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  • Crítica | Os Pequenos Vestígios

    Crítica | Os Pequenos Vestígios

    Um dos primeiros filmes que a HBO Max colocou no mercado americano no esquema de lançamento simultâneo nos cinemas e na plataforma de streaming, Os Pequenos Vestígios parecia fadado ao sucesso. Um filme estrelado por Denzel Washington, Rami Malek e Jared Leto, além de ser um projeto de estimação do diretor/roteirista John Lee Hancock, amigo de Clint Eastwood, diretor de boas obras como Um Sonho Possível e Fome de Poder, além de roteirista de Um Mundo Perfeito, filmaço dirigido e estrelado por Clint e Kevin Costner. Entretanto, o que parecia ser bom demais, acabou sendo apenas mediano, onde incrivelmente o maior destaque é excelente atuação do controverso Jared Leto, ofuscando seus colegas de elenco.

    Na trama do filme, Washington vive o policial Joe Deacon, um homem que notadamente tem um mistério que o cerca. Enviado de volta a Los Angeles após cinco anos trabalhando em uma cidadezinha próxima, Deacon se envolve em um caso liderado pelo jovem e quase esnobe sargento Jimmy Baxter (Malek). À medida que a inicialmente oposta dupla trabalha junta, mais semelhanças entre suas personalidades vão aparecendo. E o caso — que envolve seis vítimas mulheres assassinadas de modos similares — também vai trazendo à tona o mistério em torno de Deacon.

    O filme tem uma sequência inicial eletrizante, onde uma mulher é perseguida por um homem em uma estrada sem nenhum movimento. Isso faz com que o interesse do espectador se eleve de maneira exponencial. Porém, à medida que os acontecimentos do filme vão se desenrolando, o interesse vai diminuindo até chegar ao ponto em que chegar ao final é uma mera obrigação.

    Durante anos, Hancock tentou levar seu projeto às telas. Steven Spielberg demonstrou um interesse inicial no projeto em 1993, logo que o primeiro rascunho de roteiro ficou pronto, mas desistiu por achar violento demais. Hancock então tentou Eastwood, que até ficou atrelado ao projeto, mas também desistiu. Warren Beatty e Danny DeVito também estiveram vinculados em dado momento, mas nada aconteceu. Hancock então, já com uma boa experiência de diretor acumulada, resolveu levar o projeto adiante como diretor. Talvez seja esse tenha sido o grande problema aqui.

    No intuito de tornar o filme mais misterioso, Hancock resolveu ambientá-lo no início da década de 90, época que não havia certas tecnologias que hoje auxiliam na resolução de crimes. Foi uma saída inteligente que ajuda a acentuar a atmosfera neo-noir da película, já muitíssimo bem estabelecida por uma fotografia caprichada, fazendo com que cada personagem envolvido na trama tenha ainda mais conflitos internos a serem resolvidos, principalmente no que tange à sua competência para o trabalho. O desenvolvimento da investigação é bastante arrastado e repleto de soluções fáceis que em muito destoam da tentativa de fazer um filme “verossímil”, principalmente no terço final. Há um momento em que o tom do filme se torna confuso, pois ao invés de evidenciar uma angústia de um personagem, soa como um flerte com o sobrenatural e foge totalmente da proposta do filme. Além disso, o plot twist é um tanto decepcionante.

    O filme também se apoia bastante nos personagens. Entretanto, a construção da personalidade dos protagonistas soa bastante rasa e o caso mais emblemático é o do personagem de Washington. Seu passado misterioso não devidamente definido e nem suas interações com pessoas de seu antigo convívio ajudam na sua construção. Existem dois diálogos risíveis, um com uma antiga colega de trabalho e o outro com sua ex-esposa, que deveriam despertar alguma empatia no espectador, mas despertam somente estranheza. Já Malek fica como um grande chato durante boa parte do tempo, somente provocando alguma simpatia no espectador na parte final do filme. Porém, Leto se esbalda.

    Chega a ser estranho um filme com Washington e Malek ter como grande destaque o ator que deu vida à pior encarnação do Coringa de todos os tempos. Entretanto, Leto aqui parece totalmente consciente do seu talento para atuação, como vimos em Clube de Compras Dallas, quanto do tanto que consegue despertar aversão nas pessoas, tal como temos visto ao longo dos anos com seus comportamentos bizarros em sets de filmagens e com os seus fãs, o que faz como que ele crie um personagem realmente repulsivo e muito interessante. Seu Albert Sparza, o principal suspeito dos crimes, é um baita acerto e o maior motivo para continuar assistindo o filme até o final. Suas indicações ao Globo de Ouro e ao Oscar de melhor ator coadjuvante foram justíssimas.

    Enfim, Hancock desperdiça uma grande oportunidade ao conduzir o filme com mão pesada, passando a impressão de que nas mãos de outros diretores ou mesmo após um trato por outro roteirista, Os Pequenos Vestígios poderia ser realmente o grande filme policial que aparentava ser quando foi apresentado por seu trailer.

  • Crítica | Liga da Justiça de Zack Snyder

    Crítica | Liga da Justiça de Zack Snyder

    Parece que uma eternidade se passou entre o Liga da Justiça lançado nos cinemas e a Liga da Justiça de Zack Snyder veiculado pela HBO Max. Bem mais que o tempo cronológico entre 2017 e 2021. Houve clamor dos fãs, de gente da indústria e, finalmente, algo próximo do que seria a visão real de Zack Snyder chegou ao público: o tão falado Snydercut, que já começa bem diferente da outra versão, com uso largo de CGI e slow motion já nas primeiras cenas e em momentos estendidos nas sequências de ação.

    Esta versão se assemelha ao monstro de Frankenstein. É um ajuntamento de vários elementos que estariam no filme da Liga, outros que poderiam estar na parte 2 de uma saga, e ainda momentos que claramente foram pensados e amadurecidos depois, como partes mortas formando um ser vivo. É curioso como boa parte dos que defendem esta versão falam a mesma coisa: que esse não é um filme de cinema, basicamente para tentar blindar a obra e a própria carreira do diretor, sempre criticado por ter dificuldades em conectar as partes diferentes de suas histórias. Isso não exime o produto de parecer gorduroso, nem justifica o início arrastado, mesmo quando remonta o final de Batman vs Superman e boa parte do universo compartilhado. Se a ideia ao lançar esse corte em formato de minissérie fosse para frente, certamente seria uma opção mais inteligente.

    Snyder mira na versão estendida da trilogia Senhor dos Anéis, mas esses são produtos bem diferentes entre si. Os filmes de Peter Jackson são obviamente voltados para os fãs, mas o espectador comum certamente apreciaria tais versões de forma mais palatável que este novo Liga da Justiça. Um filme de orçamento tão grandioso não poderia ser tão voltado para nicho.

    Em questões musicais, a trilha sonora é mal encaixada principalmente nos momentos em que não há tanta ação. O uso é piegas, e casa muito mal com os momentos explicativos. O filme parece uma tentativa de transformar um produto heroico em uma ópera. As batalhas são artificiais, as frases de efeito não convencem, os conflitos empolgam menos que as lutas pseudo-realistas da trilogia Batman de Christopher Nolan, e tem a qualidade dramática do pior dos seriados CW da DC, fora a fotografia e o uso excessivo de câmera lenta. Mal parece que as gravações seriam destinadas a tela grande.

    O visual do Lobo da Estepe é arrojado, mas funciona de jeitos distintos quando o personagem está em ação ou apenas parado em cena. Ao menos a razão de entrar na Terra atrás das caixas maternas faz mais sentido, como um filho rebelde que busca a aprovação do pai, Darkseid. Já a participação dos vilões do Quarto Mundo é fraca. A batalha antiga entre a humanidade e os asseclas de Apokolips é cheia de bonecos digitais que fazem de 300 um filme ultra realista. Os atores rejuvenescidos parecem retirados de cutscenes de jogos de 64 bits e não casam bem com o clima proposto.

    A partir daqui, a análise conterá spoilers

    Toda a segunda parte do filme é bem melhor desenvolvida. A historia é mais fluida, há mais inserção de material inédito e não meras variantes do antigo. Se há algo positivo nesta nova visão do diretor é o tom heroico, após muitos tropeços, ele entendeu que não há motivo para deixar todos os personagens como versões sisudas e obscuras deles mesmos. Mesmo o Superman tem uma abordagem diferente, que claramente não combina com Homem de Aço, e sim com um resgate às origens do herói. Henry Cavill parece mais uma versão do desenho antigo do DCAU ou do seriado de cinema dos irmãos Fleischer, não é exatamente o Superman de Christopher Reeve, mas possui boa parte do espírito, e sua experiência de pós morte pode ser uma boa explicação para encontrar essa persona. Não há motivo para reclamar de um retorno ao correto estilo da personagem, mesmo que seja tardio.

    Outra conclusão difícil de analisar é saber se foi essa versão que a Warner recusou anos atrás. Até porque o valor para a gravação de novas cenas foi aumentando ao longo da produção, claramente não influenciou só cenas de CGI (até porque esses efeitos são ruins, na maioria do filme). Mas como faltavam cenas, foram feitas refilmagens mesmo que Snyder e a produção negasse a princípio. Além disso, a culpa sobre o corte cinematográfico de Joss Wheddon é incalculável também, uma vez que não se sabe em detalhes qual foi o pedido do estúdio para ele. Seu crédito oficial foi de roteirista, mas sabe-se que ele dirigiu cenas extras, incluiu momentos diferentes do conceito de Snyder, adicionou humor e cenas como a do Flash em seu primeiro salvamento e Aquaman confessando a realidade de seus pensamentos por conta do laço da verdade que, obviamente, não estão aqui. Para além de cenas machistas conduzidas por Wheddon em Liga ou Vingadores: Era de Ultron, há de se lembrar que essa visão já foi abordada por Snyder, autor do filme autoral Sucker Punch em que moças andam de espartilho em cenários nerds fetichistas. Além, é claro, de cenas da Mulher Maravilha em poses exageradas ao laçar o Apocalipse em BvS.

    Além do arco do Cyborg, o de Superman é bem diferenciado, para além da mudança da cor de sua roupa. Mesmo que brevemente, Snyder remete ao melhor que seu filme de 2013 teve: as origens alienígenas do herói onipotente. Surpreendentemente, o diretor opta por um uso de cores mais variado fugindo da velha piada de filtros do Instagram que fazia com seu cinema. As sequencias de batalha no final tem bons momentos, com uso de veículos, gadgets e tudo que um filme de ação super heroica precisa para agradar crianças e vender brinquedos. Ao contrário do que supunha, as lutas não são super violentas, nesse ponto, entram no patamar dos filmes da Marvel de Kevin Feige.

    O diretor pôde amadurecer seu tom, que realmente só é estragado pela música que foi uma constante negativa do filme, assim como o cenário de Apokolips que aparece timidamente, mesmo que esse tenha um aspecto visual estranho. Assim como o epílogo que parece um amontoado de cenas excluídas e desconexas que lembram os sonhos do Batman. A maioria delas é despropositada, servem com teasers de arcos futuros que dificilmente serão filmadas. O Snydercut é uma realidade.

  • Crítica | Blade Runner 2049

    Crítica | Blade Runner 2049

    Havia muita expectativa em relação a Blade Runner 2049, fosse pelo óbvio fato de Blade Runner – O Caçador de Androides ser um clássico absoluto, injustiçado pelos produtores da Warner Bros à época, ou pelo fato da de Dennis Villeneuve,  uma promessa de grande cineasta desde o começo de sua carreira, assumir a direção. A realidade é que a continuação, lançada 35 anos após o primeiro filme, tenta expandir o conceito pensado por Hampton Fancher e David Webb Peoples, roteiristas do original, utilizando com maior vigor os temas de Phillip K. Dick.

    A história é contada através do olhar do caçador KD6.3-7, ou simplesmente K, vivido por Ryan Gosling. Desde o começo a trama informa que se trata de um replicante mais avançado que os modelos Nexus, da Tyrell Corporation. Uma das criações de Wallace (Jared Leto), um novo eugenista que se valeu dos espólios de seu antecessor para, basicamente, criar outros replicantes, supostamente menos agressivos e predatórios que os anteriores. Parte da base narrativa passa também por Luv (Sylvia Hoeks), um dos modelos mais avançados dessa era.

    K vive sozinho, com uma inteligência artificial holográfica, interpretada por Ana de Armas. O conceito por trás dessa tecnologia e identidade serve para contrapor a coisificação ocorrida com Rachel no primeiro Blade Runner, elevando a discussão para um tema mais progressista, quase significando um pedido de desculpas pela atitude de Deckard (Harrison Ford) ao forçar a replicante a dormir com ele. É a partir das discussões com a holografia que K passa a sonhar com upgrades em seu destino, com sonhos envaidecidos, que poem em cheque a questão desses modelos terem alma ou não.

    A direção de arte tem atenção as referências do primeiro filme, relembrando até mesmo o terrível spin off  Soldado do Futuro em alguns momentos. A tecnologia retro e suja insere a sequência na mesma tônica do primeiro filme, sem exagero e nem fan service. Parte da construção primorosa desse retorno ao universo de Dick é culpa de Roger Deakins, que retorna ao trabalho com Villeneuve para apresentar enquadramentos grandiosos, valorizando a utilização de efeitos práticos. Tudo no cenário tem textura e realismo impressionante.

    Em tempos de Atômica e John Wick, é natural que haja uma cobrança por lutas mais realistas. Não é o caso em 2049, já que os personagens são super humano. Assim, os embates físicos são organizados com golpes secos e certeiros, fato que valoriza também o roteiro e as cenas. A trilha de Benjamin Wallfisch e Hans Zimmer segue a mesma linha de Vangelis, ainda que nos momentos em que a música interfere na trama não sejam tão brilhantes.

    A persona de K lembra muito mais o Deckard de Androides Sonham com Ovelhas Eletrônicas do que o Deckard de Ford no filme de 1982, em especial por ele não ter a dúvida sobre sua identidade genética. Todos os anseios do personagem são próximos de suas posses eletrônicas, seja na relação que tem com a inteligência artificial Joi, como também na necessidade de fazer upgrades no sistema. A fé que o personagem põe no discurso programado da inteligência, nos faz lembrar também a crença do Deckard original de que sua vida melhoraria graças ao animal artificial que compraria, uma vez que a evolução tecnológica é um dos principais motes do livro de Dick.

    O roteiro de Fancher e Michael Green levanta questões filosóficas diferentes do original, em especial no embate entre o legado de Tyrell e a vaidade humana como ponto primordial da vida, mesmo que a inorgânica. O desfecho de K e Deckard gera  discussões válidas, que levam em conta o preço da liberdade e o esforço para travar uma guerra por ela. De certa forma, o filme remonta a discussão ocorrida em um episódio de Jornada nas Estrelas: a Nova Geração, a respeito da individualidade do androide positrônico Data, analisando suas liberdades e escolhas. Caso haja de fato a exploração do cliffhanger de Blade Runner 2049 com continuações vindouras, há um valido argumento para uma sequência. Porém, há chances delas falharem como o péssimo Matrix Revolutions. Como obra fechada, o filme segue de maneira criativa e inspirada, unindo-se com qualidade aos pontos inteligentes do clássico.

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  • Crítica | Esquadrão Suicida

    Crítica | Esquadrão Suicida

    Esquadrão Suicida

    Criado no fim dos anos 1950, mas só popularizado na saga pós-Crise Lendas, o Esquadrão Suicida era um grupo composto por vilões do segundo escalão, montado por Amanda Waller, uma das mentes que dominavam o cenário escuso do universo DC, responsável entre outras coisas pelo Projeto Cadmus. De fato, a equipe jamais havia sido alvo de uma popularidade indiscutível e funcionava melhor como elemento coadjuvante (como feito na segunda temporada de Arrow) do que como centro das atenções, inclusive com um péssimo evento audiovisual no longa animando Batman: Assalto em Arkham, que trata exatamente dos mesmos protagonistas do filme de David Ayer.

    Há dois pilares de confiança para o filme, o primeiro é o prestígio de Viola Davis interpretando Waller, desde sempre sendo ela a escolha perfeita para o papel. Apesar de ter pouca oportunidade de brilhar – e de conter para si um grande número de equívocos estratégicos – a atriz consegue fugir da mediocridade que permeia o filme. Já o outro parâmetro de qualidade recairia sobre Ayer, que desnecessariamente emula traços do estilo de filmagem de Zack Snyder, uma vez que seus trabalhos são em muito superiores aos do visionário realizador de Watchmen. O slow motion é excessivo e irritante, fazendo o tom bastante genérico.

    Uma das maiores discussões a respeito do filme era em relação a Arlequina de Margot Robbie. Quanto a isto, não há tanta exploração sexual quanto se imaginava antes da exibição, ainda que toda a vigilância não tenha sido em vão por futuras passagens com a personagem. Robbie permanece com muito mais pele à mostra do que deveria, especialmente comparando a versão original da esquizofrênica personagem pensada por Bruce Timm na série animada do Batman, com esta nova faceta pós-novos 52, hiper-sexualizada. Os inúmeros erros de roteiro não mostram uma personagem forte emocionalmente, e sim uma mulher que foi muito abusada e que sofre desse mal o tempo inteiro. Sua performance é a mais rica e profunda do longa e só perde força graças ao preciosismo do Coringa.

    O palhaço e príncipe do crime de Gotham soa patético e faz rir pelos motivos errados, não por possíveis gracejos e sim pela construção extremamente caricata e deslocada que Jared Leto emprega. A culpa pela participação pífia parece dividida entre o texto atrapalhado de Ayer e a necessidade do ator em tentar a todo custo superar seu antecessor, Heath Ledger. Não havia qualquer necessidade para tal, tanto no Batman de 1989 quanto em Cavaleiro das Trevas há boas apresentações do criminoso insano. Ambas conseguem atingir uma boa expectativa quadrinística do Coringa, mas esta não. As cenas com Leto parecem enxertadas às pressas para trazer algum rosto conhecido ao filme, e quase banaliza o pouco de argumento que funciona em relação a Harley.

    A ideia de se fazer um filme de equipe não passa de uma premissa não alcançada. O que se vê é um sub-aproveitamento dos personagens. Rick Flag (Joel Kinnaman) consegue alguns momentos condizentes com a figura de militar inspirador, mas logo perde força ao executar um momento de irreal cafonice, contendo em mãos a chave para convencer o protagonista Pistoleiro/Floyd Lawton (Will Smith) de segui-lo até a morte. Mesmo o sentimentalismo barato – marca registrada de Smith em muitos de seus filmes – neste soa desimportante.

    Mesmo as piadas que funcionam no material promocional ficam mal encaixadas, soam fracas e sem peso, jogadas em uma edição confusa, que por sua vez provém de um texto final nada sólido. Alguns poucos momentos de ação são salvos pela competente mão de Ayer, mas ainda assim é pouco, muito pouco. Falta lógica na maioria das táticas de guerra, e isso faz toda a diferença para a suspensão de descrença de um público ávido por uma abordagem mais certeira da Warner e DC no cinema.

    O resultado final carece de um bom vilão. E, fora Harley, os personagens femininos são fracos. Katana aparenta ser um cosplay, dada que sua motivação é tão ruim quanto a da Magia de Cara Delevingne, que faz uma vergonha tremenda nos instantes finais. Sua apresentação rivaliza com a do Crocodilo em matéria de caricatura, e é péssima em caráter de pieguice, acompanhada, claro, do restante do elenco nesse quesito. Esquadrão Suicida é aprisionado no limiar entre um filme de ação genérico dos anos 1980, um produto trash da Asylum, transitando entre Falcão, o Campeão dos Campeões e Sharknado, ainda que não haja, nem em seu orçamento quanto mais em expectativa, qualquer semelhança com quaisquer dos dois gêneros ou os dois exemplos citados.

  • Crítica | O Quarto do Pânico

    Crítica | O Quarto do Pânico

    O início da década de 2000 não foi muito generoso com alguns dos maiores cineastas da modernidade. Os irmãos Coen patinavam com produções como O Amor Custa Caro e Matadores de Velhinhas; Terrence Malick trazia o bom, mas cansativo, O Novo Mundo; Martin Scorsese sofria com duras críticas ao filmes Gangues de Nova York e O Aviador, dentre outros exemplos. Nesse contexto, David Fincher não conseguiu escapar da curva com seu quinto filme como diretor: O Quarto do Pânico.

    O filme abre-se de maneira bem interessante, com tomadas externas de pontos específicos de Nova York, enquanto os seus componentes, como os prédios e seus vidros espelhados, se misturam, refletem e interagem com as letras dos créditos, causando um belo efeito visual. Após termos contato com toda a amplitude da cidade, o foco se volta aos personagens principais, Meg Altman (Jodie Foster) e Sarah Altman (Kristen Stewart), que visitam uma bela e enorme casa, incomum em Manhattan.

    Por estar se divorciando do rico marido, Meg procura uma nova casa para ela e sua filha, e dinheiro não é problema. Porém, a casa pertencia a um investidor paranoico que construiu em seu lar uma verdadeira fortaleza para resistir a tudo, especialmente invasores, transformando seu quarto em um “quarto do pânico” revestido de aço, concreto e com linha telefônica separada, sistema interno de TV, além de um estoque de água e outros itens de sobrevivência. Ao adentrar o quarto fechado, Meg se vê sofrendo os sintomas da claustrofobia, que estranhamente irá passar conforme o filme avança. Mas, mesmo assim, fecha o negócio e se muda para a casa.

    Na noite da mudança, três homens invadem a casa para roubar o cofre que se encontra justamente dentro do quarto secreto. Títulos ao portador que valiam milhões. Os invasores Burnham (Forest Whitaker), Raoul (Dwight Yoakam) e Junior (Jared Leto) não sabiam que teriam moradores na casa porque Junior se confunde com as datas: por meio de uma desculpa muito preguiçosa do filme de tornar tudo um simples “acaso”, Junior acha que 14 dias são três semanas, acreditando que só seriam contados os dias úteis. Raoul, o desconhecido que Junior traz sem avisá-lo do assalto, já se mostra desde o início portador de uma estranha e violenta personalidade, que assusta o pacato Burnham, funcionário de uma empresa em que trabalha instalando equipamentos de segurança, como os do quarto da casa.

    Os três decidem realizar o trabalho mesmo assim, mas ao descobrir que existem invasores no domicílio, Meg e Sarah se escondem no quarto do pânico, e aí que começam os problemas para ambos os grupos. A tensão é bem estabelecida e mantida durante o segundo ato, pois se dentro do quarto mãe e filha estão seguras, não houve tempo de ligarem todos os equipamentos de segurança, como o telefone, além de Sarah ser diabética e não ter levado sua injeção de insulina.

    Enquanto Junior e Raoul tentam de forma brutal achar um jeito de entrar no quarto, Bunham tenta tirar de lá as duas moradoras de várias formas, uma engenhosidade dos personagens, especialmente de Meg, que soa um pouco estranha, como se qualquer cidadão normal pudesse tê-la, ainda mais sob tamanho stress.

    A relação entre os próprios bandidos começa a mudar quando suas divergências sobre os métodos de como lidar com a situação começam a ir por caminhos muito diferentes. Bunham não quer machucar ninguém, e Raoul não se importa com isso, tanto que Junior é morto por este, agravando a tensão entre ambos.

    Após Meg conseguir fazer um contato mínimo com seu ex-marido, este aparece e é usado como refém pelos bandidos, o que força Meg a sair novamente do quarto. Porém, Sarah lá permanece e Meg consegue jogar para ela o estojo com a insulina.

    Bunham abre o cofre e pega os papéis, que eram muito mais valiosos do que pensavam. Mas Raoul, fazendo o claro clichê papel do bandido mau, tenta matar Meg, e Bunham acaba salvando-a, fazendo o papel do bandido bom, e é preso por isso. As sequências finais, com imenso potencial, acabam se perdendo em meio a tantas reviravoltas que abusam de clichês.

    Esse emaranhado de acontecimentos no terceiro ato são um exemplo claro do principal problema do filme. Apesar de ficarmos tensos ao acompanhar o desenrolar da trama, ela não tem uma base para se sustentar e não consegue cativar profundamente o espectador, já que trabalha sempre em cima de superficialidades. O filme se torna esquecível a partir do momento que acaba

    O Quarto do Pânico tem vários elementos que funcionam bem. A casa escura, grande e solitária, totalmente vigiada, ajuda a contar a história através de suas câmeras. Porém, o que acaba prejudicando a obra é justamente o fato da trama não ter muitos atrativos além do quarto e como várias coincidências são necessárias para se estabelecerem as tensões que a fazem andar. Dentro daquele universo, fica difícil saber se haveria algo mais a ser feito, mas o fato é que a produção falha em pisar fora do lugar comum das obras do gênero, tornando sua experiência quase que descartável após assisti-la, algo que deixa muito a desejar frente a uma filmografia tão grande e importante quanto a de Fincher. Felizmente, os outros filmes compensam.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Clube da Luta

    Crítica | Clube da Luta

    Clube da Luta 1

    Por vezes, a humanidade passa por períodos de conflitos. Do antigo com o novo, do espiritual com o material, do “certo” com o “errado”, dentre outros. Também nessas épocas, a humanidade tenta produzir obras para interpretar esses fenômenos e as angústias do homem. Atualmente, em uma sociedade pós-industrial e com gerações de jovens com cada vez mais recursos e cada vez menos perspectivas, o livro de Chuck Palahniuk oferece uma visão singular sobre nós. Adaptado para o cinema em 1999 por David Fincher, o filme Clube da Luta não fez sucesso em sua estreia, e foi muito mal falado por muitos dos principais críticos de cinema do planeta. Porém, hoje, é cultuado por jovens e adultos que identificam na obra a crítica ao vazio existencial de milhões de pessoas frente a uma cultura de consumo em massa, que propõe definir personalidades através da compra de produtos.

    A história gira em torno do narrador (Edward Norton), um funcionário de uma indústria automobilística nos EUA e que leva uma vida tediosa, enquanto descarrega suas frustrações consumindo itens para decorar sua casa, mesmo que não use nada disso. Ao conhecer o excêntrico Tyler Durden (Brad Pitt) em uma viagem de negócios, sua vida irá mudar completamente.

    Dividido em três atos, o primeiro se concentra em detalhar o vazio da vida do narrador (fazendo uma analogia com a vida moderna da humanidade em geral) e sua tentativa de vencer a insônia que lhe impede de dormir. Quando passa a frequentar os grupos de ajuda a pessoas com doenças graves, encontra um certo conforto na profundidade de emoções de pessoas perto do fim, até sua hipocrisia ser desmascarada por Marla Singer (Helena Bonham-Carter), uma mulher atormentada que também procura os grupos de ajuda, segundo ela, por ser mais barato que cinema e ter café de graça.

    O primeiro ato tem como maior mérito a direção de David Fincher, e a edição, com cortes rápidos e usando artifícios para exemplificar o vazio existencial do narrador. As luzes da máquina de xerox se relacionando com a passagem do tempo, e a correria do aeroporto para hotéis com a velocidade dos aviões fornecem um importante elemento de como sua vida está passando, e ele parece sempre estar correndo atrás dela.

    O segundo ato, quando o narrador conhece Durden em um avião, é focada em estabelecer a relação entre ambos. Enquanto o narrador, que já conhecemos, mantém se mostrando superficial e preocupado com bens materiais, Durden oferece outra perspectiva ao fazer uma série de críticas ao consumismo e a forma como somos programados para simplesmente fazer o que a propaganda manda.

    O ponto alto dessa sequência é quando Durden pede para que o narrador lhe dê um soco, o mais forte que conseguir, pois nenhum homem sabe muito sobre si até que tenha entrado numa briga. Tal ato desencadeia a principal linha narrativa do filme a partir de então: a de autodescoberta e autoconhecimento do homem enquanto atinge seus limites físicos e mentais no chamado Clube da Luta, que consiste em pessoas comuns lutando de forma crua e brutal, com as famosas 10 regras, replicadas à exaustão na cultura pop. Funcionando como válvula de escape do homem selvagem preso dentro do reprimido homem moderno, o clube funciona como um elo entre todas aquelas vidas sem sentido, e a camaradagem ali surgida, além da devoção a Durden, servirão também de elemento principal da construção do terceiro ato.

    Simplesmente a libertação individual através do clube da luta não adiantava mais. Era necessário levar essa etapa adiante com o Projeto Caos, onde atos de vandalismo e depois “terrorismo” eram cometidos seja para mandar mensagem, seja para realmente tentar mudar a lógica da sociedade moderna ao explodir os prédios e os centros de informação das empresas de cartão de crédito para zerar as dívidas de todas as pessoas do sistema.

    O terceiro ato, então, se dá exatamente na construção e clímax das ações do “Projeto Caos”, onde o narrador acorda assustado para uma realidade que foi construída sob seus olhos. Quando descobre o que está realmente acontecendo em sua volta (e consigo mesmo), é tarde demais.

    Um dos segredos do sucesso de Clube da Luta é se focar justamente em uma geração que tem todas as necessidades materiais satisfeitas, e como isso não consegue satisfazê-los por completo enquanto seres vivos, ao contrário de toda a propaganda do século XX. Cada vez mais doenças comportamentais como obesidade, associadas ao consumo de drogas prescritas (além de uma nova geração de doenças como depressão, TDHA, DDA, etc.) indicam que o homem moderno não está feliz onde se encontra. Utilizando-se fartamente de metalinguagem, a história tenta mostrar por um lado tragicômico esse quadro. A sequência criada unicamente para o filme, dos protagonistas levando sacos de gordura de lipoaspiração feitas em madames ricas para fazer sabão, que será revendido a elas, demonstra a genialidade agressiva e brutal de um círculo tão simples de acontecimentos.

    A narração, ferramenta tão criticada e tão comumente mal usada, é perfeita no objetivo de clarificar ao espectador o que se passa na cabeça do narrador, aflito por tantas questões no início, e depois nos acompanhando em sua descoberta de um novo mundo, apresentado por Tyler Durden.

    Também importante são os diálogos milimetricamente pensados. Nenhuma fala está desconexa junto ao contexto do filme, ou apresenta contradição. Cada personagem tem sua personalidade e funções definidas, e suas interações representam esse universo de forma crível, fortalecendo a história. Por vezes usando passagens literais do livro, às vezes alterando-as, e até mesmo criando outras totalmente novas, Fincher consegue criar novos elementos dentro deste universo que avança a discussão colocada pelo livro de Palahniuk, o que também é bem raro na indústria cinematográfica. As atuações de Pitt e Norton, talvez as melhores de suas carreiras, também contribuem para isso.

    A música dos Dust Brothers, com toques eletrônicos e industriais (que lembra um pouco o que Fincher iria buscar depois na parceria com Trent Reznor), também contribui para criar o clima seco e caótico do filme, também construído pelas cores de tom alaranjado, azul e cinza usadas, cada um com seu propósito.

    Além da parte técnica, os méritos do filme vão para as citações, iconizadas e reproduzidas por fãs no mundo todo. Frases como “As coisas que você possui acabam te possuindo”, “É somente após perder tudo que você está livre para fazer qualquer coisa” e outras simbolizam essa dicotomia entre uma humanidade que consome para preencher um vazio, mas que nunca consegue. A atração por ideias tão radicais também se dá pela necessidade do espectador procurar um contato com sua natureza interna, ao mesmo tempo em que nega a propaganda a que foi submetido por toda a sua vida. A ação direta contra o sistema, passando longe dos gabinetes políticos e discursos oficiais vazios soa como música para uma geração intermediária, que não construiu nada, não lutou contra nenhuma ameaça real, e aproveitou todos os frutos dessas conquistas. Como o próprio Tyler diz, a falta de desafios reais torna essas vidas uma grande depressão. O próprio conceito de luta de classes é ressignificado não só como interpretação teórica da realidade, mas na ação direta, no puro caos criado pela classe trabalhadora na vida dos ricos através de ações como urinar em sua sopa ou colocar cenas de filmes pornográficos em filmes infantis.

    Clube da Luta funciona, então, como um retrato não só de como as atuais gerações jovens se sentem, mas como elas gostariam de se sentir, e experiências que gostariam de viver. Os clubes da luta e a violência física funcionando como um abandono a toda a sofisticação da vida moderna, e a busca pelo contato com o lado selvagem perdido da humanidade. Talvez o filme não fale para todos. Para aqueles poucos que se sentem confortáveis frente a imensidão do planeta, soe tudo bobo, inocente e negativo demais. Porém, análises profundas da realidade social soam negativas e atraem antipatia ou indiferença de quem não compreende, não se importa ou ainda não se viu em contato com essas questões. Mesmo nestes casos, Clube da Luta pode ser muita coisa, mas não é “simplista”. Nem perto disso. Sua mensagem, produzida nos anos 90, ainda menos “moderno” do que hoje, continua atual e profunda, atraindo novos fãs que também sentem em si esse eterno desconforto com a sociedade. E a tendência deste desconforto é a de só aumentar.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Clube de Compras Dallas

    Crítica | Clube de Compras Dallas

    Dallas Buyers Club

    Ron Woodroof, personagem de Matthew McConaughey, é mostrado imediatamente como um sujeito desregrado cuja vida boêmia o empurrou para o estágio em que está. A câmera o registra a meia distância em suas atividades “marginais”, sua aparência é de decadência, seu corpo aparenta uma enorme fraqueza através da magreza excessiva e das tosses constantes. A notícia de que seria um soropositivo o pega de surpresa e o faz começar negando o problema. Dallas Buyers Club se passa nos anos 80, onde ainda não se tinha total clarividência sobre a doença, e onde ainda se acreditava que esta era algo passado somente em relações sexuais entre homossexuais.

    A percepção que está mal faz com que Woodroof apele para o suborno, numa brincadeira do roteiro com o Modelo de Kluber Ross (e seus cinco estágios: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação), mas não tira de si o comportamento machista. Tal postura pode ser encarada como um mecanismo de defesa, uma dificuldade de conviver com sua condição, especialmente no ambiente em que está, e a coisa só piora quando os seus “iguais” o tratam como as “bichas”, que são basicamente o seu objeto de ódio até ali.

    À sua maneira Ron tenta dar a volta por cima de seus problemas, a escolha do ramo de negócio o faz encarar sua condição com muito mais positividade, e aparentemente ele até melhora seu aspecto, tendo poucos ataques. Ele expande suas fronteiras, torna-se cosmopolita, na tentativa de retomar seu destino em suas mãos, mas as medidas não passam de paliativos.

    Os ataques e recaídas, simbolizadas com um zumbido intermitente são uma ótima artimanha para demonstrar o descontrole de Ron, a escolha de Jean Marc Vallée demonstra o quão suscetível ele permanece ao vírus, mas não invalida seu meio de vida marginal, visto a propensão da Doutora Eve Saks (Jennifer Garner) aos resultados que seus pacientes têm ao comprar de Ron seus medicamentos. A filmografia de Vallée costuma se valer de um discurso que aborda temas ligados a minorias secularmente excluídas, mas sem tratá-las como pobres coitadas (como em Lista Negra e Café de Flore). O clube de compras é mais do que uma tola tentativa de lucrar em cima da desgraça alheia – coisa que nem mesmo Ron percebe de início.

    As atuações estão impecáveis, Matthew McConaughey faz um sujeito bronco, preso numa situação calamitosa mas que tem criatividade o suficiente para se reinventar e reconsiderar seus conceitos. Os coadjuvantes também são competentes, Jennifer Garner e Denis O’Hare, mas é Jared Leto que obviamente rouba as atenções, com sua Rayon no começo como uma louca drag queen e ao final na decadência da doença, sem conseguir se livrar de seus vícios e definhando dia a dia. Sua vida afeta diretamente a de Ron e o faz perceber o quanto ele mesmo mudou.

    A discussão ética presente no roteiro é obviamente válida, especialmente quando de pensa na burocracia do sistema médico americano e no intervencionismo do homem comum para corrigir a conformidade que lhe é imposta. A venda ilegal das drogas impingida por Ron Woodroof evolui de estágio, de um simples tratamento próprio passando pelo lucro e desembocando na defesa de um ideal que beneficia uma parcela da sociedade que antes era até perseguida pelo indivíduo em questão, mas que mesmo diante de todas as qualificações honrosas ainda é diminuto se comparado ao poderio dos conglomerados farmacêuticos. A resistência de Ronald tem seus louros ao final e ele se torna um símbolo da luta de muitos doentes por melhores condições ao conselho médico estadunidense, ainda que este reconhecimento só tenha vindo anos após seu falecimento em 1992.

  • Crítica | Psicopata Americano

    Crítica | Psicopata Americano

    Psicopata Americano não foi um sucesso notável de bilheteria, mas acabou se firmando como um dos filmes mais cultuados do cinema contemporâneo. O misto de violência, cultura pop e a atuação memorável de Christian Bale tornaram o filme uma espécie de clássico cult e referência para o cinema independente.

    Psicopata Americano conta a história de Patrick Bateman, um jovem executivo de Nova York que esconde fortes tendências assassinas. De dia, Bateman senta em seu escritório, almoça no clube e compara cartões de visita, durante a noite ele tortura e esquarteja prostitutas e rivais.

    O personagem de Bateman é apresentado enquanto realiza sua rotina cosmética diária. A precisão com que ele cita cada passo e principalmente cada produto, e a luz dourada que enquadra Bale como uma espécie de quadro ou deus grego deixam claro o que é Patrick Bateman: uma imagem. E no plano final da sequência, ao simbolicamente retirar uma máscara do seu rosto, o personagem confessa que sabe disso.

    Patrick Bateman é uma imagem, uma casca cuidadosamente construída, mas sem nada do lado de dentro. Nada, exceto a obsessão com essa imagem. A cena em que diversos executivos comparam seus cartões de visita é didática: eles são todos iguais, ainda assim cada um precisa ser o melhor.

    O filme é extremamente irônico e o distanciamento de Bateman é tratado de forma precisa e sutil, com destaque para os momentos em que ele discorre longa e academicamente sobre bandas da época, enquanto assassina alguém, assiste duas prostitutas transando ou se prepara para torturá-las. Mary Harron, a diretora do filme, acerta ao contar a história pelo ponto de vista de Bateman sem avisar o espectador disso, o que permite a surpresa e ambiguidade finais.

    A ironia confere ainda um ar absurdo a coisa toda: a violência de Bateman se torna extremamente caricata e no final até improvável; a forma como ele nunca faz nada em seu escritório, exceto palavras cruzadas; a noiva, interpretada por Reese Whiterspoon, que podia facilmente ser a “barbie anos 80”. O filme é uma crítica ácida, mas irônica, que equilibra violência e humor e talvez por isso tenha se tornado tão comentado.

    A direção de arte, os enquadramentos e a trilham reforçam a caricatura. Os figurinos são exatamente aquilo que diz o estereótipo dos anos 80, a direção usa planos e recursos datados, como o zoom e efeitos de transição na montagem e a trilha parece algum tipo de compilação de “top hits” da época. Tudo é extremamente anos 80, os yuppies, a cocaína, as roupas.

    Psicopata Americano critica fortemente o capitalismo e uma sociedade obsessivamente voltada para a imagem. Mas o faz de forma sarcástica e quase auto-acusatória (afinal, o cuidado da direção de arte do filme ecoa o de Bateman com seu corpo), ao contrário do que David Cronenberg fez em Cosmópolis, Psicopata Americano não se apoia em discursos, mas na imagem. Isso tudo, quando aliado ao final duvidoso do filme, parece querer falar de uma loucura que não é só de Bateman, mas própria do sistema.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

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