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  • Crítica | Drácula: A História Nunca Contada

    Crítica | Drácula: A História Nunca Contada

    Vlad III, O Empalador foi o príncipe da Valáquia, atual Romênia, por três vezes. Adquiriu o nome Drácula (Draculea) quando seu pai, Vlad II, foi nomeado cavaleiro da Ordem do Dragão, no caso, um Dracul. Assim, após a morte do pai, Vlad III passou a ser chamado Vlad Draculea, ou seja, o filho do dragão, sendo que hoje, em romeno, significa filho do diabo.

    Conhecido por ser sanguinário, Vlad, ainda criança, foi entregue aos otomanos como parte de um acordo e, ao retornar à Valáquia, se tornou muito conhecido por empalar os inimigos mortos no campo de batalha, impondo, assim, certo respeito entre os outros feudos. Sua confusa história acabou dando origem a certas lendas urbanas, já que, na época, século XV, achava-se que ele era imortal simplesmente porque as pessoas pensavam que Vlad III na verdade era o seu pai. Tentem imaginar uma época sem a quantidade de informações que temos hoje. Aliado a esses fatos, a predileção de Vlad pela violência fez com que acreditassem, inclusive, que ele bebia o sangue dos inimigos mortos, algo que até hoje é discutível. Desta forma, teve-se material o bastante para que ele se tornasse o tão conhecido Conde Drácula, um dos personagens mais conhecidos e queridos da literatura mundial, criado pelo escritor irlandês Bram Stoker e imortalizado no cinema diversas vezes, com o destaque para Drácula, dirigido por Francis Ford Coppola.

    Drácula: A História Nunca Contada, além do título, tem a intenção de contar ao espectador a história de Vlad, O Empalador, antes dele se tornar o vampiro que conhecemos hoje, trazendo elementos históricos, baseados nas vidas de Vlad Dracul e de seu filho, Vlad III. Percebe-se, portanto, a fusão de duas pessoas em um único personagem.

    Logo no início, Vlad (Luke Evans), já detentor de sua terrível fama, e seus homens estão numa incursão com a finalidade de descobrir quem está por trás de algumas mortes na região da Montanha do Dente Quebrado. Essa incursão faz com dois homens sejam mortos, além de colocar o protagonista em contato com uma força sobrenatural e desconhecida ali presente. Ao retornar ao seu castelo, Vlad é surpreendido com a notícia de que o sultão Mehmed (Dominic Copper) ordenou que todos os jovens do feudo fossem enviados com a finalidade de serem treinados como guerreiros, incluindo o único filho de Vlad e de sua amada esposa Mirena (Sarah Gadon), o jovem Ingeras (Art Parkinson, o Rickon Stark de Game Of Thrones).

    Após salvar seu filho, o que foi uma declaração de guerra ao sultão, Vlad acaba pedindo ajuda à citada força sobrenatural, vivida por Charles Dance (o Tywin Lannister, também de Game Of Thrones). O “vampiro prime” explica ao protagonista que é daquele jeito por conta de uma maldição que ele carrega há eras e que Vlad ficaria livre de tal condenação se conseguisse sobreviver à sede por três dias. Com isso, dotado de uma habilidade e força superiores a qualquer homem, Vlad enfrenta sozinho um pequeno exército turco de mil homens, ganhando tempo suficiente para fugir com seu reino para outro castelo.

    E é aí que se encontra o problema de Drácula: A História Nunca Contada, pois a cena de batalha em questão foi filmada no escuro, o que não teria problema se o público enxergasse alguma coisa. Imagina-se que a passagem tenha sido proposital, mas nem tanto. Tudo isso, aliado ao fato de que Vlad não pode mais ficar sob o sol, faz com que a história se desenvolva sempre durante a noite, mas uma noite, que, por algum motivo obscuro (com o perdão do trocadilho), tornou-se difícil de enxergar. A fotografia do veterano John Schwartzman, infelizmente, atrapalha muito, e faz com que a direção do estreante Gary Shore e da dupla de roteiristas, os também estreantes Matt Sazama e Burk Sharpless, não se sustente.

    Em resumo, o filme fica tecnicamente prejudicado, uma vez que tem como destaque o departamento de figurino e efeitos especiais, incluindo arte e som, que são impecáveis. Vale destacar que a caracterização de Vlad é bastante parecida com as pinturas retratando o príncipe da Valáquia, com o tradicional bigodinho e o cabelo crescendo na região da nuca, sendo sua armadura inspirada na que foi usada por Gary Oldman no filme de Coppola.

    Com relação ao restante, Luke Evans destaca-se muito mais do que os outros, o que faz com o time de coadjuvantes fique bastante à sua sombra. Porém, por ter um nome em ascensão em Hollywood, o ator galês ainda merece ser protagonista de um filme bem melhor, tornando o saldo deste Drácula bastante regular.

    Mas, ainda assim, os fãs conseguirão identificar algumas referências e homenagens à obra de Bram Stoker, algo que, ao menos, gera alguma alegria.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | O Homem Duplicado

    Crítica | O Homem Duplicado

    o homem duplicado

    O filósofo Friedrich Hegel dizia que as coisas tendem a se duplicar, e Karl Marx complementaria este pensamento afirmando que a primeira vez desta duplicação é sempre uma tragédia, enquanto a segunda, uma farsa. Tais máximas são citadas no novo filme de Denis Villeneuve baseado no romance O Homem Duplicado do nobel José Saramago, reafirmando a parceria do diretor com Jake Gyllenhaal ao recorrer a um estilo com um pé no grotesco, uma temática que lhe é familiar, ainda muito na esteira do suspense Os Suspeitos.

    O roteiro de Javier Gullón acompanha, após uma introdução que revelaria muito do enredo, a rotina do depressivo professor de história Adam Bell (Gyllenhaal). Curioso como o personagem principal é retratado em cenas de fantasias sexuais idílicas e lembranças da quase impotência que sofre junto a sua então parceira Mary, Mélanie Laurent  o que por si só já evidencia que algo está errado, visto que a aparência de sua esposa é belíssima. Nos momentos em que sua rotina é mostrada, nenhum motivo gritante é conduzido como o catalisador desta condição depressiva. A fonte do problema parece ser o próprio conjunto de elementos que caracterizam o cotidiano do homem, relacionando-se com a inadequação de viver em um mundo distante demais dos seus ideais. No entanto, é aventada a possibilidade simples do homem só sofrer do problema unicamente por estar vivo, mostrando que esta já é uma justificativa suficiente para derrubar sua autoestima.

    Um popular – o clássico homem ordinário – avista-o, dando a ele uma dica sobre um filme (Querer é Poder) e, sem qualquer pretensão, Adam assiste à película. Assistindo-a com atenção, ele percebe que é parecido com um personagem, cujo papel no filme é bem pequeno. A concupiscência faz Adam se interessar pela vida de Anthony Claire (o ator), passando da indiferença para a leve curiosidade, evoluindo, a posteriori, para uma cinefilia seletiva através da qual assiste aos filmes do artista e depois recompõe o que seriam os seus passos fazendo deles a sua própria rotina, como, por exemplo, visitando o prédio de uma produtora. O hobby torna-se uma obsessão e Adam tenta entrar em contato com Anthony, descobrindo que este também tem a voz muito semelhante a dele.

    Decorridos mais de trinta minutos de filme, o protagonismo passa a variar caindo sob a responsabilidade do ator, o que demonstra que sua vida pessoal também é deveras complicada. Com uma carreira interrompida e uma esposa gestante  Helen (Sarah Gadon), cuja semelhança física remete a Mary —, revela-se que ambos têm muito mais em comum do que uma aparente e paranoica ligação no meio da noite poderia fazê-lo supor.

    A dualidade do ofício de Anthony faz Helen ficar em dúvida. Primeiro, por um caso de infelicidade do passado que o homem jurou não mais em incorrer, assunto inclusive evitado por ele; segundo, pelo encontro “frustrado” entre as contrapartes ao qual ela faz questão de comparecer. As dúvidas que lhe vêm são pertinentes, especialmente se analisar seu passado. Além de interrogações bem construídas para a personagem, ainda levantam-se dúvidas sobre a veracidade dos fatos ocorridos, pondo uma interrogação no que seria a realidade ou fruto da paranoia das pessoas que correm à trama.

    Os dois resolvem se pôr frente a frente em um local neutro, e a evidência da verdade abala a ambos, ainda que suas reações sejam bastante diversas. O papel de perseguidor e perseguido se inverte, assim como a fantasia de se ter outra vida que não a que ele possui. A descoberta mexe com a psiquê de Anthony, fazendo-o reviver alguns de seus fantasmas. Ele leva este problema a sua pseudoterapeuta (sua mãe), que pede para ele abstrair-se em sua própria vida e não cair na tentação de não conseguir manter-se com uma só mulher. A volúpia do aposentado artista o faz cobiçar a mulher de sua contraparte, fazendo-o até mesmo considerar tal desejo um ato normal, diferentemente de suas infidelidades anteriores. A troca de vidas acaba sendo mútua, apesar da coação de Anthony sobre Adam e de todo o planejamento do primeiro.

    As esposas reagem de forma diversa, mas têm em comum a confusão sentimental, não tendo uma certeza tão grande em relação à identidade do “cônjuge”. O final, de conteúdo quimérico, resgata o início, reforçando a ideia de que a mente de Adam sofre sérios problemas, pois, mesmo com a mudança de ares, ele permanece assombrado pelas fobias, tendo no máximo um alívio transitório em suas inseguranças.

    A metáfora, apresentada minutos antes dos créditos finais, tem um significado diferente do apresentado no romance de Saramago e, como quase tudo na mensagem do filme, possui dubiedade ímpar. Mais uma vez, Villeneuve convida o espectador a vivenciar uma experiência misteriosa, cativante e que, apesar de fazer muitas concessões à realidade e à vida mundana, prossegue em paralelos a problemas reais e comuns ao homem moderno, tais como depressão, infidelidade e a necessidade de se fugir da realidade.

  • Crítica | Cosmopolis

    Crítica | Cosmopolis

    Cosmopolis

    “Nós precisamos de um corte de cabelo”, diz Eric Packer (interpretado por Robert Pattinson), um multimilionário de 28 anos, antes de entrar em sua limusine particular e altamente tecnológica. Um presidente está na cidade, um rapper morreu e anarquistas estão realizando manifestações nas ruas. Packer insiste em querer cortar o cabelo. Esse é o cenário que temos ao longo de toda a extensão de Cosmopolis.

    Packer é a clara personificação do poder do dinheiro. Investe todo o seu dinheiro contra o crescimento da moeda chinesa – com o objetivo de inverter a sua valorização -, insiste em querer comprar uma capela e os quadros que estão dentro (mesmo quando não está à venda) e não se importa com o fato de um presidente estar na cidade. Está acima da política, da religião e de todo o resto. O interior altamente tecnológico de sua limusine serve como uma casca para o mundo exterior.

    A contraposição à figura de poder de Packer vem com sua mulher Elise (Sarah Gadon) – com a qual acabou de casar e que é dona de uma enorme riqueza -, que não quer ter relações sexuais com ele. Em um ponto do filme, Elise diz não querer transar com seu marido porque sentiria dor. Não conseguiria fazer o sexo ser impessoal para ela. O dinheiro compra sexo – e Packer de fato tem relações sexuais com várias mulheres durante o filme -, mas não poderia comprar o sexo de sua esposa, que não o ama.

    Aqui vemos uma clara crítica ao capitalismo, que reage contra o movimento natural e linear da história e contra sua queda, ignorando completamente as reações e reagindo contra a teoria marxista de ascensão/queda dos sistemas de produção. Visualmente esta crítica fica muito bem apresentada nas cenas em que Packer permanece calmo e indiferente dentro de sua limusine, enquanto o caos e a anarquia se encontram do lado de fora. Por outro lado, narrativamente, a crítica é fraca e se perde em diálogos que falam muito e dizem pouco.

    A genialidade da direção de David Cronenberg é muito evidente no filme. Por mais de 70% do filme estamos junto de Packer dentro de sua limusine, mas em nenhum momento temos a impressão de que as cenas estão se repetindo. A escolha do elenco foi também um acerto. Considerando a fama dúbia que Robert Pattinson possui devido à sua carreira, ninguém melhor do que ele para representar o tão amado, mas ao mesmo tempo tão odiado, dinheiro. Pattinson foge de seu estereótipo vampiresco sentimental e dá lugar a um milionário excêntrico e de reações frias. Atinge seu ápice contracenando com Paul Giamatti, que rouba a cena com sua excelente atuação, nos últimos 15 minutos de filme, no melhor e mais profundo diálogo de todo o longa.

    Cosmopolis se mostra uma obra complexa e extremamente verborrágica. A falta de linearidade de sua narrativa exige demais de um espectador que procura entender todos os diálogos que se sucedem, porém com pouco sucesso. A genialidade da direção é evidente, como também o é a fraqueza de seu roteiro.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.