    Como policial comum, o polo dramático de Marty situa-se na disfunção entre as crenças que profere e os atos que comete, díspares entre si. Já Rust, um tipo que assusta e conquista, demonstra em uma personalidade extremada seu desgosto com a escuridão do mundo. A parceria produz o inevitável laço em equilíbrio: o tradicional em comum em contraponto com o obsessivo intuitivo. Uma combinação que não é inédita, mas sempre se destaca quando bem fundamentada.

    A trama de True Detective é apresentada em três momentos temporais diferentes seguindo uma mesma linha narrativa. O período, notado pelo espectador no decorrer dos oito episódios, inicia-se em 2012 com depoimentos dos dois detetives – brigados – sobre uma investigação aberta a partir da descoberta de uma morte encenada (com provável intenção ritualística) de uma prostituta em uma plantação na Luisiana, em 1995. Em seguida, a série avança temporalmente para 2002, revelando o motivo que desencadeou a briga dos policiais e dando prosseguimento, dez anos depois, ao fim de parte da investigação.

    Ao produzir em tempos distintos dois polos narrativos, criam-se dois focos de luz em uma escuridão narrativa iluminada – e consumida pelo público – pouco a pouco, no decorrer de cada episódio. Um recurso que aumenta o interesse do público, ávido por saber por que as personagens parecem tão diferentes das décadas passadas, e fornece ao roteirista e criador da série, Nic Pizzollato, maior manejo para manipular a história e apresentar somente o que deseja, promovendo os ganchos tradicionais vistos em diversas narrativas.

    Além dos polos narrativos iluminando épocas específicas, ao fazer uso da memória como recurso, a trama sofre modificações do natural desgaste da lembrança. Afinal, a memória não é registrada da mesma maneira linear que se mede o tempo, mas construída por acontecimentos específicos, guardados em partes diferentes do cérebro – muitas vezes inconscientemente – e que podem trazer à tona lembranças que não necessariamente estavam ligadas. Dessa maneira, a história ganha maior obscuridade e elipse, intensificando o suspense, mesmo que o público acredite que tais personagens estão dizendo a verdade sobre o que investigaram.

    A escolha de uma morte brutal para abrir a série é outro recurso que conquista o público. Ainda que, para ser eficiente, chocar e ser significativa para o argumento, deve ser feita com cuidado. Afinal, desde a retomada das séries americanas, muitas histórias se debruçaram na solução de crimes. A morte como início chama a atenção inicial, mas só se mantém com boa condução narrativa. No entanto, ela é feita de maneira exemplar, focando-se em um elemento que desperta curiosidade: o medo no ser humano. O contrato realista estabelecido permite ao público supor, desde o princípio, que a história terá uma explicação plausível e que até mesmo os elementos mais incômodos sejam explicados.

    Sob tais aspectos mencionados, True Detective não se encaixaria como uma série brilhante se pressupormos que a palavra carrega uma inventividade inédita de alguma maneira. O público assíduo do gênero reconhecerá diversos recursos utilizados em cena. Porém, podemos afirmar que a série é exemplar, já que trabalha habilmente os recursos e clichês do gênero, dosando-os com cuidado para produzir uma história eficiente.

    Pizzolato trabalha com três pontos de tensão para fundamentar sua narrativa. Três elementos que passam pelo público, intensificando o teor temático: o primeiro está nos crimes brutais, assustadores por sua natureza agressiva; o segundo elemento vem da violência contra a criança e a mulher, fato que não só se reflete no mundo real, como também faz o público imaginar a perversa continuidade criminosa do assassino do referido crime brutal; por fim, os objetos e signos denotam uma seita. Uma tríade plausível que faz com que o horror cresça no público.

    A escolha da sulista Luisiana como palco dos crimes fornece o ambiente certo para desenvolver plenamente a tríade . A região é conhecida pelos elementos culturais diferenciados, o que deixa plausível um possível grupo ritualista. Devido a uma economia dedicada à agricultura, há muito espaço natural, deslocando a população e dando-nos a impressão de um local ainda não completamente civilizado em que a natureza engole os avanços humanos. Uma atmosfera obscura que potencializa o crime e dificulta a investigação.

    Ao iniciar a trama na década de 90, em uma época sem muitos elementos forenses, vemos uma dupla de detetives que produz o caso com o próprio suor. Uma investigação à moda antiga em que policiais sentavam-se em salas gigantescas de arquivo à procura de evidências, e iam de casa em casa tentando identificar suspeitos e encontrar os fios que teciam o caso. Ao discorrer sua história por quase vinte anos, observamos como as pistas se perdem com o tempo e encontrá-las se torna um exercício de paciência, como um quebra-cabeça que nunca será inteiramente finalizado. As situações vão se recriando aos poucos e definindo os motivos que trouxeram a queda das personagens, muitos anos depois.

    Com tais elementos apresentados até então, é perceptível que uma trama policial não siga as mesmas regras de um drama tradicional. Se muitas séries finalizam sua temporada fechando muitas pontas, às vezes munidos de um final feliz, narrativas policiais encerram-se na medida do possível. Isso é reflexo da funcionalidade das investigações que nem sempre encontram provas suficientes para acusar todos os envolvidos. Além disso, o decorrer natural do tempo que condensa lembranças deixa mortos pelo caminho e destrói arquivos e provas. Cabe ao público considerar se os elementos apresentados para a conclusão são falhos ou espaços em branco a serem preenchidos.

    Os cartazes que divulgaram a série apresentam uma citação de que o homem é a mais cruel das criaturas. Durante a narrativa de oito episódios, o ambiente e sua trama sufocam pela agressividade real. Ecoa a natureza cruel e primitiva dos homens, maldição que toca qualquer homem em algum momento da vida. Como Marty destruindo a família por causa de prazeres carnais e Rust mencionando, de maneira lacunar, o acidente da filha, dando-nos a inferência de que, talvez, por conta de seu histórico de drogas e bebida, ele mesmo possa ter causado a destruição da família. Retratos de um gérmen cruel da humanidade, impossível de ser evitado, mas capaz de ser combatido.

    Sobre o elemento sobrenatural ou ritualístico da série, Pizzollato novamente recorre à tradição policial para justificá-la. Criado pelo escritor Ambroise Bierce, Carcosa é uma antiga cidade destruída e misteriosa presente em um de seus contos de horror. A mesma cidade descrita por Robert W. Chambers, leitor de Bierce, no livro de contos O Rei Amarelo, em sintonia com a série. Nestas histórias, Carcosa é uma cidade amaldiçoada e, embora inferida muitas vezes como um espaço não pertencente à Terra, tornou-se sinônimo de um lugar desolado que carrega uma mística negativa, sendo citada em diversas outras obras ao lado do Rei Amarelo – a título de curiosidade, Carcosa também é nome de duas editoras voltadas para histórias de horror .

    A Carcosa de True Detective se transforma em um templo de adoração. Um local em que residem os mortos sacrificados e seus despojos, sendo a figura central uma estátua feita de troncos de árvores, caveiras humanas e mantos amarelos. Apoiado na realidade, não há explicação sobrenatural, exceto a própria natureza humana.

    Após o desfecho do crime, a personagem de Rust se abre pela primeira vez ao público e ao próprio amigo, Marty, desfecho definitivo que pondera explicitamente a funcionalidade da narrativa policial e do personagem detetive romântico. A luta eterna do bem contra o mal. A crença de que a luz, palavras de Rust, há muito ganha da escuridão.

    Em seu audacioso projeto de contar uma nova história a cada temporada, Pizzolato produz uma espécie de antologia policial que vem das tradicionais fontes do gênero e se traduz em uma nova série com uma excelente primeira temporada. Ao finalizar o primeiro ano com a câmera registrando a vastidão do céu escuro em contraponto com as estrelas, o público estava conquistado e, sem dúvida, colocará a série como uma das melhores da temporada. Trabalho em dobro para o autor que, em seu segundo ano, terá de criar uma narrativa à altura da primeira e conceber personagens que nos façam esquecer, mesmo momentaneamente, a ótima dupla formada por Rust e Marty.

     

  • Crítica | Clube de Compras Dallas

    Crítica | Clube de Compras Dallas

    Dallas Buyers Club

    Ron Woodroof, personagem de Matthew McConaughey, é mostrado imediatamente como um sujeito desregrado cuja vida boêmia o empurrou para o estágio em que está. A câmera o registra a meia distância em suas atividades “marginais”, sua aparência é de decadência, seu corpo aparenta uma enorme fraqueza através da magreza excessiva e das tosses constantes. A notícia de que seria um soropositivo o pega de surpresa e o faz começar negando o problema. Dallas Buyers Club se passa nos anos 80, onde ainda não se tinha total clarividência sobre a doença, e onde ainda se acreditava que esta era algo passado somente em relações sexuais entre homossexuais.

    A percepção que está mal faz com que Woodroof apele para o suborno, numa brincadeira do roteiro com o Modelo de Kluber Ross (e seus cinco estágios: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação), mas não tira de si o comportamento machista. Tal postura pode ser encarada como um mecanismo de defesa, uma dificuldade de conviver com sua condição, especialmente no ambiente em que está, e a coisa só piora quando os seus “iguais” o tratam como as “bichas”, que são basicamente o seu objeto de ódio até ali.

    À sua maneira Ron tenta dar a volta por cima de seus problemas, a escolha do ramo de negócio o faz encarar sua condição com muito mais positividade, e aparentemente ele até melhora seu aspecto, tendo poucos ataques. Ele expande suas fronteiras, torna-se cosmopolita, na tentativa de retomar seu destino em suas mãos, mas as medidas não passam de paliativos.

    Os ataques e recaídas, simbolizadas com um zumbido intermitente são uma ótima artimanha para demonstrar o descontrole de Ron, a escolha de Jean Marc Vallée demonstra o quão suscetível ele permanece ao vírus, mas não invalida seu meio de vida marginal, visto a propensão da Doutora Eve Saks (Jennifer Garner) aos resultados que seus pacientes têm ao comprar de Ron seus medicamentos. A filmografia de Vallée costuma se valer de um discurso que aborda temas ligados a minorias secularmente excluídas, mas sem tratá-las como pobres coitadas (como em Lista Negra e Café de Flore). O clube de compras é mais do que uma tola tentativa de lucrar em cima da desgraça alheia – coisa que nem mesmo Ron percebe de início.

    As atuações estão impecáveis, Matthew McConaughey faz um sujeito bronco, preso numa situação calamitosa mas que tem criatividade o suficiente para se reinventar e reconsiderar seus conceitos. Os coadjuvantes também são competentes, Jennifer Garner e Denis O’Hare, mas é Jared Leto que obviamente rouba as atenções, com sua Rayon no começo como uma louca drag queen e ao final na decadência da doença, sem conseguir se livrar de seus vícios e definhando dia a dia. Sua vida afeta diretamente a de Ron e o faz perceber o quanto ele mesmo mudou.

    A discussão ética presente no roteiro é obviamente válida, especialmente quando de pensa na burocracia do sistema médico americano e no intervencionismo do homem comum para corrigir a conformidade que lhe é imposta. A venda ilegal das drogas impingida por Ron Woodroof evolui de estágio, de um simples tratamento próprio passando pelo lucro e desembocando na defesa de um ideal que beneficia uma parcela da sociedade que antes era até perseguida pelo indivíduo em questão, mas que mesmo diante de todas as qualificações honrosas ainda é diminuto se comparado ao poderio dos conglomerados farmacêuticos. A resistência de Ronald tem seus louros ao final e ele se torna um símbolo da luta de muitos doentes por melhores condições ao conselho médico estadunidense, ainda que este reconhecimento só tenha vindo anos após seu falecimento em 1992.

  • Crítica | O Lobo de Wall Street

    Crítica | O Lobo de Wall Street

    wolf_of_wall_street

    O cinema, como todo tipo de arte, é influenciado pelo contexto político de sua época. No auge da depressão pós-1929, tivemos vários filmes de monstro onde a urgência era o homem comum vencê-lo. Na paranoia da guerra fria, filmes de ficção científica com mutações genéticas causadas por radiação nuclear até invasões alienígenas onde ninguém sabia dizer quem era quem e o inimigo poderia ser qualquer um. Na Guerra do Vietnã, a espetaculização e a brutalidade ao vivo da guerra trouxe uma nova geração de cineastas tanto trazendo a realidade depressiva quanto buscando escapes dela.

    Atualmente, a história se repete no contexto pós 2008, com filmes e documentários a respeito da ganância de Wall Street e as origens e consequências da crise especulativa se proliferam no mercado. Apesar de já termos sintomas em produções anteriores como Wall Street – Poder e Cobiça (Oliver Stone, 1987), Loucuras de Dick e Jane (Dean Parisot, 2005) e Enron – Os Mais Espertos da Sala (Alex Gibney, 2005), somente a partir de 2008 vemos uma produção em massa nesse sentido, tanto condenando quanto imergindo no universo especulativo para compreender seu funcionamento, e é nessa categoria que o novo filme de Martin Scorsese, O Lobo de Wall Street se encaixa.

    Baseado no livro homônimo de Jordan Belfort e com roteiro de Terence Winter (Boardwalk Empire e Família Soprano), o filme conta a história de um corretor de ações fraudulento que ganhou milhões explorando brechas no sistema, além de enganar milhares de pessoas a investirem em ações sem valor e assim lucrar nas comissões. Contando com um elenco afiado, Scorsese imprime uma narrativa aliada a velocidade e a loucura da cocaína tão usada no filme e faz com que os 180 minutos de exibição passem voando, tamanho seu controle da história e dos personagens.

    Interpretando Belfort está Leonardo Dicaprio, em uma atuação que renderá muitos elogios. Também está o excelente Jonah Hill (que aguardamos por um filme onde seja mais do que o coadjuvante engraçado) como seu amigo e braço direito Donnie Azoff, além de pequenas participações de Matthew McConaughey como Mark Hannah, um corretor experiente que dá dicas ao jovem Belfort, Jon Favreau como Manny Riskin, seu advogado, e Jean Dujardin como o banqueiro suíço Jean Jacques Saurel. Também participa do filme Kyle Chandler como o Agente do FBI Patrick Denham, incansável e incorruptível funcionário público dedicado a caçar criminosos financeiros como Belfort.

    O que difere o tom de Scorsese dos filmes anteriores, em especial a Stone e ao cinema político de Costa-Gavras é a clara compreensão de que antes de serem bandidos desalmados e predadores do sistema, os corretores de Wall Street são seres humanos com pai, mãe, filhos e que precisam justificar seu comportamento para si mesmo e para os outros a todo instante a fim de evitar uma possível crise existencial e dar sentido aquilo tudo. Eles precisam se convencer de que estão fazendo algo normal, e que todos ali fariam o mesmo. Ao também usar da narração como metalinguagem e brincar a todo instante com o fato de o próprio Belfort contar sua própria história, o filme ganha uma leveza essencial para manter a atenção do público. Também é um mérito o fato de não se perder tempo em explicar os tortuosos caminhos e práticas financeiras de Wall Street, porque ali não interessa e nem cabe.

    Partindo dessa premissa, Scorsese consegue produzir uma história com conteúdo ao mesmo tempo explanatório sem ser piegas, e crítico sem ser panfletário. A mensagem ali é clara: o sistema está quebrado, e quanto mais antiético e desprovido de qualquer senso de moralidade a pessoa for, melhor ela se dará no mercado financeiro. Mas ao retratar isso de forma frenética como as festas e o consumo de drogas (no que lembra o também excelente Os Bons Companheiros), além de dar um toque de comédia na medida certa, o filme consegue produzir uma narrativa que não emperra e flui naturalmente, conduzindo o espectador a compreender e fenômeno ocorrido e a indagar como, em uma sociedade considerada democrática, pessoas podem jogar com o dinheiro dos outros, ganhar com isso, e ainda saírem impunes. Também é mostrado a todo instante como Belfort é ovacionado por seus pares, pois nenhum ser humano sozinho é capaz de tal feito. Ou seja, toda a sociedade é cúmplice de seus atos.

    Quando Belfort diz que o sonho de começar do nada e vencer na vida é o sonho americano, dizendo isso em uma empresa corrupta, que se utiliza dos vícios do sistema e da desregulamentação do mercado financeiro iniciada por Nixon e aprofundada por Reagan e Clinton, para enriquecer às custas do trabalhador honesto, mas que acredita na mensagem desse sonho, não é pura coincidência. É o que embala o desenvolvimento do país. Mas quando esse desenvolvimento sai das ferrovias e da metalurgia e passa para os escritórios regados a cocaína, a lógica funciona, mas o sonho continua permanecendo um sonho, e os Rockefeller de ontem se tornam os Belfort de hoje, embalando o povo americano em uma cantiga enquanto puxa sua carteira por trás.

    No final, sem abusar do panfletarismo tão batido nos nossos dias, o filme termina com a simples mensagem de que o sistema está pronto e foi feito para enriquecer apenas alguns com o trabalho de outros. O trabalhador honesto não consegue mais uma vida digna enquanto os “1% de cima” fazem exatamente o inverso. O corretor fraudulento tem quadra de tênis na prisão enquanto a população carcerária americana, composta majoritariamente por negros, explode junto ao desemprego e a violência. Mas nada disso é mostrado em tela, porque é desnecessária a superexposição de elementos políticos que fora do filme já são debatidos. Aqui, o que interessa é a face de Jordan Belfort e como ele personificou o sonho americano, enganou e enriqueceu milhões, usou quilos de drogas, foi condenado, preso, e hoje está solto dando palestras motivacionais. Pouco consegue personificar mais o atual estado de decadência moral de uma civilização.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Amor Bandido

    Crítica | Amor Bandido

    mud_cartaz_BR

    O terceiro longa-metragem de Jeff Nichols começa utilizando a infância como alegoria para o início da existência, mas sem poupar o público, pois a mocidade é retratada sem muitas fantasias ou idealizações. A crise, os amores e relacionamentos mal resolvidos resvalam nos pequenos protagonistas, Ellis (Tye Sheridan) e Neck (Jacob Loflan) – e os influenciam negativamente na puberdade de ambos. O inferno astral a que Ellis é submetido o deixa anestesiado e carente, e por isso ele não estranha a presença de um elemento desconhecido nas redondezas de sua pequena cidade.

    A casa de Galen (Michael Shannon, mais uma vez em um filme de Nichols), tio de Neck, é a representação visual da decadência típica da cidadezinha: um lugar sujo, imoral, hostil, e pervertido. Até o sexo, que poderia ser algo belo, é tratado de forma degradante, sem o mínimo de romantismo ou tato. Os habitantes do lugarejo parecem parados no tempo, estacionados no pior momento de suas vidas.

    O anti-herói, personificado por Matthew McConaugh, está foragido e utiliza a floresta como esconderijo, onde se encontra com a atenção máxima em tempo integral. O único auxilio e as únicas mãos amigas que encontra, até então, partem dos dois meninos. Mesmo sem conhecê-lo, Ellis se doa inteiramente para que o enlameado Mud fique o mais confortável possível – a procura do infante é por alguém do mundo adulto que não o fira sempre que houver uma tentativa de aproximação de sua parte. As tonalidades escolhidas por Nichols para retratar os locais comuns ao menino sintetizam suas sensações: enquanto que em sua casa, o local incômodo, predominam as cores marrom e cinza, as cenas na floresta onde ele está com o seu igual são vivas, prevalecendo o verde e o amarelado da blusa do novo amigo.

    O modo como Mud pensa e desenvolve sua vida demonstra que ele não tem todas as propriedades de raciocínio típicas de um adulto. Apesar de não possuir a inocência dos meninos, seu discernimento é igualmente imaturo e inconsequente, e este é o motivo que o faz se identificar tanto com eles, pois ambos carecem de uma segura figura paterna – o presente do fugitivo poderá vir a ser o futuro do jovem rapaz.

    O ancião Tom, interpretado por Sam Shepard, é uma das poucas vozes lúcidas perto do personagem-título. Suas palavras evidenciam o quão imprudentes e levianas são as motivações de seu antigo protegido, e ao receber a verdade, Ellis nega tudo, como sua contraparte mais velha faz. Mud não consegue mudar, somente se enreda no círculo vicioso em que está. Sua decepção com a rejeição coincidentemente ocorre em paralelo com a bronca do pai em Ellis, e ambos se mostram como excluídos dos sentimentos e relações que tanto apreciavam. A aproximação dos dois serve como uma simbiose.

    Juniper (Reese Witherspoon), a antiga namorada do protagonista, é a representação da covardia humana e da falta de coragem para arcar com os desejos do coração, não só para o homem, mas também para Ellis. O menino se decepciona com tantas rejeições e culpa a si mesmo – no caso, a contraparte do que poderia vir a ser: Mud. Na fuga que tenta fazer de si mesmo, o anti-herói cai num covil de serpentes, onde é envenenado, numa simbologia clara à inexorabilidade do enfrentamento de seus próprios problemas. Fugir, no caso, é a pior das soluções. Ao ver o menino em apuros, o personagem principal larga o arquétipo anti-heroico e veste a capa do clássico salvador. Mal pensando em si, corre para acudir o amigo e se torna visível para aqueles que o procuram, mas, dessa vez, não se preocupa em ser finalmente pego.

    Após todas as reviravoltas, Ellis vê a chance de mudar sua vida. O rapaz, que antes temia o divórcio dos pais, se vê nesta situação e parece não ter mais receio da nova condição. Assim como Mud, ele resolve deixar os medos e o passado de lado para finalmente evoluir e viver a própria vida, ainda que as agruras e os erros futuros estejam garantidos.

    Amor Bandido é um filme sobre deslocamento, sobre a tentativa de encontrar um lugar no mundo. Mensagens presentes também em Shotgun Stories e O Abrigo do mesmo Jeff Nichols, mas que em momento algum são repetitivas, em razão da ótima forma de abordar as necessidades humanas com a qual o realizador exerce em seus roteiros autorais.

  • Crítica | Killer Joe: Matador de Aluguel

    Crítica | Killer Joe: Matador de Aluguel

    Killer Joe poster

    Este é o tipo de filme que, ao seu término, deixa o espectador na dúvida. Não dá para dizer se gostou ou não, porém não dá para negar que causa uma impressão que custa a se dissipar. O humor negro que permeia todo o filme, a sensação de conhecer talvez a família mais estúpida e desajustada da história do cinema, a certeza de ver a melhor atuação de Matthew McConaughey até hoje e uma sequência final de tirar o fôlego são apenas alguns dos elementos que fazem deste um filme difícil de descrever em palavras.

    Há nudez, violência física e verbal, falta de escrúpulos e de expectativas num universo obscuro e deprimente em que as pessoas moram em trailers, com um cão ladrando acorrentado durante toda a noite, com uma TV ligada todo o tempo passando aparentemente sempre a mesma programação. E William Friedkin apresenta isso logo na sequência de abertura, à noite e sob a chuva, esfregando – quase literalmente – na cara do espectador a depravação do mundo em que vivem os personagens.

    A trama em que os personagens estão enredados é praticamente uma tragédia anunciada. O público assiste sabendo que algo ruim irá acontecer. E acontece. Mas acontece muito mais do que era esperado. No último terço do filme, através da expressão truculenta e insana de Killer Joe, Friedkin parece se dirigir ao espectador: “Você estava esperando violência? Estava aguardando a tragédia? Então, agora aguenta aí.” E o espectador não é poupado de cenas cada vez mais perturbadoras, daquelas que dão vontade de desviar o olhar.

    A história é bem estruturada, apesar de sua simplicidade. Mas a força está mesmo nos personagens, complexos e bem desenvolvidos. Apesar do aparente exagero nas tintas, a ótima performance do elenco torna-os totalmente verossímeis. Há Chris Smith (Emile Hirsch), o jovem traficante, totalmente gauche na vida, que já foi expulso de casa pela mãe por tê-la agredido. Seu pai, Ansel Smith (Thomas Haden Church), tão bronco e ignorante, cuja preocupação maior ao conversar com a atual esposa sobre a filha caçula é não esquecer o dinheiro para a cerveja. Sua irmã mais nova, Dottie (Juno Temple), ingênua e totalmente alienada da realidade ao redor, cujo corpo adolescente é um misto de inocência e sensualidade. Sua madrasta, Sharla (Gina Gershon), uma quarentona enxuta (?), habituada a usar o corpo e o sexo para conseguir o que quer.

    E, finalmente, há Joe Cooper (McConaughey), o assassino de aluguel, detentor de um código de ética próprio e muito, muito educado. Mas educado de um modo assustador. A própria Dottie lhe diz: “Your eyes hurt” (“teus olhos machucam”). Contido, tem-se a impressão de que a qualquer momento ele irá surtar. E surta. E o mais assustador é que, quando ele surta, apesar de parecer descontrolado, percebe-se que suas ações não são impulsivas, que ele ainda é senhor de seus atos. Enfim, uma atuação sem precedentes de McConaughey, que consegue revelar aos poucos a psicopatia do personagem.

    E, dessa mistura entre humor negro e insanidade, emerge uma comédia de erros de tons mórbidos que causa um estranhamento no espectador, mas que valida toda a excentricidade do filme.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Contato

    Crítica | Contato

    poster do filme contato

    Contato (1997) é a adaptação, dirigido por Robert Zemeckis, do livro homônimo de Carl Sagan. É uma obra de ficção científica e um bom exemplo de uma grande produção, que tem mais a dizer que apenas um belo espetáculo visual.

    O filme nos conta a história de Ellie (Jodie Foster), uma pesquisadora de física astronômica que desde a infância, incentivada por seu pai, nutre um fascínio pelo cosmo e, depois de formada com louvores no MIT, declina o convite para ocupar uma cadeira no corpo docente de Harvard para trabalhar com rádio astronomia em um projeto de busca por inteligência extra terrestre (SETI) em Porto Rico e depois consegue financiamento para assumir o Very Large Array (VLA), no Novo México.

    Contato brinca em vários momentos com essa mistura de ficção e realidade, com observatórios reais e discursos reais do presidente dos EUA, Bill Clinton, colocados no contexto do filme (ele não atuou, foram usadas imagens pré existentes), além de âncoras reais da CNN, – esses sim trabalhando para o filme. Zemecks usaria esses mesmo recursos novamente em Forrest Gump. Em Contato, temos uma aproximação maior daquelas situações que são exploradas no filme e que, dados os fatos, seriam de certa forma plausíveis caso viessem a acontecer.

    Antes de mais nada, o filme é um espetáculo visual, apesar de não ser apenas isso. Com um início belíssimo, de uma tomada como se a câmera estivesse na estação espacial, o filme inicia se afastando da terra, do sistema solar, da via láctea e da galáxia. Belas representações, tanto do céu, quanto de galáxias inteiras são abusadas no filme, o que me lembrou dos melhores momentos da série Cosmos, do próprio Carl Sagan, porém aqui com um orçamento muito maior e, por consequência, muito mais trabalhado esteticamente.

    Além de tudo isso, Contato é um filme corajoso pelos temas que aborda. A começar por sua protagonista, uma cientista brilhante, que é a grande responsável por uma das maiores descobertas da humanidade e que se vê em conflito em diversos momentos pelo fato de ser uma mulher enfrentando o mundo machista da própria ciência e também por seus posicionamentos políticos e religiosos. Além da própria Jodie Foster contribuir muito com a credibilidade passada para o papel.

    É corajoso também por seus temas e suas críticas, muito delas herdadas de toda a obra de Carl Sagan. Para entender um pouco melhor essa crítica, busco falar um pouco do plot, que segue com Ellie e seu projeto SETI, o qual está prestes a perder o apoio do governo. É quando eles encontram um sinal de rádio, que não parece ser um alarme falso. Não é um pulsar, uma interferência ou estática, mas sim uma inteligência tentando estabelecer contato, tentando passar uma mensagem. Primeiramente só são detectados alguns números inicias da mensagem, números primos, que segundo Ellie seriam a prova de uma inteligência alien e não algo da natureza.

    Ellie, enquanto cientista, começou a espalhar a palavra mundo afora, já o governo, através do departamento de defesa americano, começou a sentir a necessidade de manter aquilo em sigilo. E instaurou a ameaça de militarizar suas pesquisas, mesmo sendo uma atividade civil.

    O que eles descobrem, além dos números primos, é que os aliens estavam mandando a primeira transmissão televisiva que a humanidade enviou pelo ar, que foi o discurso de abertura das olimpíadas de 1936, na Alemanha, por Hitler. Neste ponto temos mais uma crítica a nossa sociedade como um todo. Hitler é um produto da nossa sociedade, onde qualquer ser pensante não se orgulha de compartilhar a mesma estrutura de cromossomos que ele, portanto, uma crítica a nossas atitudes como seres humanos, que por mais que superemos tal situação ruim, por mais que uma ideia seja derrotada, ela deixará eternamente uma marca, um risco na nossa história.

    Seguindo, havia ainda uma terceira camada de informações, essa sim que mudaria o rumo da humanidade: Um conjunto de dados, criptografados, que estabeleciam um padrão, mas ninguém conseguia encontrá-lo. A partir disso o filme tenta traduzir no momento  Eureka de Ellie o sentimento da descoberta científica. De algo que estava ali o tempo todo e que era tão simples. Só era necessário um passo a mais de compreensão, um olhar distorcido para que o avanço fosse possível.

    A partir desse momento, descobre-se que esses dados eram projetos, plantas, de uma máquina da qual ninguém sabe o real objetivo.  Apenas decidem construí-la, afinal, era possível, – mais um dos momentos de exaltação da ciência. Daqui pra frente, se continuar estragarei a experiência com o filme. O que posso dizer, é que há o envolvimento amoroso de Ellie com Palmer Joss (Matthew McConaughey), que também levará a questionamentos sobre fé e Deus, e como isso pode “justificar injustiças”, além do personagem David Drumlin (Tom Skerritt), que é uma espécie de antagonista da história, um homem sem muitos escrúpulos para atingir seus objetivos, numa representação clara da ambição e suas consequências.

    Fato é que o filme, tem seus furos de roteiro e seus clichês. Algumas situações são resolvidas rápidas demais e outras fogem um pouco do da lógica do restante do filme, como o fato de Palmer Joss ser um assessor da presidência americana para assuntos sobre religião, sendo apenas um escritor de livros que criticam a tecnologia e ciência que nos levam a uma sociedade mecanicista.

    Esses furos, porém, são muito pequenos e não atrapalham o que deve ser observado como foco principal, que são todas as críticas sociais que Contato trás consigo. Sua crítica a religião e a fé cega, juntamente com a política e os modos com que a política se conduz ou deseja conduzir a sociedade, dando crédito a grupos extremos calcados apenas em fé e descreditando aqueles baseados em pesquisa, ciência, em busca da verdade. Apenas pelo fato de que o grupo que crê, constitui uma maioria. Se voltarmos rapidamente à Hitler, este também, em dado momento foi apoiado por uma maioria.

    Contato, além de sua crítica, é um filme que exalta a ciência, o pensamento cientifico, o ceticismo e a busca pela verdade. E acima de tudo trata-se de uma homenagem a Carl Sagan, com billions and billions de suas citações adaptadas nas frases ou às situações dos personagens. Sagan, que apesar de não ter um trabalho científico tão notável, foi importantíssimo para toda uma geração, influenciada por seu trabalho de divulgação científica, não só no aspecto técnico e acadêmico – até por ter sido alguém que fugia dos padrões da academia. Mas também pelo incentivo a criatividade e seu modo de enxergar a nossa sociedade.

  • Crítica | Magic Mike

    Crítica | Magic Mike

    Magic Mike

    Steven Soderbergh tem utilizado a crise econômica dos EUA para abordar algumas de suas histórias, e dessa vez não é diferente. Assim como abordado anteriormente em Confissões de uma Garota de Programa, Soderbergh utiliza o submundo de um dos ramos do entretenimento adulto para sua análise da recessão econômica. Magic Mike transita por esse universo de maneira débil e nada subversivo, como poderia ter sido.

    Assim como em 2009, onde Soderbergh traz Sasha Grey, famosa atriz de filmes pornôs para ambientar sua história, agora em 2012 o diretor utiliza a mesma ideia, já que o protagonista do longa-metragem é Channing Tatum, ator em evidência no momento, mas que já teve de trabalhar como um stripper. Ambos os filmes acabam sendo, de certa forma, experiências reais desses atores, seja Grey ou Tatum.

    Na trama, acompanhamos a vida de Mike (Tatum), um sujeito perto dos seus trinta anos, que ganha a vida consertando telhados durante o dia, e a noite é uma das atrações de uma casa de stripper dirigida por Dallas (Matthew McConaughey). Em um de seus dias de trabalho como consertador de telhados ele conhece Adam (Alex Pettyfer), um jovem sem perspectivas que abandonou a faculdade e vive de favores com sua irmã enfermeira, Brooke (Cody Horn). Adam acaba descobrindo o trabalho noturno de Mike e logo ganha um lugar no show.

    O roteiro de Reid Carolin acerta em alguns momentos e erra em muitos. O filme segue uma estrutura digna de comédia romântica, diálogos terríveis e uma trama que se move do ponto A ao B sem nenhuma reviravolta e com uma previsibilidade que não deveria ser o caso de um material como esse. No entanto, no meio de soluções previsíveis, bobas e mal elaborados, o longa por nenhum momento soa enfadonho.

    No meio de personagens estereotipados, Channing Tatum revela uma maturidade interpretativa, principalmente quando está distante do seu trabalho como stripper, mantendo o controle do seu personagem sem se tornar um clichê. McConaughey também merece destaque entre o elenco, entregando um personagem egocêntrico, desconfiado e extremamente intenso em sua interpretação, muito longe de seus papéis nas dezenas de comédias românticas que tem feito, sendo provavelmente o ponto alto do longa metragem. O restante do elenco é bastante inexpressivo, beirando atuações sofríveis.

    A direção de Soderbergh utiliza uma montagem preguiçosa, intercalando sequências de atores em shows, dignas de videoclipes sem nenhuma originalidade, para cenas que não vão a lugar algum. Se mantendo dessa forma até o seu aguardado fim.

    O tema ousado de Magic Mike é extremamente mal aproveitado, e fica mais difícil de defendê-lo depois de obras como Boogie Nights, de Paul Thomas Anderson, por exemplo. Se isso ainda não fosse o bastante, o discurso do diretor sobre a recessão fica cada vez mais moralista e conservador à medida que o filme avança, o que não deixa de ser frustrante para alguém como o Soderbergh.