Tag: Paul Giamatti

  • Crítica | Anti-Herói Americano

    Crítica | Anti-Herói Americano

    A vida do roteirista e escritor Harvey Pekar sempre foi muito conturbada e repleta de momentos absurdos, para dizer o mínimo. Anti-herói americano, se iniciam nos anos 1950 com ele pequeno, tentando pedir doces. Enquanto todos seus amigos usam fantasias de heróis da DC, o garotinho está com roupas comuns, entediado, irritado porque não deram o que ele quer. Aparentemente o mundo está contra Harv, e não há nada que o faça mudar de ideia.

    A história de Pekar é desimportante em sua premissa. Um homem intelectual, porém sem grandes credenciais, que morava em lugares ruins e tinhas hábitos pouco saudáveis. Esperto e espirituoso, mas sem uma história bonita e inspiradora para contar. Assim tanto a escolha de Paul Giamatti para fazê-lo como a participação do próprio autor fazendo a narração funcionam à perfeição para contar essa trajetória errante.

    A dupla de diretores Shari Springer Berman e Robert Pulcini consegue traduzir em tela um estilo semelhante ao das tiras de quadrinhos underground que Pekar fazia. Seja na melancolia de seus dias e rotina, como no cinismo típico de sua personalidade e humor. Giamatti brilha ao mostrar um homem digno de pena, ordinário, com a cabeça grande demais para a vida mediocrizante do sujeito comum e que sofre com problemas de saúde constantes e irritantes. A música de Mark Suozzo pontua bem esses momentos melancólicos, com metais que lembram o jazz que ele tanto amava e que facilitam a percepção do esplendor americano do titulo original, retirado das revistas que ele publicava com seu amigo, o artista Robert Crumb.

    As intervenções do próprio Harvey beiram o sensacional, aproximam o espectador do objeto biográfico de um modo bem mais simpático do que a maioria das apelações à quebra da quarta parede. Os momentos importantes da vida de Pekar são bem filmados, como o encontro dele com Crumb (interpretado aqui por James Urbaniak), recém chegado da Filadélfia. A interação deles de camaradagem e parceria é posta em tela de maneira singela, dado o total clima agridoce que o longa tem. As inabilidades sociais e o gosto por quadrinhos e música os une, para se tornar algo maior: a maior e mais elogiada parceria que o protagonista teve ao longo de sua carreira.

    O filme possui momentos absurdamente legais, como quando a versão em banda desenhada de Harvey o agride verbalmente, para que ele aja de maneira mais firme em alguns pontos do seu dia. Seu alter ego age de maneira passiva-agressiva, como em uma versão mau-caráter do Grilo Falante do filme Pinóquio da Disney.

    Em Bob & Harv: Dois Anti-Heróis Americanos, quadrinho publicado no Brasil pela Conrad, Pekar afirma que seus amigos gostavam de fazer parte das suas histórias. Entre eles, Toby Radloff se destacava. Seu papel de funcionário público de comportamento enfadonho é feito brilhantemente por Judah Friendlander, e isso se comprova quando o próprio Toby aparece em tela. Aliás, não só ele, mas também sua amada, Joyce Brabner (Hope Davis) também aparece e é introduzida de maneira abrupta, sem tato, como eram vistos os dias de Harv por ele mesmo, como frutos do enfado que é viver.

    Há momentos hilários que retratam bem seu azedume, como quando ele, Joyce e Toby vêem a comedia besteirol A Vingança dos Nerds, com ele se ofendendo com o modo como os personagens são retratados e perdendo a paciência, se estressando com a simples representação caricata de boa parte da população dos EUA. Isso dialoga com seu receio de pessoas comuns e genuínas serem exploradas econômica e estilisticamente por grandes conglomerados, como se fossem animais ou cobaias em laboratórios. Por exemplo, as redes de televisão vem a Cleveland, verificam como são os residentes e fazem piada com eles o tempo todo, por conta do estilo de vida provinciano, semelhante ao que no Brasil é popularmente chamado de bicho do mato.

    Anti-herói americano retrata bem a jornada caótica de Pekar, fazendo dele um bom exemplo de vida, ainda que não seja nada exemplar na conduta ou como figura idealizada. Mas sim de uma pessoa de verdade, com problemas reais, dificuldades comuns a toda sorte de gente, e que não se perdeu sequer em meio a fama. Pulcini e Berman fazem um trabalho bem poético, retratam com maestria o conteúdo diferenciado de Harvey, resgatam suas próprias falas e mostram que sua vida é um reflexo do seu pensamento pretensioso e egoísta. Há muita beleza na forma de abordar a vida de um ícone do underground ocidental, e muito carinho, sobretudo de Giamatti, que em tela e fora dela olha para Pekar com admiração típica de quem sofreu influência direta do artista, mostrando que a retroalimentação de cinema e quadrinhos é viva.

    https://www.youtube.com/watch?v=RzfN8lqoc4s

  • Agenda Cultural 66 | Cinema, Cobra Kai e Blacksad

    Agenda Cultural 66 | Cinema, Cobra Kai e Blacksad

    Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira) e Filipe Pereira (@filipepereiral) recebem Davi Garcia (@dav1garcia), do Ligado em Série e Cine Alerta, comentam sobre o que rolou no circuito de cinema; o terceiro volume de Blacksad, publicado pela Sesi-SP; Cobra Kai e outras séries.

    Duração: 64 min.
    Edição: Julio Assano Junior
    Trilha Sonora: Flávio Vieira e Julio Assano Junior
    Arte do Banner: 
    Bruno Gaspar

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  • Crítica | Straight Outta Compton: A História do NWA

    Crítica | Straight Outta Compton: A História do NWA

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    Straight Outta Compton: A História do N.W.A. era um dos filmes mais aguardados pelos fãs de rap e de música alternativa em geral dos últimos anos, e conseguiu entregar o que prometeu: a cinebiografia de um dos principais grupos da história do hip-hop.

    Na metade dos anos 80, cinco jovens da cidade de Compton, Califórnia, se juntam e fundam o grupo de hip-hop N.W.A. e acabam se destacando no meio do cenário local, e depois nacional, com a proposta de músicas mais realistas, que retratam a rotina violenta das gangues e do tráfico de drogas. Assim nascia o gangasta rap.

    O roteiro de Jonathan Herman e Andrea Berloff, baseado na história escrita por ela, Alan Wenkus e S. Leigh Savidge, preferiu seguir a ordem cronológica dos eventos que levaram a formação do grupo de rap e o consequente sucesso local e nacional. No entanto, faltaram mais informações para ajudar na contextualização e dar ao espectador uma melhor compreensão da origem do N.W.A., de como eles se conheceram até o sucesso consolidado, entender como funcionava aqueles bastidores. As informações são brutas, jogadas. Faltou lapidar, deixar o roteiro mais didático. É nítido o descaso com a narrativa no início até a metade do filme. Uma ou outra cena também podem incomodar por causa do maniqueísmo desnecessário que acabou por dar um tom panfletário, como na cena da abordagem no estúdio de gravação e quando a polícia interdita o show.

    O roteiro evolui bastante quando começam as desavenças internas e Ice Cube e Dr. Dre deixam o grupo, enquanto Easy-E tenta segurar os outros junto do empresário. A ruptura através do bom personagem do Suge Knight e os bastidores da Death Row ajudaram a elevar os conflitos, e as rápidas aparições de Tupac e Snopp Dogg deram um ganho substancial de qualidade ao filme. Apesar de centrar boa parte da narrativa na figura de Easy-E, um grande acerto foi não criar protagonistas, deixando o grupo como um personagem enorme e disforme, um Frankenstein cheio de conflitos. A conclusão foi satisfatória: a morte de Easy-E não representou somente a morte do grupo, mas sim de uma era. O gangsta rap precisava acabar ali para evoluir e evoluiu.

    CapturaaaaaaarOs atores que interpretaram e os integrantes reais do N.W.A. Mais informações aqui.

    Nenhuma das atuações foi memorável, porém nenhum ator comprometeu o personagem em algum momento. O filme poderia ter um bom diferencial dramático, mas acaba preferindo se segurar no roteiro. Dos destaques, O’Shea Jackson é a cara do pai, Ice Cube, e o bom Paul Giamatti consegue dar qualidade sempre que aparece.

    Como diretor, F. Gary Gray podia ter exigido um melhor tratamento para o roteiro. Seu domínio da narrativa visual não condiz com o material que recebeu, e o resultado final acaba ficando incompleto. Faltou uma direção de atores mais atenciosa. É nítida a sua negligência com o elenco principal.

    A fotografia levemente estilizada de Matthew Libatique ajuda na retratação da época. O ótimo fotógrafo, de filmes como Cisne Negro e Réquiem Para Um Sonho, conseguiu dar qualidade à obra nas cenas de festas e dos shows.

    A edição de Billy Fox e Michael Tronick poderia ter cortado cenas desnecessárias, e dar mais ritmo ao filme teria tornado-o melhor. No geral, a edição foi satisfatória: como a fotografia, ela se destaca nas cenas de festas, de shows e nas cenas da Death Row.

    Straight Outta Compton: A História do N.W.A. vale a pena para quem é fã do universo musical. Para quem gosta de rap, é essencial. Apesar das críticas, o filme acaba funcionando no quadro geral.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Terremoto: A Falha de San Andreas

    Crítica | Terremoto: A Falha de San Andreas

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    O nome brasileiro, demasiadamente extenso, busca uma incessante vontade de esticar a falta de conteúdo do filme a partir de seu título. Na primeira cena, o grafismo da catástrofe é mostrado, com um deslizamento leve em uma montanha, que remonta a perícia de Brad Peyton em assinalar imagens visualmente deslumbrantes. Ray é o chefe da equipe de resgate, sendo a rocha que fundamenta a equipe, comprovada pelos músculos de Dwayne Johnson. A tônica do filme é intimamente ligada à verossimilhança moderada do serviço de auxílio, incluindo a ação intempestiva do chefe, que não resiste a uma cena de ação e já se lança rumo a momentos de adrenalina extrema.

    A vida pessoal de Ray é bagunçada: enfrentando um difícil divórcio, o rompimento com Carla Gugino (Emma), e um forçado afastamento de sua filha Blake, vivida por Alexandra Daddario, o que já demonstra a maravilha genética em que o personagem esteve envolvido. Qualquer remorso é pouco. O ressentimento piora ao perceber que Emma se mudará para a casa de seu novo namorado. A tramoia rivaliza tempo e importância com a premonição de terremotos feita por Lawrence Hayes (Paul Giamatti) e Kim Park (Will Yun Lee), um advento interessante que revela uma tragédia ainda pior que a prevista anteriormente.

    O heroísmo repleto de clichês não é exclusividade de Ray, pois a maioria dos que envolvem Blake age impulsivamente querendo salvá-la de qualquer modo, especialmente os que têm pretensão de pleiteá-la como par romântico. No entanto, ainda cabe a Ray os resgates gerais, mesmo com ajudas eventuais de personagens genéricos, que demonstram talentos incomensuráveis do mero acaso. O letreiro de Hollywood novamente destruído é o clichê que representa o intenso fim da indústria cinematográfica repetitiva, vista em espécimes como Terremoto.

    O brutamontes super avantajado segue sua trajetória de tosca evolução apolínea, repleta de julgamentos morais e justiçamento a quem merece punição, fazendo uma valorização absurdamente moralista por tabela. As preces a deus, feitas por cientistas, fazem lembrar o quão pueril e contraditório é o roteiro, que atrela a tragédia natural  ao trauma comum da perda de um ente querido, pondo as  duas celeumas em níveis de igualdade, piorado pelo recente retorno do casal estabelecido. A espiral de pieguice ganha mais força ao demonizar a ação dos covardes, tratando o desespero como algo totalmente maniqueísta.

    Os relatos do futuro Adão Negro não poderiam ser mais cafonas. É assustador como um filme que reúne Gugino e Daddario em poses moderadamente provocantes consegue não entusiasmar seu público, nem com o decréscimo das roupas das duas. Terremoto: A Falha de San Andreas não serve nem como conteúdo de inspiração para “amor próprio”, tampouco faz afeiçoar pelos personagens e seus dramalhões, e sequer faz rir.

    O antigo The Rock é tão gigantemente poderoso que revela ao final poderes extra sensoriais, chegando a ponto de ressuscitar sua filha na marra, mostrando que a esperança é a base da vida, e, claro, que deus é pai, e não padrasto. O disparate só não é pior que a imbecil propaganda estadunidense, com a bandeira tremulando, fator que eleva a pieguice a níveis estratosféricos, destruindo qualquer hype em relação ao filme catástrofe de Peyton.

  • Crítica | O Congresso Futurista

    Crítica | O Congresso Futurista

    A indefinição do futuro é analisada, distorcida e reinventada em demasia. Ultrapassa a barreira de um mero exercício imaginativo, tocando o cerne do homem moderno e sua angústia de não saber ao certo o que lhe espera em um tempo vindouro. Especulações e projeções surgem de diversas áreas e se popularizam por meio da cultura. Recentemente, a visão de um futuro pessimista tem assolado as narrativas ficcionais, de trilogias de sucesso, que repetem sua fórmula de distopia, à retomada de grandes obras que ganham nova atenção pela análise deste momento vago.

    Baseado na obra do polaco Stanisław Lem, O Congresso do Futuro, o filme propõe uma alegórica metaficção sobre os rumos da sociedade e da representação desta por meio da cultura e do entretenimento. Interpretando uma versão de si mesma, Robin Wright é uma consagrada atriz de Hollywood considerada um ponto de resistência em meio aos recursos tecnológicos disponíveis à narrativa cinematográfica, uma das últimas atrizes que ainda não cederam ao contrato de fornecer sua imagem definitiva à captação de movimentos para, depois, se aposentarem da profissão.

    A narrativa contrapõe a tecnologia e a concepção artística, ponderando-as em uma dicotomia existencial. A tecnologia evolui a favor da arte ou a arte necessita da tecnologia como forma de existir? É evidente que, desde a criação do Cinema, especificamente, os avanços caminharam simultaneamente. Porém, diante de uma gama cada vez maior de tecnologia inserida nas produções, até onde o papel do ator será importante na elaboração de uma história?

    A indústria cinematográfica é vista como um gigante inescrupuloso, impossível de ser parado pelo descontentamento de uma atriz. Muito se discute sobre a figura pública por detrás dos atores e seu papel em relação à sociedade. Aprofundando esta análise, a captura integral dos movimentos de um ator e, consequentemente, a composição de seus papéis feita inteiramente por sistemas digitais discute a questão da própria identidade. Se reconhecemos uma pessoa pela sua composição física, como reconhecer os outros sem esta forma de identificação?

    Após uma melancólica cena em que Robin Wright aceita se transformar em um personagem digital, a trama avança dois anos e modifica sua estrutura narrativa e mergulha em um universo colorido, brilhante, composto de animação gráfica. A atriz ainda é uma das estrelas do estúdio, mesmo que não esteja presente de corpo e alma nas interpretações de seus filmes. Ao contrário de uma visão depressiva e obscura de um futuro distópico dominado por máquinas tecnológicas, são os avanços da ciência que permitem a existência deste universo fictício. Uma realidade alternativa composta por uma droga que, quando consumida, libera um universo químico no cérebro de cada um, permitindo que este seja quem ele quiser. Não há mais espaço para adequar-se a um ideal imposto por uma sociedade. Dentro da própria alquimia cerebral, qualquer fantasia é aceita e incorporada. É um mundo vivido na imaginação, no onírico, onde o que é imaginado se torna real, pois, imaginado.

    A reflexão ultrapassa o Cinema e a concepção artística, focalizando o próprio humano – aproximando-se da angústia que o homem sente em relação ao futuro indefinido. Se todos são aquilo que desejam, como é possível reconhecer o próximo, se tudo é um jogo de máscaras? Questiona a personagem de Wright. Dentro deste cenário, a personagem procura seu filho, um garoto que sofre de uma doença degenerativa no ouvido, perdendo assim seu contato auditivo com o mundo. Um paralelo que demonstra que, enquanto uma maioria decide pela alienação em um mundo falso composto pela química, o filho, mesmo desejando manter contato com certa realidade, perde, pouco a pouco, esta comunicação e, contra a própria vontade, se isola. A família de Wright.

    Também neste aspecto, a produção não deixa de ser fabular ao narrar uma história que apresenta em seu interior uma moral reflexiva sobre a conduta humana e o uso da própria ciência e da tecnologia como forma de sobrevivência. Se desde tempos remotos a sociedade progrediu com tais usos, nos tornamos escravos de nossa própria evolução? A animação dirigida por Ari Folman é o meio que representa este falso mundo imagético. São cenas que abusam da qualidade técnica e das cores apuradas a favor de uma poesia visual que se justifica pelo tema abordado na produção, que produz com qualidade uma reflexão sobre a própria arte e a humanidade, fazendo de si própria uma bela peça artística.

  • Crítica | O Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de Electro

    Crítica | O Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de Electro

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    Imagine uma casa muito bem projetada. Quartos, sala, cozinha, banheiros, todos no lugar certo e com tamanho ideal. Mas na hora da decoração, algo sai errado. Alguns cômodos ficam bonitos e funcionais, outros parecem bregas e de mau gosto. Ou simplesmente horríveis mesmo. Agora substitua “casa” por “filme” e aplique o mesmo raciocínio. O resultado será a definição precisa desta segunda aventura do Homem-Aranha da nova geração. Aguardado com desconfiança devido à controvérsia que marcou seu antecessor, O Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de Electro consegue a proeza de acertar nos aspectos mais difíceis e falhar infantilmente nos mais fáceis.

    A narrativa é situada logo após os eventos de O Espetacular Homem-Aranha. A personagem está estabelecida como um herói já mais experiente e adorado pela maioria dos nova-iorquinos. Peter Parker já está ganhando uns trocados vendendo fotos para o Clarim Diário (que aparece só através de menções, assim como J. Jonah Jameson) e segue namorando Gwen, ainda que assombrado pelas últimas palavras do capitão Stacy. Outra herança do primeiro capítulo é o misterioso passado do pai do herói, ligado a Oscorp, empresa que se revela cada vez mais como o centro dessa nova franquia. Dão as caras Norman e Harry Osborn, com uma dinâmica bem diferente da esperada  e muito interessante. E, da mesma forma que o Lagarto na aventura anterior, o(s) inimigo(s) da vez também surge(m) da Oscorp.

    O filme consegue combinar várias linhas narrativas e amarrá-las de forma satisfatória. O ritmo é acelerado, mas funcional, praticamente não há sensação de elementos corridos ou mal explorados. Tecnicamente ele também é acima da média, não só os efeitos visuais como também os sonoros chamam a atenção positivamente. As cenas de ação são bem empolgantes, ainda que seja incômodo o exagero em enfatizarem o espetáculo e a louvação ao herói. Duro de engolir as grades de isolamento e plateia quase sempre presente, como se as ações do Homem-Aranha fossem algo planejado, uma parada ou desfile.

    Andrew Garfield é um bom Homem-Aranha e um fraco Peter Parker. Explicando: o herói está mais espirituoso e brincalhão, o verdadeiro Amigão da Vizinhança dos quadrinhos. Mas sem a máscara, ele parece ser indeciso entre ser o hipster descoladão do primeiro filme e o Peter de verdade. Não um nerd CDF babão, mas um cara um tanto atrapalhado, que os outros não levam muito a sério. Isso é importante, pois faz parte da identidade secreta. Garfield parece ter sido informado disso e melhorou em relação ao capítulo anterior. Mas se mostra um ator limitado e limita-se a gaguejar ocasionalmente. Sorte dele que em vários momentos a ótima Emma Stone está em cena para salvá-lo. Há um inegável carisma entre os dois, e o romance vai-e-volta é bastante convincente, típico de jovens/pós-adolescentes, como são os personagens.

    A apreensão maior era, sem dúvida, referente à presença de três vilões na mesma história. A lembrança de Homem-Aranha 3 criou o dogma de que isso não funciona. Mas como Capitão América 2 acabou de mostrar, isso é bobagem. Aqui, Electro, Duende Verde e Rino dão as caras em diferentes momentos, e cada um tem sua função bem definida na trama, sem atropelos. Por outro lado, se na organização do tempo de cada um não há problemas, o desenvolvimento individual tem suas falhas. E a maior delas, ironicamente, está no inimigo que dá o subtítulo ao filme.

    Max Dillon, o Electro, tem a motivação mais fraca, simplória e imbecil já vista em filmes de super-herói. Ele é movido por inveja, birra e desejo de ser notado e fazer amigos. Mas tudo tratado de um jeito lamentável, vergonha alheia. Não há timidez, solidão ou inadequação social que justifiquem a mentalidade de uma criança de 5 anos que ele apresenta. Jamie Foxx está propositalmente caricato, não há mérito nem culpa dele. Por conta disso, é difícil apontá-lo como “vilão principal”, apesar de seu altíssimo nível de poder (lembrando muito a versão Ultimate, na qual ele peita até o Thor). Electro é, ao longo do filme, vítima, ferramenta e ameça, mas lhe falta personalidade pra ser um verdadeiro antagonista. Esse papel acaba pertencendo a Harry Osborn.

    A amizade de Peter e Harry é introduzida de forma retroativa, o que não prejudica em nada. Dane DeHaan mais uma vez provou ser um grande ator, vivendo seu papel com tanta intensidade que chega a ofuscar o protagonista. Harry tem suas motivações bem desenvolvidas, e sua “queda para o lado negro” é orgânica e convincente. Até os 40 minutos do segundo tempo, pelo menos. O roteiro se apressa e força a barra na hora em que Harry assume sua segunda identidade. Não há grandes justificativas para ele usar aquele traje e equipamentos, a impressão foi que alguém se lembrou que isso era OBRIGATÓRIO e não se incomodou em embasar.

    Aliás, faltou também uma explicação sobre por que a Oscorp possui diferentes projetos de armamentos. Nos quadrinhos do Universo Ultimate a empresa está inserida numa corrida armamentista, mas no filme isso não é mencionado explicitamente. Nessa linha, o Rino, em sua curtíssima participação, serve apenas como prelúdio para os futuros planos do estúdio. E para mostrar que o universo do Homem-Aranha é isso, novas ameaças surgem a todo instante, reforçando a importância e a necessidade do herói. O senso de responsabilidade de Peter Parker é testado e redimido neste filme, após ter sido incrivelmente mal apresentado no primeiro. Pena que, para isso, uma tragédia fosse necessária.

    Pra quem conhece um mínimo dos quadrinhos, era um evento esperado. Mas para o público infantil, aquele que Garfield declarou ser o foco da produção, deve ter sido um baque e tanto, uma violenta quebra no tom leve e bem humorado da produção. Essa vontade de atingir todas as faixas etárias naturalmente é algo nocivo ao filme, mas há que se louvar a coragem dos realizadores. Um dos momentos mais marcantes e pesados da vida do herói, fundamental na sua formação de caráter, ganhou uma ótima representação. Resta saber se, nos próximos filmes, existirá coerência em adotar um clima menos infantil. O Espetacular Homem-Aranha 2 ainda não foi o grande filme que o herói merece, mas mostrou potencial e disposição em explorar seu universo. Não custa ter boa vontade e torcer pra evolução continuar.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | Walt nos Bastidores de Mary Poppins

    Crítica | Walt nos Bastidores de Mary Poppins

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    Durante 20 anos, Walt Disney (Tom Hanks) tentou adquirir os direitos de Mary Poppins, da escritora australiana P.L. Travers (Emma Thompson), que sempre se recusou a vendê-los receando que Disney fizesse “um de seus desenhos bobos”. Entretanto, a crise financeira faz com que ela tenha que negociar. Desta forma, Travers viaja até os Estados Unidos e passa a trabalhar juntamente com a equipe escolhida por Walt Disney para que Mary Poppins chegue às telas. Minuciosa e com muita má vontade, ela começa a encontrar problemas de todo o tipo. Como o contrato lhe dá o direito de cancelar a cessão dos direitos caso não concorde com a adaptação, Disney e sua equipe precisam aceitar seus caprichos para que a produção saia do papel.

    O título nacional não poderia ser mais impreciso. Provavelmente no intuito de facilitar a vida da maioria dos espectadores que não faz ideia de quem seja Mr. Banks — personagem de Mary Poppins —, conseguiram errar duplamente ao rebatizar o filme. Primeiro porque Walt Disney não é o protagonista, como o título faz pensar; segundo porque não se passa nos bastidores de Mary Poppins, mas sim antes do início de sua produção, mais especificamente durante a escrita do roteiro adaptado. No entanto, esse é o menor dos problemas do filme.

    O excesso de licença poética é, sem dúvida, o maior problema. Ao contrário do que é mostrado, Disney e Travers nunca tiveram um relacionamento amigável. Na realidade se odiavam publicamente, não só antes, mas principalmente após o lançamento do filme — não, Travers não aprovou o resultado final, diferentemente do que o desfecho lacrimoso do filme quer fazer acreditar. Ela odiou o filme e se arrependeu pelo resto da vida por ter cedido os direitos a Disney.

    Tom Hanks encarna o papel de um senhor simpático porém muito diferente da realidade, já que Disney sempre foi conhecido por seu temperamento competitivo, quase hostil. Travers, reconhecidamente uma senhora de temperamento difícil, é retratada como uma solteirona ranzinza e “do contra”, bem menos amarga e intragável do que como definiam seus próprios familiares, e mais humanizada pela interpretação de Emma Thomson. Percebe-se aí o “efeito Disney” dos personagens, minimizando tanto os aspectos negativos de suas personalidades quanto o conflito entre dois temperamentos difíceis.

    As conversas entre Travers, o roteirista Don DaGradi (Bradley Whitford) e os músicos Richard e Robert Sherman (Jason Schwartzman e B.J. Novak) certamente não tiveram o mesmo tom divertido e quase gracioso mostrado no filme. Além disso, o roteiro quer induzir o espectador a acreditar que a intransigência de Travers quanto à cessão dos direitos não se devia às suas reservas quanto à padronização da indústria cinematográfica — a autora não queria que Mary Poppins fosse apenas mais um filme padrão Disney. Com uma quantidade excessiva — e irritante — de flashbacks, o roteiro insiste que sua intransigência tinha algo a ver com um trauma do passado. Os trechos da infância de Travers, que se alternam com sua estadia em Los Angeles, são por vezes confusos e comprometem a fluidez da narrativa, e parecem nitidamente escritos com a intenção de emocionar o público a cada dez minutos.

    Enfim, o filme serve mais como um lembrete de que Mary Poppins está prestes a comemorar 50 anos do que como uma obra comemorativa dessa data, já que essa nova produção não é nem marcante nem memorável.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Se Beber, Não Case! – Parte II

    Crítica | Se Beber, Não Case! – Parte II

    Depois da arrecadação de bilheteria do primeiro filme era óbvio e evidente que Tod Phllips iria repetir a fórmula de sucesso. A continuação tem o mesmo esqueleto narrativo e os mesmos tipos de conflito, mas dessa vez em terreno selvagem e com uma interação um pouco maior entre os personagens. O escopo de escrotidão e exageros aumentou consideravelmente e, por esse motivo, Se Beber, Não Case! Parte II merece ser assistido.

    O roteiro pode parecer pueril e sem substância, mas toca em muitos temas capciosos, discutindo estereótipos raciais, uso abusivo de drogas lícitas e ilícitas, overdose, amnésia alcoólica, utilização de medicação prescrita sem autorização médica, “homossexualismo”, violência urbana e crimes internacionais. Discute também a universalidade de piadas sexuais, que a priori seriam entendidas por qualquer um independente de nacionalidade ou idioma.

    As viagens e devaneios de Alan (Zach Galifianakis), especialmente quando está meditando, mostram um pouco de sua psique, e como enxerga de forma particular o mundo. Ao viajar por sua mente, enxerga a si e aos amigos (Chow, Stu, Phill e Doug) como crianças – essas cenas tornam croncreto o que já era óbvio ao público: a forma de Alan enxergar a vida é infantil. Mas até ele supera muitos obstáculos – como o medo de se distanciar de seus amigos – e perdas – como o chapéu roubado e o macaco baleado, com a clássica frase de despedida emocionada – “queria que macaquinhos usassem Skype, talvez um dia…”.

    A jornada do herói dessa vez é centrada em Stu (Ed Helms): ele continua inseguro mesmo após a experiência em Las Vegas, e considera aquele episódio um grande erro – mesmo que este tenha levado-o a se separar e encontrar sua nova esposa. Sua condescendência agora é exercida à figura do pai da noiva, que o humilha sempre que tem oportunidade. O roteiro mostra o desenrolar da recuperação de sua autoestima perdida, muito ligada à aceitação do que ele é: um sujeito que parece contido, mas que internamente abriga um demônio que o faz se envolver com prostitutas, e também possuindo o poder de resgatar memórias suprimidas pelo uso contínuo de drogas soníferas.

    Um fato curioso é que o tatuador de Bangcoc seria interpretado por Mel Gibson, mas graças às últimas declarações afáveis aos judeus, sua participação foi proibida pelos produtores do longa.

    A maior participação de Ken Jeong fazendo Chow torna o filme mais engraçado ainda: seu personagem rivaliza com Alan pelo posto de caracterização mais hilária e esquisita. Mais uma vez a química entre Cooper, Galifianakis e Helms é o ponto alto do filme, que, ao seu final, repete o desfecho do primeiro, mostrando as fotos da fatídica noite perdida. Se Beber, Não Case! Parte II é uma versão maior, melhor e sem pudor de uma comédia de erros.

  • Crítica | Cosmopolis

    Crítica | Cosmopolis

    Cosmopolis

    “Nós precisamos de um corte de cabelo”, diz Eric Packer (interpretado por Robert Pattinson), um multimilionário de 28 anos, antes de entrar em sua limusine particular e altamente tecnológica. Um presidente está na cidade, um rapper morreu e anarquistas estão realizando manifestações nas ruas. Packer insiste em querer cortar o cabelo. Esse é o cenário que temos ao longo de toda a extensão de Cosmopolis.

    Packer é a clara personificação do poder do dinheiro. Investe todo o seu dinheiro contra o crescimento da moeda chinesa – com o objetivo de inverter a sua valorização -, insiste em querer comprar uma capela e os quadros que estão dentro (mesmo quando não está à venda) e não se importa com o fato de um presidente estar na cidade. Está acima da política, da religião e de todo o resto. O interior altamente tecnológico de sua limusine serve como uma casca para o mundo exterior.

    A contraposição à figura de poder de Packer vem com sua mulher Elise (Sarah Gadon) – com a qual acabou de casar e que é dona de uma enorme riqueza -, que não quer ter relações sexuais com ele. Em um ponto do filme, Elise diz não querer transar com seu marido porque sentiria dor. Não conseguiria fazer o sexo ser impessoal para ela. O dinheiro compra sexo – e Packer de fato tem relações sexuais com várias mulheres durante o filme -, mas não poderia comprar o sexo de sua esposa, que não o ama.

    Aqui vemos uma clara crítica ao capitalismo, que reage contra o movimento natural e linear da história e contra sua queda, ignorando completamente as reações e reagindo contra a teoria marxista de ascensão/queda dos sistemas de produção. Visualmente esta crítica fica muito bem apresentada nas cenas em que Packer permanece calmo e indiferente dentro de sua limusine, enquanto o caos e a anarquia se encontram do lado de fora. Por outro lado, narrativamente, a crítica é fraca e se perde em diálogos que falam muito e dizem pouco.

    A genialidade da direção de David Cronenberg é muito evidente no filme. Por mais de 70% do filme estamos junto de Packer dentro de sua limusine, mas em nenhum momento temos a impressão de que as cenas estão se repetindo. A escolha do elenco foi também um acerto. Considerando a fama dúbia que Robert Pattinson possui devido à sua carreira, ninguém melhor do que ele para representar o tão amado, mas ao mesmo tempo tão odiado, dinheiro. Pattinson foge de seu estereótipo vampiresco sentimental e dá lugar a um milionário excêntrico e de reações frias. Atinge seu ápice contracenando com Paul Giamatti, que rouba a cena com sua excelente atuação, nos últimos 15 minutos de filme, no melhor e mais profundo diálogo de todo o longa.

    Cosmopolis se mostra uma obra complexa e extremamente verborrágica. A falta de linearidade de sua narrativa exige demais de um espectador que procura entender todos os diálogos que se sucedem, porém com pouco sucesso. A genialidade da direção é evidente, como também o é a fraqueza de seu roteiro.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Crítica | Tudo pelo Poder

    Crítica | Tudo pelo Poder

    Pouco depois do início de Tudo pelo Poder, o personagem Tom Duffy (Paul Giamatti) tenta convencer Stephen Meyers (Ryan Gosling) a mudar de lado na campanha das primárias para escolher o futuro candidato democrata às eleições presidenciais dos Estados Unidos.

    Ambos trabalham para concorrentes dentro do mesmo partido. Impressionado com o carisma do jovem e ambicioso assessor interpretado por Gosling, Giamatti quer contratá-lo a todo custo e, para isso, argumenta que o candidato de quem o jovem é empregado dificilmente vai vencer a disputa.

    “Não posso aceitar a oferta”, recusa o assessor. “Trabalho para Mike Morris (George Clooney). Acredito nas propostas dele. Acredito que ele realmente pode fazer diferença na vida das pessoas. E, além do mais, ele é meu amigo”.

    A resposta do personagem de Giamatti – na forma de uma pergunta – não poderia ser mais direta: “Você quer trabalhar para o seu amigo ou para o futuro presidente?”. A fagulha que incendeia a ambição e a vaidade de Stephen Meyers é lançada aí. As chamas desses sentimentos vão se espalhar e virar sua vida do avesso.

    Na verdade, esse exercício de retórica apenas abre espaço para o assunto sobre o qual George Clooney – que dirige o filme e também interpreta o candidato Mike Morris – quer colocar sua lente de aumento: a perda definitiva da inocência. O personagem de Gosling não é bobo. Sabe que está num jogo. Que todas as palavras de cada discurso, entrevista ou debate são fundamentais para que seu candidato chegue à vitória. No entanto, percebemos que ele possui uma visão limitada da máquina monstruosa da qual faz parte. A realidade é percebida por um filtro de credulidade devotada a seu chefe. Um grande erro, sem dúvida.

    Em pouco tempo, entretanto, ele vai aprender da pior maneira que, dentro do jogo político, não há espaço para sentimentos. Não há espaço para falhas. E também não há espaço para deslealdades, como o chefe da campanha de Clooney, interpretado por Philip Seymour Hoffman, o lembra num momento crucial do filme.

    As campanhas estão acima de tudo. E mesmo supostos inquebráveis laços de amizade podem ser partidos sem maiores preocupações em favor da vitória do candidato defendido. Isso fará toda a diferença ao longo da trama. A inocência do personagem principal será arrancada pedaço por pedaço de forma impiedosa.

    No começo da história, os dois candidatos democratas disputam as primárias no estado de Ohio. A conquista do apoio de um senador de posições radicais é fundamental para saber quem será o vencedor. Clooney, apesar dos esforços de seus dois assessores principais para convencê-lo, não está disposto a aceitar.

    Gosling o olha com respeito e admiração.

    No entanto, o envolvimento romântico que ele terá com a estagiária interpretada por Evan Rachel Wood vai lhe colocar em contato com o choque de realidade que despedaçará sua visão idílica dos fatos. Seus olhos serão abertos à força. Mesmo ídolos aparentemente perfeitos possuem máculas. Algumas delas, bem graves.

    Não há heróis em “Tudo pelo Poder”. Mesmo o protagonista é capaz de mudar radicalmente de posicionamento quando está de posse do principal segredo do enredo. Tudo para obter uma vantagem. Suas convicções iniciais, outrora defendidas com tanta veemência, são descartadas por ele mesmo sem maiores traumas. A mudança de posicionamento é valorizada pela interpretação de Ryan Gosling – a partir desse ponto, sua postura física e olhar mudam visivelmente.

    O diretor faz uma apropriação de termos usados durante a disputa da última eleição para a Casa Branca. O termo “socialistas” usado pelos Republicanos – principalmente pela então candidata à vice-presidência Sarah Palin – para se referirem aos democratas está lá. Até mesmo o “We are ready to lead” proferido por Obama encontrou eco no personagem no representado por Clooney. A incorporação de um dos fatos mais marcantes da gestão Bill Clinton também é visível no roteiro. É impossível não notar a influência de cineastas proeminentes no cinema norte-americano nos anos de 1970, como Norman Jewison e Alan J. Pakula, na estética adotada por Clooney.

    A composição é limpa. Seus planos, na maioria das vezes, são estáticos. A ênfase não é no trabalho de movimentação de câmera, mas na interpretação dos atores. Coerente, uma vez que o próprio Clooney é um ator. Preferências estéticas que já haviam sido evidenciadas em seus trabalhos anteriores: “Confissões de Uma Mente Perigosa” e “Boa Noite e Boa Sorte”.

    Ainda sobre a composição de “Tudo pelo Poder”, os personagens são reduzidos quando comparados ao ambiente que os cerca. O homem aparece sempre pequeno diante de grandes prédios, palcos e salões. A metáfora é clara: dentro da política, o indivíduo é minúsculo. Apenas uma peça frente aos interesses e poderes que o sobrepõem largamente.

    Além disso – e mais uma vez volto a Pakula – luz e sombra são definidos claramente. Em boa parte das cenas, dentro do mesmo quadro, há espaços iluminados e outros sombrios. É o simbolismo do homem dividido entre a luz e a sombra. E que, no final, descobre de forma dolorosa que ter uma visão dualista da vida – e mais especificamente dos bastidos res da política – pode ser limitante e perigoso.

    Vivemos num grande cinza. E na luta pelo poder político, esse cinza é ainda mais intenso. George Clooney sabe disso. Nós deveríamos, também.

    Texto de autoria de Carlos Brito.