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  • Crítica | Os Pequenos Vestígios

    Crítica | Os Pequenos Vestígios

    Um dos primeiros filmes que a HBO Max colocou no mercado americano no esquema de lançamento simultâneo nos cinemas e na plataforma de streaming, Os Pequenos Vestígios parecia fadado ao sucesso. Um filme estrelado por Denzel Washington, Rami Malek e Jared Leto, além de ser um projeto de estimação do diretor/roteirista John Lee Hancock, amigo de Clint Eastwood, diretor de boas obras como Um Sonho Possível e Fome de Poder, além de roteirista de Um Mundo Perfeito, filmaço dirigido e estrelado por Clint e Kevin Costner. Entretanto, o que parecia ser bom demais, acabou sendo apenas mediano, onde incrivelmente o maior destaque é excelente atuação do controverso Jared Leto, ofuscando seus colegas de elenco.

    Na trama do filme, Washington vive o policial Joe Deacon, um homem que notadamente tem um mistério que o cerca. Enviado de volta a Los Angeles após cinco anos trabalhando em uma cidadezinha próxima, Deacon se envolve em um caso liderado pelo jovem e quase esnobe sargento Jimmy Baxter (Malek). À medida que a inicialmente oposta dupla trabalha junta, mais semelhanças entre suas personalidades vão aparecendo. E o caso — que envolve seis vítimas mulheres assassinadas de modos similares — também vai trazendo à tona o mistério em torno de Deacon.

    O filme tem uma sequência inicial eletrizante, onde uma mulher é perseguida por um homem em uma estrada sem nenhum movimento. Isso faz com que o interesse do espectador se eleve de maneira exponencial. Porém, à medida que os acontecimentos do filme vão se desenrolando, o interesse vai diminuindo até chegar ao ponto em que chegar ao final é uma mera obrigação.

    Durante anos, Hancock tentou levar seu projeto às telas. Steven Spielberg demonstrou um interesse inicial no projeto em 1993, logo que o primeiro rascunho de roteiro ficou pronto, mas desistiu por achar violento demais. Hancock então tentou Eastwood, que até ficou atrelado ao projeto, mas também desistiu. Warren Beatty e Danny DeVito também estiveram vinculados em dado momento, mas nada aconteceu. Hancock então, já com uma boa experiência de diretor acumulada, resolveu levar o projeto adiante como diretor. Talvez seja esse tenha sido o grande problema aqui.

    No intuito de tornar o filme mais misterioso, Hancock resolveu ambientá-lo no início da década de 90, época que não havia certas tecnologias que hoje auxiliam na resolução de crimes. Foi uma saída inteligente que ajuda a acentuar a atmosfera neo-noir da película, já muitíssimo bem estabelecida por uma fotografia caprichada, fazendo com que cada personagem envolvido na trama tenha ainda mais conflitos internos a serem resolvidos, principalmente no que tange à sua competência para o trabalho. O desenvolvimento da investigação é bastante arrastado e repleto de soluções fáceis que em muito destoam da tentativa de fazer um filme “verossímil”, principalmente no terço final. Há um momento em que o tom do filme se torna confuso, pois ao invés de evidenciar uma angústia de um personagem, soa como um flerte com o sobrenatural e foge totalmente da proposta do filme. Além disso, o plot twist é um tanto decepcionante.

    O filme também se apoia bastante nos personagens. Entretanto, a construção da personalidade dos protagonistas soa bastante rasa e o caso mais emblemático é o do personagem de Washington. Seu passado misterioso não devidamente definido e nem suas interações com pessoas de seu antigo convívio ajudam na sua construção. Existem dois diálogos risíveis, um com uma antiga colega de trabalho e o outro com sua ex-esposa, que deveriam despertar alguma empatia no espectador, mas despertam somente estranheza. Já Malek fica como um grande chato durante boa parte do tempo, somente provocando alguma simpatia no espectador na parte final do filme. Porém, Leto se esbalda.

    Chega a ser estranho um filme com Washington e Malek ter como grande destaque o ator que deu vida à pior encarnação do Coringa de todos os tempos. Entretanto, Leto aqui parece totalmente consciente do seu talento para atuação, como vimos em Clube de Compras Dallas, quanto do tanto que consegue despertar aversão nas pessoas, tal como temos visto ao longo dos anos com seus comportamentos bizarros em sets de filmagens e com os seus fãs, o que faz como que ele crie um personagem realmente repulsivo e muito interessante. Seu Albert Sparza, o principal suspeito dos crimes, é um baita acerto e o maior motivo para continuar assistindo o filme até o final. Suas indicações ao Globo de Ouro e ao Oscar de melhor ator coadjuvante foram justíssimas.

    Enfim, Hancock desperdiça uma grande oportunidade ao conduzir o filme com mão pesada, passando a impressão de que nas mãos de outros diretores ou mesmo após um trato por outro roteirista, Os Pequenos Vestígios poderia ser realmente o grande filme policial que aparentava ser quando foi apresentado por seu trailer.

  • Crítica | Fome de Poder

    Crítica | Fome de Poder

    John Lee Hancock é um diretor acostumado a trabalhar em dramas, nos quais é comum acompanharmos histórias de superação com uma certa mágica agridoce. Foi assim com Walt nos Bastidores de Mary Poppins, seu filme recente mais notável e também em Um Sonho Possível. Em Fome de Poder – ou The Founder no original – traz a história por trás do crescimento da marca McDonald’s para muito além do sul da Califórnia.

    A história é focada em Ray Kroc (Michael Keaton), que após vagar atrás de uma boa ideia, acaba por acaso consumindo os hambúrgueres dos irmãos McDonald, Dick (Nick Offerman) e Mac (John Carroll Lynch). Com o decorrer do roteiro, se mostra a evolução de um estabelecimento pequeno para um negócio expansivo e em grande escala. O filme trata de mostrar o método de produção dos alimentos como algo já planejado por seus idealizadores, mas que ainda mantinha em si uma essência de produto pequeno, feito de maneira pessoal para poucas pessoas.

    A vontade de crescer e a ganância de Ray se contrapõe ao desejo de ser apenas auto-sustentável dos irmãos McDonald’s é executada de uma maneira quase branda, e por vezes inspiradora em tudo que envolve o antigo intérprete do Batman. Mesmo quando seu personagem se mostra duro, irascível ou antiético é mostrada uma face benevolente, de quem faz sacrifícios mas só quer o sucesso típico das ambições derivadas do modo de vida americano.

    A maior malícia do texto é mostrar como o ideal do sonho americano influi diretamente no modo de operar de Kroc, justificando de certa forma até seus rompantes temperamentais. Os conflitos poderiam ser grandiloquentes, mas a maioria é contido, na eterna tentativa de não demonizar o grande empresário.

    Toda a bobagem advinda da auto-ajuda empresarial do protagonista é analisada pela câmera de maneira imparcial. O calcanhar de Aquiles de Fome de Poder está exatamente no ponto que deveria ser a sua qualidade, que é a de não tornar Ray um vilão. Ocorre que, em diversos momentos o longa faz crer que seus esforços valeram a pena e que todas as desonestidades impetradas por ele eram na verdade persistência, e não o expansionismo capitalista clássico. Qualidade indiscutível é a construção de caráter que Keaton faz para seu personagem, conseguindo com maestria mostrar o quão complicado era Ray Kroc, unindo aspectos adoráveis e odiáveis em sua conduta, soando harmônico mesmo em posturas tão antagônicas, mas ainda assim é pouco diante de uma história tão complexa.

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  • Crítica | Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal

    Crítica | Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal

    Meia Noite no Jardim do Bem e do Mal 1

    Bastante diferente da sua filmografia costumeira, Clint Eastwood se aventura ao adaptar o livro de John Berendt, cuja história mistura metalinguagem e apreço por fantasia. Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal inicia-se com o ingresso de John Kelso (John Cusack), um jovem escritor de Nova York, na pequena cidade de Savanah, onde deveria cobrir uma festa de Natal bastante abastada, com “patrocínio” de Jim Williams (Kevin Spacey), o qual visa tornar visíveis para o país inteiro as comemorações locais.

    Kelso é um homem atento, que beira o deslumbre ao observar a incomum rotina dos membros da alta sociedade residentes ali. A todo momento ele toma nota, mostrando estar atento a todos os acontecimentos, por menor ou mais tediosos que sejam os eventos que envolvem os ricos de Savanah.

    A investigação do protagonista mudaria, quando um conflito estranho ocorre em plena festa, em uma discussão envolvendo Williams e o jovem e inconsequente Billy Hanson (Jude Law), com o primeiro alvejando o segundo, em um ato supostamente de legítima defesa. Após o ocorrido, uma intricada trama de tribunal se desenrola, com os dois lados distintos se digladiando, com o importante líder da comunidade se valendo de seu prestígio para se livrar da prisão.

    Enquanto o jornalista enxerga a possibilidade de uma história interessante e além da monotonia da cidade interiorana, os argumentos dos advogados do acusado usam um discurso conservador e simplista, que revela as vias pelas quais passam o ideal do pensamento médio norte-americano.

    O filme possui um grave problema de ritmo, tendo partes excessivamente longas, especialmente na metade de sua duração, que mistura elementos diversos que pouco combinam entre si, gerando uma quantidade enorme de aspectos estranhos ao olhar do público. A atmosfera presente no roteiro de John Lee Hancock (também roteirista de Um Mundo Perfeito e Branca de Neve e O Caçador) apresenta longos períodos mornos que ajudam a fazer o espectador perder o interesse no suspense que deveria predominar na fita.

    O desfecho para os envolvidos no assassinato é misterioso e envolve uma dubiedade de caráter e abordagem que deveriam ter ocorrido no restante do filme, e que se apresentam tardiamente, atrelando um conceito de justiça divina sobre os destinos dos “culpados”. Apelando para uma ação divina não-cristã, fugindo do convencionalmente utilizado nos filmes dos Estados Unidos, ainda assim o filme é muito pouco para um produto dirigido por Clint Eastwood.

  • Crítica | Um Mundo Perfeito

    Crítica | Um Mundo Perfeito

    perfectworld

    Um Mundo Perfeito é talvez um dos primeiros filmes que marcou uma mudança na carreira de Clint Eastwood como diretor, mostrando um lado pessoal, até então desconhecido, ao humanizar um protagonista falho. E o filme veio com expectativa depois de Os Imperdoáveis, lançado um ano antes, e que deu o Oscar de Melhor Filme e Melhor Diretor a Clint.

    Robert ‘Butch’ Haynes foge da prisão e começa a ser perseguido pelo policial federal Red Garnett. Durante a fuga, ele rapta Phillip ‘Buzz’ Perry, um garoto de sete anos, e acaba desenvolvendo uma forte relação com o menino.

    O roteiro original de John Lee Hancock acerta ao seguir a estrutura de ação paralela que remonta aos primórdios da narrativa clássica do cinema. Ao focar a relação entre os dois protagonistas logo no começo da história, e como o vínculo entre ambos vai se fortalecendo, a narrativa estabelece uma contraposição curiosa com a implacável perseguição federal.

    Ao apresentar um detento em fuga que rapta uma criança com pai ausente, a história passa a discutir o vínculo entre dois personagens que se completam: Butch não está só fugindo da cadeia, mas da própria vida de crime que ele mesmo escolheu; da mesma forma que Buzz aceita entrar em uma relação que faltava: a presença masculina. Como a história se passa em 1963, o roteiro também passa a discutir como aquela geração estava perdida, fugindo de si mesma, além de questionar seus próprios valores.

    Ao também mostrar a perseguição federal liderado por Garnett, cria-se um paralelo interessante entre as duas situações. Através das ações de Butch e Buzz no meio das dificuldades enquanto tentam fugir o tempo todo, o roteiro de Hancock inverte o eixo moral, e o espectador passa a ter mais empatia por Butch, um ladrão e assassino, do que pelo policial federal que pretende colocá-lo de volta na prisão e fazer com que o garoto retorne salvo e bem para a sua mãe.

    A força da direção de Clint Eastwood está em ter acertado na escolha de um bom roteiro, em dirigir os atores e em focar na narrativa visual do filme. Fora a sequencia da morte de Butch, não há um plano ou cena memorável que transpareça o seu trabalho como diretor do que no contexto geral.

    A atuação de Kevin Costner é o grande destaque do elenco. O ator vinha de uma carreira consolidada desde Os Intocáveis (1987) e Dança com Lobos (1990), mas até então nunca tinha interpretado um protagonista com grande falha de caráter como Butch. A atuação é bem contida quando deve ser e extravasada quando o roteiro pede. T.J. Lowter consegue transmitir bem quando necessário as emoções de uma criança que se encanta pelo raptor. Clint, por sua vez, dá o tom ao policial durão Red Garnett.

    A fotografia de Jack N. Green (diretor de fotografia de Imperdoáveis, Bird e outros filmes do Clint) é naturalista, porém ela se sobressai logo no começo do filme, assim como no final, quando Butch morre e a cena passa a ser poética. A edição de Joel Cox (também editor de Imperdoáveis e outros filmes do diretor) também só prevalesce neste ponto, ao longo do filme ela é linear, servindo como base para a narrativa.

    Um Mundo Perfeito é daqueles filmes que talvez não figuram entre os melhores do seu tempo, mas a bonita história narrada ali através dos nuances mostra que é uma obra das mais interessantes dos anos 90.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Walt nos Bastidores de Mary Poppins

    Crítica | Walt nos Bastidores de Mary Poppins

    saving mr banks

    Durante 20 anos, Walt Disney (Tom Hanks) tentou adquirir os direitos de Mary Poppins, da escritora australiana P.L. Travers (Emma Thompson), que sempre se recusou a vendê-los receando que Disney fizesse “um de seus desenhos bobos”. Entretanto, a crise financeira faz com que ela tenha que negociar. Desta forma, Travers viaja até os Estados Unidos e passa a trabalhar juntamente com a equipe escolhida por Walt Disney para que Mary Poppins chegue às telas. Minuciosa e com muita má vontade, ela começa a encontrar problemas de todo o tipo. Como o contrato lhe dá o direito de cancelar a cessão dos direitos caso não concorde com a adaptação, Disney e sua equipe precisam aceitar seus caprichos para que a produção saia do papel.

    O título nacional não poderia ser mais impreciso. Provavelmente no intuito de facilitar a vida da maioria dos espectadores que não faz ideia de quem seja Mr. Banks — personagem de Mary Poppins —, conseguiram errar duplamente ao rebatizar o filme. Primeiro porque Walt Disney não é o protagonista, como o título faz pensar; segundo porque não se passa nos bastidores de Mary Poppins, mas sim antes do início de sua produção, mais especificamente durante a escrita do roteiro adaptado. No entanto, esse é o menor dos problemas do filme.

    O excesso de licença poética é, sem dúvida, o maior problema. Ao contrário do que é mostrado, Disney e Travers nunca tiveram um relacionamento amigável. Na realidade se odiavam publicamente, não só antes, mas principalmente após o lançamento do filme — não, Travers não aprovou o resultado final, diferentemente do que o desfecho lacrimoso do filme quer fazer acreditar. Ela odiou o filme e se arrependeu pelo resto da vida por ter cedido os direitos a Disney.

    Tom Hanks encarna o papel de um senhor simpático porém muito diferente da realidade, já que Disney sempre foi conhecido por seu temperamento competitivo, quase hostil. Travers, reconhecidamente uma senhora de temperamento difícil, é retratada como uma solteirona ranzinza e “do contra”, bem menos amarga e intragável do que como definiam seus próprios familiares, e mais humanizada pela interpretação de Emma Thomson. Percebe-se aí o “efeito Disney” dos personagens, minimizando tanto os aspectos negativos de suas personalidades quanto o conflito entre dois temperamentos difíceis.

    As conversas entre Travers, o roteirista Don DaGradi (Bradley Whitford) e os músicos Richard e Robert Sherman (Jason Schwartzman e B.J. Novak) certamente não tiveram o mesmo tom divertido e quase gracioso mostrado no filme. Além disso, o roteiro quer induzir o espectador a acreditar que a intransigência de Travers quanto à cessão dos direitos não se devia às suas reservas quanto à padronização da indústria cinematográfica — a autora não queria que Mary Poppins fosse apenas mais um filme padrão Disney. Com uma quantidade excessiva — e irritante — de flashbacks, o roteiro insiste que sua intransigência tinha algo a ver com um trauma do passado. Os trechos da infância de Travers, que se alternam com sua estadia em Los Angeles, são por vezes confusos e comprometem a fluidez da narrativa, e parecem nitidamente escritos com a intenção de emocionar o público a cada dez minutos.

    Enfim, o filme serve mais como um lembrete de que Mary Poppins está prestes a comemorar 50 anos do que como uma obra comemorativa dessa data, já que essa nova produção não é nem marcante nem memorável.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.