Podemos dizer que filmes de viagens espaciais existem “desde sempre”, quando em 1902, o cineasta francês Georges Méliès dirigiu o ótimo Viagem à Lua, que já nasceu clássico por se tratar do primeiro filme de ficção científica da história, além de também ser o ponto de partida para a criação dos subgêneros da ficção, como os contatos imediatos com alienígenas.
Apesar da ficção científica estar sempre em evidência no decorrer dos anos, um gênero específico possui pouquíssimos filmes que são muito bem representados, como é o caso dos dramas das viagens espaciais. Talvez, tem-se em 2001: Uma Odisseia no Espaço e em Interestelar os dois maiores filmes do gênero já feitos e podemos adicionar à lista outras produções como Apollo 13: Do Desastre ao Triunfo que é baseado em fatos reais, além dos ótimos Gravidade, Perdido em Marte e O Primeiro Homem, também baseado em fatos reais e o mais recente deles, Ad Astra: Rumo às Estrelas.
Vale destacar que com exceção de “2001” e “Apollo 13”, que foram lançados em 1968 e 1995, respectivamente, todos os outros foram lançados na última década e olha que não estamos falando da enorme quantidade de seriados do gênero.
E tudo isso, provavelmente, se deve às últimas pesquisas e missões feitas pela NASA, aliada à Spacex, de Elon Musk, que quer que humanos colonizem Marte o mais rápido possível. Nunca se mandou tantos astronautas e sondas para o espaço como atualmente e, como a vida imita a arte, fica claro que o mercado cinematográfico está aquecido.
Mas como dito, são poucos os representantes do gênero e O Céu da Meia-Noite, produção da gigante Netflix, busca registrar seu nome neste hall da fama dos dramas de viagens espaciais.
Dirigido e estrelado pelo astro George Clooney, acompanhamos a história do cientista Augustine (Clooney), que, num Planeta Terra já condenado, decide ficar sozinho numa base no Ártico para tentar alertar os vários astronautas que estão viajando pelo espaço a não voltarem à Terra, dada a sua rápida degradação. A missão destes astronautas é clara: encontrar planetas habitáveis para que possamos sobreviver e perpetuar nossa espécie. E é justamente aí que conhecemos a equipe de astronautas da nave comandada por Sully (Felicity Jones), que está retornando ao nosso planeta com ótimas notícias.
Então, vemos em tela dois fronts de desespero, sendo um de Augustine buscando contato com as naves fora do planeta e outro da Comandante Sully buscando contato com a Terra que, estranhamente, não responde os seus chamados. E, para piorar a situação, Augustine descobre uma criança que está abandonada na base. A menina Iris, vivida pela atriz Caoillin Springall, provavelmente foi esquecida por alguma das pessoas que abandonaram a base e que motivaram a estadia do protagonista.
Curiosamente, o filme se destaca mais pela dinâmica da dupla sozinha no Ártico do que pela dinâmica dos astronautas que são responsáveis pelos momentos de maior ação no filme, justamente porque todos os percalços vividos pelos viajantes do espaço já foram vistos no cinema pelo menos uma vez. A direção de Clooney é muito competente. Sua atuação e a química entre os personagens funcionam bem, mas infelizmente, a parte espacial não traz nada de novo para o espectador.
Mas, ainda assim, visualmente falando, o filme é lindo e esse adjetivo não está somente presente no aspecto estético, já que passa diversas mensagens para aquele que assiste, principalmente na atual condição do nosso mundo hoje, que está doente, ambientalmente falando, pandêmico, com uma população que vem sofrendo constantemente com a saúde mental fragilizada, dentre outros diversos problemas.
Apesar de ter figurado na lista dos filmes mais vistos na Netflix, só o tempo irá dizer se O Céu da Meia-Noite, figurará na seleta lista mencionada no início deste texto.
Uma viagem de loucos pelo deserto, cuja estrada por onde passam predomina o sangue das vítimas desses dos irmãos Gecko. Esse é o tom inicial de Um Drink no Inferno. De certa forma, a loucura em que se metem Seth e Richard tem eco na antiga parceria entre o diretor Robert Rodriguez e Quentin Tarantino, que adaptou um roteiro a partir do argumento de Robert Kurtzman, um sujeito muito mais acostumado a trabalhar no setor de maquiagem e efeitos especiais do que com roteiros.
A primeira sequência do filme é inacreditável, mostrando o confronto dos personagens de Tarantino e George Clooney com o dono de um armazém/loja de conveniência. Em poucos minutos o espectador vê o assassinato de um policial, por meio de um assassino sangue frio e com claros distúrbios mentais. No caminho, os dois andam em um carro surrado pela areia, com uma mulher de meia-idade no porta-malas, ao som do clássico Dark Knight tocada por The Blaster, de certa forma prevendo o que ocorreria com os dois, no Titty Twist mais tarde.
É impossível não pensar neste filme e não lembrar da Miramax, estúdio que ajudou a reunir Tarantino e Rodriguez. A realidade é que mesmo com os sucessos de Pulp Fiction, Cães de Aluguel, A Balada do Pistoleiro e El Mariachi, essa história envolvendo desajustados não teria sido finalizada e comercializada, já que o filme apesar de se pagar, não foi muito alem disso. O longa se tornou um dos muitos fenômenos de locadoras, sendo redescoberto no mercado de vídeo, só então ganhando o status de cult, além do trash que muitos já amputavam a si.
Há dois dramas familiares na história, que na maioria das vezes não são explorados de maneira séria, mas que não deixam de soarem pesados. Pelos Geckos, há a preocupação de Seth com a sede assassina do caçula, feito por sua vez por um Tarantino que representa um completo desequilibrado. Da outra parte, existe a fé falida de Jacob Fuller, que viaja com seus filhos, Kate e Scott, a procura de se distrair após a morte da mãe da família. Harvey Keitel faz um ex-presbítero que diz não acreditar mais em Deus, pela perda que teve e ainda tem que lidar com a criação de dois adolescentes, sendo um deles interpretados por Juliette Lewis no auge da beleza, claramente sem idade para interpretar uma pessoa na puberdade.
Há também duas ideias de moralidade bem distintas, uma adormecida, em Jacob que diante da situação limite de quase morte, não permite que seus filhos façam algumas coisas pequenas como beber em um bar latino de strip-tease, e outra a de Seth, que agride seu irmão após o mesmo estuprar e matar a senhora que era sua refém. Ainda que seja um ladrão, Seth tem alguns limites morais e éticos e é uma decepção que seu irmão não compartilhe desse pensamento. Obviamente que esse pensamento ético não o impede de fazer dos Fuller seus reféns, inclusive deixando a jovem Kate a mercê das fantasias e assédios de seu irmão.
É curioso como o roteiro trata dessas questões de maneira leve, mas sem deixar de julgar tais fantasias e loucuras como algo nefasto. A questão do retardo de Richard deixa de ser uma opção teórica para se demonstrar factual, quando o irmão mais velho manda ele colocar seu aparelho dental, ele é um sujeito capaz de matar alguém mas não se lembra de cuidar de seus dentes, e precisa de outro “adulto” para tal. Dos 108 minutos de duração, quarenta e poucos são para construir a ideia de um filme policial clichê com dois bandidos inconsequentes em fuga.
O grito do mestre de cerimônias, que é um dos três personagens de Cheech Marin é o resumo básico de como funciona o Titty Twister, um lugar onde as pessoas agem de forma libertina, e onde acontecem coisas tão bizarras que sequer parecem reais. Uma caricatura, onde mexicanos, americanos, motoqueiros e caminhoneiros brigam, bebem enquanto são servidos por mulheres seminuas. Além de acontecerem algumas brigas e um quase conflito entre Seth e os funcionários do bar, há um sem número de personagens engraçados e carismáticos, a banda Tito e Tarantula fazendo eles mesmos, o mestre de efeitos especiais Tom Savini fazendo o canastrão Sex Machine, o personagem de Fred Williamson Frost, que não tem seu nome citado nem por si e nem por ninguém, e claro, Satanio Pandemonium a dançarina que Salma Hayek encarna, que carrega o nome de um filme mexicano de horror de 1975, também conhecido como Sexorcista, de Gilberto Martinez Solares, que foi lançado na esteira de O Exorcista.
Tudo ocorre na mais perfeita ordem, até um trio de funcionários atacar Richard, agravando o ferimento de sua mão. Esta parte tem um mise-en-scène muito bem trabalhado. Os detalhes que Rodriguez utiliza neste momento são sutis inicialmente, para dali em diante se tornar ponto de virada onde até as poucas amarras com a realidade tangível são largadas para tornar-se este uma completa fantasia com momentos dignos das comedias pastelão.
Começa uma guerra campal, onde corpos são guitarras e onde os monstros atacam e se alimentam das pessoas. Cabeças decepadas rodam pelo assoalho, e há milhares de móveis que podem imediatamente se tornarem armas contra essas criaturas da noite. O fato das regras inteligentes dos filmes de vampiro serem completamente ignoradas combinam perfeitamente com a aura irônica do longa, a prudência dos mortos-vivos inexiste, a dos vivos também, seja nas travadas de Satanico, que se gaba em frente a Seth, ou do próprio personagem de Clooney, que quase permite que seu irmão ande, mesmo já não tendo alma.
Rodriguez resgata a aura dos filmes de monstros da Universal, e as perverte completamente, adicionando a isto a estética dos filmes de zumbi de George Romero com o gore dos giallos que Mario Bava e Dario Argento faziam na Itália. Uma marca de Tarantino no filme é a conversa entre sobreviventes que falam sobre teorias de como matar os vampiros, de suas fragilidades e das fraquezas que a cultura pop amputou a esse segmento, linhas de diálogos essas que jamais ocorreriam se não fizessem parte de um conto fantasioso com participação do próprio.
Apesar de brincar com crenças sérias e de aludir ao cristianismo como fonte segura de defesa contra o mal, a graça de Um Drink no Inferno reside no total desprendimento da realidade ou das normas de um bom filme de gênero, ele é uma mistura de muitos elementos e uma ode ao cinema de Wes Craven, Tobe Hooper, John Carpenter e até alguns cineastas menores como Tom Holland (Brinquedo Assassino) e Mick Garris, temperado é claro com toda a iconografia do cinema e cultura do México aludindo a um oeste de Alejandro Jodorowsky e as comédias de humor negro, em uma mistura que tinha tudo para dar errado, mas que acertou em tom e que certamente entrou para história do cinema como um clássico do cinema escapista da década de noventa.
A primeira fala do Batman de Val Kilmer em Batman Eternamente, envolve ele e Alfred discutindo sobre a janta do herói, com Bruce se negando a comer em casa, dizendo que irá em um drive thru, quebrando já no inicio a ideia de que aquele poderia ser um filme sério. A abordagem que o novo diretor dava a franquia iniciada por Tim Burton em Batmanse distanciava cada vez mais daquele tom dark e violento, e seguiria nesse estilo, na nova versão de Batman e Robin, com um início igualmente esdrúxulo, onde após os créditos iniciais e uma apresentação que deveria ser épica – mas que soa patética – do batmóvel é cortada por uma conversa infantil, entre o Robin de Chris O’Donnel, que agora usa um uniforme que lembra o de Asa Noturna nos quadrinhos, com o novo morcego de George Clooney, onde o jovem deseja usar o carro, por conta das gatinhas se amarrarem, enquanto o cruzado encapuzado diz que é por isso que o Superman trabalha sozinho. Essa piada infame talvez tenha sido a pá de cal em cima da pretensão da Warner em usar esse e Superman Lives como iniciativa do seu universo compartilhado no cinema.
É comum entre fãs do personagem criado por Bill Finger e Bob Kane, dizer que o arqui inimigo do Batman é Joel Schumacher e não o Coringa, e isso talvez seja uma grande injustiça. Claramente a culpa do que foi cometido em Batman e Robin é não única e exclusivamente dele. Em materiais de divulgação dos DVDs e Blurays do filme, o diretor pede desculpas se ofendeu alguém, mas a realidade é a que a responsabilidade que lhe foi imposta era árdua, pois produtores e roteiristas pareciam embuidos em sabotar essa quarta versão da saga.
Nos cinco primeiros minutos de filme, Alfred (Michael Gough) faz piada com pizzas, Batman conversa com o Comissário Gordon (Pat Hingle) em um dispositivo televisivo em seu carro, claramente para vender brinquedos não só do carro, como também desse visor, e o Senhor Frio de Arnold Schwarzenegger – que é aliás o primeiro nome nos créditos – é capaz de entre a minutagem de 4:19 e 5:08 ele consegue proferir três frases com trocadilhos relacionados a frio, e seriam 27 ao longo dos 124 minutos de exibição. A obrigação em vender merchandising é da Warner, e esses diálogos artificiais foram escritos por Akiva Goldsman.
Evidente que Schumacher poderia ter recusado voltar, diante do texto que tinha em mãos e diante das exigências imbecis que o estúdio propunha, mas a realidade é que recusar a realização de um sonho, de poder traduzir no cinema uma historia do seu personagem favorito não é uma decisão fácil, vide Nicolas Cage aceitando ser o Superman e fazendo Motoqueiro Fantasma, mas a dura realidade é que praticamente nada faz sentido aqui.
Ainda na cena inicial do museu, os capangas de Frio jogam hockei com o diamante que ele roubou, o mesmo que precisaria estar intacto para formar a máquina que tentaria trazer sua esposa a vida. Os exageros continuam, Victor Fries lança uma rajada de gelo na direção do herói, o suficiente para matar de hipotermia o personagem, mas ele basicamente só manieta o Morcego, levemente, cobrindo suas mãos com um gelinho muito bem talhado. Mas em um filme onde patins saem das botas do Batman, onde a dupla dinâmica surfa com as portas da nave do vilão, desliza na cauda de dinossauros de um museu e onde Schwarzenneger faz cosplay de pomba congelada, com direito a asinha estilizada como as de uma mariposa, pode absolutamente tudo.
Não bastasse um cenário super bizarro ligado a vilões, há um segundo, envolvendo a versão do Homem Florônico com John Glover fazendo experimentos contra a vontade de suas cobaias, no entanto, cabe a Pamela Isley a primeira inteiração daqui, com a sua interprete Uma Thurman lamentando que ainda não conseguiu fundir a estrutura animal com a das plantas. Enquanto isso, é criado Bane, um homem franzino, que é anabolizado por uma droga chamado Veneno, e que está lá para ser vendido entre soberanos de países, com pastiches de reis africanos, sósias de Fidel Castro, de chineses e outros asiáticos,e esse é só o início dos exageros.
O tal doutor Woodrue de Glover interrompe seu leilão, para tentar convencer Pamela a se juntar a ele, mesmo ela já sendo sua empregada, e a resposta dela é ideológica, de que não servirá ao mal, falando que sua missão na Terra é cuidar da não extinção das plantas. É tudo tão bobo e pueril que jogar prateleiras cheias de líquidos coloridos e acreditar que uma pessoa morrerá só com isso nem é tão absurdo, no final das contas.
Mas o filme é ousado, tenta estabelecer algumas sub tramas emocionais, duas em especifico, uma explorando a decadência emocional de Fries, tomando por base a boa construção do personagem trágico e viúvo feita durante Batman The Animated Series, além claro da problemática em relação a saúde de Alfred, fato que permite que Clooney e Gough possam dividir algumas poucas cenas de ternura. É uma pena que ambos os aspectos sejam banalizados, com Freeze mandando os capangas dançarem, e com o advento de Barbara Wilson, de Alicia Silvertone, que mais tarde, se tornaria a nova Batgirl, repetindo quase todo o arco de Dick Grayson em Batman Eternamente.
A construção das personagens femininas são terríveis. Pamela retorna dos mortos como a Mulher Gato de Michelle Pfeiffer em Batman o Retorno, mas sem metade do charme daquela versão, apesar de estar lindíssima a partir daí. Julie Madison, que foi um primeiros amores do personagem principal nos quadrinhos é sub aproveitada , e Elle Macpherson só aparece em tela com 35 minutos de exibição. Barbara que foi mudada de filha de Gordon para sobrinha do mordomo também não tem um bom desempenho, é só a menina com ideal de libertar o parente dos grilhões de servidão/escravidão que os Wayne o impuseram, mas usufrui da fortuna deles sem receios, e até aceita entrar o bat-squad, apesar de claramente não concordar com os métodos de Bruce. Mais uma vez essas construções de personagem não fazem sentido.
Talvez se a trama de Alfred em tentar encontrar seu irmão Wilfred para substitui-lo fosse levada mais a sério, daria certo, fato é que achar que Barbara levaria seu legado a frente, além do que seria mais uma preconceituosa conclusão de que a menina aceitaria a condição de faz tudo de bom grado, já que pela ideia dos quatro filmes, é Alfred que cuida sozinho de toda a mansão. Não fosse Silverstone – uma atriz fraca, escolhida basicamente por ser bonita e famosa – a porta voz do plot sobre a condição de saúde de Alfred, possivelmente seria este o cerne emotivo mais forte do filme, ou ao menos um aspecto positivo em meio a toda a péssima execução do combalido roteiro de Goldsman. O fato de Dick ser insensível (ou apenas desatento) com a condição de seu mordomo faz sentido, pois ele é jovem, impulsivo, e um pouco egoísta, como boa parte dos pós adolescentes, enquanto Bruce, que enxerga Alfred como a sua figura paterna, percebe a tentativa do idoso de ludibria-lo.
O quadro ainda iria piorar, com uma festa temática africana, uma festa a fantasia que conta com Batman e Robin como convidados, que trabalham em prol da caridade a instituições que precisam de recursos. Assistindo os filmes de Chris Nolan atualmente, se entende por que fizeram tanto sucesso, pois o Batman dele não se permite ser usado para fins lucrativos e nem faz aparições publicas assim tão esdrúxulas. Claro que essa sequencia toda é montada para dar vazão aos fetiches de Schumacher por neon, e para apresentar homens musculoso, de tanga e óleo sobre o tórax e bíceps, que lá estão servindo a versão mais sensual de Pamela, a Hera Venenosa, como um pretexto para pôr para fora fetiches e exibicionismos.
Há algo de poético e inocente nos beijos de Hera. A morte, vindo através dos lábios de uma dama é um requinte de crueldade bem pensado, ainda mais se o foco é apresentar a fúria vingativa de Gaia ante os humanos. Juntando isso, ao luto que Fries sofre, ao ser enganado por sua nova parceira, quase se compõe um pequeno respiro de humanidade e inteligência no longa, que obviamente é cortado por um plano esdrúxulo, onde a era glacial invadiria Gotham, através do roubo de uma tecnologia espacial pelo Senhor Frio, onde jamais as plantas de Ivy poderiam sobreviver, além de apresentar a cena mais patética de Pat Hingle em toda a franquia, onde ele é seduzido por Pamela, que se recusa a beijá-lo por conta dele ser idoso. É melancólico que esse seja seu ultimo momento dentro da franquia.
Os trinta minutos finais formam um caminho de uma ladeira percorrida por um veículo de pneus carecas, por mais que parecesse que esses níveis eram ruins, havia uma rota que poderia piorar tudo, e ela foi tomada com muita vontade por parte de quem ajudou a realizar essa obra. Robin Sinal, Barbara abrindo o cd-rom com as informações da bat caverna com o logo do filme ilumando sua face, a briga para medir quem tem pênis maior encerrada com um pedido fraternal de Bruce para que Dick não cedesse a sedução de Hera claramente com ciúmes, não se sabe se da mulher ou do garoto prodígio.
Hera e Robin quase consumam seu “amor”, em mais uma sequencia das mais vergonhosas. O gesto recatado de ósculo labial, que deveria ser um paralelo equivalente a ousadia de colocar sexo em um filme feito para crianças é cortado por lábios de borracha do sidekick do morcego, e o causo só é resolvido pelo girl Power de Barbara, em uma série de eventos tão toscos que fazem o inicio parecer sério. A classificação que o Newsweek deu para o filme de Grande, Ousado e Magnifico poderia facilmente por Espalhafatoso, Excessivo e Patético.
Nem mesmo a música de Elliot Goldenthal funciona, mesmo que tocada sozinha tenha um significado, ao compor o quadro com as imagens. Quando ela é tocada apenas para embalar os carros e veículos que deslizam sobre o gelo, e para ajudar a vender mais bonecos com uniformes diferentes, tudo se banaliza. Mamilos protuberantes, close em partes genitais e o CGI mal empregado não irritam tanto quanto essa necessidade de vender os tais brinquedos, que por sinal, nem eram tão legais, os que eram feitos para os filmes de Burton eram infinitamente mais legais, se comparar então com os dos desenhos, é covardia.
Robin é o herói impotente, ao ver seu amigo e parceiro cair, ele diz a Batgirl que a eles resta rezar. A vontade de fazer piada passa por cima inclusive da essência dos personagens, não se pensa duas vezes antes. Há muitos momentos vergonhosos para escolher como o preferido no final, se é a quase cena pós crédito entre Hera e Victor, que não faz sentido, se é o neon que invade até a casa de Bruce, ou se é o Senhor Frio guardando a cura para a doença de sua amada consigo em sua armadura, e que serve para ajudar Alfred a viver. No entanto, há algo mágico na obra que Schumacher dirigiu, algo que faz toda essa besteirada cafona funcionar como algo tão ruim que se torna divertido acompanhar o desastre. O objetivo do diretor era fazer o que James Wan conseguiu em Aquaman, um filme de herói histriônico, brega e que funciona por não se levar a sério, mas as muitas influencias da Warner e sua passividade – sem trocadilhos com orientação sexual, obviamente – não permitiram isso, e fizeram ele enterrar a franquia por muito tempo, até Batman Begins, enterrando também o possível filme cinco Batman Triunfante e Superman Lives de Tim Burton, o que é uma pena, pois o fã mais curioso e merdeiro. Nem a falta de identidade de Batman e Robin sepulta a curiosidade do que viria a partir daqui, ao menos a esse que vos fala. Sempre imaginei como seria um quinto filme, com Fries do lado dos mocinhos, ou com Alfred entrando em ação, mas obviamente que esses absurdos pensados pela minha cabeça quando criança não estavam a altura do que poderiam construir Schumacher e sua equipe.
A premissa imediata e de fácil digestão de Amor Sem Escalas, tanto o livro quanto o filme de 2009, resume basicamente a de qualquer artista que decide narrar uma estória: Nos embarcar em uma aventura em um mundo de tempo próprio, mas que se parece com o nosso. Seja o tempo que leva para James Bond atravessar o globo, sejam os anos que passaram desde o retorno de Nárnia, o tempo assimilado por nós no decorrer de um conto é um fator essencial para nos situar sobre todos os elementos internos de uma narrativa – aos interessados, favor estudar sobre isso algumas páginas do clássico Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis; ótimo exemplo do grande artesão do tempo literário que este nos foi.
E é justamente este fator que muitos escritores, ensaístas, cronistas, ou seja lá como preferem ser chamados, não parecem se importar tanto no desenrolar de suas tramas, deixando leitores aliás confusos, com a sensação de desprendimento que nunca poderiam ter ao longo da conexão com um mundo decifrado por palavras. Atenção esta que Walter Kirn, apesar de não ser um grande artesão de nada, mas sim sobre o nada, parece ter do começo ao fim da obra, sendo tanto tempo quanto espaço as duas constantes prioritárias que esse seu best-seller, regularmente adaptado aos Cinemas por Jason Reitman e estrelado por George Clooney, nunca deixam de lado.
Contudo, nem só de prioridades vive algo – ou alguém. Se o único norte de Ryan Bingham é controlar seu tempo indo ajudar empresas a cortar gastos por meio de demissões, algo completamente rotineiro para esse homem cuja mala está sempre nas mãos, sapatos nos pés e pés nos check-ins dos aeroportos americanos, tão desprendido quanto uma águia do chão e de outras aves, é também difícil não reconhecer Up in the Air (o título original mais honesto sobre a natureza da história) como um romance fraco, e que nunca mergulha, de fato, em suas vias dramáticas em potencial que Kirn, seja por medo ou insensibilidade, parece estancar ao invés de explorá-las, como se espera.
Ironicamente, não demora (nem um pouco) para se perceber que o peso da leitura demonstra-se tão frívolo e com um drama existencial tão descartável quanto as nuvens que Ryan, cansado, observa da sua poltrona, com o lema “alguém precisa fazer o trabalho sujo” tatuado na testa, enquanto segue demitindo mais pessoas para garantir a sobrevivência de grandes corporações. Mas é óbvio que, para um agente da frivolidade do momento, tal um pássaro em voo livre, qualquer conflito que apareça no seu caminho é uma barreira, um obstáculo que só atrapalha sua trajetória, e Kirn sabe disso, fazendo de Amor Sem Escalas um romance que cria, alimenta e se apoia em suas conveniências desde as primeiras páginas para existir e transmitir suas mensagens, e isso não é nada bom.
Quais mensagens seriam essas? Elas ficam, na verdade, bastante claras lá pelo meio das suas páginas demoradas: Somos todos escravos da modernidade líquida de Zygmunt Bauman, diz o livro quando para de exclamar, mais alto ainda, que o caminho importa mais que o destino e por isso ele deve ser vivido da melhor forma possível. O caráter de autoajuda e otimismo exagerado típico das crises de meia-idade quase descamba pro explícito com a entrada de novas personagens, mas Kirn mantém a dignidade e impede isso por pouco, graças também às suas boas tiradas – principalmente no começo do romance, e sempre dentro das aeronaves onde seu protagonista, indeciso e espertinho, fica refletindo sobre a vida e os objetivos de cada tripulante. Nesse paralelo (um tanto forçado no livro) de um avião com os rumos da vida das pessoas, falta gasolina no motor de Kirn para explorar os recantos dessa realidade invariavelmente oca.
Vamos lá: Em Embriaguez do Sucesso, soberba película de 1957, nós acompanhamos uma trama aparentemente simples: dois homens de negócios no coliseu da fama, um lutando para retornar ao topo dos tabloides, enquanto o outro ousa não cair no nível do primeiro; uma roleta-russa filmada com enorme precisão, com alguns dos mais retumbantes diálogos que um roteiro já expressou – fato. Não é à toa, e não só por isso, que a estrutura básica d’outro clássico mais recente, O Informante, com Al Pacino e Russel Crowe, remete a isso, sendo mais sólida que concreto no sol de quarenta graus.
Isso porque em 1999, o cineasta Michael Mann captou o cheiro fétido e o sabor azedo de uma história midiática através não só de imagens, mas da relação entre elas, como se nossos olhos degustassem e sentissem o poder que existe na transição entre películas. Em parte por conta da classe provada na condução do diretor, afinal a potência do conjunto redondo da obra é magistral. O Informante, tal qual Embriaguez do Sucesso, é uma aula fílmica moderna de peso e com pouca rivalidade dada a maestria na qual ambos se amparam. E agora, vamos ao real norte desta crítica, em questão.
Mas não se enganem: Boa Noite e Boa Sorte, de George Clooney, é um wanna be movie; filmes que querem ser o que as influências fazem-nos querer ser. Tal um homem de estatura média subindo na cabeça dos gigantes do passado, em busca da visão do Eldorado, Clooney se dá por satisfeito nessa empreitada vertical e assim realizou, em 2005, um thriller político todo sério, breve e nada memorável com uma história muito boa, sobre a moral do jornalismo posta à prova, e a pressão que os guardiões das notícias na televisão sofrem quando essa é eclipsada por interesses além da básica responsabilidade social que a profissão carrega, com orgulho.
Informação é poder, por todo o sempre, e esse bom roteiro original nos transmite esse imperialismo pela boca dos atores (esplêndidos, em cena, e esse parece o êxito verdadeiro de Clooney na direção: extrair ótimas atuações dos homens e mulheres que manipula na tela), deixando transparecer o jogo de prudência e a falta dela na conduta pela veracidade das notícias na rede CBS, em plenos anos cinquenta. O ator, sentado na cadeira de cineasta, quer tecer uma ode à influência da televisão na sociedade, mas não parece sentir direito para onde a história deve fluir pra alcançar isso, e de close em close, na mais absoluta confiança no seu elenco de peso, deixa o filme acontecer.
No contexto de 2018, pode-se perceber o quanto Boa Noite e Boa Sorte remete a esses idos brasileiros do “Vai pra Cuba”, antipetismo e paneladas da classe-média alta, já que, segundo a experiência do veterano repórter e âncora de telejornal Edward R. Murrow (David Strathaim), e a dos seus companheiros de luta, o público está sempre à mercê do incomensurável poder da mídia (mesmo na época de mídias digitais), e nem sempre deve ouvir só aquilo que deseja. Dessa forma, caso a época demande alguns debates históricos contra acusações infundadas de políticos intoxicando a opinião popular, é exatamente isso o que um jornalismo sério deve fazer: Investigar, discutir e elucidar os fatos. Custe o que custar.
Se de posse de uma premissa tão forte, acerca de um jornalismo que digladia contra verdades repletas de intolerância política, e com atores em ponto de bala encenando mil conflitos entre si, por que a sensação é de distanciamento e superficialidade? Nota-se, respondendo a isso, que Clooney é um estrategista contemporâneo do tipo Christopher Nolan, que não consegue pensar no filme todo, mas em artimanha atrás de artimanha até chegar ao fim. E mesmo sendo muito melhor com atores que Nolan, Clooney não extrai (ironicamente) veracidade de um universo que aqui chega as vias do perturbador e do sinistro, tamanha a dificuldade que pode surgir a um repórter que não concorda em veicular o veneno da injustiça.
Para o filme, o ator/diretor emprega todo o seu charme natural de galã para as cenas em geral, tornando sua alegoria do começo ao fim um verdadeiro desfile de elegância que nunca desce do salto, mesmo em sequências mais fortes – para isso, conta com uma câmera tremida bem incômoda. Já o roteiro, enquanto a benção que é, garante momentos que dificilmente poderiam ser estragados por um cineasta, como toda a vez que Strathaim, em atuação impressionante, discursa para a câmera, duro e moralmente inquebrável como um jornalista incorruptível no auge da profissão, delegando ao seu público o seu “boa noite”, mas antes a verdade e nada mais do que isso. Na memória, ficam sobretudo essas cenas, muito mais que a obra por inteiro.
Em sua sexta incursão por detrás da câmeras em um longa-metragem, George Clooney se reúne a dois roteiristas de peso, Joel e Ethan Coen, e ao parceiro Grant Heslov (Caçadores de Obras-Primas, Tudo Pelo Poder, Boa Noite e Boa Sorte) para uma narrativa de humor negro situada em 1959, em um subúrbio que reflete o sonho americano.
Suburbicon: Bem Vindos Ao Paraíso se inicia como um anuncio antigo, informando sobre esse local quase idílico em que é possível viver com os mesmos confortos de uma cidade grande, sem os problemas enfrentados por grandes metrópoles. É neste local que residem os Lodge, uma família tradicional que após sofrer uma invasão por assaltantes, destroem a imagem de um grupo perfeito cedendo a vingança, chantagem e traição.
Escrito na década de 80 pelos Irmãos Coen, dois anos após o lançamento de Gosto de Sangue em 1984, o roteiro foi desengavetado por Clooney, além de ter sido alterado com novas subtramas, como a presença da primeira família negra no bairro, um evento baseado em um fato real que culminou em violência e agressão contra a família. Em pouco tempo de exibição, é possível perceber o estilo narrativo dos irmãos, a crítica estabelecida sobre a falsa perfeição da sociedade americana e as consequências de um crime que destroem a família, revelando as camadas podres por debaixo da pintura. A conhecida comédia de erros tão bem definida no clássico Fargo – Uma Comédia de Erros.
A reescrita do antigo roteiro com acréscimos de subtramas para encorpá-lo é um feito visível na tela. A história envolvendo a família negra é mal aproveitada, funcionando mais como um pano de fundo mostrando as tensões da época do que mais uma denúncia contra o falso moralismo americano. Enquanto a trama central parece esconder inicialmente a índole dos personagens, como se o público não soubesse se tratar de uma trama crítica. Ao evitar abordar a família como um grupo corrupto, salvo o pequeno garoto Nicky, o filme perde tempo excessivo decompondo o pai de família. Se desde o início ele fosse desenvolvido como um homem imoral, a crítica poderia ser mais eficiente.
O universo estabelecido em cena sobre um bairro idílico é funcional, a paranoia e o preconceito envolvendo a família de negros é perceptível como se o bairro sob a grama aparada e os sorrisos representasse um mundo as avessas. Matt Damon e Juliane Moore dão um pouco mais de cor há um roteiro mal desenvolvido, bem como o coadjuvante Oscar Isaac brilha em suas únicas duas cenas. Porém, nada parece suficiente para causar incômodo nem estabelecer uma crítica profunda como era a intenção inicial.
A ideia de Clooney em restaurar um antigo roteiro dos Coen é interessante e seria bem representativo como crítica se sua trama não parecesse desequilibrada. Como uma comédia de erros, a própria execução da trama se tornou também um erro. Suburbicon se destaca apenas por poucos bons momentos, lembrando-nos que tanto o diretor quanto os roteiristas já estiveram em melhor forma.
O modelo de comédia americana está cada vez mais falido, a molecada não ri mais de Woody Allen ou Jerry Lewis, nem sabem quem foi Buster Keaton ou Harold Lloyd, já que os padrões de riso e de susto morrem a cada filme lançado, ou melhor, a cada risada ou calafrios desperdiçados! Assustar e emocionar é difícil, sem dúvida, mas rir, provocar risada com a mesma piada para todas as pessoas e culturas do mundo não é algo fácil. Com Borat se oficializou, em 2006, um modo pelo menos temporário de fazer as novas gerações rirem, senão delas mesmas, num espelho anacrônico e, porque não, irônico do mundo real tão contemporâneo, globalizado, ridículo, cheio de memes e comediantes stand-up. Mas tem uma figura que o americano ama mais que black friday, SuperBowl e Amy Poehler juntos!
Olhando pra Bill Murray, ele é o tipo (em um milhão) que causa empatia simplesmente por se deixar ser simpático, nada mais. Nos almoços de família, ninguém tem coragem de dizer que não curte um tipo assim, até fazer falta quando deixa de aparecer (pelo menos uma vez por ano, e no caso de Murray, mesmo que para um público restrito que razoavelmente sabe o que precisa assistir). Ai chega a Netflix, dona de tudo e mais um pouco hoje em dia e lança A Very Murray Christmas, sem tradução, abraçando a causa Murray e natalina, afinal juntas elas combinam que só, coisa leve e lenitiva aos cético de plantão, nesse espírito mágico, balsâmico da tradição anual.
O musical mais inofensivo desde Nine, só que Rob Marshall não queria que fosse assim. Aqui, Sofia Coppola acerta o ritmo e compõe uma sinfonia lenitiva a um mundo que não faz parte do palco, com George Clooney, Maya Rudolph (comediante do Saturday Night Live), Chris Rock e Miley Cyrus, cantando “silent night” (“Noite feliz”, em português) com o Paul do David Letterman no piano, sendo a cena um possível clássico americano do humor involuntário, já que Miley não é conhecida por cantar canções sobre Jesus… enfim!
Passar uma hora com celebridades agradáveis de Hollywood é isso, cantar em sua companhia e degustar em meia-dúzia de cenas síntese do filme, como a noiva triste que após ouvir uma canção de natal, retoma seu casamento como se nada tivesse acontecido. Nem Murray ou Coppola, nem ninguém aqui quer entregar um filme doce demais, dai o comedimento nas canções e o evitar de muitos confetes, sendo A Murray Christmas um especial honesto, chique, econômico na sua graça.
Jogo do Dinheiro é um produto que se vale de paralelos com a realidade, pervertendo ligeiramente os acontecimentos verossímeis, ainda fazendo um comentário sóbrio sobre paranoia, comunicação e manipulação. O longa foca no programa televisivo Money Monster, o mesmo que dá nome ao filme, um programa sensacionalista e pseudo jornalístico que faz um show de avisos sonoros e atrações teatrais, enquanto discute os rumos da bolsa de valores e demais espectros da economia americana.
O âncora do programa é o canastrão decadente Lee Gates (George Clooney), que logo percebe que sua parceira de trabalho, Patty Fenn (Julia Roberts) está de saída da direção de seu programa, deixando-o em uma posição ainda mais degradante do que a já vista neste início de trama. No último programa que a dupla comandaria acontece um evento entrópico, com a entrada de um homem revoltado no estúdio de posse de uma arma de fogo e uma bomba. O personagem é interpretado por Jack O’Connell, e suas motivações são expostas aos poucos, inclusive incorrendo a identidade do atirador (chamado de Kyle Budwell), os motivos que o fizeram ameaçar a vida dos membros da produção e instaurar o caos ao vivo e em rede nacional.
Jodie Foster consegue harmonizar dois estilos de direção diferentes, primeiro dando vazão a um cinema de protesto, que desdenha do american way of life, semelhante ao executado pelo cinema alternativo europeu com o cunho político de desconstrução do capitalismo clássico como meio de vida e economia ideal, ao mesmo tempo que remete à economia tanto orçamentária quanto de exploração sensacionalista, típica dos filmes mais politizados de Clint Eastwood e Robert Redford, especialmente Leões e Cordeiros e Poder Absoluto, emulando também a estética do cinema clássico norte-americano.
Em seu quarto filme dirigido, Foster consegue reunir uma adrenalina avassaladora com uma discrição assustadora, o que facilita e muito no brilho tanto de Clooney, que está inspiradíssimo, quanto de Roberts, que consegue reunir um conjunto de nuances enormes mesmo em um papel muito comedido. A direção de atores da realizadora já havia sido posta à prova em Um Novo Despertar e segue firme, sem permitir qualquer vacilo na apreensão causada no espectador.
O roteiro de Jamie Linden, Alan DiFiori e Jim Kouf ainda possui dois pontos de absurda inteligência, que é a desconstrução da solidariedade gratuita, normalmente apontada pelos veículos comunicacionais mais conservadores, mostrando que mesmo a audiência de Gates pouco se importa com a vida do showman, assim como traça paralelos no comportamento de Kyle com a faceta do Justiceiro recentemente trazido para o audiovisual com a série do Demolidore com a história do Anjo Exterminador. O personagem é tão rico que mesmo ele reconfigurando as noções de poder, ainda há espaço para mostrar uma impotência crônica com os seus conhecidos, em especial com sua noiva, que faz desconstruir sua moral de assassino assim que ganha voz, o que faz salientar ainda mais a fragilidade do sistema.
Jogo do Dinheiro consegue fugir dos clichês dos termos técnicos e ser ácido, mostrando a crueza da alma humana e como os ditames econômicos servem aos poderosos e oneram a classe trabalhadora comum, construindo um arquétipo invertido visto no clássico de Gillo PontecorvoQueimada!, ainda se valendo do método socrático maiêutico, além de ironizar os chavões típicos de filmes sobre televisão, como a presença de uma equipe fiel independente das adversidades. E, claro, alfinetar os finais adocicados, com um pouco de esperança mesmo para os personagens que não merecem redenção moral. Ainda assim, os últimos momentos soam realistas e pragmáticos. Mesmo com todo o rebuliço, a rotina continuará privilegiando os que já detêm o poder, tanto político quanto monetário.
A ficção científica como narrativa especulativa atravessa reflexões contemporâneas como base para projetar o futuro. No período da Segunda Guerra Mundial, obras distópicas como 1984, de George Orwell, e Fahrenheit 451 de Ray Bradbury focavam em um futuro totalitário e na completa ausência do indivíduo. O estudo da Cosmologia através dos tempos transformou seres de outro planeta em prováveis inimigos para estabelecer uma análise da evolução humana em várias obras, como O Jogo do Exterminador de Orson Scott Card e Contato de Carl Sagan.
Tais cenários são utilizados frequentemente em narrativas como o futuro totalitário presente nos juvenis Jogos Vorazes ou na saga Divergente. São tendências que surgem como reflexo de cada tempo, conforme o contexto dos autores.
Com este argumento em voga, é perceptível um crescimento de conceitos que questionam o futuro da Terra e suas transformações climáticas devido a ação humana. No cinema-catástrofe, o hiperbólico Roland Emmerich explorou o assunto em 2012 e, mais próximo do cenário de ficção científica, Danny Boyle dirigiu o eficiente Sunshine – Alerta Solar. Bem como Interstellar de Christopher Nolan também discutiu a sobrevivência da espécie à procura de outros habitats. A destruição futura do planeta também é tema de Tomorrowland – Um Lugar Onde Nada é Impossível, produção dirigida por Brad Bird em sua segunda incursão fora da animação, e obra cuja bilheteria tem sido aquém da esperada pela Walt Disney Pictures. Estrelado por George Clooney, o projeto de Bird, que também assina o roteiro ao lado de Damon Lindelof e Jeff Jensen, era aguardado com expectativa e, diante de uma história simples, e a esperança de uma grande obra de ficção científica foi deixada de lado.
Grande parte da ficção científica trabalha com duas histórias dentro de sua narrativa, projetando um futuro provável para analisar o próprio ser humano. Muitas tramas são metáforas simbólicas para reflexões profundas e metafísicas de nossa própria evolução. A necessidade de produzir um filme familiar gerou um desafio natural para os roteiristas que precisavam equilibrar uma boa trama sem perder o escopo reflexivo. A solução foi transformar a história em uma aventura semelhante às da década de oitenta, evocando personagens juvenis como centro e lhes dando o poder para transformar sua trajetória, mantendo a fantasia dentro do enredo.
Na década de 60, o pequeno Frank Walker é um inventor prodígio que participa de uma feira de invenções com um protótipo de um propulsor a jato. Mesmo o aparelho não empolgando Nix, um dos jurados do local, sua filha Athena confia na inteligência do garoto e convida-o para embarcar em uma aventura em uma cidade situada no mesmo espaço que a Terra, mas em outra dimensão. Habitado por cientistas, professores e intelectuais em geral, Tomorrowland é composto somente por mentes pensantes que desejam um futuro melhor sem os vícios do planeta Terra.
A origem do garoto é apenas um preâmbulo para equiparar a história de Case Newton, uma adolescente que, como também o jovem Walker, acreditava ser capaz de modificar o mundo ao seu redor com a potência da imaginação e criação inventiva. Convocadas pela mesma Athena, as personagens devem salvar o planeta de uma iminente catástrofe.
A aventura de fantasia é definida em um logo primeiro ato com uma hora de duração, firmando a parceria entre Casey e um velho Walker, interpretado pelo sempre galã George Clooney. O longo ato inicial evidencia a intenção de evocar a narrativa de outras décadas, tanto pela condução mais lenta como também na evocação de um universo inocente, conduzido por uma pureza juvenil. Ao contrário de obras como Os Goonies e E. T. – O Extraterestre a presença deste elemento puro não parece natural, mas inserida no contexto para ampliar o público e a bilheteria.
Nestes dois exemplos de produções oitentistas, entre outras que poderiam ser citadas, os dramas envolvidos em cena eram densos, apesar da história simples. Principalmente, devido a uma época em que não havia amenidades nos conflitos em histórias infantis. Personagens lidavam com a morte e a perda como adultos também lidam com tais situações. Compondo sua base apenas com cores vibrantes, Tomorrowland evita, por consequência, um conflito, nem que seja o tradicional embate de mocinhos e vilões.
A Disney vem tentando modificar o paradigma de suas histórias mas ainda não encontra uma maneira adequada de acrescentar novas camadas a sua outrora simplicidade bem equilibrada. Vê-se uma tendência em trabalhar argumentos em pares, utilizando em tramas diferentes as mesmas soluções narrativas. Assim como Frozen – Uma Aventura Congelante e Malévola compartilhavam o mesmo efeito moralizante do amor fraternal, essa produção se assemelha com o futuro colorido de Operação Big Hero: um local evoluído tecnologicamente em uma Terra desgastada em que personagens se destacam pelo caráter e a inocência – bem como a criatividade – e são inspiração para mudanças. Além da impressão de um reconhecimento prévio de um conflito visto em um recente filme do estúdio, a trajetória das personagens não parece urgente nem mesmo conflituosa como deveria, retirando qualquer potencial destrutivo do vilão interpretado por Hugh Laurie. Mesmo seu discurso megalomaníaco não parece ameaçador.
Esteticamente a obra tem muita beleza, principalmente nos claros cenários do futuro e nos enquadramentos que demonstram um início de estilo na câmera de Bird. Porém, a falta de densidade retira a potência base de uma ficção científica projetada antecipadamente durante a divulgação do filme. Mesmo sendo apenas uma obra familiar entre aventura e fantasia, a intenção de ampliar o público impede que a história atinja com eficiência um desses gêneros e, diante disso, falta-lhe fôlego em qualquer uma de suas vertentes.
DeGosto de Sanguea Inside Llewyn Davis, uma análise geral e não-datada sobre as diretrizes da obra de Joel e Ethan Coen. Da parceria primordial com Sam Raimi a dois lugares cativos nas expectativas de crítica e público, feito mais que raro, senão raríssimo. Suas obras são trabalhadas com mãos de pelica juntamente a todas as possibilidades do cinema, em seu estado humilde, para apostar em temas ricos, intentando criar algo inédito, como que com o ímpeto de um fracassado que aposta tudo na única chance de sua vida.
A moral e a força dessas obras vêm em forma de lenta infiltração atrás da parede da sala, apesar da rápida duração, geralmente, das mesmas. Em um punhado de entrevistas dedicadas a dissecar o que está por trás dos estímulos da filmografia vigente, os cineastas não cedem a surtos didáticos sobre seu caminho no cinema, carregado de marcos em dobro.
O expressionismo alemão que não se mostra herdeiro das consequências do passado, mas de uma irrevogável essência dúbia e ambígua da composição do mundo surreal desses realizadores, corajosos por experimentar de tudo, um pouco; formados na fórmula de como se sustentar na corda bamba da criatividade. As sombras do interior de um homem expostas nas calçadas no contra plongée de um enquadramento, na possibilidade do filme ser mudo, sem carência de pantomima, na caricatura de uma história contida, prestes a explodir a qualquer segundo como um dínamo desconfiado. Até onde pode se estender a luz nas sombras do mero ser, quiçá os domínios da técnica numa produção com coração e possibilidade de submersão, além do visual. O Homem Que Não Estava Lá é um convite para o espectador ter a responsabilidade de sentir a história separadamente ao belíssimo arranjo e aquisição do fotógrafo Roger Deakins, o oposto do que as produções bilionárias de Hollywood tentam evocar. É como se os irmãos, através de cada frame e close facial do ator Billy Bob Thornton, levassem o público pelas mãos por um campo já arado, esperando uma semeadura de consciência para algo poder ser colhido dali. É claro que o potencial poético do filme não é de todo renegado, mas desde que a estrutura dialoga em primeira e terceira pessoa, o que é unilateral nos filmes de Joel e Ethan não tem vez.
Crises existenciais sempre foram inerentes aos Coen, e aqui, em plena era da infinitamente atrasada igualdade entre os sexos, eles homogeneízam em uma inusitada paleta de cores quentes o que há de bom e ruim no interior humano, na fronteira entre o distinguível e as miragens da neblina moral, no caso, existencial. A ênfase às contradições, revogáveis vistas do lado de fora, da natureza do homem e da mulher são colocadas no microscópio conhecido por Cinema, imagens e sons novamente sob o prisma da interpretação variável. A começar por ser boêmio e não menos que simbólico, há alguns “novamentes” aqui, seja a repetida parceria com Thornton e Clooney ou o raro esforço por não serem tão óbvios no tratamento de um contexto pré-montado, há mais no sorriso de George Clooney e no vermelho de Catherine Zeta-Jones do que sonha nossa vã filosofia. Como nós aceitamos ser guiados por dois seres desprezíveis é cortesia nossa, só nossa, nascida do simples ímpeto de se envolver com uma boa história, humilde sem demais alegorias no fluxo de ideias velhas bem retocadas, num cenário de roupagens e vocabulários requentados; poucos podem ser culpados por tentar a nobre arte da revitalização clássica.
O humor universal é o que há de mais caro no gênero. Tudo se assemelha em âmbito cultural e de repente a satisfação se esvai em prol da sede pelo original. Quase não há espaço para a inovação nessa questão, a menos que essa seja obtida por legítimos punhos de aço; um empurrãozinho da sorte, aliás, não faz mal a ninguém. Só nos resta ser o gato à margem da ponte, na cena derradeira de Matadores de Velhinha, filme que se recusa a ir ou a voltar no espaço-tempo: Vaga nesta filmografia como um espectro do que ficou na vontade, e do que os Coen poderiam ter sido na pior instância. O maior risco intelectual dos Coen se concretizou em escorregão, convertido aqui em plena irresponsabilidade no material final: É lugar comum, é a espreguiçada que se dá ao acordar no domingo de manhã. Equívoco que todo cineasta merece e faz bem de cometer para se mostrar hábil o bastante de espantar o pó e seguir de cabeça erguida adiante.
E seguiram. Quando um(a) artista, no sentido amplo do termo, chega no auge do exercício almejado com unhas e dentes, ele(a) retorna talvez injustamente ao ponto de partida, pois sente que foi naquele ponto onde sua autenticidade falou mais alto, gritou e berrou ao mundo. Onde os Fracos Não Têm Vez é uma constatação rara que não tem espaço para nada mais do que a maturidade absoluta no ofício do realizador, este que arrisca toda a reputação até aqui conquistada para fazer o que é preciso dentro e fora da conjetura que se equilibra para não arredar o pé, com ou sem esforço. Tipo de peça que toda filmografia deve ter, é o currículo dos Coen falando lado a lado com a história árida e que casa mais que perfeitamente com os fundamentos dos irmãos, na hora certa e com o material certo. Estimulante a qualquer profissional da área, nota-se que, através dos paradoxos psicológicos e do desenvolvimento harmonioso do mosaico de sensações a ser desembrulhado, conforme a projeção se encarrega do próprio desfecho, a adaptação de McCarthy é a mais notável evolução moral desta dupla de mentes. Sua maior proeza extraestrutural é ser denso enquanto flexível, aberto a todo o tipo de interpretação a quem acompanha o cão (Tommy Lee Jones) perseguir o gato (Javier Bardem), que persegue o rato (Josh Brolin) e rata (Kelly Macdonald). De câmera intimista num mundo desesperado por lógica, intenções se desenham em terreno abstrato diante dos olhos; um manifesto imprevisível e amargo contra a violência e a favor do que pode ser ridículo nela. Os irmãos aqui assumem a figura de dois palhaços tristes que sempre nos fizeram rir com signos derivados de tiros a queima roupa e sangue sobre carne, se posicionando desta vez na lateral oposta do mesmo, sem máscaras ou maquiagem, acerca de uma modernidade ainda deficiente de humanidade. Se eles não conseguiram ser pretensiosos aqui na abordagem, por mais ativa que seja, eles certamente não mais poderão ser, pois sem o habitual humor negro, qualquer um morreria sufocado assistindo Onde os Fracos Não Têm Vez.
Do veterano roteirista Marshall Brickman: “A mensagem do filme não pode estar no diálogo”, e para quem não tem ideia de onde mais poderia estar, os filmes desses instáveis irmãos chegam a ser uma boa resposta. Infelizmente, sendo uma resposta reflexiva para alguns, fato é que Queime Depois de Ler, dotado de um elenco estelar, faz parte do que já pode ser analisado como a segunda fase dos Coen: A fase que eles não precisam mais provar nada a ninguém, quando o motor do carro para de ranger após subir a colina e chegar ao topo do planalto. É possível descansar nessa hora, esticar as pernas e deixar rolar tudo o que o desejo assim apontar. Instáveis, porém incansáveis, o céu não é o limite para quem anda com a cabeça nas nuvens, e à medida que a câmera desce na abertura do décimo quarto filme da dupla rumo ao foco no teto de uma instalação governamental em Washington, Estados Unidos, é como se o tempo tivesse parado e aquelas comédias, dos tempos de Arizona Nunca Mais, nunca tivessem saído do lugar para alçar voos mais altos. Premissa claramente iniciada do zero, um filme interessante de corroer as bases, morder os princípios ao longo da projeção, por lá estar contido um punhado de estruturas submersas, à tona aos poucos: Um strip-tease ofertado pelas toneladas de relações humanas trágicas apresentadas, terrivelmente familiares para muitos de nós, e em constante impacto quase cármico. Um círculo social de diálogos subversivos vindos de condições, apenas e, sobretudo, masoquistas por excelência. A obra é o picolé de limão mais ácido no dia de verão mais quente, conquistando quem vive a vida real e acha graça nos imprevistos irresistíveis e contínuos. Como Cartola já cantou: “Rir, pra não chorar”. É a vida.
Uma rara metalinguagem não-admitida. Por mais abstratas que sejam suas cognições, Um Homem Sério é um antifilme onde os Coen brincam de ser Deus e se fazem ilegíveis, portanto. O excesso de subjetividade é totalmente proposital, e entre fenômenos naturais improváveis e a lógica matemática que também não chega a lugar nenhum, os irmãos assumem a ironia de o cineasta ser capaz de criar seus mundos, mantê-los e destruí-los quando e como bem quiser, seja através de um divórcio ou de um furacão geológico. Indo além do masoquismo e sendo tão imparcial quanto as constelações nos são, Um Homem Sério não parte mais do pressuposto artístico de investigar os mistérios da vida, mas passa a aceitá-los sem a pretensão de entendê-los, como sugere um personagem em devido momento quando a força do que vem a ser dispensável pontua qualquer julgamento, cético ou não, agnóstico ou não, quanto a confusão que é provável de se formar da abrangência da produção em relação ao tudo e ao nada. Os rostos interrogatórios de todas as figuras no filme promovem signos indecifráveis, embora para com a dupla de cineastas, sempre serenos e donos das verdades que não aceitam compartilhar, no caso, os rabinos desta história que olha para si mesmo e rejeita um final, pois é um retrato do ciclo da vida que só termina quando a montagem exibe os créditos finais e tudo fica escuro, na técnica do fade out. Filosófico sem levantar bandeiras, e bem sucedido enquanto amplo em torno de embalagens melancólicas, como projetos cinematográficos no início foram idealizados a ser, aqui os Coen riem baixinho da vida com as mãos na frente da boca, após gargalharem do caos existencial em Queime Depois de Ler. Logo, a filmografia desses irmãos tem humor negro próprio, caso seja procurado um sentido para cada filme existir.
Silenciar as impressões dos Coen quanto a um gênero não funciona com eles. É tentador imaginar os irmãos na premissa de um terror a seus moldes, assim como era um western visto a temperatura e o fluxo de calor que suas produções são submetidas, de vez em quando, na direção que o gênero imortalizado por Leone, Ford e Hawks era inevitável, em uma visão senão mais próxima de Sam Peckinpah, é verdade, se esse fosse adepto de Proust. Se de estereótipos se faz o gênero, os irmãos se aproveitam disso e mostram a jornada da vida através de quem vai, e só não ignora o cenário devido à beleza das pradarias e do céu do meio-oeste dos Estados Unidos captados pela câmera de Roger Deakins, mais uma vez na sua melhor parceria com a dupla criadora. Metáfora sobre a coragem do “fazer humano” reflexiva e caricatural em suas causas, e seus efeitos. O rosto deformado de Jeff Bridges, a bravura cega da jovem figura de Hailee Steinfeld e, principalmente, a ineficiência do personagem de Matt Damon apontam para o fim de um jeito seco, sem conclusões, aqui substituídas pela, artisticamente falando, analogia moral de se realizar a arte que reúne as outras, o cinema, da concepção notória do movimento com ou sem final feliz, tanto faz, na ubiquidade do invólucro narrativo aqui presente até a última cena. Toda a beleza fotografada indica qual beleza? Uma beleza que não se pode ver, apenas ouvida, quiçá pela força dos diálogos, os olhares que dizem tanto? Daí a principal indagação, de dentro pra fora, no frescor da nobre odisseia para prender um bandido. De uma mera vaidade surge a obra mais sábia e onisciente de seu poder de persuadir o espectador desde Onde os Fracos Não Têm Vez, a partir do momento que retira a bravura do título da humildade com que tudo nos é configurado, sem pressa na familiar esquematização cênica dos irmãos que quase nos permite ver seus filmes com nossas avós ao lado, numa dramatização econômica e cirurgicamente precisa, não mais que satisfatória; uma máquina que chega com o manual necessário, porém, obviamente, escrito em uma língua que só as emoções sabem falar. No dia mais escuro, quando os Coen se tornarem objetivos em suas razões então deturpadas, nada mais poderá fazer sentido.
O folk de Joan Baez, Dave Van Rock e Bob Dylan é o ritmo que melhor casa com o ritmo dos Coen, se tornando irresistível de representar; o frenesi de discos como The Folkways Years e Highway 61 Revisited exemplificam perfeitamente a semelhança ideológica nas intenções conjuradas em mensagens sociais (e atemporais, como as do folk), oriundas da desconexão com o que e quem essas mensagens pretendem tocar. O músico Llewyn Davis de decadente e ascendente social não tem nada, é apenas um nômade feito com pernas incansáveis, junto a seus sapatos surrados, violão e cabelos despenteados, a materialização do espírito musical em pauta, de uma geração e de um artista. No primeiro musical convencional dirigido em dobro pelos Coen, a predominância do tempo presente é mais uma vez redigida com gosto, uma espécie de limpeza de alma, do poder que a música empresta ao cinema quando esse se habilita em aperfeiçoar melodia com o audiovisual sem perder fatores de fidelidade. Retratar o som em nome da expressão não verbal que A Balada de um Homem Comum termina por ser é tarefa árdua, que aqui parece ser das mais simples, tímida, mas masoquista até a medula. O foco dos diretores continua sendo a potencialidade do que é retratado, num processo de destilação vertiginosa no conteúdo da história, um descobrimento leve do que pode vir a ser – sempre no tempo presente já mencionado – e um polimento do interesse bruto do público. Os Coen aqui assumem que suas zonas de conforto são amplas e seus domínios, largos, e há ainda muito a que se agarrar e discursar em prol daquela visão 360° que eles têm sobre seu terreno, e nos querem fazer ter também.
De Gosto de Sangue a Inside Llewyn Davis, uma análise geral e não-datada sobre as diretrizes da obra de Joel e Ethan Coen. Da parceria primordial com Sam Raimi a dois lugares cativos nas expectativas de crítica e público, feito mais que raro, senão raríssimo. Suas obras são trabalhadas com mãos de pelica juntamente a todas as possibilidades do cinema, em seu estado humilde, para apostar em temas ricos, intentando criar algo inédito, como que com o ímpeto de um fracassado que aposta tudo na única chance de sua vida.
A moral e a força dessas obras vêm em forma de lenta infiltração atrás da parede da sala, apesar da rápida duração, geralmente, das mesmas. Em um punhado de entrevistas dedicadas a dissecar o que está por trás dos estímulos da filmografia vigente, os cineastas não cedem a surtos didáticos sobre seu caminho no cinema, carregado de marcos em dobro.
É o gatilho elencado por toda a cinefilia acumulada antes do primeiro projeto de quem é aspirante a artista e não sabe o que é ser um, mas sabe que é. Gosto de Sangue é uma barca de sushi de boa parte do que já foi produzido no gênero policial, seja das influências das fantásticas décadas de 60 e 70, ainda que oriundas do gênero noir, aqui tudo revisitado, à tona mais uma vez, sem preconceitos ou pudores através de uma visão particular de cinema, em notório, ainda sentindo a necessidade de evolução gradual. No primeiro lance é costumeiro somar a inexperiência do(s) realizador(s) diante daquele gostinho de quero mais, afinal nem todos se chamam Orson Welles ou John Houston (ambos, curiosamente, iniciaram seus passos ao rol das lendas no mesmo ano, 1941). Contudo, em Gosto de Sangue, os irmãos compram a briga dos mais exigentes e tentam assumir calmamente uma maturidade a ser comprovada, jogando com elementos que viriam determinar o “ao longo” da carreira; humor dramático, um constante drama irônico com o humor trágico dos laços humanos (o trágico aqui é literal), e uma violência doméstica indomesticável, satírica e inesperada, cada vez mais requintada daqui em diante. A quem tem olhos de lince, a história apoiada nos conflitos expostos da persona de Frances McDormand já apontava polos distintos enquanto únicos no cenário audiovisual do meio dos anos 80, povoados de inúmeros nortes, é verdade… Todo filme é uma odisseia indiscutível a quem o faz, que seja Ulysses então a melhor analogia a qualquer filme prematuro e experimental.
Sergio Leone imortalizou o homem desconectado da sociedade que vive, sem passado e futuro definidos, lutando para sobreviver no presente. Nicolas Cage se consagrou como a personificação pública do ator desastroso no potencial duvidoso dos filmes que resolve atuar. Antes de protagonizar o cult Coração Selvagem, de David Lynch, Cage, o “melhor pior ator” do mundo, embarcou no mundo das loucuras racionais de Arizona Nunca Mais, a última obra não esquematizada dos Coen, pois corre irresponsável sem críticas sociais, políticas ou artísticas, adiantando o tempo e dando indícios dos quebra cabeças geniais que viriam a seguir, agora com a parceria (nunca reconhecida) de John Goodman. Cheio de momentos impagáveis, Cage faz quiçá outra personificação típica dos irmãos: O desajustado que talha as próprias rugas através dos problemas que não consegue evitar rumo a lugar nenhum, ou melhor: A glória ou a tragédia, sem meios termos. Ponto decisivo na jornada dos cineastas, provando a quem se deixar convencer que sabem ser pop sem vender suas almas no mercado proibido a doutrinas autorais, o que acabou sendo uma verdade, mesmo que, na época, a constatação pareceu ter vindo cedo demais. Aqui, os Coen descobriram que podem ser masoquistas na nutrição de suas crias, e adoraram a satisfação disso!
Caso os Coen já tivessem a experiência obtida aqui desde os tempos de Gosto de Sangue, Ajuste Final seria o estopim dos irmãos. Possivelmente, a obra mais pretensiosa dos irmãos, vinda de uma nítida confiança tanto da indústria por eles, quanto deles para eles mesmos. Homenagem explícita a grandes clássicos do gênero que pertence e extravasa com elegância, alternando estilos e funções diferentes de filmagem para uma única proposta com base no cinema de identidade, reflexivo enquanto reflexo do que já foi feito no mural da história da arte. É em Ajuste Final, legítimo “filme de gângster”, em todos os sentidos, que os Coen se mostram de súbito exímios diretores de atores, característica que seria amplamente divulgada pela publicidade oriunda da qualidade de seus trabalhos, não puro marketing. Pop, mas pessoal demais para passar na Tela Quente. Vale uma ressalva: A pretensão aqui se torna positiva através da ambição na escala do projeto, ainda inacessível nos tempos de Gosto. Numa história tipicamente noir, em plena década de 90, o cenário diegético continua avesso a tendências e didatismos falando muito sem dizer especificidades, cebolas em formas de filmes esperando pacientemente o descascar. Além de contar com participações dos amigos Sam Raimi e Steve Buscemi, para quem pergunta o porquê dos Coen terem virado cult, este e o próximo exemplar são as melhores respostas. Eles mereceram.
Há quem diga que em Ajuste Final eles começaram a se levar a sério demais, mas na verdade seu domínio artístico que foi. Viver a vida dependente da promoção artística não é fácil, seja nos subúrbios urbanos ou no cume da montanha de Hollywood. O clímax de Barton Fink sintetiza, por meio de ação, tragédia e conclusão aberta o que é a vida do escritor, do artista que tenta ser um. Os Coen riem da própria desgraça, em um momento que eles podem ser dar a esse luxo sem serem chamados de abusados. O dom de escolher protagonistas indispensáveis segue forte, a soma rica da qualidade dos detalhes simples, a precisão em condensar pequenas ideologias em prática grandiosa sem se apoiar no quilate de superprodução, e o fantástico bom-senso impulsionado pela criatividade pulsante sempre foram exemplares nesta espécie de metalinguagem satírica, no viés da obra do grande Molière. “Eu sou um artista, eu crio mundos na minha cabeça!”, grita a persona introvertida de John Turturro em certo momento, e leva um soco da vida caindo de cara no chão. Quem nunca passou por isso, de qualquer jeito? Todavia, não é só na identificação em âmbito público que Barton Fink se consagra, senão no desnecessário segmento que faz com que Joel e Ethan não precisem se importar em se reinventar, pois têm nas mãos, para todos os estilos, todos os temperos que existem a ser misturados. Eles realmente não precisam se preocupar. Cinema é culinária.
A linha de raciocínio da dupla cineasta continua a mesma: Um personagem que pensa pertencer ao mundo onde permanece por vontade própria, numa metalinguagem sobre o modus operandi da indústria do entretenimento. Em uma entrevista de 2013, os irmãos deixaram claro que não assistem a seus próprios filmes após o cansativo trabalho requerido de pós-produção. Antes disso, o mesmo entrevistador aponta o quão sadio é rever suas produções, dar uma segunda olhada do ponto de vista de quem ainda precisa garimpar os pontos de quem já possui uma visão 360º de tudo. Na Roda da Fortuna inaugura esta prática na filmografia deles, pois é o típico camaleão que se camufla em uma mera diversão ainda que muito bem construída (com estereótipos inofensivos) a quem não está voltado, por exemplo, às vértices que apontam a uma análise capitalista no mercado da publicidade predatória americana – global, hoje em dia. Considerando que seria fácil demais empunhar escudos críticos em um terreno como este, os Coen definitivamente se especializam aqui no que se tornaram mestres nos próximos trabalhos: Polvilhar interrogações onde só poderiam haver pontos finais, ou pior, somente exclamações! Uma aventura descontraída no mundo dos efeitos especiais, o filme segue sendo o de mais fácil acesso dos irmãos, agradável a gregos e troianos em sua proposta de fácil adaptação pública e midiática (é extremamente fácil de imaginar uma montagem teatral à história). Ao mesmo tempo, Na Roda da Fortuna contém a oferta de enxergamos mais do que realmente existe em uma obra – na ótica de Guy Debord, os Coen seriam anarquistas. Graças a Deus.
Como sinônimo de atestado de qualidade, no decorrer do balado prêmio Oscar houveram três comédias as quais realmente mereceriam a premiação máxima: Jejum de Amor (1940), de Howard Hawks, Annie Hall (1977), de Woody Allen, e Fargo. Fato é que o gênero ganhou novos fôlegos, relativamente, após a estreia e dissipação das influências dessas três obras vitais para uma revitalização da satiricidade na sétima-arte, até o presente momento, é claro. Ao realizar um produto cínico e lenitivo a todos os males do mundo, os Coen, dupla naturalmente voyeur, que assiste sem se envolver, sabiam que tinham muito a falar, e conscientes do poder da narrativa entre imagens deixaram a história discursar por si mesma, em total exatidão nas segundas, terceiras e quartas intenções implícitas nos matizes de sangue, gelo e implicações sociais, como de praxe. Talvez o melhor verbete para ilustrar Fargo e suas tramas paralelas seja esse, “exatidão”, pois quem o assiste pela primeiríssima vez não se dá conta disso. É como se Jerry Seinfeld parasse de ser um bom menino e tomasse as rédeas do jogo nesta que pode ser considerada peça-chave, ou pelo menos eficiente, no processo de desconstrução criativa que consiste na definição crítica de um filme. Uma dica: A neblina que abre o sexto filme dos Coen esconde exatamente o que é sentido até o final, mas muito mais do que toda a magnitude que já foi mostrada.
Um estudo duplo de personagens que só poderia ser tramado pela mente duplicada dos cineastas, aqui encarnando as figuras icônicas de Jeff Bridges e Goodman num tour de force do cinema independente americano com nítidos ares predominantes de um monopólio libertador, sob o manto da criatividade, resvalando no ato vulgar da libertinagem, por pouco. Tudo cresce ao redor da colcha de retalhos desenvolvida, como se a pretensão germinasse em solo fértil a tanto e fosse tão bem cultivada quanto poderia ser. Os Coen continuam rindo de seus propósitos, e chamam todos para rir junto desta vez. O Grande Lebowski é um manifesto que acontecerá mais vezes na história do cinema, e cada um será oriundo da representação de uma geração que envelhece, finalmente, e quer ver suas representações temporais retratadas na arte do enquadramento. Isso, sem esquecer-se do gosto agridoce da ironia que vem da reprodução de certos elementos atemporais, como o Jesus Quintana de John Turturro, de longe a criação mais nonsense dos realizadores. De descobrimento, crítica e análise o filme não tem nada, além do masoquismo inseparável do DNA dos Coen: É um puro acerto de contas com o espírito de uma época, sem um pingo de ego na mistura, “but well, it’s just like, my opinion, man”.
A filosofia sensorial sóbria dos irmãos, cultivada desde os idos da Universidade de Cinema de NY, perturba com êxito o marinheiro de primeira viagem em águas serenas de tubarões invisíveis, mas há o que falar quem essas águas ainda faz afundar e revisitar, logo após sobreviver do último mergulho. Logo, E Aí, Meu Irmão, Cadê Você? segue como um tiro pela culatra, em forma mais de ensaio que um verdadeiro filme dos Coen, nos moldes tradicionais da filmografia vigente. Ao adaptar o intrincado e vasto poema de Homero, fica a impressão de tentativa válida, contudo jamais páreo para os outros trabalhos da dupla. Os irmãos compreenderam que o que tinham em mãos era uma metáfora com suas criações, e simplificaram em suas decisões o material original na forma de uma belíssima fotografia que salta aos olhos, e nas expressões faciais conflituosas, basicamente, do trio de condutores deste “road-movie” frio, incomunicável nas suas ondas de sintonia que se chocam simultaneamente. Uma obra que tem vergonha de ser tudo o que poderia ser, de emoções abafadas por uma espécie de legitimidade que não chega a lugar nenhum em belos compostos cênicos, como fragmentos de uma contradição. O aperfeiçoamento prático da sabedoria pessoal dos contadores da história, todavia, são tão legíveis quanto o instinto humano de sobrevivência e de autodestruição, aqui retratados pela visão particular dos Coen, nem tanto, pela primeira vez. Na falta de experiências realmente construtivas no pacote encabeçado por Clooney, Turturro e Tim Blake Nelson, fica na memória uma cena memorável da Ku Klux Klan, e a certeza de que os irmãos Coen entram de vez na sua fase adulta deste ponto em diante.
O cinema sempre nos fez pressupor que cassinos são formados por luzes de halogênio, acesas o tempo todo, homens bem vestidos e mulheres sedutoras. Não que tais máximas não sejam verdadeiras. Porém, diante de tantas maneiras de apostar e conquistar o público com boas histórias, selecionamos cinco obras essenciais.
Onze Homens e Um Segredo (Ocean´s Eleven, 2001)
Baseada na produção de 1960, com Frank Sinatra, Dean Martin, Sammy Davis Jr., Peter Lawford e Joey Bishop, Onze Homens e Um Segredo trouxe novamente o cassino às tramas hollywoodianas e foi o responsável pela realização de diversos filmes com temáticas parecidas, que faziam de um assalto excêntrico e ousado o elemento central da ação.
Neste remake, dirigido por Steven Soderbergh e estrelado por George Clooney, Brad Pitt, Matt Damon, Julia Roberts e Andy Garcia, o equilíbrio entre estilo, bom humor e um plano de assalto mirabolante é composto com perfeição. Formado por estereótipos bem delineados – o galante, o braço direito, o engenhoso, o habilidoso, o esquivo, a mulher fatal, o vilão –, o enfoque da narrativa é produzir uma história para o grande público. Diante deste espetáculo, a trama não poderia ser mais óbvia: um homem apaixonado que faz de tudo para reconquistar a ex-mulher.
A direção de Soderbergh, que já havia misturado humor e ação em Irresistível Paixão, adaptação do livro de Elmore Leonard, traz maior requinte à história. Um roubo que se aproxima de uma obra de arte.
Cassino (Casino, 1995)
Martin Scorsese retorna ao submundo – depois de Cabo do Medo e Época da Inocência – nesta produção épica que carrega tudo o que há de melhor em seu estilo. Uma produção longa, brutal, em que nenhuma saída dramática é fácil. A trama se baseia na história de Frank Rosenthal, um judeu que assumiu grandes cassinos para a máfia na década de 70.
Com Robert De Niro e Joe Pesci, com quem já havia trabalhado em outra obra mafiosa do diretor – Os Bons Companheiros – Scorsese está à vontade em seu habitat natural e, como novidade, apresenta uma Sharon Stone como mulher linda, loira e fatal. Além da violência excessiva, a narrativa feita em off e os espaços temporais entrecortados comprovam a genuína marca de Scorsese.
Até hoje, o diretor nunca deixou que as imposições de estúdios impedissem a metragem de suas produções, propositadamente longas, narrando com detalhes as jornadas de seus personagens. Um dos grandes filmes do diretor, sem dúvida.
A obra primordial de Ian Fleming, finalmente gravada em 2006 e com um novo James Bond (Daniel Craig), foi capaz de promover uma bem-sucedida trinca: consagrou o novo Bond em um tipo diferente dos vistos até então, trouxe a um novo público um clássico personagem e soube ser fiel à obra original sem perder seu estilo.
Na versão, o bacará do original cede espaço ao poker, um dos jogos mais populares até mesmo no espaço virtual. Envolvendo o jogo de espionagem, o agente com licença para matar deve competir nas mesas contra Le Chifre (Mads Mikkelsen), um banqueiro com investimentos no submundo. A trama dirigida por Martin Campbell produz um dos jogos de poker mais aflitivos do cinema, em parte devido às boas interpretações de Craig e Mikkelsen.
Além deste impasse, as cenas de ação apresentam um estilo diferenciado, fundamentando um conceito de realidade que a trilogia Bourne ajudou a criar: um estilo de luta menos coreografado e mais brutal, longe do balé da década de 90. Muitas grandes cenas da produção – como a perseguição de carros e a tortura sofrida por Bond – vieram diretamente da obra de Flemming. Um clássico que não envelheceu.
Crupiê – A Vida em Jogo (Croupier, 1998)
Após anos distante do cinema, Mike Hodges (Carter – O Vingador, Flash Gordon) retorna com este drama sobre um escritor falido, que retorna à sua antiga profissão de crupiê graças ao um pedido do pai. Conduzido com uma parcela de um thriller de mistério, foi graças a este papel de Clive Owen, no papel central de crupiê, que seu talento foi evidenciado com atenção suficiente para estrelar produções como Rei Arthur e Closer – Perto Demais.
O rosto sisudo e o olhar penetrante do ator adequavam-se à vida desencantada de um homem incapaz de galgar sucesso na profissão desejada. Seu papel como crupiê é melancólico, uma mera subsistência banal. Um símbolo de uma vida paralisada, que parece não se importar com as ações – criminosas ou não – as quais pode cometer. É um drama cuja análise concentra-se na existência do próprio ser e suas motivações pessoais, sem nenhum arroubo de violência explícita ou glamour.
Maverick (Maverick, 1994)
Mel Gibson ainda era cool e Richard Donner, diretor de filmes significativos quando Maverick, adaptado da série homônima de 50, estreou nos cinemas. A trama apresentava dois elementos-fetiche que sempre encantaram uma grande parcela do público: o ambiente western e jogos de aposta. Uma história que parecia impossível dar errado.
Sem perder o tom aventuresco, o roteiro de William Goldman (Todos Os Homens do Presidente, Uma Ponte Longe Demais, Louca Obsessão e Butch Cassidy) apoia-se no humor para apresentar a história do malandro Maverick, que junta o dinheiro necessário para um jogo de apostas em um barco do Mississipi e acredita ser capaz de sentir as energias das cartas antes de tirá-las – uma das cenas mais divertidas da produção.
Se hoje o gênero Western é pontuado pelo lançamento anual de poucos filmes, ainda na década de 90 grandes obras foram relevantes, tanto as que se apoiaram no drama, caso de Os Imperdoáveis, quanto nesta comédia aventureira, bem realizada e que não envelheceu.
O documentário de Sarah Kelly começa com um pequeno spot, mostrando pedaços fundamentais de Um Drink No Inferno, para depois acompanhar a dupla de astros que anos mais tarde se tornariam diretores respeitadíssimos. Quentin Tarantino e George Clooney cortam os bastidores do estúdio ao som de Earth, Wind & Fire, num ritmo tão louco quanto o de seus personagens. A câmera de mão ajuda a preconizar o tom cômico, que acaba com os dois passando pela loja de conveniência que explodiria, mesclando ambas as películas.
Full Tilt Boogie – jamais lançado no Brasil – conta com imagens raras de bastidores, mas não é um making off, até por seu clima ser demasiado artesanal. Ele mergulha nas influências de Robert Rodriguez (ainda acima do peso, se comparado à figura esguia atual) e de um ainda em início de carreira Tarantino, que explicam o seu intuito ao fazer o filme, o de brincar com clichês de filmes B, e claro, e o twist após uma hora de exibição. É interessante notar como ambos funcionam bem juntos já à época, assim como os dotes de composição de Robert Rodriguez.
As filmagens cortam as semanas e mostram produtores como Lawrence Bender e a preparação do elenco, bem como os ensaios com os figurantes fantasiados de vampiros, bonecos mecatrônicos, além de cenas estendidas, muito mais violentas do que as mostradas na grande tela – esse trecho é mostrado primeiramente por Greg Nicotero. Em determinado ponto, mostra-se até um concurso para julgar a bunda mais bonita do set, sem revelar quem era o seu dono, e em um dos contestes quem vence é um dos contrarregras, que era homem.
O documentário também foca o imbróglio econômico entre os estúdios e produtores Tarantino-Bender. A condição para que injetassem dinheiro era que uma série de exigências fosse cumprida, algumas delas por implicâncias a produtos anteriores de Bender, uma caça a pelos em ovos. A produção de Full Tilt Boogie tentou a todo custo realizar contatos com Lyle Trachtenberg, a pessoa que poderia responder às dúvidas deles, mas a simples menção ao nome de Quentin os fez serem recusados. Prevendo que sua fita poderia ser pasteurizada, os realizadores decidiram por as mãos na massa eles mesmos, arrumando meios próprios para a produção do filme.
Os últimos momentos se dedicam às cenas externas, de maior dificuldade, não por acaso sendo gravadas por último, além de mostrar a contribuição de Richard Parks no texto de seu personagem, o que marcaria o ator para trabalhar em futuras produções de Tarantino e Rodriguez.
O filme fecha com um tom leve, emulando o clima de toda a produção envolvendo o diretor, roteiristas e elenco. Há um bocado de camaradagem entre os iguais, sem qualquer forçação, mesmo que toda a docilidade mostrada tente contradizer isto. Os créditos finais mostram os profissionais analisados, não somente os atores, mas cada um dos expoentes da produção, pondo todos em pé de igualdade. Além das ótimas informações sobre as atividades do processo de realização do Cinema, há uma forte carga de memória emotiva, que reverbera de modo ainda mais singular quando vista por quem é fã de Um Drink No Inferno.
Três Reis começa como um sinal de mudança de tempos, anunciando a metamorfose da era belicista americana, retratando a Guerra do Golfo sob uma ótica singular e engraçada. A maneira jocosa, totalmente diversa de como era retratada o conflito pela imprensa (a época) e mais diferenciada ainda da cobertura que fora realizada na guerra americana anterior: Vietnã – foi uma boa maneira de David O. Russell mostrar que os tempos eram outros, esta era a Guerra da Mídia, em Nam a opinião pública derrubou os EUA, e este erro teria de ser evitado a todo custo.
A aventura com premissa escapista joga o trio de protagonistas numa curiosa caça ao tesouro, repaginando os filmes de pirata, atualizando-o não só na linguagem textual, mas também nos cenários, saindo os sete mares para explorar o desértico cenário do Oriente Médio e tirando os estereótipos de piratas desregrados e maltrapilhos, pondo militares porra loucas no lugar.
A obstinação da repórter Adriana Cruz (Nora Dunn) em busca do furo é digna de nota, especialmente se comparada as atitudes de sua rival (Cathy Deitch, feita pela já maravilhosa Judy Greer), dois lados da investigação jornalística são mostradas e suas procuras pelo sucesso ajudam a compor o quadro louco da trama proposta pelo roteiro.
A edição do filme privilegia o tema da comédia, mostrando a caça pelo ouro e a tentação dos soldados em embolsar os valores, mas a história transita entre isso e demonstrações de maus tratos aos cidadãos iraquianos. O propósito dessas transições é mostrar humoristicamente o quão ambígua é a relação entre o povo e seu ditador, revelando o pouco apoio da plebe a imposta e autodeclarada autoridade local. Mesmo os “bravos” yankees não são unânimes quanto ao nível de interferência que deveriam empregar na situação. Em muitos momentos a comédia é posta de lado, fazendo do filme um filhote de Dr. Fantástico de Stanley Kubrick, abusando do humor negro para provar seu ponto. As cenas violentas são registradas numa velocidade diferente, truncada, quase como se Russell estivesse registrando-as a contragosto – a guerra é impessoal, é devastadora com quem está envolvido nela.
O foco, depois da captura de Troy Barlow (Mark Wahlberg) muda, a câmera na mão prevalece em detrimento das cenas em terceira pessoa, a intenção é imergir o público na incomoda sensação da captura e na transformação, de um caçador de um baú lotado de opulência para o estado miserável de um simples refém. Nesse estágio, o roteiro permanece repleto de situações engraçadas, mas as piadas são não mais os percalços da procura pela riqueza e sim as promessas infundadas de que o governo de Bush Primeiro auxiliaria a castigada escuma iraquiana.
As cenas que mostram os órgãos internos sendo alvejados pode ser encarado como uma alegoria as feridas dos militares retratados, que superficialmente parecem bem e motivados, mas que por dentro estão apodrecendo, graças a situações que se meteram graças a sua cobiça desmedida. A motivação de Elgin (Cube), Gates (Clooney) e Barlow muda e a frustração por não conseguir prosseguir com a sua missão é maior que sua fome pelo ouro. A nobreza dita no título se manifestaria nas atitudes do trio, que após a odisseia mudaram sua postura a fim de se diferenciar dos seus superiores engravatados, o desfecho pode ser encarado como piegas, especialmente graças a mensagem edificante, mas também pode ser visto como uma evolução na jornada dos personagens, e neste ponto, o trabalho de David O. Russell é competentíssimo.
Depois do excelente Tudo pelo Poder, de 2011, a expectativa pelo novo filme dirigido por George Clooney era grande. Com uma temática interessante e um elenco carismático, poucos afirmariam que o filme fosse um fracasso. E aqueles que afirmaram, acertaram.
Caçadores de Obras-Primas se passa no final da 2ª Guerra Mundial, quando um especialista em arte chamado Frank Stokes (Clooney) convence o então presidente Roosevelt a enviar uma força-tarefa para a Europa com o objetivo de evitar o saque, comandado por Hitler, de obras de arte guardadas em museus europeus. Para isso, ele conta com a ajuda de alguns amigos também especialistas nos mais variados ramos da arte, como James Granger (Matt Damon), Richard Campbell (Bill Murray), Walter Garfield (John Goodman), Jean Claude Clermont (Jean Dujardin), Donald Jeffries (Hugh Bonneville), Preston Savitz (Bob Balaban) e o tradutor de alemão Sam Epstein (Dimitri Leonidas). Também está presente a especialista francesa em arte Claire Simone (Cate Blanchett).
Tentando trabalhar com grande sensibilidade um tema sobre a importância da arte em meio à guerra, o filme se utiliza de discursos em vários momentos, com músicas enaltecedoras de fundo a fim de dar um clima heroico aos personagens; isso causa embaraço no espectador, pois a função de resguardar a arte é um sentimento além de heroísmos baratos tão comuns em filmes que retratam o militarismo americano – que também recebe carta branca em relação aos tempos atuais ao mostrar como o exército dos EUA salvou o planeta dos nazistas.
Também rasa é a construção dos personagens, todos retratados em situações cômicas e munidos de frases feitas fora de contexto, aparentando terem saído de um programa de TV da época retratada no filme. Desta forma, torna-se dúbia a mensagem séria que a narrativa tenta impor, visto que é quebrada com piadas em toda a película.
O retrato feito dos russos lembra os filmes de James Bond do auge da Guerra Fria, com seus vilões caricatos de cara amarrada, dando a entender que os soviéticos não foram os reais responsáveis por conter a máquina de guerra alemã. São tratados como estorvo no caminho americano de libertação e sua participação é citada apenas como um “eles perderam vinte milhões de pessoas”, em uma afirmação também estranha de se fazer antes de terminar a guerra, quando esses cálculos só foram divulgados com certeza alguns anos depois do final do conflito. O russo retratado no filme tem tamanha importância dramática que não diz uma única palavra.
No final, o que sobra do filme é uma ode à importância da arte como memória coletiva dos avanços da humanidade, mostrando como o papel desses homens foi importante para salvar essas obras do confinamento nazista, evitando-se uma destruição muito maior – já que, ainda assim, muitos trabalhos artísticos foram destruídos, em especial os de arte moderna e de artistas judeus. Porém, esse grupo de soldados corajosos merecia uma homenagem melhor do que esse pastiche transfigurado de drama.
Um multi-astro é aquele que, em determinado momento, resolve tentar outros movimentos para sua carreira e abrir novas oportunidades. Sempre que um cantor intenta estrelar um filme, a recepção é receosa, principalmente porque, boa parte dos críticos, torce para que o filme se torne um fracasso.
A cantora Jennifer Lopez é uma daquelas que não desistiu e, ainda hoje, participa de algumas produções. Sua base são filmes românticos cheios de açúcar, mas já se arriscou no terror, dramas densos e protagonizou, ao lado de Ben Affleck, um dos maiores fracassos de bilheteria de todos os tempos. Diante dessa pequena carreira, que muitos poderiam denegrir como duvidosa, somente Steve Soderbergh seria capaz de reuni-la com um eterno galã para apresentar uma história marginal sobre o amor.
Baseado na obra de Elmore Leonard – prolífico escritor policial, com filmes e séries adaptadas – a história promove o acaso e encontro entre um bandido em fuga e uma agente penitenciária que estava no local. A narrativa de Irresistível Paixão – realizada antes do hype em cima de Soderbergh – dialoga bem com um estilo alternativo de cinema sem perder a narrativa sem floreios de Leonard. George Clooney está perfeito como George Clooney, o sexy ladrão sem escrúpulos que não resiste à agente penitenciária Karen Sisco, em uma trama que, ao colocar personagens em lado opostos da lei, exemplifica que é possível encontrar o amor em qualquer lugar.
A estranheza é um dos elementos centrais da história. O amor que surge de um lugar estranho e que, mesmo assim, produz encantamento por sua condução, pelo acaso bem inserido na história. Os diálogos merecem um destaque à parte, explicitando o estilo de produção que, além das imagens, pede pela atenção das palavras. São doses de ironia bem calculadas, declarações de amor em poucas palavras. Dando-nos uma breve dimensão de como o autor Leonard trabalha suas personagens e situações.
Soderbergh utiliza-se do corte de cenas e dos espaçamentos temporais para dar maior agilidade a trama, que não tem medo de utilizar os datados efeitos de imagem congelada para destacar situações de limite. Caminhando do passado ao presente, explicando a motivação das personagens e aprofundando as relações.
Desenvolvendo-se em um ambiente possivelmente hostil, entre diálogos ferinos e uma edição veloz, uma história de amor que beira a marginalidade pelas personagens nada elevadas mas que, como a maioria das histórias de amor, tem seu charme.
A primeira coisa que chama atenção na carreira de Alfonso Cuarón é sua diversidade: constam em seu currículo de diretor um filme infantil, uma adaptação moderna de clássico da literatura, um indie filmado no México (seu país natal), um Harry Potter e duas ficções científicas. Embora competente em todos esses filmes, Cuarón nunca destacou-se como diretor, mesmo em E Sua Mãe Também, seu longa mais aclamado, os méritos pareciam ser do roteiro e das atuações, não exatamente do talento do cineasta para decupagens e cortes, e é por isso que a excelência técnica de Gravidade vem como uma surpresa que é quase um choque.
O roteiro é quase nada: após um acidente com um satélite russo, dois astronautas se veem à deriva no espaço, mas, como Ridley Scott já ensinou, no espaço ninguém pode te ouvir gritar. A referência não é a toa, Alien é uma influência que transparece em Gravidade, a começar pela ideia de fazer no espaço um filme cujo foco não é exatamente o espaço. Alien era um filme de terror, Gravidade é um drama, o espaço é o cenário que permite a premissa narrativa, mas a tecnologia envolvida nunca é o ponto central da trama.
O ponto central da trama de Cuarón é Ryan Stone e está aí o maior fraco do filme. A personagem não passa de um amontoado de clichês: cientista solitária, perdeu a filha pequena em um acidente estúpido pelo qual ela obviamente se culpa, está no espaço para fugir dos seus demônios terrestres. Clichês tornam-se clichês por um motivo bastante simples: eles funcionam. Mas nem sempre. Um dos fatores que sempre deixou Cuarón a alguns passos de ser um grande diretor é que, para alguém que parece gostar muito de clichês, ele não sabe usa-los a seu favor. O personagem de George Clooney também é um clichê, mas o ator consegue encarna-lo com leveza, humor e charme que o tornam uma caricatura plausível, alguém que talvez pudesse carregar um filme de 90 minutos nas costas. Mas Sandra Bullock não pode. Stone é má construída, mas poderia funcionar nas mãos de uma atriz mais competente. Bullock não é terrível, mas certamente não tem os recursos necessários para sustentar um filme em que ela é a única personagem em tela por 90% do tempo. Sua atuação é sem sal e morna, toda a dimensão de tensão e pavor colocados no filme nem passam por seu rosto.
Se existe tensão, e existe muita, o mérito é todo do diretor. Cuarón constrói planos belíssimos, precisos e ao mesmo tempo inesperados, a insignificância do homem perto ao tamanho da Terra e, mais ainda, do universo se coloca como opressora e inescapável nos grandes planos abertos de um céu repleto de estrelas. Gravidade demonstra por imagens o como somos realmente poeira de estrelas e assim transforma o objetivo de sua protagonista em uma missão impossível. Stone precisa vencer absolutamente todas as estatísticas, sua vida é uma chance em mil e a metáfora final, comparando a chegada da cientista a Terra com a existência da vida parece adequada.
As metáforas de morte, renascimento e evolução estão presentes por todo o longa, mas funcionam como um guia de composição de imagens, um bônus do diretor. Está ali e é possível ver, mas também está ali uma história bem contada, um filme tenso e bem amarrado. Há um mérito enorme nessa escolha: uma ficção científica com metáforas existenciais, mas que não permite que essas metáforas roubem a cena é o que o próprio Scott deveria ter feito em Prometheus, mas não conseguiu. Porque Gravidade é essencialmente isso: um filme clássico que conta uma história, deixa o espectador tenso ou emocionado nas horas certas, obedece um arco determinado e tem um final feliz, reflete sobre questões mais profundas, mas não busca ser nenhum tipo de filme filosófico ou reflexivo. Gravidade está bem mais perto de Alien do que 2001: Uma Odisseia no Espaço ou Solaris.
Além de composições excelentes, Cuarón conduz seu público através do som, enfatizando o silêncio opressor do espaço. O uso do silêncio, e não da trilha, é o verdadeiro trabalho nesse filme e o principal responsável pela criação de atmosferas e sensações. Porque no final, Gravidade é isso: um filme de atmosferas e sensações. A tensão engendrada não vem por nós de roteiro, mas porque o espectador consegue imaginar a sensação terrível de se estar à deriva no espaço. Funcionaria melhor com uma personagem mais bem construída, em alguns momentos o filme me perdeu como espectadora simplesmente porque não me importava se Stone morresse de algum jeito terrivelmente dolorido no espaço, criar um personagem empático é essencial para a tensão.
Gravidade prova que Alfonso Cuarón pode ser um grande diretor, a composição de planos do filme e o uso da linguagem é algo tão preciso que apenas Aleksander Sokurov faz algo comparável hoje em dia (mas em um “nicho” bem diferente do mercado). Contudo, como em todos os seus filmes, Cuarón fica um passo atrás de seu próprio potencial, uma escolha errada aquém de um filme perfeito.
O novo filme do diretor mexicano Alfonso Cuarón já era considerado um dos melhores do ano mesmo antes de ser lançado, e tamanha expectativa geralmente não dá bons resultados, ainda mais quando seu trabalho anterior, o excelente Children of Men (Filhos da Esperança) atingiu um sucesso enorme de crítica. Porém, ao contrário de outros diretores estrangeiros em Hollywood, Cuarón parece ter encontrado um equilíbrio essencial entre uma narrativa clássica, mas com uma técnica precisa, que fornece elementos, metáforas e que se comunica com praticamente todo tipo de público.
A história do filme gira em torno dos astronautas Matt Kowalski (George Clooney) e Ryan Stone (Sandra Bullock). Ambos estão em uma missão de conserto ao telescópio Hubble quando são surpreendidos por uma chuva de destroços decorrente da destruição de um satélite por um míssil russo, que os joga no espaço, sem comunicação e auxílio da NASA. A partir de então, eles precisam encontrar um meio de sobreviver naquele ambiente.
Com uma premissa interessante, e um trailer de tirar o folego (e que ganha pontos por não contar absolutamente nada da história), Gravidade atraiu um grande público aos cinemas do mundo, público este que geralmente não iria ver um filme com temática espacial. Por sua imensa qualidade técnica, tanto no manejo da câmera e no uso milimétrico de plano-sequencia quanto na intensidade e profundidade do som, Gravidade garante uma imersão completa na urgência e no perigo do espaço, que assusta qualquer pessoa com sua imensidão, vazio, frio e principalmente, sem oxigênio.
Essa imersão é essencial justamente para acompanharmos o desenrolar dos eventos de Matt e Stone em busca da vitória contra cada uma das adversidades em seu caminho, que apesar de não serem totalmente verossímeis aos especialistas da área, garante um grau de realismo suficiente para o espectador confiar em tudo o que está vendo e acreditar que tudo realmente pudesse ser daquela forma. Só por causar debates nesse sentido, o filme já tem um imenso mérito.
O longa oferece vários tipos de metáfora que flertam com o nascimento humano, a luta pela sobrevivência e principalmente a superação de dificuldades, de onde precisamos sair de uma zona de conforto aprisionante em busca de uma custosa, porém, engrandecedora liberdade. A cena final representa isso, ao se acostuma com a falta de gravidade, Stone se sente feliz ao não conseguir andar de primeira, e está grata por ter aquele peso da vida nas costas ao contrário da sufocante leveza do espaço.
Porém, um ponto fraco do filme é justamente a falta de profundidade e a busca limitada de razões para seus signos. Se Gravidade está sendo tão comparado a obras clássicas como “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, deveria ter tamanho peso quanto Kubrick imprimiu em sua obra, que também está repleta de elementos técnicos aditivos a uma narrativa complexa, porém, bela, que foge do simples “entendimento” para a pura “interpretação”, que toda obra de arte deve ter, e nisso, Gravidade mira aquém do que poderia. Talvez pela época e pela fase atual da indústria do cinema, mas por toda sua qualidade, falta uma empatia maior pelos personagens, que por vezes são caricatos demais, como Matt, ou não muito convincentes de seu drama pessoal, como Stone.
Difícil dizer se o filme irá sobreviver ao frenesi e entrará no hall de produções como 2001, Solaris ou Contato, porque o debate em torno destes vai além das qualidades técnicas, e sim das questões e aflições humanas ali retratadas. O que dá pra dizermos agora é que o público nunca se cansará de produções boas e de cineastas com algo a dizer, e sempre irá consumir produtos com qualidade. O sucesso de Gravidade prova isso. Que venham outros tão audaciosos quanto.
Todo grande cineasta, vez ou outra, se depara com projetos onde precisa ceder para conquistar público ou agradar seus empregadores a fim de mantê-los felizes o suficiente para continuarem bancando seus projetos pessoais, e poucos são os felizardos que nunca precisaram passar por isso. Com um orçamento de U$ 60 mi e uma renda mundial de U$ 120 mi, pode-se dizer que neste aspecto o filme atingiu seus objetivos. Artisticamente falando, porém, a produção não faz jus à filmografia dos Coen.
A história gira em torno de Miles Massey (George Clooney), um bem-sucedido advogado especialista em divórcios que está entediado e em busca de novos desafios em sua carreira e em sua vida particular. Marylin Rexroth (Catherine Zeta-Jones) é uma mulher que deseja se tornar rica através do dinheiro conseguido em diversas separações, e que conhece Miles por este ser o advogado de seu ex-marido, Rex Rexroth (Edward Herrmann). Miles consegue a separação a favor de Rex, mas acaba se apaixonando por Marylin.
O elenco, como de costume, é bem escolhido e Clooney está exagerado na medida certa como o advogado caricato. Zeta-Jones às vezes destoa nas caras e bocas sensuais, mas faz bem o papel que lhe é dado. A boa sequência inicial com Geoffrey Rush (que serve inicialmente só para apresentar-nos a Miles) também rende uma participação maior e muito boa no final, assim como a pequena (mas importante) participação de Billy Bob Thornton.
Porém, apesar de o filme conter algumas das principais características dos Coen (como o humor negro e as viradas de roteiro), esses elementos não são suficientes para salvar o roteiro de certo cansaço no avançar da história, que de certa forma se torna previsível. O que realmente a salva são os personagens empáticos e cenas hilárias (e infantis, na medida certa) que tiram sorrisos agradáveis do espectador, que, graças a essas qualidades, acaba esquecendo e relevando as falhas estruturais da narrativa.
O Amor Custa Caro funciona como comédia romântica ao dar espaço para protagonistas inteligentes se apaixonarem, ao utilizar clichês do gênero ao seu favor e como diversão pura e simples, mas fica aquém da capacidade de uma dupla que já nos deu produções como Fargo, apesar de estar bem acima da média das comédias românticas dos últimos anos, gênero desgastado como poucos.
Os Irmãos Coen são conhecidos por criarem exóticos personagens em meio ao retrato realista de um determinado local ou época, como podemos ver em Fargo, O Grande Lebowski e principalmente Arizona Nunca Mais. Em E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?, voltamos ao sul dos EUA, no período da Grande Depressão, quando três presidiários, Everett Ulysses McGill (George Clooney), Delmar (Tim Nelson) e Pete (John Turturro), fogem da cadeia rumo a uma missão de resgatar o tesouro que Everett havia roubado e escondido.
Logo no início do filme, somos avisados que o roteiro é baseado n’A Odisseia de Homero. Como em Fargo os Coen já haviam pregado uma peça no espectador ao dizerem que o filme se baseava em uma história real, todo cuidado é pouco na hora de levá-los muito a sério. Porém, o que vemos é que o filme realmente se utiliza de elementos da narrativa do clássico grego, mesmo no nome do personagem principal, até mesmo nos confrontos e sucessivas confusões que os protagonistas se deparam, como o “Ciclope” Big Dan Teague (John Goodman), as três sereias no rio e a urgência de se chegar em casa antes que a esposa de Everett se casasse com outro homem.
O filme tem tons de comédia pastelão, em homenagem ao cinema da época, com frases feitas e situações bobas, mas nunca gratuitas. Os três protagonistas se completam, cada um dentro de sua atuação, personificando um estereótipo da época: o bandido sulista malvado clássico, o bandido culto e o bandido de bom coração. A fotografia do sul do Mississipi, com seus pântanos e florestas quentes e densas, é bem utilizada em cada sequência, nos fazendo sentir que estamos naqueles locais, pois cada tomada tem um propósito singular de servir unicamente à história.
Outro destaque é a trilha sonora, composta por canções folk do sul norte-americano muito bem executadas, e que são um personagem à parte na história, pois fazem os bandidos virarem astros de uma pré-indústria cultural quase de forma nativa, em uma alusão ao fato de que a musicalidade é inata ao sulista, tão forte é esta característica na região. Destaque também para o sotaque sulista, em que podemos ver, assim como em Arizona, a entonação perfeita de cada palavra e letra da forma simpática que os sulistas fazem. Isso infelizmente perde-se um pouco na tradução do título original para o português; “Ó Irmão, Onde Estarás?” ficaria mais fiel à proposta original.
Outros pontos mais polêmicos são abordados, como política e racismo: há uma disputa política entre dois figurões da cidade que concorrem ao cargo de governador do estado, e apesar de nos ser mostrado desde o início que um seria ruim e outro bom, logo essa falsa crença é desmontada ao colocar a figura que supostamente iria renovar a política em um encontro da KKK, também tratada da forma como deve ser, a de uma interpretação simplista e falsa da complexa realidade local.
Em meio a tantas informações subjetivas que temos de absorver, a história principal acaba ficando em segundo plano, assim como alguns personagens que poderiam ser mais desenvolvidos, como Tommy (Chris Thomas King), um músico que acaba de vender a alma ao diabo para tocar bem o violão, mas que só fica nisso, deixando no ar uma oportunidade perdida de flertar com outro elemento cultural conhecido do sul.
Apesar de não ter a profundidade de Fargo, E Aí, Meu Irmão, Cadê Você? garante uma boa diversão e uma imersão a um universo fabulesco que garante boas risadas e nos remete a uma época e lugar que poderiam ter sido boas, mesmo que a realidade nos diga o contrário.
O advogado Matt King (George Clooney) vive um dilema. Sua mente é povoada por questões para as quais, pelo menos aparentemente, não existem respostas fáceis. O que fazer quando sua companheira, a mulher que ele ama e escolheu para ser a mãe de suas filhas, está estática, quase morta, deitada numa cama de hospital diante dele e sem qualquer chance de recuperação?
Sem dúvida a sensação não é das melhores. A frustração e tristeza seriam mais que naturais e coerentes. No entanto, como esse mesmo homem deve reagir ao descobrir – por meio da própria filha mais velha, como o trailer do filme já havia mostrado – que essa mesma mulher o vinha traindo sem maiores problemas de consciência? E pior: estava realmente decidida a abandoná-lo.
Amor e carinho versus ódio e decepção.
Esse confronto sentimental interno é o motor que vai mover boa parte da trama de “Os Descendentes”, longa mais recente de Alexander Payne (Eleição, As Confissões de Schmidt, Sideways – Entre umas e outras), um diretor que, além de demonstrar domínio da linguagem cinematográfica no que se refere a aspectos técnicos, como movimentação de câmera – e talvez o melhor exemplo disso esteja em “Eleição” – é muito feliz ao retratar os sentimentos ambíguos de seus personagens. Seja por meio de expressões faciais angustiadas – preste atenção em como fisionomia tensa de Clooney é esmiuçada nos vários “zooms” que serão vistos ao longo do filme -, seja no uso de pequenos truques utilizados para pontuar uma determinada situação ou estado interior.
Na verdade, um desses artifícios é utilizado na imagem inicial do longa. Nela, Elizabeth (Patricia Hastie), a mulher do personagem vivido por Clooney, aparece feliz e sorridente dentro de uma lancha e em primeiro plano diante do belo mar azul do Hawaii. Em poucos segundos, aquela representação de prazer e satisfação será encoberta por um fade. A tela fica escura. A morte – ou pelo menos sua presença – acaba de chegar. As coisas serão diferentes a partir daqui.
Diante da ausência da mulher, Matt King é forçado a restabelecer e reforçar um elo quase perdido com suas filhas, Scottie (Amara Miller, divertida) e Alexandra (Shailene Woodley, bela interpretação).
Nenhuma das duas partes – nem pai, nem filhas – sabem lidar muito bem com o cenário estabelecido pelos fatos. E isso será sublinhado em vários momentos tensos – os confrontos são inevitáveis – e divertidos que surgem ao longo do filme.
Este é um fator importante: Os Descendentes poderia ser classificado – se isso fosse realmente necessário – como um drama. Porém, não se surpreenda se, durante a película. você se pegar gargalhando das situações que surgem na tela.
A descoberta da traição da esposa faz com que Matt entre numa jornada, acompanhado pelas duas filhas e o amigo da mais velha – Nick Krause, engraçado demais – em busca do homem com o qual sua mulher o traía. Subitamente, ele sente a necessidade de saber se ela estava mesmo apaixonada pelo amante ou tudo não passou de um caso passageiro e sem maiores envovimentos emocionais.
As respostas virão de forma direta.
No caminho, o advogado obsessivo por trabalho vai reavaliar sua presença – na verdade ausência – na vida familiar e tentar, à sombra da racionalidade, montar o quebra-cabeças dos fatos que teriam levado sua mulher a traí-lo.
A trama tem como pano de fundo a venda de um gigantesco pedaço de terra que pertence à família. Todos ficarão milionários com a conclusão do negócio. E Matt, que é o depositário do imóvel, precisa tomar uma decisão. Ele é pressionado a fazê-lo. E por fim, após perceber que a posse da vista privilegiada da praia paradisíaca que ele e sua família receberam como herança pode significar bem mais que um imóvel valorizado, ele fará uma escolha.
Payne é habilidoso ao construir a tensão e drama em seus personagens, bem como aliviá-las por meio de momentos cômicos. Interessante notar como, nos instantes de maior tristeza e tensão das pessoas que compõem a trama, externa a cada uma delas o cineasta cria uma atmosfera agradável e feliz – por meio da bela captação das lindas paisagens havaianas, mostradas em planos gerais e panorâmicas, e das músicas nativas que podem ser ouvidas ao longo de todo o filme.
Sobre essa particularidade, há um comentário feito pelo personagem de Clooney logo no início, que resume bem a questão: “Meus amigos acham que só por que vivemos no Hawaii, estamos no Paraíso. Que passamos o dia inteiro sentados à beira da praia, tomando bebidas e sobre pranchas de surf. Eles são loucos? Como eles podem pensar que só por que moramos aqui nossa família é menos confusa? Que somos imunes à vida, que nossas frustrações são menos dolorosas!?”.
São boas perguntas.
E, de fato, como filme deixará claro, você pode até viver num lugar paradisíaco. Mas isso não fará a menor diferença se seu interior não estiver em paz.