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  • Crítica | Um Drink no Inferno

    Crítica | Um Drink no Inferno

    Uma viagem de loucos pelo deserto, cuja estrada por onde passam predomina o sangue das vítimas desses dos irmãos Gecko. Esse é o tom inicial de Um Drink no Inferno. De certa forma, a loucura em que se metem Seth e Richard tem eco na antiga parceria entre o diretor Robert RodriguezQuentin Tarantino, que adaptou um roteiro a partir do argumento de Robert Kurtzman, um sujeito muito mais acostumado a trabalhar no setor de maquiagem e efeitos especiais do que com roteiros.

    A primeira sequência do filme é inacreditável, mostrando o confronto dos personagens de Tarantino e George Clooney com o dono de um armazém/loja de conveniência. Em poucos minutos o espectador vê o assassinato de um policial, por meio de um assassino sangue frio e com claros distúrbios mentais. No caminho, os dois andam em um carro surrado pela areia, com uma mulher de meia-idade no porta-malas, ao som do clássico Dark Knight tocada por The Blaster, de certa forma prevendo o que ocorreria com os dois, no Titty Twist mais tarde.

    É impossível não pensar neste filme e não lembrar da Miramax, estúdio que ajudou a reunir Tarantino e Rodriguez. A realidade é que mesmo com os sucessos de Pulp Fiction, Cães de Aluguel, A Balada do Pistoleiro e El Mariachi, essa história envolvendo desajustados não teria sido finalizada e comercializada, já que o filme apesar de se pagar, não foi muito alem disso. O longa se tornou um dos muitos fenômenos de locadoras, sendo redescoberto no mercado de vídeo, só então ganhando o status de cult, além do trash que muitos já amputavam a si.

    Há dois dramas familiares na história, que na maioria das vezes não são explorados de maneira séria, mas que não deixam de soarem pesados. Pelos Geckos, há a preocupação de Seth com a sede assassina do caçula, feito por sua vez por um Tarantino que representa um completo desequilibrado. Da outra parte, existe a fé falida de Jacob Fuller, que viaja com seus filhos, Kate e Scott, a procura de se distrair após a morte da mãe da família. Harvey Keitel faz um ex-presbítero que diz não acreditar mais em Deus, pela perda que teve e ainda tem que lidar com a criação de dois adolescentes, sendo um deles interpretados por Juliette Lewis no auge da beleza, claramente sem idade para interpretar uma pessoa na puberdade.

    Há também duas ideias de moralidade bem distintas, uma adormecida, em Jacob que diante da situação limite de quase morte, não permite que seus filhos façam algumas coisas pequenas como beber em um bar latino de strip-tease, e outra a de Seth, que agride seu irmão após o mesmo estuprar e matar a senhora que era sua refém. Ainda que seja um ladrão, Seth tem alguns limites morais e éticos e é uma decepção que seu irmão não compartilhe desse pensamento. Obviamente que esse pensamento ético não o impede de fazer dos Fuller seus reféns, inclusive deixando a jovem Kate a mercê das fantasias e assédios de seu irmão.

    É curioso como o roteiro trata dessas questões de maneira leve, mas sem deixar de julgar tais fantasias e loucuras como algo nefasto. A questão do retardo de Richard deixa de ser uma opção teórica para se demonstrar factual, quando o irmão mais velho manda ele colocar seu aparelho dental, ele é um sujeito capaz de matar alguém mas não se lembra de cuidar de seus dentes, e precisa de outro “adulto” para tal. Dos 108 minutos de duração, quarenta e poucos são para construir a ideia de um filme policial clichê com dois bandidos inconsequentes em fuga.

    O grito do mestre de cerimônias, que é um dos três personagens de Cheech Marin é o resumo básico de como funciona o Titty Twister, um lugar onde as pessoas agem de forma libertina, e onde acontecem coisas tão bizarras que sequer parecem reais. Uma caricatura, onde mexicanos, americanos, motoqueiros e caminhoneiros brigam, bebem enquanto são servidos por mulheres seminuas. Além de acontecerem algumas brigas e um quase conflito entre Seth e os funcionários do bar, há um sem número de personagens engraçados e carismáticos, a banda Tito e Tarantula fazendo eles mesmos, o mestre de efeitos especiais Tom Savini fazendo o canastrão Sex Machine, o personagem de Fred Williamson Frost, que não tem seu nome citado nem por si e nem por ninguém, e claro, Satanio Pandemonium a dançarina que Salma Hayek encarna, que carrega o nome de um filme mexicano de horror de 1975, também conhecido como  Sexorcista, de Gilberto Martinez Solares, que foi lançado na esteira de O Exorcista.

    Tudo ocorre na mais perfeita ordem, até um trio de funcionários atacar Richard, agravando o ferimento de sua mão. Esta parte tem um mise-en-scène muito bem trabalhado. Os detalhes que Rodriguez utiliza neste momento são sutis inicialmente, para dali em diante se tornar ponto de virada onde até as poucas amarras com a realidade tangível são largadas para tornar-se este uma completa fantasia com momentos dignos das comedias pastelão.

    Começa uma guerra campal, onde corpos são guitarras e onde os monstros atacam e se alimentam das pessoas. Cabeças decepadas rodam pelo assoalho, e há milhares de móveis que podem imediatamente se tornarem armas contra essas criaturas da noite. O fato das regras inteligentes dos filmes de vampiro serem completamente ignoradas combinam perfeitamente com a aura irônica do longa, a prudência dos mortos-vivos inexiste, a dos vivos também, seja nas travadas de Satanico, que se gaba em frente a Seth, ou do próprio personagem de Clooney, que quase permite que seu irmão ande, mesmo já não tendo alma.

    Rodriguez resgata a aura dos filmes de monstros da Universal, e as perverte completamente, adicionando a isto a estética dos filmes de zumbi de George Romero com o gore dos giallos que Mario Bava e Dario Argento faziam na Itália. Uma marca de Tarantino no filme é a conversa entre sobreviventes que falam sobre teorias de como matar os vampiros, de suas fragilidades e das fraquezas que a cultura pop amputou a esse segmento, linhas de diálogos essas que jamais ocorreriam se não fizessem parte de um conto fantasioso com participação do próprio.

    Apesar de brincar com crenças sérias e de aludir ao cristianismo como fonte segura de defesa contra o mal, a graça de Um Drink no Inferno reside no total desprendimento da realidade ou das normas de um bom filme de gênero, ele é uma mistura de muitos elementos e uma ode ao cinema de Wes Craven, Tobe Hooper, John Carpenter e até alguns cineastas menores como Tom Holland (Brinquedo Assassino) e Mick Garris, temperado é claro com toda a iconografia do cinema e cultura do México aludindo a um oeste de Alejandro Jodorowsky e as comédias de humor negro, em uma mistura que tinha tudo para dar errado, mas que acertou em tom e que certamente entrou para história do cinema como um clássico do cinema escapista da década de noventa.

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  • Crítica | Creepshow

    Crítica | Creepshow

    Creepshow foi o projeto que lançou simultaneamente um filme e uma história em quadrinhos. A obra cinematográfica foi dirigida por George Romero e roteirizada por outro grande mestre, Stephen King, além de ter como um dos produtores Richard Rubinstein. Interessante notar que este é um dos pouquíssimos casos em que Romero dirige sem roteirizar. Mesmo assim, a dupla Romero-King funcionou muitíssimo bem.

    O filme começa mostrando um pai repreendendo o filho (Joe King, filho de Stephen) que está lendo uma revista em quadrinhos de conteúdo duvidoso.  Essa revista é, adivinhem, Creepshow, que mostra cinco histórias de terror com muita violência e bizarrice. O pai joga a revista no lixo, e a partir daí, o filme começa a mostrar as cinco histórias. Vários clássicos do terror seguiram esse formato de contar várias histórias num único filme, como por exemplo Black Sabbath, do saudoso mestre italiano Mario Bava. E não é pra menos, Creepshow referencia, principalmente, os quadrinhos de terror dos anos 1950, em especial aqueles publicados pela EC Comics. Tanto que a revista em quadrinhos foi desenhada por um artista da editora. A decisão de publicar o quadrinho mostrado no filme foi uma sacada genial, e vale muito a pena conferir as duas obras, pois cada uma tem seu charme macabro e algumas diferenças.

    Conforme já dito anteriormente, o filme conta as cinco histórias do quadrinho, Creepshow. Cada segmento é desenvolvido separadamente, não havendo qualquer ligação entre eles. Podemos considerar cada história um episódio de uma série. Para o formato quadrinhos, essa estrutura funcionou um pouco melhor, pois cinco histórias em um único filme, por mais que sejam bons, perde-se o dinamismo da obra e torna-se cansativo ao final. Se este for o seu caso, basta assistir um ou dois segmentos por dia, e tudo se resolve.

    A primeira história, Father’s Day (“Dia dos Pais”), mostra uma senhora (Viveca Lindfors) que, na referida data, visita o túmulo do pai às quatro horas da tarde, todos os anos, desde a morte do genitor. Ao longo da narrativa, descobrimos a causa da morte do pai e, ao final, somos brindados com momentos de terror clássico. Destaque para os efeitos práticos e para a maquiagem sempre fantástica de Tom Savini.

    O segmento The Lonesome Death of Jordy Verrill (“A Solitária Morte de Jordy Verrill”) tem uma abordagem mais cômica que resulta em uma desgraça ao personagem. Tudo começa quando um pequeno meteorito cai na propriedade de Jordy. Ele não toma os cuidados necessários ao manipular o material alienígena e acaba assinando seu atestado de óbito. Destaque para a atuação horrenda, porém divertida, de King, que consegue dar um ar de boboca e inocente a Jordy.

    A seguir, Something to Tide You Over (“Indo com a Maré” na tradução dos quadrinhos), já possui algo interessante no título original, que pode ser traduzido de inúmeras formas. É um jogo de palavras divertidamente mórbido, onde “tide” pode significar “maré”, mas a expressão “tide you over” seria algo como “sobreviver mais um pouco”, “passar por uma dificuldade”, ou ao pé da letra, “ser encoberto pela maré”,o que faz muito sentido no contexto do segmento. O grande destaque aqui é Leslie Nielsen, que vive um marido traído buscando uma forma extremamente sórdida de vingança: enterrar a esposa e seu amante na areia da praia, apenas com a cabeça exposta, e esperar a maré dar conta dos dois. Mas tratando-se de Romero e King, sabemos que a história não irá terminar por aí.

    The Crate (“A Caixa”) traz o seguimento mais longo e com maior desenvolvimento de personagens. O zelador da universidade (Don Keefer) descobre, por acaso, uma caixa guardada embaixo de uma escada protegida com uma grade. Ele chama o professor Dexter Stanley (Fritz Weaver) para ajudá-lo a tirar a grade de proteção e tomar posse daquela caixa. Nela, está escrito “Expedição ao Ártico” com data do século XIX. O que uma caixa está fazendo guardada ali por mais de um século? Aqui teremos belas cenas de gore utilizando uma iluminação bem exagerada para causar o clima de horror, o que foi reproduzido na história em quadrinhos. Efeitos práticos e muito sangue ilustram este segmento e vai agradar todos os amantes do terror clássico e do trash.

    O quinto segmento, They’re Creeping Up On You (algo como “Estão rastejando em Você”, ou ainda “Elas vão te Aterrorizar”), é o único levemente chato, pois a história e personagens, apesar de trazer ideias interessantes, mostrando o pior lado do ser humano, não tem um ritmo muito bom. Entretanto, o protagonista do segmento, vivido pelo saudoso E.G. Marshall, é detestável e consegue de forma efetiva causar repúdio ao espectador. Além do que, teremos as cenas mais memoráveis de todo o filme: baratas. Sim, milhares de insetos repugnantes dão vida aos momentos de grande aflição do personagem. São milhares de baratas reais, efeitos práticos sensacionais, sons asquerosos e a cena final, com certeza, é uma das coisas mais fantásticas já feitas no cinema de horror.

    Entre os segmentos há animações bem legais, o que aproxima o filme da obra em quadrinhos. Além disso, várias cenas possuem elementos de histórias em quadrinhos, seja desenhos ou até os quadrinhos em si. Ao término dos segmentos, voltamos à “realidade” para mostrar novamente a família do jovem garoto. Teremos uma brincadeira com as propagandas contidas no quadrinho e um desfecho sinistro e trash devido a uma atitude peculiar do jovem garoto. Por mais que cinco histórias possam cansar um pouco, o resultado final é uma belíssima homenagem não só a EC Comics, mas também aos quadrinhos e cinema clássico de terror.

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  • Crítica | Machete

    Crítica | Machete

    machete poster

    O Projeto Grindhouse de Tarantino/Rodriguez não foi um sucesso de público, mas conseguiu alavancar a feitura de um filme derivado de um de seus trailers fakes, que eram exibidos entre os episódios. Este Machete é um pastiche por completo, a começar pelo seu protagonista, o sexagenário e coadjuvante de inúmeros filmes de brucutu – e colaborador de quase toda a filmografia de Robert RodriguezDanny Trejo, numa clara alusão humorística aos heróis de ação e claro, com uma violência exageradíssima e repleta de testosterona.

    O personagem principal é resignado, aparenta querer ser deixado em paz, escondendo dentro de si uma incômoda espera a um novo chamado à ventura – a oportunidade de retornar ao seu estado normal e à natureza de seus atos violentos. Seu código ético é incorruptível, busca justiça acima de tudo, mas não é seduzido pelo moralismo estúpido, e tem na vingança – por sua esposa morta – a grande motivação da sua vida. Mais clichê impossível, mas ainda assim, é bastante ousado.

    Há uma discussão óbvia sobre o tratamento dado pelos americanos aos imigrantes ilegais, usando-se de arquétipos absurdamente caricatos e maniqueístas, mas que escancara através do absurdo idealizado uma realidade dura e cruel. O estrangeiro é demonizado, comparado a inimigos do Estado como Saddam Hussein, e são até alcunhados como terroristas pelos antagonistas do herói da jornada.

    Mas é obvio que quem assiste Machete procura a plasticidade das mortes que Rodriguez sabe registrar como ninguém, e isso ocorre das mais variadas maneiras e formatos. Machete está acostumado a ser sabotado e sua recuperação dos ferimentos é praticamente automática, ele fica invisível debaixo de uma maca de enfermaria, o que faz crer que ele possua superpoderes. A cena do rapel de tripas tornou-se um clássico instantâneo na época e produz a mesma hilaridade hoje. As outras gags de humor também são muito bem feitas – o comercial de Osiris Amanpour (Tom Savini) são demais, aliás o personagem some da tela do nada, sem nenhuma preocupação com explicação. Há baseados mexicanos gigantes da espessura de charutos cubanos, as propagandas eleitorais do senador McLaughlin (De Niro), exaltando seu combate aos chicanos, comparando-os a pragas, o retorno com os personagens de Planeta Terror (o Doutor Felix e as gêmeas Electra e Elisa Avellan), os capangas arrependidos, com um discurso pró-imigrantes, os cortes rápidos em uma cena de Jessica Alba falando ao telefone imóvel, mas com a câmera mudando o ângulo a todo o momento, sem nenhum bom motivo aparente – tudo é pretexto para fazer piada, não dá para levar a sério um filme em momento nenhum.

    O personagem de Jeff Fahey, Michael Booth, conta todos os detalhes dos seu planos, tem uma boca aberta conveniente especialmente quando está sendo filmado, fato que também é muito engraçado. A batalha final é uma farofada enorme, tem de tudo, gente com carrinho de sorvete, ambulância assassina, escrotos se redimindo e voltando-se “para o bem”, ataque aéreo de moto. Até o desfecho épico para o personagem de Steven Seagal é perfeito, pois resume a sua carreira de “sujeito invencível e intransponível”, sendo somente ele um adversário a altura de seu próprio desafio, mas que sucumbe diante do que é justo.

    Atrás de toda essa capa de filme B, trash e de baixo custo com orçamento milionário, há um conteúdo forte de contestação. She de Michelle Rodriguez é um dos poucos personagens que se permitem ter um background decente. Suas motivações são nobres e óbvias, o que reforça ainda mais a escolha do roteiro por arquétipos prontos, montados para passar a ideia central. Ela veste a máscara de mentor e é um dos motivos de Machete reacender em si a vontade de agir a favor da justiça. Rodriguez – junto com Ethan Maniquis, também editor de Planeta Terror – traz um exemplar competente de exploitation e com uma temática presente em muitos dos seus filmes, a ode ao seu povo nativo e a valorização do imigrante ao território americano, em especial os mexicanos.

  • Crítica | Despertar dos Mortos

    Crítica | Despertar dos Mortos

    dawnofthedead

    Sem enrolação nenhuma, George Romero já joga na mesa todas as suas cartas, mostrando ao público o estado de nervos alterados que tomou os vivos, através das reações de uma equipe de TV que transmite informações aos cidadãos americanos sobre a praga dos mortos. Em meio ao caos presente no estúdio, alguns personagens se recusam a passar em rede nacional uma lista de abrigos fornecida pelas autoridades, que está desatualizada. Pouco tempo depois disso, é mostrada uma incursão da polícia em um prédio e no meio da ação um policial surta e passa a atirar em pessoas vivas, só sendo detido por fogo amigo. Essas experiências todas acontecem em menos de 10 minutos corridos e deixam claro o caráter deste filme.

    Há um claro antagonismo em relação ao cenário do primeiro episódio da Trilogia Zumbi de Romero. Ao contrário de Noite dos Mortos Vivos, este Dawn of the Dead não se passa numa cidade do interior, mas sim em uma metrópole, o que proporciona um olhar ainda mais atual para o apocalipse que se instaurou. Outro fator novo é a demonstração das memórias dos zumbis, que faz com que hábitos de sua vida normal voltem, mesmo após terem sido transformados.

    Segundo um cientista, interpretado por Richard France – um dos personagens mais curiosos, mesmo com poucas cenas –  os undeads não são canibais, pois não comem seus semelhantes, só carne humana fresca. É com esta fala que a questão da inteligência das criaturas é discutida pela primeira vez: ele afirma que os infectados têm por hábito repetir o que faziam em vida, dizendo que podem fazer uso de objetos e ferramentas de fácil manejo, mas não teriam perícia o suficiente para utilizar-se de armas de fogo. Aqui é demonstrado, ainda que timidamente, que estes seres estão em evolução.

    Apesar do clima trash e das maquiagens pouco convincentes – que funcionavam melhor com a  fotografia preto e branco –, o roteiro de Romero toca numa temática atual e critica o consumismo, associando o ato de comprar a um instinto primitivo humano – por isso o shopping estaria cheio de descerebrados. A forma de filmar o grupo de sobreviventes – em algumas passagens – andando lentamente, quase se arrastando, semelhante aos zumbis, faz discutir quem são os mortos na realidade. Isso é resquício da inspiração no romance de William Matheson, Eu Sou a Lenda. O agente que faz com que os protagonistas abandonem seu porto seguro não são os ressuscitados, mas sim os vivos, que tentam saquear o shopping. O bando de mercenários encabeçados por Tom Savini arromba tudo, inutilizando um bom esconderijo. O grupo em sua maioria age como seres irracionais, querendo unicamente tomar os pertences das lojas.

    Mais uma vez Romero põe um negro como protagonista e último sobrevivente, assim como no episódio anterior, reforçando o caráter crítico de sua filmografia. Despertar do Mortos não é um filme perfeito, carece principalmente de um orçamento razoável, mas é uma das primeiras amostras da genialidade do pai de um gênero de filmes hoje copiado à exaustão.

  • Crítica | As Vantagens de Ser Invisível

    Crítica | As Vantagens de Ser Invisível

    As Vantagens

    As Vantagens de Ser Invisível (The Perks of Being a Wallflower, EUA, 2012, Dir: Stephen Chbosky) é adaptação do homônimo livro lançado em 1999 escrito pelo roteirista e também diretor do filme, que por sua vez foi criador da série Jericho, cancelada após a segunda temporada.

    Sinopse: um menino introvertido entra no segundo grau e é acolhido por dois meio-irmãos veteranos, que o ajudam a se adaptar às dificuldades da adolescência na rotina escolar e na vida.

    Para entrar no universo de adolescentes/jovens perdidos, a direção de Stephen Chbosky tenta emular os filmes da Sofia Coppola, especialmente “Virgens Suicidas” (1999), e Bertolucci com o seu “Os Sonhadores” (2003). O problema é a falta de identidade a partir disso. Não há um plano marcante do ponto de vista cinematográfico que seja mérito exclusivo da direção, nenhum movimento de câmera, marcação de atores em cena, nada. A mise-en-scène blasé só consegue se sustentar por meio do roteiro, a única hora em que se pode ver o talento do diretor é na direção de atores: Chbosky consegue extrair boas atuações dos três atores principais, principalmente de Logan Lerman.

    Diria que mais da metade da força que o filme teve perante seus fãs e admiradores veio da sua atuação de Lerman. Conhecido por ter interpretado Percy Jackson, o outro Harry Potter, Lerman mostra aqui que só precisava de uma chance fora do mundo blockbuster para mostrar o seu talento. Com uma interpretação contida durante a maioria do filme, ele consegue passar todas as características do seu personagem de forma sublime: angústia, medo, insegurança, amor, e, principalmente, os demônios internos que o atormentam. Se o ator der sorte de continuar a pegar personagens mais profundos e manter esse nível, talvez daqui a alguns anos poderemos ver surgir um novo Ryan Gosling.

    Os outros atores interpretam bem o seu papel. Emma Watson, porém, não consegue ir muito além, ela é engolida pelo bom Ezra Miller, o Kevin, de “Precisamos Falar sobre o Kevin” (2011), e principalmente por Logan, que engole todo mundo que está em cena do meio para o final do filme. O resto do elenco cumpre bem a sua finalidade, com especial menção a Tom Savini, Paul Rudd e Joan Allen, que saem um pouco das suas interpretações usuais.

    O roteiro sem grandes furos tenta conduzir a narrativa por um meio não convencional. De uma forma forçada tenta impôr o protagonista em um universo hipster e assume assim uma outra estrutura dramática, que só serve para acentuar o fato de que o adolescente deslocado encontrou pessoas esquisitas e com problemas semelhantes ao dele. Não à toa, ele os chama de “amigos” várias vezes ao longo do filme, logo o protagonista, que era conhecido por não ter ou saber fazer amigos.

    E então vem o maior problema do roteiro, por consequência, do filme: a conveniência de voltar à dramaturgia convencional e sua estrutura quando ficou sem saída aonde havia ido antes. A briga no refeitório na metade para o fim e a “grande revelação” do final do filme exemplificam isso. É um roteiro covarde, frouxo, bundão, que fingiu uma audácia que não tinha, pois, no fim das contas, não se sustentou. Ou seja, pretensioso. Nesse sentido, “Meninas Malvadas” (2004) com a Lindsey Lohan, mesmo sendo uma comédia blockbuster cumpre melhor este papel, é um filme mais eficiente abordando a mesma temática no mesmo universo.

    A fotografia quase o tempo todo usa filtros não realistas, como naquelas cenas que representam sonhos, o que impede um melhor trabalho de Andrew Dunn, que já havia fotografado os ótimos “Preciosa” (2009) e “Amor a Toda Prova” (2011). As únicas partes que ela se sobressai é quando os demônios internos do protagonista são retratados.

    A editora Mary Jo Markey, também não consegue mostrar o seu talento, como já havia evidenciado nos filmes irregulares Star Trek 2 – Além da Escuridão, a série Lost e Super 8. A edição linear ajudou na narrativa, mas a única hora que se sobressai é semelhante à fotografia: ajuda a mostrar os demônios internos do protagonista.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | As Vantagens de Ser Invisível

    Crítica | As Vantagens de Ser Invisível

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    As Vantagens de Ser Invisível é baseado no livro homônimo de Stephen Chbosky – que também assume a direção. É um drama leve, pelo menos à primeira vista, e conta a história de um adolescente que se vê sozinho em meio a todos os conflitos que esta fase proporciona. Essa é a sinopse básica, mas falar isso seria arranhar muito na superfície, a película é bem mais do que parece.

    A película toca em temas espinhosos, e de uma forma única, foge de clichês e em momento nenhum é piegas ou panfletário. As Vantagens de ser Invisível é basicamente sobre pessoas traumatizadas. Charlie tem um bloqueio devido a um trauma, e essa questão só é “solucionada” no final do filme. Sam, personagem de Emma Watson (deliciosa como nunca e sexual ao extremo) tem vergonha do seu passado, Patrick, seu meio irmão, tem um relacionamento amoroso escondido, e eles formam um grupo de desajustados, auto-nomeados como Invisíveis, por não se encaixarem no padrão de colegiais normativos americanos. Charlie se vê como parte de algo quando está com este grupo de amigos, e isso o ajuda a superar seus demônios e a se livrar de sua incômoda solidão. Na prática, os Invisíveis são como um grupo de apoio mútuo, onde todos sofrem, se descobrem e são felizes juntos.

    O filme é entrecortado pela narração do protagonista, mas ao contrário da praxe geral, as falas acrescentam muito a história e preenchem o que as imagens não “poderiam mostrar”, principalmente por causa do tom de confessionário, isso é um dos enormes acertos de Chbosky. A edição também é algo primoroso, a montagem no final do filme faz com que o espectador sinta-se tão angustiado quanto o personagem.

    Quantos as atuações, pelo menos nos papéis centrais não há do que se reclamar. Pequeno destaque para Tom Savini e Paul Rudd, que fazem dois professores com funções completamente diversas. Savini faz um mestre corretivo, um pouco fascista (pelo menos para um dos personagens) e que grifa as exclusões, enquanto Rudd faz um mentor na mais pura essência da palavra, incentivando Charlie e fazendo-o descobrir sua vocação, mas tudo isso é só pincelado. O destaque mesmo vai para Ezra Miller, já visto (muito bem por sinal) em Precisamos falar sobre Kevin, que faz aqui um papel completamente diferente do anterior citado, é um garoto irônico, ácido, que odeia obviedades e com uma personalidade forte, seu Patrick é um personagem riquíssimo, e só é crível graças à ótima atuação de seu intérprete.

    O tema central da história e as razões que levam o protagonista a ser o que ele é só são revelados com o decorrer da história, e a maneira como é mostrada é adulta, séria e sem rodeios – nesta parte parece até que ele muda de gênero, o que é ótimo. Quando Charlie se sente inseguro, ele sempre se vê como um garotinho, de volta a sua infância e de volta a relação conturbada que teve com a sua tia que faleceu – sua pessoa preferida no mundo. O molestado sente-se culpado pelo destino do molestador, e essa questão é uma analogia para muitas coisas, inclusive para questões do cotidiano.

    Outro ótimo ponto positivo é a exploração do relacionamento homoafetivo retratado como algo real e não caricato, mais uma vez toca no assunto rejeição/aceitação, ainda que o tom seja leve. As Vantagens de ser Invisível é um filme adolescente, mas que não subestima seu espectador. Quem dera que todos os filmes juvenis fossem assim.