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  • Review | O Iluminado (1997)

    Review | O Iluminado (1997)

    Stephen King tem um apreço enorme sobre seu romance O Iluminado, por conta de enxergar a si mesmo na vida de Jack Torrance, especialmente no que toca os problemas com álcool e pelo fato da personagem também ser um escritor que vê seu trabalho perdido em um período de abstinência. Após achar o trabalho que Stanley Kubrick fez em O Iluminado como uma versão diferente da original, o escritor aproveitou para nos anos noventa lançar sua versão filmada, contratando um novo elenco, diretor e equipe de produção, em uma minissérie em três capítulos, semelhante ao que ocorreu com Tempestade do Século ou It: Uma Obra Prima do Medo.

    Mick Garris é o responsável por dirigir o especial,. Seu currículo inclui continuações fracas como Criaturas 2 e Psicose 4: O Começo, e outros menos genéricos, como Sonâmbulos e a Maldição de Quicksilver. É curioso, pois Garris já havia adaptado King (e bem) em A Dança da Morte, mas aqui claramente não lhe foi dada muita liberdade, e sim uma formula de narrativa fraca e presa demais ao roteiro de King. É incrível como a necessidade de ser fiel ao material original não tem a inclusão do mesmo espírito do livro, em especial na construção do personagem de Jack. O que se vê aqui é um caráter super explícito, que tem a necessidade de gerar razão para qualquer um dos eventos mostrados em tela, de um modo que o espectador chega a se sentir subestimado.

    Junte-se a isso a fotografia saturada de Shelli Johnson e fica difícil não achar que esse projeto é um equívoco completo. Jack é vivido por Steven Weber, que não é mal ator, mas o texto que emula as tele novelas não ajuda seu desempenho. Danny é feito por Courtland Mead, um ator que não consegue apresentar qualquer sutileza de atuação (ainda que isso não tenha comprometido sua atuação em Os Batutinhas). A condição dele piora quando Tony  aparece. O amigo imaginário do garoto é representado por um jovem ao estilo Barrados no Baile que flutua em uma névoa de CGI barato. A mãe da família Wendy é feita pela atriz Rebecca de Mornay, e essa é a única que destoa, parecendo levar a sério a produção, quando todo o resto do elenco está em outro tom, claramente.

    No romance, Jack é um homem temperamental, que aos poucos vai perdendo o controle, liberando o terror de maneira gradativa também. Já nessa versão o que se vê são referencias a violência já nos primeiros momentos, não há preparação de terreno ou sutileza, não há sequer tempo para construir o ideal da família feliz. Garris ainda tenta emular a condição de felicidade através de imagens com luz saturada, como se ter um cenário muito claro remetesse ao estado de alegria.

    A construção do horror é mal pensada. Os tacos de críquete ensanguentados não tem nem de longe o apelo visual do machado que o patriarca carregaria no final da sua jornada de insanidade. A vontade de se desassemelhar de Kubrick age como uma obsessão de King em tentar ser totalmente diferente. Além da incomoda super exposição, o diretor também entrega os segredos cedo demais, além de ter graves  problemas de ritmo. O texto é um mero pretexto para tentar adaptar mais trechos do livro, que acabam vazios de significados, estando ali só como uma birra ao longa de 1980.

    A historia de Jack ser um escritor frustrado também é praticamente descartada, sequer sua ideia dele compor um livro sobre o hotel é utilizada, embora tal fato seja inferido durante o terço final. Ao menos, algumas maquiagens de monstros funcionam (em particular nos momentos iniciais). Porém, quase tudo que envolve Weber e a evolução de sua loucura é digna de risos. Em alguns pontos, dá pena de De Mornay, que realmente se dedica enquanto um de seus colegas de elenco acha que para parecer louco basta estar com uma aparência de homem empoeirado, como se isso causasse medo no público.

    De positivo, há a música de Nicholas Pike que faz embalar bem a triste trajetória dos Torrance, mas até isso é deturpado, pois serve para embalar sustos tolos e fáceis. No capitulo derradeiro os problemas parecem se multiplicar, as aparições dos mortos são mal encaixadas, todos tem aparência mal construída, para caso qualquer pessoa caia de paraquedas na trama, saiba que há algo errado com eles. Além disso, os efeitos digitais são todos artificiais e risíveis até para sua época. É natural que Garris não tivesse orçamento para empregar todos os efeitos que o livro de King exigiria, mas assusta também o quão açucarado é o final que o escritor pensou para esta versão, bem diferente de livro, com contornos sentimentais tão patéticos que causa riso involuntário e faz perguntar se a vida de Danny e sua família não seria pensada para ser um drama folhetinesco típico das rádio novelas antigas.

  • Resenha | O Iluminado – Stephen King

    Resenha | O Iluminado – Stephen King

    Lançado em 1977, envolto em polêmicas por conta da adaptação de Stanley Kubrick em 1980, O Iluminado é o terceiro romance de Stephen King. Sua historia é uma junção de dois mundos diferentes:  um menino que tem habilidades especiais e espirituais e um desejo assassino que não se sabe se ocorre graças a motivação de forças sobrenaturais ou meramente pela insanidades dos seus familiares. Aos poucos, a historia vai agravando seus elementos ao ponto de evoluir para algo com perigo de morte real e imediato, quando o pai de Danny aceita o emprego de zelador do Hotel Overlook, uma hospedaria de luxo que precisa de cuidados especiais durante o rigoroso inverno.

    Ao contrario da versão de para o cinema, o livro é basicamente protagonizado pelos três membros da família Torrance, ainda que tenha a maior parte da narração dos fatos ligados a Jack, um professor que perdeu o emprego por conta de uma atitude temperamental fruto da abstinência alcoólica, e que aproveita o isolamento para se dedicar a escrever uma peça.

    Stephen King já declarou algumas vezes que encara Jack Torrance como um alter ego seu, representando  especificamente uma fase complicada de sua vida, em que teve problemas com drogas e álcool. Dada a forma como Jack lida com Danny, essa projeção faz preocupar um pouco devido ao livro ser dedicado ao filho Joe Hill que anos depois também se tornaria escritor.

    A narrativa em torno do hotel é dúbia, em alguns pontos é descrito como um elefante branco, uma obra que jamais deu certo como seus criadores gostariam, enquanto os administradores, em especial o gerente Ullman, tentam fortificar a ideia de que o local quando está ativoe  recebe todo tipo de gente famosa e glamourosa. A verdade provavelmente está no limbo entre essas duas visões. Dentro desse local de passagem, haveria muitas boas histórias, em especial para alguém carente de ideias e com bloqueio criativo como Jack.

    King consegue estabelecer bem seus personagens. É fácil se identificar com Torrance, entender suas frustrações e até seus rompantes de raiva e a rivalidade que vai se estabelecendo aos poucos com Ullman, embora suas atitudes mais severas com seu filho sejam absolutamente condenáveis, em especial quando se vê com crises de ansiedade provenientes da falta de seu objeto de vício: a bebida.

    O autor concentra suas ações e tramas em poucas pessoas para, desde o início, estabelecer os perigos que o isolamento forçado podem causar em uma família. A linguagem utilizada é bem franca, os diálogos diretos, repletos de um palavreado chulo e popular, até mesmo nas elucubrações mentais de Jack que transmitem esse tom mais agressivo, como também na defesa voraz de Wendy por sua cria.

    O drama estabelecido para a mulher também é bem grafado. Sua tentativa de salvar o casamento passa pela tradição do matrimônio vivo ainda que a crença pareça vã, variando entre momentos em que acredita ser possível que a relação melhore e outros em que nota o desperdício de esforço. Por essas vias a narrativa discute o papel do pai padrão, acrescentando elementos de terror na equação, mas discutindo uma história humana, um drama familiar comum em diversas relações.

    A condição “fantástica” de Danny é desenvolvida aos poucos. Os poderes telepáticos são mostrados ainda em estágio embrionário refletindo sua condição infantil, ainda em fase de alfabetização.Duas palavras na cabeça de seus pais  parecem assusta-lo muito: Divorcio e Suicídio. Há de se lembrar que nos setenta, o desquite entre casais não era tão comum, e discutir suicídio muito menos (um problema delicado  até hoje). Por si só tais discussões demonstram a falta de pudor do autor em colocar crianças em posições complicadas, em contato com o pior que há na mente humana. Aqui se percebe a dubiedade de que os fantasmas e criaturas espirituais talvez não sejam tão assustadoras quanto a mente humana. Também se abre a discussão a respeito do modo como o autor lida com a primeira infância e puberdade, elementos também utilizados em It: A Coisa (envolvendo até relação sexual entre crianças) e em  Carrie: A Estranha (traumas da vida e a entrada na fase adulta).

    Assim como em Jack há culpa em seu inconsciente quando lembra na vez em que machucou seu filho. Desse modo, lidando com seus demônios, é discutível se a melhor saída para a família seria morar em lugar ermo, distante do resto da civilização. A essa altura da narrativa, antes do Overlook, Wendy pensa em se divorciar do marido. A personagem é bem mais decidido que suas versões em áudio visual – incluindo Rebecca De Mornay em O Iluminado de 1997,  péssima minissérie escrita pelo próprio King.

    Fora os Torrance, o personagem que mais tem desenvolvimento é Dick Halloran, o cozinheiro do hotel, uma espécie de mentor que parece ter mais informações sobre a condição do menino. A partir das conversas com Danny, percebe-se certas heranças genéticas em que o menino poderia repetir os mesmos erros do pai e também se tornar um futuro alcoólatra. Essa trama por si só é bem rica, pois abre precedente para a condição espiritual da Maldição Hereditária ser desenvolvida. De fato, condições como alcoolismo atormentariam Dan Torrance quando adulto, como pode ser visto no livro e filme Doutor Sono. Possivelmente, a condição de iluminado também ocorria com o pai. Ao contrario das outras versões de Halloran, aqui não há maniqueísmo, o personagem se lamenta pelo fato dos Torrance terem dificuldades de enfrentar seus demônios e seu passado.

    No tempo “ocioso”, Jack pensa em como terminar sua peça. Encontra uma alternativa para a escrita de uma outra obra – um livro – e se vê frustrado por nunca conseguir dar vazão a seu ímpeto. Lidando com a abstinência, passa a usar remédios contra dor de cabeça como se fossem balas, e todos esses fatores culminam numa lenta caminhada rumo a insanidade resultando em sua psicopatia. É inegável o bom trabalho narrativo em tratar essa transformação de modo sutil e bem pensado. Jack é bastante humano, tenta fugir dos pecados do passado, tanto os seus quanto os de seu pai, mas a forças das circunstâncias sabotam seu desejo.

    Também é fácil simpatizar e compreender a posição de Wendy, tanto em tentar remediar seu casamento, quanto em suspeitar da violência de seu marido. Afinal, situações de violência domiciliar infelizmente são muito comum no cotidiano. King acerta em colocar uma questão mundana e universal como o vetor do mal, deixando espíritos e fantasmas como seres temidos mas subalternos ao mal do homem. Dessa forma, o autor nos faz pensar se a iluminação dos personagens são uma forma de recalcar a violência paterna sofrida.

    O final de O Iluminado abre precedente para muita discussão. Da parte crédula, pode-se ler que o hotel sucumbiu ao próprio mal. Enquanto para o lado cético há a crença de que o encerramento do Overlook pode ser fruto de uma sabotagem de um trabalhador insatisfeito. Ao menos o fim imediato para os Torrance é singelo e otimista. Um respiro para uma família destroçada pela tragédia em um epilogo melancólico e  reflexivo sobre as perdas, sem dar vazão a uma abordagem piegas e super positiva, como feita na adaptação para a TV nos anos 90.

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  • VortCast 71 | Diários de Quarentena I

    VortCast 71 | Diários de Quarentena I

    Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira), Filipe PereiraJackson Good (@jacksgood) e Rafael Moreira (@_rmc) se reúnem para comentar sobre os seus dias na quarentena em um bate-papo descompromissado sobre reality shows, lives e muito mais.

    Duração: 110 min.
    Edição: Julio Assano Júnior
    Trilha Sonora: Julio Assano Júnior
    Arte do Banner:
     Bruno Gaspar

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  • Crítica | Doutor Sono

    Crítica | Doutor Sono

    É inevitável que Hollywood revisite alguns de seus maiores clássicos, na impossibilidade de revisitar todos por questões práticas (talvez nem tudo pareça rentável aos olhos dos executivos que regem estúdios), já que revigorar IPs envolve menor risco financeiro e criativo por parte de quase qualquer projeto. Quando se trata de filmes especialmente populares e cultuados, o máximo que espectadores podem esperar é algum nível de respeito e circunstância em torno da obra original; mesmo que a realização seja por parte de artistas com as melhores intenções, o norte destes empreendimentos artísticos é mercadológico, e os resultados variam conforme o vento (mais precisamente de acordo com as correntes que controlam orçamento e distribuição). Doutor Sono, continuação de O Iluminado, peça seminal da filmografia de Stanley Kubrick, baseado na continuação literária homônima de Stephen King para a obra adaptada (com várias liberdades) por Kubrick, não é a primeira vez que Hollywood se aventura em uma sequência para um filme de Kubrick (2010 – O Ano em que Faremos Contato, sequência de 2001 – Uma Odisseia no Espaço, a antecedeu; ambos os filmes igualmente inspirados em livros de Arthur C. Clarke), mas certamente é a mais honesta e inspirada incursão possível de volta àquele universo. Por consequência, uma das raras ocasiões em que voltar a um clássico realmente não parece motivado exclusivamente por dinheiro.

    Roteirizado (reescrito, na verdade) e dirigido por Mike Flanagan, um dos mais sólidos realizadores aninhados no terror e em subgêneros adjacentes, Doutor Sono traz Ewan McGregor no papel de Daniel Torrance, a criança “iluminada” (capaz de feitos como projeção astral, percepção extrasensorial, telepatia e telecinese) da obra original, décadas após os eventos transcorridos no hotel Overlook, tentando reconstruir uma vida permeada por paranormalidade, perdas, traumas e vícios, e que se vê às voltas com outra criança (Abra Stone, vivida por Kyliegh Curran) dotada com os mesmos poderes e um grupo de iluminados (liderados por Rose Cartola, ótima personagem de Rebecca Ferguson) que busca pessoas semelhantes para consumir suas energias vitais e prolongar a própria existência.

    Dan, que sobreviveu como pode junto de sua mãe aos eventos d’O Iluminado, quando a instabilidade emocional causada pela bebida fez seu pai, Jack Torrance sucumbir às forças obscuras presentes no Overlook, passou por (previsíveis) maus-bocados na idade adulta; com a morte da mãe, Wendy (Alex Essoe em flashbacks e breves recriações de O Iluminado), Dan se entregou a atitudes autodestrutivas e vícios que chegaram perto de destruir sua vida e, muito provável, várias outras. Chegando ao fundo do poço, o protagonista consegue um reinício em uma pequena cidade, largando a bebida e encontrando algum rumo na forma de um solícito amigo, Billy (Cliff Curtis), que o conduz ao AA, onde Dan encontra apoio, fortitude, e também uma oportunidade de emprego, como auxiliar-geral de um asilo. Sua condição de iluminado o permite confortar pacientes terminais ou próximos da morte. Ao passo em que encontra alguma paz de espírito, Dan começa a se comunicar com Abra, cujos poderes tem imenso alcance, através de escritos na parede do sótão que aluga. Abra, por sua vez, devido a este imenso alcance, acaba atraindo a atenção do Nó, um grupo de longevos iluminados que busca seus pares a fim de vampirizar seus poderes ou somá-los ao bando. Já tendo escassas fontes de poderes e vitalidade, enfraquecidos pela idade e apreensivos pela manutenção das vidas que levam, os membros do Nó descobrem Abra quando esta os observa, em choque, atacando outra criança iluminada – e Rose Cartola rapidamente a estabelece como o novo e oportuno alvo preferencial do Nó. Que Abra recorra a Dan de alguma forma em busca de justiça e compreensão para a violência que testemunhou, é um desdobramento lógico; Dan, no entanto, demorou o tempo de uma vida para se desvencilhar de traumas antigos, e reluta em tomar parte em ocorrências extraordinárias; é o incentivo de Dick Hallorann (Carl Lumbly), seu mentor e amigo, vítima de seu pai no hotel Overlook, que enfim o propele a não fugir de seus próprios destino e responsabilidade, mesmo que o curso das ações o conduza justamente até aonde Dan jamais quereria voltar.

    Num primeiro momento, a expansão da ambientação e dos elementos presentes no filme original parecem condenar Doutor Sono a um inchaço desnecessário. O Iluminado é um filme simples e absurdamente eficiente em estabelecer sua premissa e o desenrolar dos fatos, e Doutor Sono, além de observar o filme de Kubrick, precisa (idealmente) apresentar algo que justifique sua existência de maneira a não diminuí-lo diante de seu predecessor (o que em si já configuraria um desrespeito). Mas é justamente o entendimento da necessidade de construir algo baseado no que Kubrick realizou que o trabalho de Flanagan se sobressai; se Kubrick demonstrava interesse genuíno na fragmentação psicológica de Jack Torrance diante do fracasso profissional e como provedor, e na maneira como as trevas se apoderaram de sua mente em meio ao isolamento (físico e mental) crescente cultivado em meio ao pesadelo do abuso de álcool, é a recomposição de Dan como indivíduo que leva Doutor Sono adiante. O roteiro de Flanagan aproveita o reencontro de Dan com sua dignidade para permiti-lo uma reconciliação com seus poderes e com as possibilidades de fazer algo bom, algo contrário à sua história, e não sucumbir ao medo de explorar seu próprio potencial (uma alegoria singela para algo tão nocivo quanto qualquer perverso fantasma remanescente no Overlook). Em determinado momento, o orgulho de Dan vence o peso da culpa que carrega ao constatar que conseguiu somar um período de sobriedade imensuravelmente maior do que seu pai jamais havia conseguido, e é um ótimo exemplo da valorização de Doutor Sono a pequenas mas significativas vitórias de suas personagens. Da mesma forma, Flanagan (um cineasta nem tão sutil, mas que sempre busca soluções elegantes e diretas em suas obras) não tenta perverter a estética e as convenções narrativas de O Iluminado em um esforço tolo para diferenciar-se ou de alguma forma superá-lo, seja em escala ou em impacto – o maior trunfo do longa é se aceitar como uma derivação natural do que veio antes, algo que ecoa também na maneira como suas figuras relacionam-se com a realidade fantástica que habitam. Dan tenta suprimir sua iluminação até aceitá-la como parte de quem ele é; Abra entrega-se a um uso justo e benevolente de seus poderes, e o Nó, guiado por Rose, objetiva apenas tragar energia para perpetuar-se em um estado irredutível de vida fácil e predatória. Não é à toa que Dan decide opor-se ao Nó em defesa de Abra, após um empurrãozinho de Dick Hallorann, e que para Abra e para o Nó suas posições pareçam ser as únicas possíveis. Se n’O Iluminado Danny era apenas uma vítima das elucubrações malignas das presenças do Overlook, em sua sequência ele pela primeira vez tem a chance de enfrentar personificações do mal ao invés de apenas fugir e eventualmente testemunhar desdobramentos trágicos. É claro que a história de Dan, mesmo girando em torno de Abra e contra o Nó, não poderia escapar de um enfrentamento com o próprio Overlook, mas atestando a busca por soluções que honram o original, a trama da continuação se direciona com simplicidade e clareza ao resgate daquele espaço, em si uma manifestação das ideias de Kubrick para a criação de King.

    É curioso como a reverência de Flanagan pelo filme de Kubrick o inspira de forma saudável para desenvolver Doutor Sono como um capítulo de vida própria; Flanagan não tem medo de destoar razoavelmente da construção estética de O Iluminado, mas mesmo suas propostas mais ousadas (uma sequência de projeção astral, a representação dos pensamentos de Abra e Rose em suas respectivas mentes, a expansão das capacidades paranormais de iluminados) parecem soluções adequadas ao que cineastas daquela época, pós-Nova Hollywood, apresentariam. Talvez o elemento mais deslocado seja a apoteose da vampirização de iluminados pelo Nó, mas onde Flanagan perde pontos pela obviedade, ganha pela intensidade do processo e pelo efeito quase transcendental nos membros do bando – Doutor Sono não é um filme amedrontador como em certos momentos o é o filme que o inspirou, então, é elogiável quando consegue ser realmente macabro. Isto é parte do estilo de Flanagan em seus filmes e séries, e é incrível que ele não tenha aberto mão da mesma abordagem emocional que utilizou em A Maldição da Residência Hill para realizar uma continuação para a obra original. Kubrick recontou a trama familiar de Stephen King por uma ótica mais distante e observadora, e Doutor Sono soa como um resgate consciente dos valores dos livros de King na ambientação da película original. Muito se fala em reconciliar os universos literário e cinematográfico de King e Kubrick em Doutor Sono, mas Flanagan parece entender que as diferenças são irreconciliáveis, e que o melhor denominador comum é reconhecer as discrepâncias como pertinentes à complexidade de Dan, Jack e as novas personagens. Uma saída esperta e cheia de classe para um distanciamento bem conhecido por quem acompanhou a trajetória de O Iluminado das páginas às telas.

    Embora Ferguson tenha quase todos os melhores momentos de personagem  vil e carismática como uma autêntica habitante do Overlook, McGregor não fica atrás com seu Dan/Danny Torrance; aqui, existe a oportunidade de reapresentar o objeto de desejo dos fantasmas do Overlook como alguém dobrado pelas circunstâncias e atormentado por questões fora de seu controle, e que de certa forma nunca amadureceu de forma apropriada por não ter crescido e vivido como alguém normal, e o longa ainda nos sugere uma boa reflexão; quanto da facilidade com que Abra lida com sua condição é propiciada por uma família saudável, e quanto da ruína sentimental de Dan foi resultado direto de uma família em processo de decomposição tão avançado quanto a mulher do quarto 237. Também merecem menções Cliff Curtis e Zahn McClarnon, respectivamente como Billy, amigo e apoiador de Dan em sua nova vida, e Corvo, parceiro de Rose Cartola e um dos mais eficazes membros do Nó (é particularmente satisfatório ver McClarnon participar de um ótimo filme, após grandes papéis em séries como Fargo e Westworld). Flanagan é um ótimo diretor de atores, e os poucos momentos em que Doutor Sono se distancia mais do visual de O Iluminado, que o filme tende a seguir à risca, são exatamente os momentos em que Flanagan permite que as câmeras orquestradas por Michael Fimognari, seu parceiro habitual na direção de fotografia, se detenha mais nos rostos dos elenco e menos na integração destes rostos ao tecido narrativo do filme

    Em geral, a trilha sonora composta pelos Newton Brothers para Doutor Sono ecoa certas manias do terror contemporâneo, e um filme quieto como este dispensaria até mesmo os poucos jump scares espalhados (e espaçados) pela generosa duração, mas há de se aplaudir em especial as breves intervenções da trilha original. A intenção de Flanagan era a de acrescentar ao universo dos iluminados, não a de apelar para a nostalgia desmedida (cineastas menos inspirados/as não pensariam duas vezes antes de recorrer à saudade de um clássico do cinema de horror), e isto conduz à maior prova de coragem e confiança de Doutor Sono: ao invés de apelar para recriações digitais, Flanagan escalou atores contemporâneos para personagens consagrados e praticamente indissociáveis se suas intérpretes. Carl Lumbly empresta solenidade e calor humano a um Dick Hallorann que já era adorável com Scatman Crothers, e Alex Essoe demonstra uma compreensão impressionante de como era a Wendy vivida por Shelley Duvall, sem concessões à Wendy caricatural que habita o imaginário coletivo de muita gente que assistiu ao filme original. É fácil repovoar o Overlook com bartenders, assessores e gêmeas sem maiores funções narrativas, mas conferir importância e gravitas a personagens que sempre serão alvo de escrutínio por parte do público, ainda mais através de rostos novos, é um ato de bravura – e Flanagan reserva uma surpresa fabulosa para um momento único de introspecção e desespero. Essoe, Lumbly e um recorrente ator nas obras de Flanagan simbolizam à perfeição o apreço dos envolvidos para com a obra original, e a excelência de Doutor Sono como sucessor valoroso a O Iluminado confirma que interesses duvidosos nem sempre impedem um triunfo.

    Texto de autoria de Henrique Rodrigues.

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  • Crítica | O Iluminado (1980)

    Crítica | O Iluminado (1980)

    Se o umbral existe, Stanley Kubrick nos deu uma amostra grátis disso pegando o último estágio dos círculos do inferno e colocando-o num belíssimo hotel de veraneio, trancando uma família dentro dele e vendo o que rola. Baseado no livro homônimo de Stephen King, autor de outras joias como O Nevoeiro e Carrie, O Iluminado é o décimo filme de um dos maiores nomes que Hollywood já produziu, e ajudou a divulgar, em todas as suas épocas. Grande foi o espanto de muitos quando foi noticiado, ainda na década de 70, que o diretor de Laranja Mecânica e Dr. Fantástico, ia adaptar um conto nada convencional a sua filmografia sobre o sobrenatural que pode cercar as nossas vidas, e ganhar espaço cada vez mais no plano material das coisas e das nossas relações. Após rejeitar o roteiro do próprio King, Kubrick escreve sua própria versão das consequências que a mudança de Jack Torrance, sua esposa e filho para o hotel Overlook iriam trazer para suas vidas – para sempre.

    Determinado a terminar seu livro, Jack aceita se isolar por três meses de inverno rigoroso no hotel, sem saber do elemento macabro que espreita atrás de cada porta, imortal como as almas penosas de uma necrópole. Mais e mais, todos passam a ser atormentados por uma força quieta, inquieta e secreta que domina a tudo e todos, tal um vírus presente no ar, mas implacável feito uma força da natureza. Repleto de cenas icônicas, o filme se situa no limiar do real com o surreal, sensível o bastante para andar no meio fio, e nos fazer participar de um delírio alucinógeno a cada minuto que passa. A fim de estudar o gênero de horror, tal um menino que tenta assustar os amigos numa barraca contando histórias de terror, mas sob o sol do meio-dia, Stanley Kubrick aceitou o desafio de investigar o medo, um dos nossos instintos mais primitivos, através da mais refinada linguagem cinematográfica possível. Isso já faria da obra algocult, por excelência, se não fosse também seu inigualável valor a justificar seu apreço crítico.

    Ademais, não se deve culpar O Iluminado por fazer uso de praticamente todos os recursos de um filme de horror, e sim, se admirar como ele recria clichês jurássicos e acha novas maneiras, ainda na década de 80, para nos assustar com o inesperado, e o incontrolável. Atemporal por ser real, e por ser humano, o clássico com um Jack Nicholson 100% psicopata e uma Shelley Duvall afetadíssima, alimentada pela loucura que consome gradativamente o marido,não aposta em sustos fáceis ou cenas fortes para ser marcante, e é isso o que faz a plateia de 2019 pensar: então por que o filme deve ser considerado tão bom, se não me faz pular da poltrona?O verdadeiro horror que Kubrick transmite aqui chega a ser mais do que imaterial, ou seja, não tem a ver com assassinos zumbis como Jason, tampouco com entidades como o palhaço Pennywise, chegando até mesmo a ser um horror invisível, já que os tenebrosos fantasmas das gêmeas do corredor também não expõe o terror absoluto que existe por trás de sua imagem, e da sua morte, uma vez que a aparição das duas é tão dócil, quanto arrepiante.

    Esse horror meio hipotético, sugestivo e potencializado, aqui, só vai se tornar físico (visível) e gritante quando somos convidados a correr em pânico na claustrofobia de um labirinto escuro de gelo e sem saída, com sangue e lascas de madeira pelo ar, e quando um cadáver finalmente levanta da banheira com o corpo apodrecido para cima de nós. Muito antes disso, o que fica e constrói o valor do filme, de fato, é uma ultra elegante perturbação diabólica que o clássico consegue transmitir como poucos, superando a aparente racionalidade humana daquela família de pai, mãe e filho, este último sendo um médium iluminado que consegue ver a realidade do local, umbralina demais para vê-la e continuar são – um estado mental que, como todos sabemos, é muito frágil dependendo das condições do ambiente em que estamos inseridos.E francamente: Stephen King está certo em não gostar d’O Iluminado. Eu também não gostaria se a adaptação do meu livro fosse melhor que o meu jogo de palavras. Ah, as maravilhas do ego.

    https://www.youtube.com/watch?v=Gus5-rAR3k0

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  • Crítica | It – Capítulo Dois

    Crítica | It – Capítulo Dois

    Depois de muita expectativa, e de uma primeira  parte que fez um sucesso considerável, It – Capítulo 2 estreou com uma grande responsabilidade, de atender a expectativa não só de It-A Coisa, mas também da conta de adaptar um dos clássico literários de Stephen King, e Andy Muschietti retorna a direção para mostrar o elenco antes infantil lidando com seus medos, anseios, traumas e com memórias reprimidas, retornando a Derry, depois de magicamente terem perdido as lembranças sobre o combate a Pennywise.

    O começo do filme mostra o grupo dos Perdedores/Fracassados fazendo uma promessa, de que retornariam a cidade do Maine independente de como estariam suas vidas no momento que percebessem, para logo depois, pular para 27 anos depois, com os meninos já adultos, e vividos por atores famosos. Os momentos iniciais mostram um crime de homofobia, situando o espectador dos  horrores terríveis comuns, e mesmo com um mal ancestral e de origem desconhecida, ainda há muito de maléfico no comportamento popular do homem. Pennywise se alimenta da violência, e tem uma ligação forte com o crime de preconceito, e isso é uma ideia boa do roteiro de Gary Dauberman, um dos poucos acertos aliás.

    A partir do momento que se mostram os destinos dos personagens, a qualidade varia muito. Claro, os rumos não são tão mal pensados quanto os mostrados em It- Uma Obra Prima do Medo dos anos 1990, mas ainda assim há alguns momentos bem constrangedores. De positivo, há a apresentação de Bill Denbrough (James McAvoy), como autor de livros famosos, que tem seus textos adaptados por gente grande – há participação de Peter Bogdanovich até – alem de ter um comentário engraçadinho sobre seus finais não serem bons, em um comentário que faz paralelo com o de Stephen King e a opinião geral sobre suas primeiras obras. Outros momentos legais incluem a introdução de Richie (Bill Hader), em um ângulo estranhíssimo exibindo seu vômito antes de um show de comédia, e também do inseguro e alérgico Eddie (James Ransone), que claramente repete ciclos, e se casa com uma mulher idêntica a sua mãe, que alias, o roteiro faz questão de mostrar que isso não é à toa, soando nada sutil desta forma.

    Os problemas do filme começam exatamente no nome mais famoso de seu elenco, que vem a ser Jessica Chastain, a interprete mais velha de Beverly. Seu drama é o mais delicado e o que mais envolve clichês e artificialidades. O relacionamento abusivo e violento é muito mal traduzido, mostrado de forma sensacionalista,quase tão irritante quando os jumpscares baratos que lotam o filme.

    Outro evento péssimo é a gagueira forçada de Billy, que não soa em nada natural. A ideia de resgatar a mentalidade infantil e o trauma é boa, mas exala estranheza. A mistura dos elementos místicos, como as premonições de Bev, as descobertas meio loucas de Mike (Isaiah Mustafa) não funcionam bem, são mal ambientadas e mal explicadas, ficam jogadas no meio do filme. Toda a boa construção de naturalidade do primeiro filme vai se esvaindo aos poucos, e pioram demais com o uso excessivo de CGI, péssimo por sinal, com bonecos bem mal feitos e com textura terrível.

    O conceito de que destino e tragédia tem ambos um caráter inexorável é muito boa, mas se perde demais na quantidade absurda de flashbacks. O filme parece inchado e Muschitetti perde mão até com as poucos cenas que eram boas na adaptação antiga de Tommy Lee Wallace. Bill Hader é o responsável pelos poucos pontos realmente bons principalmente quando seu personagem lida com o de Ranson, exibindo um bromance com elementos até de homo afetividade. Mesmo Bill Skarsgård perde força, pois quando aparece, é assustador e quase tão carismático quanto Tim Curry, mas tem pouco tempo de tela, em detrimento das péssimas aparições digitais de sua forma e de outros monstros.

    Se fossem encurtadas as aparições espirituais e ilusões, o longa provavelmente teria um ritmo melhor , seria mais palatável e menos enfadonho, além do que toda a parte do núcleo de Henry Bowers (Teach Grant), tanto no hospício quanto em seu retorno a casa beira o risível. O desenvolvimento de It – Capítulo Dois é como um pesadelo dos mais extensos, uma tortura para personagens e para quem acompanha esse drama. O roteiro de Dauberman é excessivo em dar as vitimas uma chance de se redimir, além do que o gore é moderado demais para o que se esperava, além de soar artificial em cada uma de suas manifestações.

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  • Resenha | O Cemitério – Stephen King

    Resenha | O Cemitério – Stephen King

    Quando escreveu O Cemitério, em 1983, Stephen King já havia publicado alguns livros, entre eles clássicos como O Iluminado, Carrie e Christine. Sua versão sobre os zumbis teriam um pouco de influência de George A. Romero, mas também uma carga dramática, envolvendo falecimento de animais e bebês. A publicação se divide em três partes, além de um epílogo. A história é focada na família de Louis Creed, um sujeito que teve problemas sérios com seu pai e se muda para uma pequena cidade do Maine, com sua esposa, filhos e seu gato, Winston Churchill, para exercer a medicina em uma universidade.

    King tem uma narrativa que revela seus detalhes de forma gradual, nada é dado de maneira explícita ou didática, aos poucos Creed revela o que sente, principalmente ao se aproximar de seu vizinho mais velho, Judson Crawd, que o faz lembrar seu pai. Aos  poucos, os dois homens passam a beber e a confraternizar juntos. Os Creed acabam conhecendo um cemitério próximo de sua casa, e sua filha Ellie indaga sobre a morte, onde Louis opta em não discutir a questão. A partir desse momento, começa uma briga entre Louis e sua esposa Rachel, e é aqui que ela revela parte de seus traumas. Por mais que o foco do livro seja o terror, há uma forte carga dramática, revelando o receio do marido em prosseguir com algumas discussões.

    O protagonista tem problemas sérios pela frente, primeiro, a associação que faz de Judd com seu pai, refletindo nele a questão parental como algo forte na trama, além dos perigos da estrada existente em frente de sua casa, onde passam muitos caminhões em alta velocidade. Ao ver um atropelado chegar a universidade ele passa a ter medo da estrada, e passa a olhar o tal cemitério como um lugar diferente, por mais que sua incredulidade fale mais alto. Ele sonha com o rapaz, e teme que algo pior aconteça, e até por conta da forma como Rachel lida mal com a morte.

    O estranho aqui é que o trauma de sua amada ajuda Louis a piorar suas paranoias, de uma forma que sua neurose passa a ser corroborada tanto pelos momentos em que tem encontros “espirituais” com mortos da estrada, como quando tem de discutir com a esposa sobre a forma que lida com a morte. A forma como King trabalha o fluxo de pensamento e reflexão de Creed, tanto em discussões sobre a finitude da vida, quanto a questão de tragédias familiares. Perder um animal de estimação é terrível, e Louis sente falta de seu bicho, mesmo que não tenha o mesmo sentimento de sua filha, mas é errado supor que o ato que pratica é feito só para não falar sobre a morte com seus filhos, afinal, como garoto que nasceu órfão, seu sentimento parece ser mais o de manter sua família completa, já que ele nunca teve isso.

    King elucubra sobre o luto e a morte, e a terrível angústia que se sente após perder um ente querido, sobretudo um filho, pois a parte dois do livro começa em um funeral, sem sequer descrever como o infortúnio ocorreu a família. A partir daqui o terror deixa de ser psicológico e vira um mergulho em obsessão, vícios e auto-engano, transformando o protagonista em um ser insano e desesperado, ao ponto de refletir sobre a passagem bíblica envolvendo a ressurreição de Lázaro como uma alternativa para suas dores. Sua está tão confusa que ele delira sobre os fatos futuros, e quando sua consciência tenta impedi-lo, ele simplesmente ignora.

    Tudo que segue o rumo final tem um tom assustador, e o modo como o escritor mostra a ultrapassagem à barreira da loucura faz muito sentido. Seus atos estranhos e a violação do túmulo se tornam só um sinal da aproximação da máxima bíblica de que um abismo chama outro abismo. Todo o terror nesse trecho é rico em detalhes e violência, e a angústia do desfecho só é tão forte por conta de todo o desenvolvimento do suspense estabelecido antes pelo autor. O Cemitério termina mostrando como o homem é capaz de cavar sua própria sepultura, condenando a si e aos seus, tudo isso em um livro tenso, que pervertes expectativas e causa angústia e assombro em quem lê.

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  • Crítica | Cemitério Maldito (2019)

    Crítica | Cemitério Maldito (2019)

    Após 30 anos da primeira versão de Cemitério Maldito, os diretores do (excelente) Starry Eyes, Kevin Kölsch e Dennis Widmyer, trazem à luz uma volta a Ludlow, cidade cenário do romance de Stephen King, O Cemitério e já em seu início ele mostra uma versão bastante diferente de Mary Lambert. Em alguns momentos, o filme apresenta ótimas idéias e conceitos interessantes, mas que não são minimamente desenvolvidos.

    Essa versão de Cemitério Maldito tem uma fidelidade maior com o material original. O Louis Creed de Jason Clarke é incrédulo, e faz questão de mostrar a todos que é ateu, até a sua filha, Ellie, feita por Jeté Lawrence. Na relação de pai e filha mora a face mais emocional do filme, mas mesmo essa faceta é mal desenvolvida ao longo da trama. Desde o começo do filme se percebe uma aura sombria, não há sutileza, toda sorte de pessoas e situações parecem excessivamente dark e carregadas de malignidade, destoando completamente da obra original.

    Ao menos do ponto de vista do gore, Widmyer e Kolsch acertam. O filme não tem receio em ser asqueroso ao expor sangue, mesmo contando com um elenco infantil. No entanto, até essa qualidade visual é discutível por conta do excesso de cenas escuras. O elenco também não funciona muito bem, John Litgow faz um vizinho de origem estranha, cuja motivação não se explica e não se dá nenhuma importância, nem por seus sentimentos ou passado. As sensações e o carinho que ele diz ter pelas crianças dos Creed não faz sentido, pois ele sequer parece gostar de crianças. As obviedades do roteiro de Matte Greenberg e Jeff  Buhler irritam e tiram a atenção do espectador. Os efeitos ligados a Church, o gato-zumbi, são terríveis, assim como seu comportamento passivo-agressivo.

    O  desenrolar do final assusta com a falta de sentido, independente da troca da criança que será perdida (apesar de também haver um peso diferente entre perder uma criança e um bebê, mas tudo bem), e sim por conta do que se desenha, já que não faz sentido nem por conta do trauma que Louis sofre e nem com o desenrolar dos acontecimentos. Cemitério Maldito é surpreendente por ser tão mal pensado e executado.

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  • Crítica | Cemitério Maldito (1989)

    Crítica | Cemitério Maldito (1989)

    A versão de Pet Sematary que Mary Lambert conduz, chamada no Brasil de Cemitério Maldito, se inicia mostrando o pequeno cemitério de animais, para logo depois cortar para uma cena com um caminhão em alta velocidade em uma pequena estrada. Uma premonição do que viria, e um resumo de onde se originaria o horror desse filme. O longa foca na família Creed, comandada pelo pai, Louis feito pelo péssimo Dale Midkiff.

    Da família, a única mais centrada é Rachel (Denise Crosby) – incrivelmente é a mais perturbada no livro de King. O Louis de Midkiff é insensível e anestesiado, enquanto Ellie (Blaze Berdell) é a criança chata e insuportável, e o pequeno Gage (Miko Hughes) é o garotinho bonitinho e travesso. Mesmo o pequeno gato preto, Church, é estranho e arisco. A  pessoa mais real do longa é Judd, o vizinho feito por Fred Gwynne, conhecido por seu papel como Herman Munster em Família Monstro. O senhor Judd é o resumo do chamado à aventura, já ele que convida Ellie a ir no cemitério, e também enfrenta Rachel sobre a necessidade de conversar com as crianças sobre a morte.

    A natureza do trabalho de Louis deveria ser mais voltado à pesquisa, afinal ele é médico em uma universidade, mas quando chega Viktor Pascow (Brad Greenquist), atropelado na estrada próxima à casa dos Creeds, ele não pode negar socorro. Essa primeira aparição de Pascow é muito boa, aterradora e fantástica, mas as outras são terríveis, além disso, o convencimento de Jud a Louis é estranho, pois ele nada explica, só sugere ao pai para que ludibrie sua filha. A dúvida que fica nesta versão é se Louis também é ateu, assim como no livro no livro, e como não há citações, acredita-se que isso não importa.

    Lambert faz um trabalho técnico muito bom, os cenários são muito bem feitos, sobretudo o cemitério indígena, assim como o trabalho de maquiagem e figurino. O aspecto visual do gato Church após voltar do mundo dos mortos também é legal, e mal se nota que foram usados sete animais para desempenhar esse papel, aliás, a única cena em que Midkiff está bem é exatamente quando o animal reaparece, nervoso mais que o normal, com olhos amarelados.

    Para um filme de baixo orçamento, Cemitério Maldito é muito bem feito, e fora um ou outro erro crasso, Stephen King tem um bom desempenho como roteirista de sua própria obra. O modo como um suicídio desencadeia a fala de Rachel sobre os traumas de seu passado é inteligente, e o encurtamento que o escritor faz ao reunir dois personagens em um é uma boa escolha narrativa, além do que as cenas com Zelda compõe um dos momentos mais assustadores do filme, em especial pelo desempenho de Andrew Hubatsek com a maquiagem fortíssima que usa. A descrição que Crosby faz desse tempo é ainda mais poderosa do que no original, e isso é muito, pois Cemitério é um dos melhores livros de King.

    Na cena do acidente, Lambert acerta no que não mostra, deixando apenas o caminhão tombado, o sapatinho com sangue, fugindo do explícito. A mudança narrativa é positiva (não era assim no original) e o desempenho de Gwynne é bom demais para ser ignorado. O filme é violento quando se trata do passado, e as maquiagens e efeitos práticos funcionam muitíssimo bem, salvo as aparições de Pascow, que não funcionam sob nenhum aspecto.

    Próximo de seu desfecho, a qualidade visual cai um pouco, nota-se que tudo que envolve Gage é artificial, tosca e mal montado, e até o stop motion soa datado, mas ainda assim há um certo charme. Cemitério Maldito peca menos que acerta, e em sua época, fez uma certa história por se tratar de um filme com pouco orçamento e que conseguia adaptar a aura de horror que King transcrevia em seus livros.

    https://www.youtube.com/watch?v=TbC1bDLd7HI

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  • Resenha | Carrie: A Estranha – Stephen King

    Resenha | Carrie: A Estranha – Stephen King

    “As pessoas não melhoram, elas só ficam mais espertas. Ninguém para de tirar as asas das moscas, a gente só arruma motivos melhores pra fazer isso”

    Primeiro que este não deveria ser confundido com um livro de suspense, sendo, desde 1974, e com certo nível de assertividade, a obra mais agressivamente horripilante de Stephen King. Junto de O Iluminado, publicado apenas três anos depois, ambos são compêndios reais de cenas sufocantes, promovendo em suas narrativas um aprofundamento notável nos estudos dos efeitos do medo sobre o leitor de romances de puro mistério, e horror, afinal – o suspense nesses casos ficou lá para trás. H. P. Lovecraft ficaria orgulhoso com o início de King, o ‘rei’ como o mesmo se proclamou, na forma de literatura que o velho mestre, criador do Cthulhu, dominou e revolucionou como ninguém.

    Ao seguirmos os passos da atormentada Carrie tentando lidar com suas habilidades sobrenaturais, em plena adolescência, King já comprova ter habilidades próprias o suficiente para alcançar, pelo menos, os pés do seu grande ídolo. Aqui, a fantasia é dividida em três partes ao invés dos capítulos de sempre, e dribla a realidade dos fatos para se tornar assustadoramente factual, na vida de personagens cada vez mais desorientados pelo inexplicável que lhes consome. Logo no início da edição em português publicada pela editora Objetiva, e com a tradução fiel de Adalgisa Campos da Silva ao original, King já revela suas influências para o seu pontapé no mundo das letras, nada felizes ou dignas de aplausos: Carrie – A Estranha foi inspirada pelos fantasmas de duas adolescentes que o escritor conheceu na escola, rejeitadas pelos colegas, e mortas muito antes de completarem os seus trintas anos.

    Nisso, sentindo um gosto amargo na boca (e o medo de escrever que fez a esposa de King precisar incentivá-lo a continuar), a rejeição poderia ser o tema principal disso, algo cômodo e relativamente fácil de se lidar. A medida que Carrie White precisa enfrentar garotos cruéis, um mundo que a vê como uma alienígena entre os comuns intolerantes, garotas e professoras que a enojam, sua própria mãe fanática e uma energia telecinética que verte da sua consciência, tal qual as lágrimas constantes de sua fronte, a jornada da jovem de dezesseis anos que afinal só quer ser respeitada, se possível passar despercebida e, claro, se divertir no seu baile de formatura, inspira Stephen King a não se limitar por um tema único, ou a mergulhar no dramalhão apelativo que poderia surgir de uma situação dessas.

    Assim, ele pincela vários elementos do seu imaginário particular que iria vir a desenvolver com maestria ao longo do tempo, como o choque entre a ciência e a religião, com um cuidado e um zelo de principiante à sua criação que ele mesmo não botava muita fé, enquanto tentava com força botar medo na gente. É notório o quanto ele se esforçou, nessa sua primeira incursão ao terror, gênero que iria dominar a ponto de ser condecorado sob o título de mestre, para nos assustar página a página – e consegue, várias vezes, em passagens nada menos que assombrosas. Para isso, o ritmo é o mais urgente já adotado na carreira do autor: letras em maiúscula, parênteses e palavras de grande impacto dão o tom nos momentos mais tensos da história, como no final do livro – um dos melhores de King, alvo de muitas críticas por como terminam as suas obras, geralmente apáticas em seus desfechos.

    Longe ainda de uma prosa sóbria e elegante como viria a apresentar, ou já costurada em torno da sugestão de elementos que tornam viável a onipresença do medo, King aqui é direto para entrar na mente da sua protagonista, construindo uma atmosfera de pura angustia, pressão, e assim, dar à Carrie os seus pares: O oculto, a insanidade, a repreensão, levando tudo e todos a um clímax de total êxtase, e paganismo. Fato é que a menina é uma verdadeira receptora, e vórtice, da perturbação que o seu ambiente também a expõe, que chega e que sai dela, muitas vezes com uma intensidade deliciosa de se ler. Despreparada para o mundo, assim como todos que a rodeiam são para ela, ela é uma grande médium de poderes mal desenvolvidos, humilhada (em todos os sentidos), vivendo sob a sensação de ser sacrificada para servir de chacota alheia.

    Fazer o que Carrie faz (não só com os colegas de escola) sempre foi o desejo íntimo das vítimas de bullying, tudo explícito no livro para nos lembrar o quanto o criador de O NevoeiroSaco de Ossos e Cemitério Maldito sabe ser impiedoso com as vidas que tem nas mãos – literalmente. Ao ilustrar com perfeição, enquanto metáfora, o medo de um escritor ao dar à luz o que será julgado pelos leitores, Carrie pode ser encarada fácil e justamente como a melhor personagem de Stephen King. Não somente por ser a sua mais clássica alegoria, e sim por simbolizar toda a sua carreira, a realidade que pessoalmente o assombra ao ponto de precisar externalizá-la ao mundo em forma de histórias, e em especial, por ser ‘a estranha’ a força vital de um dos melhores e mais divertidos contos de horror da literatura contemporânea. Um marco.

    Compre: Carrie: A Estranha – Stephen King.

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  • Resenha | Saco de Ossos – Stephen King

    Resenha | Saco de Ossos – Stephen King

    Stephen King é o tipo de escritor que cria histórias completas, de cabo a rabo. O gosto ao terminar um dos seus romances, pelo menos a maioria deles, é exatamente esse: algo deveras poderoso, amplo, e de que terminamos de acompanhar um longo conto onde tudo é extremamente bem amarrado, e todas as possibilidades foram jogadas na mesa de forma divertida, e desenvolvidas com a inteligência de quem escreve dramaticamente sobre o suspense, e o medo, com regularidades típicas. Algo bem perceptível nas diversas obras de King, hoje cultuado feito o mestre americano que merece, por fim, ser chamado.

    Já eu costumo afirmar sem titubeio algum que O Caso de Charles Dexter, do deus H.P. Lovecraft, é o livro mais perturbador que pode habitar uma biblioteca, traduzindo em poucas páginas iniciais uma perturbação psicológica muito maior que obras-primas do Cinema como O Lamento, de 2016, tentam com afinco transmitir, e nem elas atingem o nível doentio que Lovecraft alcançou com seu texto soberbo, magistral como poucos. Ao que parece, a rápida leitura de Saco de Ossos, publicado pela Suma de Letras, chega perto desse desconforto e dessa tensão literária, e isso meu leitor, por si só, já lhe bastaria de sobra como um enorme elogio em prol de qualquer modernidade do mundo das letras.

    A grosso modo, ou nem tanto assim, temos aqui um plot recorrente na obra de vários autores do gênero: um homem perde a mulher e não saber o que fazer da vida que lhe resta, com um cadáver ocupando sua mente numa rotina invariavelmente nostálgica. A dor que o escritor Mike Noonan ganha não tem parâmetros tangíveis, e esse é o elemento que rege boa parte do início das 380 páginas de um romance acerca do lugar que o passado aluga nas nossas vidas, por vezes até de forma definitiva. Destaque supremo aqui para como a história se divide bem entre o ontem, e as possibilidades do amanhã, num drama realista que respira no terreno do surreal, e exemplarmente equilibrado dentre suas potências, e ousadias.

    Transtornado, fato é que Noonam começa ao longo dos anos a adentrar num grave bloqueio criativo para o desespero severo do seu agente literário, chegando ao ponto de recusar uma oferta milionária pois não conseguia achar motivação para a criação de mundos que tanto estruturou em seu Word 6.0 – como o livro gosta de destacar. Nisso, King parece oferecer com detalhes como é a sensação disso para alguém que carece de imaginação como um professor precisa de alunos, tendo no sobrenatural que brota pouco a pouco dos pesadelos de Mike a chave para um imaginar bastante perturbador, e que cruelmente se torna real. Estava na hora de procurar novos ares, uma nova casa.

    Mas para Mike, o novo estava guardado e esperando por ele num porão de memórias semimortas. King nunca teve piedade dos seus personagens, pelo contrário, vide a pobre Carrie e a família Creed, de O Cemitério Maldito, contudo aqui há indícios de uma certa redenção por parte do masoquismo expresso pelo autor. O tormento aqui é oriundo de um pretérito tão desgraçado quanto o horror que habitava as covas de outrora – no caso, as águas que fazem margem à casa onde Mike retorna para morar, tentando reviver um ontem que, junto de novos problemas e paixões, o assombra, mas da forma mais diabólica e inglória possível até para o pensar de um homem que, como Oscar Wilde deve ter dito sobre os escritores, ensinou sua mente a se comportar muito mal.

    O cenário do livro então se transporta para o de uma propriedade cujo lago é tão imundo quanto nosso saudoso rio Tietê, ainda que mais chocante por sua história, reputação e o que se esconde debaixo de sua tona. Cada um dos personagens é legítimo alimento para um suspense que cresce em terror até explodir num clímax elegante, e nada exagerado; imperial em seus sentidos mais eloquentes, enfim. A qualidade de Saco de Ossos, que começa fazendo referência a condição catatônica de Mike após o óbito de sua amada esposa, e que termina sendo literalmente uma metáfora sobre o sinistro lago Dark Score, é justamente o ritmo de sua narrativa, costurada em torno de seus eventos como poucas e com grande graça, e paciência. Isso porque Stephen King, que sempre reveste seus demônios com lágrimas e outros recursos, nunca tem pressa para nos surpreender, e aqui não poderia ser diferente de forma alguma.

    Sem perder o ritmo constante pelo qual ganhou merecida notoriedade entre os tantos autores do gênero na modernidade dos títulos que são publicados todos os anos, suas palavras vão serpenteando episódio por episódio, dado por dado, tensão atrás de tensão rumo as verdades que Mike nem nós podemos suportar sem sentir o impacto que o destino traz a uma mente e um coração já desconstruído pelo temor noturno e soturno que um imprevisível amanhã pode trazer a quem só tem a perder sua vida, e ainda vê algum valor nesse difícil viver das dificuldades humanas, mas isso é pleonasmo… Saco de Ossos é definitivamente uma leitura acima da média, sob a alcunha de ser um exemplar honroso da nobre herança dos escritores de terror e suspense do passado.

    Compre: Saco de Ossos – Stephen King.

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  • Filmes Com Temática de Caminhoneiros

    Filmes Com Temática de Caminhoneiros

    Levantando em conta o assunto que tem tomado boa parte das preocupações dos brasileiros, com a dificuldade de abastecimento de elementos básicos em virtude da greve dos caminhoneiros, separamos uma inusitada lista de filmes com essa temática, tanto sobre motoristas que comandam máquinas enormes, bem como filmes sobre essas máquinas mesmo. Brincadeiras à parte, a greve é justa e digna de respeito por cada um de nós!

    Agarra-me Se Puderes (Hal Needham, 1977) – Filipe Pereira

    Filme indispensável para quem curte a Trucksxploitation, mostra a história de Bandit, vivido por Burt Reynolds, um sujeito turrão, engraçado e destemido. A personagem, basicamente, aceita o desafio de um sujeito que é seu desafeto e se mete em uma confusão que envolve-o  até uma carga de mercadoria ilegal. O filme é só uma desculpa para colocar o carismático e canastrão Reynolds em ação. O par romântico do anti herói é Sally Field, de quem era noivo na época, e é co-estrelado por um carro esportivo, Pontiac Trans Am. O longa fez tanto sucesso, que deu origem a uma trilogia engraçadíssima, que obviamente vai perdendo forças com o passar de suas continuações.

    Comboio (Sam Peckinpah, 1978) – Bernardo Mazzei

    Estrelado por Kris Kristofferson, Ally MacGraw e Ernest Borgnine, e dirigido por Sam Peckinpah (do clássico Meu Ódio Será Sua Herança), Comboio narra a história de Rubber Duck (Kristofferson), um honesto caminhoneiro que resolve se rebelar contra a corrupção policial comandada pelo xerife Lyle (Borgnine), um antigo desafeto. Após ser roubado, agredido e humilhado pelo corrupto agente da lei, Duck convoca um enorme protesto da classe. Com sua namorada na boléia, Duck lidera os caminhoneiros em uma grande jornada das estradas do Arizona rumo ao México. Ainda que longe das grandes obras do diretor Peckinpah, Comboio é um corajoso filme que se propõe a discutir questões sociais que permanecem pertinentes até hoje, tais como a luta de classes, preconceito racial e de gênero. Entretanto, o grande mérito aqui são as boas cenas de ação e perseguição orquestrada pelo diretor e a boa atuação do elenco principal.

    Aventureiros do Bairro Proibido (John Carpenter, 1986) – por Filipe Pereira

    Clássico máximo da Sessão da Tarde, e um dos bons filmes leves de John Carpenter, Aventureiros do Bairro Proibido parte de um protagonista que emula características de brucutu, vivido por Kurt Russell. Jack Burton é um caminhoneiro de carga pesada, que tem sua namorada raptada por um motivo esdrúxulo, Para salvá-la, deve enfrentar uma turminha do barulho, em Little China, para deixar a mocinha a salvo. O filme é engraçadíssimo e mostra como a cultura pop trata as figuras que comandam os grandes veículos de transporte. Mistura elementos de faroeste com um pouco da temática dos filmes de artes marciais de Hong Kong, além de também ter personagens bastante carismáticos.

    Comboio do Medo (William Friedkin, 1986) – por Bernardo Mazzei

    Dirigido por William Friedkin e protagonizado por Roy Scheider, O Comboio do Medo é um filme que teve dois azares: o primeiro foi ter estreado quase que simultaneamente ao primeiro Star Wars. O segundo foi não ter sido compreendido na época de seu lançamento. Na trama, quatro homens expatriados que vivem nos confins da América do Sul são contratados por uma empresa petrolífera americana para transportar uma carga de nitroglicerina. Caso cheguem vivos ao destino, terão sua situação regularizada  e receberão 10 mil dólares. Película um tanto quanto experimental, o longa possui altas cargas de suspense. O roteiro também é bem interessante, pois fornece background para todos os protagonistas, o que facilita a empatia do espectador. Ainda que episódica, a narrativa é bem fluída e prende o espectador na cadeira, principalmente quando o filme vai chegando ao seu final. Uma ótima obra do diretor de O Exorcista que merece ser assistida com bons olhos.

    Falcão: O Campeão dos Campeões (Menahem Golan, 1987)  – por Filipe Pereira

    Sylvester Stallone gozava de uma popularidade monstruosa em meio aos anos 80. O sucesso de Rambo e Rocky  permitiu que pudesse viver outros papéis icônicos, como esse do caminhoneiro com problemas familiares. Lincoln Hawk e seu filho protagonizam um Road movie, descobrindo uma afinidade meio perdida graças a ausência do pai. O filme de Menahem Golan consegue ser bem especial, no sentido de mostrar um problema grave em quem trabalha na estrada, que é o fato de nem sempre poder estar em casa, um drama é presente na vida dos homens que passam seus dias atrás do volante gigante e das máquinas que cortam as estradas do Brasil e do mundo. Tudo isso evidentemente envolto em uma historia heroica, cheia de clichês, mas que compensa tudo isso com o charme e carisma do personagem de Sly, que sempre que vira seu boné parece ganhar mais força, com mais uma demonstração de um placebo legal de Hollywood.

    Comboio do Terror (Stephen King, 1986)  – por Bernardo Mazzei

    Escrito e dirigido pelo mestre Stephen King, Comboio do Terror é trash. Muito trash mesmo. Muito se discute sobre as adaptações das obras do autor, mas ele é responsável por aquela que talvez seja a pior adaptação de uma obra escrita por ele mesmo. Porém, isso tem uma justificativa: o próprio King admitiu que estava drogado durante todo o tempo em que a produção foi filmada. O ponto de partida do filme ocorre quando um cometa passa pelo nosso planeta fazendo com que as máquinas ganhem vida e se voltem contra os humanos. É nesse momento, que o nosso herói Emilio Estevez cria um grupo de resistência quando estes são cercados por caminhões assassinos em um restaurante de beira de estrada. O filme é uma bagunça narrativa. Não há a menor coesão no que se vê na tela e tudo é feito de uma forma tão escrachada, que os risos acabam saindo involuntariamente. Os pontos altos são a presença dos caminhões assassinos, especialmente o “Duende Verde”, e a atuação de Estevez. Entre caras, bocas e poses de herói galã, o ator aqui entrega algo muito mais engraçado do que o visto em Máquina Quase Mortífera. Parece que ele desencanou e resolveu embarcar na galhofa. Ah! A trilha sonora é inteiramente da banda AC/DC, pelo único motivo de ser a banda preferida de King.

    Encurralado (Steven Spielberg, 1971)  – por Filipe Pereira

    Dirigido por Steven Spielberg, o personagem que se destaca no thriller é um caminhão. Por mais que a premissa pareça engraçada em um resumo, trata-se de uma obra série e muito bem produzida, apesar das condições paupérrimas. Encurralado é na verdade um telefilme, foi rodado em poucos dias e, apesar da qualidade, possui alguns momentos de humor involuntário. O Peterbilt clássico que persegue o personagem de David Mann (Dennis Weaver) é simplesmente gigantesco, parece um kraken deslizando sobre o asfalto e a motivação por trás desse terror parece ser nenhuma além de causar terror, nesse ponto, parecido com o clássico Tubarão do mesmo diretor que ensaia neste filme a mesma câmera subjetiva do filme do monstro.

    Bônus Track

    Carga Pesada (1ª Fase: Daniel Filho, Ferreira Gullar, Gianfrancesco Guarnieri e Walter G. Durst, 1979-1981 |2ª fase: Ecila Pedroso, Mara Carvalho, Walther Negrão e Walcyr Carrasco, 2003-2007) – por Filipe Pereira

    Para não dizer que não falamos de produções brasileiras, há o seriado protagonizado por Antonio Fagundes e Stênio Garcia, que viviem Pedro e Bino, dois caminhoneiros que cruzam o Brasil e vivem aventuras que variavam entre denúncias sociais e um culto ao folclore brasileiro. A primeira versão foi criada por Daniel Filho, Ferreira Gullar, Gianfrancesco Guarnieri e Walter G. Durst, tinha duração de mais ou menos quarenta minutos por episódio e ficou no ar entre 1979 e 1981, já a versão mais recente tinha histórias de Ecila Pedroso, Mara Carvalho, Walther Negrão Walcyr Carrasco, e foi ao ar entre 2003 e 2007. Infelizmente na segunda versão, conhecida pelos jovens como Carga Pesada Shíppuden, o programa passava num horário muito tarde, fato que dificultava sua visualização, mas ainda assim era uma série muito marcante e divertida em alguns pontos, especialmente quanto a dupla passava por apuros, ou pelas ciladas que aconteciam com os dois inseparáveis Pedro e Bino. Hoje se mantém no imaginário popular, principalmente por conta de piadas virtuais, demonstrando a força e o carinho do público pela série.

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  • Resenha | Creepshow

    Resenha | Creepshow

    Creepshow foi um projeto que homenageou os quadrinhos de terror dos anos 1950, especialmente aqueles publicados pela EC Comics, como Contos da Cripta. O resultado foi o lançamento simultâneo de um filme (leia nossa crítica aqui) e um quadrinho, ambos com o mesmo nome e as mesmas cinco histórias. Apesar das semelhanças, cada obra merece atenção, pois carregam algumas particularidades.

    Vamos falar da história em quadrinhos, publicada recentemente no Brasil pela DarkSide Books.

    A obra traz cinco histórias curtas escritas pelo mestre Stephen King, que envolve temáticas variadas, mas sempre focada no terror. E tendo em vista que a intenção era homenagear os quadrinhos de terror de época, nada melhor que trazer artistas envolvidos com o gênero. A capa ficou a cargo de Jack Kamen — já conhecido por seu trabalho como desenhista de histórias de suspense, terror e ficção científica da EC Comics —, que faz referência ao filme, pois mostra o garoto com a revista em mãos. Já as histórias ficaram sob a responsabilidade de Bernie Wrightson, com uma carreira extensa e renomada nos quadrinhos, tendo trabalhado nas principais editoras americanas, inclusive cocriando o personagem Monstro do Pântano, ao lado de Len Wein, na DC Comics. Wrightson faz um traço realista e detalhado, que remete ao estilo dos quadrinhos de época da EC. As cenas são bem construídas, e algumas delas ficarão na sua memória por muito tempo. Uma pena que ambos os artistas já se foram.

    Dia dos Pais, inicia o álbum e mostra uma senhora de idade que visita o túmulo de seu genitor todos os anos na referida data. O túmulo está na propriedade da família, e esta aproveita a ocasião para se reunir. Os fatos envolvendo a morte do pai são repugnantes e o desfecho é maravilhosamente trash.

    A Solitária Morte de Jordy Verrill nos apresenta um caipira que vive imaginando as situações antes que elas aconteçam. É a típica pessoa que imagina todas as possibilidades antes de tomar uma atitude, e fica sonhando acordado. Certo dia, um pequeno meteorito cai em sua propriedade, localizada na zona rural. Mas a falta de cuidado de Jordy com o material alienígena trará consequências inesperadas.

    A Caixa gira em torno de uma… caixa. Na verdade, uma grande caixa de madeira encontrada pelo zelador da universidade. Nela está escrito Expedição ao Ártico (seria uma referência indireta ao conto Nas Montanhas da Loucura, de H.P. Lovecraft?), e seu conteúdo permanece um mistério até que o professor Dexter Stanley é chamado para averiguar o objeto. O que tem dentro dela?

    Indo com a Maré já se inicia com alguém enterrado numa praia, apenas com a cabeça exposta. Ele implora que o tirem dali. O responsável está diante dele, e não demonstra compaixão alguma. Por que ele está enterrado? Este, provavelmente, é o conto mais George Romero da obra.

    E por fim, Vingança Barata revela um sujeito que tem sérios problemas com uma infestação de baratas. Se por um lado é a história menos interessante, por outro traz aspectos visuais bacanas que reforçam o traço fantástico de Wrightson, onde a enorme quantidade de baratas causa sentimentos de repulsa.

    Interessante notar que o som tem um papel importante em vários seguimentos, onde as onomatopeias fluem pela arte sequencial, causando um efeito narrativo bem legal, uma espécie de agonia, com o som repetindo de novo e de novo enquanto as coisas acontecem. Quando o som é bem usado em uma mídia sem som, nota-se a qualidade dos artistas envolvidos.

    Vale dizer que a obra se aproxima mais do “terrir” do que do terror, como acontecia com diversas publicações do gênero. O próprio narrador, exclusivo da versão em quadrinhos, deixa bem claro que a obra não se leva a sério ao se dirigir ao leitor, em uma quebra da quarta parede e utilizar uma linguagem sarcástica e bem humorada ao comentar os acontecimentos de cada uma das cinco histórias. Os diálogos dos personagens também optam pela linguagem coloquial, cheio de gírias e palavras propositalmente erradas para caracterizar alguns personagens (por exemplo, o zelador chamar o professor de “dotor”). Tudo isso gera uma atmosfera mais descontraída à obra.

    Em suma, um quadrinho que não vai te aterrorizar, mas sim divertir. Algumas cenas são perturbadoras, sim, e ficarão cravadas na memória, mas nada que irá te traumatizar. Tudo isso, aliada à excelente qualidade do material (capa dura com verniz localizado, tamanho grande, boa impressão e papel grosso) fazem de Creepshow um belo lançamento da DarkSide. Recomendado aos fãs de histórias pulp de terror e o cinema trash e, claro, a todos que gostaram da versão cinematográfica dirigida pelo mestre George Romero ou são fãs de Stephen King e Bernie Wrightson.

    Compre: Creepshow.

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  • Crítica | Creepshow

    Crítica | Creepshow

    Creepshow foi o projeto que lançou simultaneamente um filme e uma história em quadrinhos. A obra cinematográfica foi dirigida por George Romero e roteirizada por outro grande mestre, Stephen King, além de ter como um dos produtores Richard Rubinstein. Interessante notar que este é um dos pouquíssimos casos em que Romero dirige sem roteirizar. Mesmo assim, a dupla Romero-King funcionou muitíssimo bem.

    O filme começa mostrando um pai repreendendo o filho (Joe King, filho de Stephen) que está lendo uma revista em quadrinhos de conteúdo duvidoso.  Essa revista é, adivinhem, Creepshow, que mostra cinco histórias de terror com muita violência e bizarrice. O pai joga a revista no lixo, e a partir daí, o filme começa a mostrar as cinco histórias. Vários clássicos do terror seguiram esse formato de contar várias histórias num único filme, como por exemplo Black Sabbath, do saudoso mestre italiano Mario Bava. E não é pra menos, Creepshow referencia, principalmente, os quadrinhos de terror dos anos 1950, em especial aqueles publicados pela EC Comics. Tanto que a revista em quadrinhos foi desenhada por um artista da editora. A decisão de publicar o quadrinho mostrado no filme foi uma sacada genial, e vale muito a pena conferir as duas obras, pois cada uma tem seu charme macabro e algumas diferenças.

    Conforme já dito anteriormente, o filme conta as cinco histórias do quadrinho, Creepshow. Cada segmento é desenvolvido separadamente, não havendo qualquer ligação entre eles. Podemos considerar cada história um episódio de uma série. Para o formato quadrinhos, essa estrutura funcionou um pouco melhor, pois cinco histórias em um único filme, por mais que sejam bons, perde-se o dinamismo da obra e torna-se cansativo ao final. Se este for o seu caso, basta assistir um ou dois segmentos por dia, e tudo se resolve.

    A primeira história, Father’s Day (“Dia dos Pais”), mostra uma senhora (Viveca Lindfors) que, na referida data, visita o túmulo do pai às quatro horas da tarde, todos os anos, desde a morte do genitor. Ao longo da narrativa, descobrimos a causa da morte do pai e, ao final, somos brindados com momentos de terror clássico. Destaque para os efeitos práticos e para a maquiagem sempre fantástica de Tom Savini.

    O segmento The Lonesome Death of Jordy Verrill (“A Solitária Morte de Jordy Verrill”) tem uma abordagem mais cômica que resulta em uma desgraça ao personagem. Tudo começa quando um pequeno meteorito cai na propriedade de Jordy. Ele não toma os cuidados necessários ao manipular o material alienígena e acaba assinando seu atestado de óbito. Destaque para a atuação horrenda, porém divertida, de King, que consegue dar um ar de boboca e inocente a Jordy.

    A seguir, Something to Tide You Over (“Indo com a Maré” na tradução dos quadrinhos), já possui algo interessante no título original, que pode ser traduzido de inúmeras formas. É um jogo de palavras divertidamente mórbido, onde “tide” pode significar “maré”, mas a expressão “tide you over” seria algo como “sobreviver mais um pouco”, “passar por uma dificuldade”, ou ao pé da letra, “ser encoberto pela maré”,o que faz muito sentido no contexto do segmento. O grande destaque aqui é Leslie Nielsen, que vive um marido traído buscando uma forma extremamente sórdida de vingança: enterrar a esposa e seu amante na areia da praia, apenas com a cabeça exposta, e esperar a maré dar conta dos dois. Mas tratando-se de Romero e King, sabemos que a história não irá terminar por aí.

    The Crate (“A Caixa”) traz o seguimento mais longo e com maior desenvolvimento de personagens. O zelador da universidade (Don Keefer) descobre, por acaso, uma caixa guardada embaixo de uma escada protegida com uma grade. Ele chama o professor Dexter Stanley (Fritz Weaver) para ajudá-lo a tirar a grade de proteção e tomar posse daquela caixa. Nela, está escrito “Expedição ao Ártico” com data do século XIX. O que uma caixa está fazendo guardada ali por mais de um século? Aqui teremos belas cenas de gore utilizando uma iluminação bem exagerada para causar o clima de horror, o que foi reproduzido na história em quadrinhos. Efeitos práticos e muito sangue ilustram este segmento e vai agradar todos os amantes do terror clássico e do trash.

    O quinto segmento, They’re Creeping Up On You (algo como “Estão rastejando em Você”, ou ainda “Elas vão te Aterrorizar”), é o único levemente chato, pois a história e personagens, apesar de trazer ideias interessantes, mostrando o pior lado do ser humano, não tem um ritmo muito bom. Entretanto, o protagonista do segmento, vivido pelo saudoso E.G. Marshall, é detestável e consegue de forma efetiva causar repúdio ao espectador. Além do que, teremos as cenas mais memoráveis de todo o filme: baratas. Sim, milhares de insetos repugnantes dão vida aos momentos de grande aflição do personagem. São milhares de baratas reais, efeitos práticos sensacionais, sons asquerosos e a cena final, com certeza, é uma das coisas mais fantásticas já feitas no cinema de horror.

    Entre os segmentos há animações bem legais, o que aproxima o filme da obra em quadrinhos. Além disso, várias cenas possuem elementos de histórias em quadrinhos, seja desenhos ou até os quadrinhos em si. Ao término dos segmentos, voltamos à “realidade” para mostrar novamente a família do jovem garoto. Teremos uma brincadeira com as propagandas contidas no quadrinho e um desfecho sinistro e trash devido a uma atitude peculiar do jovem garoto. Por mais que cinco histórias possam cansar um pouco, o resultado final é uma belíssima homenagem não só a EC Comics, mas também aos quadrinhos e cinema clássico de terror.

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  • VortCast 54 | Piores Filmes de 2017

    VortCast 54 | Piores Filmes de 2017

    Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira), Filipe Pereira (@filipepereiral), Bernardo Mazzei, Bruno GasparCaio Amorim Rafael Moreira (@_rmc) se reúnem para comentar sobre a lista publicada no site sobre os piores filmes lançados em 2017 no Brasil.

    Duração: 110 min.
    Edição: Caio Amorim
    Trilha Sonora: Flávio Vieira
    Arte do Banner: 
    Bruno Gaspar

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    Brisa de Cultura

    Piores Filmes de 2017

    Lista Completa dos Piores Filmes de 2017
    Crítica Rei Arthur: A Lenda da Espada
    Crítica Boneco de Neve
    Crítica Internet: O Filme
    Crítica Death Note
    Crítica Transformers: O Último Cavaleiro
    Crítica A Torre Negra
    Crítica Emoji: O Filme
    Crítica Alien: Covenant
    Crítica Assassin’s Creed
    Crítica A Múmia

    Menções Honrosas

    Crítica Liga da Justiça
    Crítica Mulher-Maravilha
    Crítica Bright
    Crítica Homem-Aranha: De Volta ao Lar
    Crítica A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell
    Crítica O Jardim das Aflições
    Crítica Policia Federal: A Lei é Para Todos
    Crítica O Círculo

    Comentados na Edição

    VortCast 49 | Liga da Justiça
    VortCast 48 | O Que Estamos Lendo?
    VortCast 47 | Homem-Aranha e o Cinema
    VortCast 46 | Melhores Filmes de 2016
    VortCast 44 | Piores Filmes de 2016
    VortCast 30 | Steve McQueen, Diretor
    VortCast 19 | Ghost In The Shell
    Estrelas não garantem mais a venda de ingressos de filmes de Hollywood

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  • VortCast 48 | O Que Estamos Lendo?

    VortCast 48 | O Que Estamos Lendo?

    Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira), Jackson Good (@jacksgood), Thiago Augusto Corrêa (@tdmundomente) e Rafael Moreira (@_rmc) se reúnem para mais uma série de indicações literárias que vão desde literatura fantástica a romances policiais, ficção científica a reportagens jornalísticas.

    Duração: 126 min.
    Edição: Thiago Augusto Corrêa e Flávio Vieira
    Trilha Sonora: Flávio Vieira
    Arte do Banner: 
    Bruno Gaspar

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    Indicações Literárias

    O Último Desejo – The Witcher: Volume 1 – Andrzej Sapkowski (Compre aqui 1 | 2)
    A Espada do Destino – The Witcher: Volume 2 – Andrzej Sapkowski (Compre aqui 1 | 2)
    O Sangue dos Elfos – The Witcher: Volume 3 – Andrzej Sapkowski (Compre aqui 1 | 2)
    Tempo do Desprezo – The Witcher: Volume 4 – Andrzej Sapkowski (Compre aqui 1 | 2)
    Batismo de Fogo – The Witcher: Volume 5 – Andrzej Sapkowski (Compre aqui 1 | 2)
    A Torre da Andorinha – The Witcher: Volume 6 – Andrzej Sapkowski (Compre aqui 1 | 2)
    A Senhora do Lago – The Witcher: Volume 7 – Parte 1 – Andrzej Sapkowski (Compre aqui)
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    Joyland – Stephen King (Compre aqui)
    Perdido em Marte – Andy Weir (Compre aqui)
    Boneco de Neve – Jo Nesbø (Compre aqui 1 | 2)
    Crônicas Saxônicas: O Último Reino – Volume 1 – Bernard Cornwell (Compre aqui)
    Crônicas Saxônicas: O Cavaleiro da Morte – Volume 2 – Bernard Cornwell (Compre aqui)
    Crônicas Saxônicas: Os Senhores do Norte – Volume 3 – Bernard Cornwell (Compre aqui)
    Crônicas Saxônicas: A Canção da Espada – Volume 4 – Bernard Cornwell (Compre aqui)
    Crônicas Saxônicas: Terra em Chamas – Volume 5 – Bernard Cornwell (Compre aqui)
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    Materiais comentados e relacionados

    VortCast 28: O que estamos lendo?
    VortCast 46: Melhores Filmes de  2016

    Resultado – Promoção One Punch-Man

    Descubra se você foi o sorteado no final desta edição.

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  • Crítica | It: Uma Obra Prima do Medo

    Crítica | It: Uma Obra Prima do Medo

    Baseado no livro IT: A Coisa, de Stephen King, o especial para a TV dirigido por Tommy Lee Wallace,  IT – Uma Obra Prima do Medo foi lançado também em formato de longa-metragem nos cinemas. A história é contada em dois atos distintos, emulando o formato de minissérie em episódio duplo. A primeira parte narra a parte no passado dos sete protagonistas, em que um grupo de crianças é atormentada por uma figura amedrontadora e demoníaca, chamada Pennywise, interpretado por Tim Curry (Rocky Horror Picture Show).  A outra parte apresenta o presente, com os mesmos meninos já adultos.

    A história se passa na pequena cidade de Darry, enquanto Michael Hanlon (Tim Reid) investiga o estranho desaparecimento de uma criança, com as mesmas estranhas semelhanças que ocorreram no sumiço de um garotinho que era irmão de William Denbrough (Richard Thomas). Após o incidente, observa-se que pode ser uma ação do “palhaço dançarino”, ainda que cada um tenha uma visão diferente a seu respeito. Os adultos não veem os efeitos de ilusão causados nos infantes, e mesmo quando as crianças tomam consciência que aquilo é feito somente para afetá-los, eles não ficam imunes a essas investidas.

    A estratégia de filmar os personagens adultos relembrando suas contra-partes infantis é uma escolha esperta, mas a execução não soa tão boa, uma vez que a inspiração do elenco adulto é muito inferior a do adulto, sem falar que não há muitas semelhanças físicas entre os atores de ambas as fases.

    A maior parte das reações dramáticas do telefilme são risíveis, não restando quase nada a acreditar por parte do espectador, se mesmo os momentos traumáticos são executados de modo bobo e pueril, não há muito como se sentir conectado com as sequências. Em determinados momentos o que deveria causar pavor só faz rir, como na reunião dos protagonistas em volta de uma mesa em um restaurante, onde os biscoitos da sorte se transformam em miniaturas de suas fobias. A tradução do trauma para a tela soa engraçado ao invés de atemorizante.

    O plot no final é sub aproveitado. A questão de deixar o problema correr durante a vida empurrando a responsabilidade para frente faria mais sentido se todo o drama fosse bem construído, e não é. Os personagens são apenas seus arquétipos, e mesmo a docilidade e viradas do destino que ocorrem são igualmente bobas e infantis, o que é uma pena,visto o potencial do material original e todo o culto em volta especialmente de Pennywise, que é uma figura icônica. Fora a questão do palhaço, pouca há a se encontrar nesta versão de It, que certamente está impressa no imaginário popular graças a Curry e sua performance, e pouco pelo produto final em si.

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  • Crítica | It: A Coisa

    Crítica | It: A Coisa

    Pennywise (Bill Skarsgård), o palhaço mais assustador da cultura pop, está de volta em mais uma adaptação da obra de Stephen King (Leia nossa crítica de IT – Uma Obra Prima do Medo). Com roteiro de Chase Palmer, Cary Fukunaga e direção de Andy Muschietti, o filme conta a história do autodenominado “Losers Club” (clube dos perdedores), um grupo de amigos, pré-adolescentes, que moram na pequena cidade de Derry, no estado de Maine, que começa a investigar o desaparecimento de várias crianças e adolescentes.

    Enquanto tentam descobrir o que aconteceu aos desaparecidos, se deparam com Pennywise, o palhaço – uma encarnação do mal que tem espalhado mortes e violência na cidadezinha há séculos, desde sua fundação.

    Grupo de crianças e/ou adolescentes são personagens recorrentes nas histórias de King. Quem não se lembra de Conta Comigo? Não há dúvida que a identificação do público com os personagens é facilitada, ocorrendo de forma mais intensa, pois as situações vividas pelas crianças sempre encontram correspondência na própria vivência do espectador. E, lógico, devido a essa identificação, o público se importa muito mais com o destino dos personagens, com o risco que correm. Em consequência, os sustos e as situações de perigo provocam reações potencialmente maiores.

    O escritor também aproveita suas histórias para falar das dificuldades de ser criança/adolescente, dos percalços que a passagem à vida adulta traz. Em suma, suas histórias tratam basicamente dos ritos de passagem. No caso desta, todos os medos e anseios dos personagens são personificados de forma assustadora nas visões causadas por Pennywise. É um recurso bastante eficiente, que J.K. Rowling também usou – o Bicho-papão assumia a forma do maior medo de quem olhasse para ele. Mas com Pennywise, esse conceito é aplicado de modo exponencialmente mais horripilante, principalmente pelo fato de as visões serem muito mais realistas.

    Bons sustos não faltam ao filme. E, o que é melhor, mesmo para os espectadores de filmes de terror mais “experientes”, nem sempre é possível antever o momento em que irão ocorrer. Muitos filmes o gênero sofrem do que se pode chamar de “clichê precoce”: situações recorrentes em que é quase certo que o personagem tomará um susto e, talvez, o público também. A cena clássica do susto ao abrir a cortina do chuveiro é um bom exemplo disso. Contudo, o roteiro consegue manejar bem os sustos, não só por não deixar óbvio o momento em que ocorrerão, mas também por gerar o susto de formas inusitadas, em locais tão inusitados quanto um ralo de pia.

    Os roteiristas optaram por deslocar a história temporalmente para os anos 80 – no livro de Stephen King, ela se passa em 1958. E pode-se dizer que foi uma ótima escolha, já que essa década certamente gera um saudosismo muito maior do público atual. A reconstrução da época foi muito bem feita, desde o figurino, passando pelo cenário e até os programas de TV e as músicas tocando no rádio. Os espectadores que foram assistir E.T. – O Extraterrestre ou Conta Comigo no cinema se sentirão em casa.

    O elenco infantil é sensacional. A sinergia que possuem faz com que consigam transmitir tanto a força dos laços de amizade quanto dos conflitos entre eles. E vale destacar a atuação de Skarsgård, irreconhecível sob a maquiagem de Pennywise e simplesmente aterrorizante.

    Se você tem medo de palhaços, este filme definitivamente não é para você. E se você não tem, há grande probabilidade de passar a ter.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | A Torre Negra

    Crítica | A Torre Negra

    Produção cercada de expectativas, em especial por ser baseada no best-seller de Stephen King, Torre Negra entrega uma adaptação que brinca com muitos dos arquétipos e estereótipos da mitologia em torno do pistoleiro e de seu mundo paralelo, chamado de Midworld, mas sem seguir uma linha guia demasiada fiel a série literária composta por oito volumes. As licenças poéticas tomadas pelo diretor Nikolaj Arcel e sua equipe de roteiristas passaria batida, caso não fosse o desfecho anti-climático do longa.

    King costuma usar sua bibliografia para se auto-referenciar e os livros da saga fazem muito isso. O protagonista, Jake (Tom Taylor) é um menino com poderes especiais, chamado o tempo todo de shinning (título original de O Iluminado). O menino sonha algumas vezes com uma outra dimensão e com uma série de desventuras, e no meio delas, ele se encontra com duas figuras chaves, o pistoleiro Roland (Idris Elba) e o homem de preto, Walter (Matthew McConaughey). No ambiente em que vive, ele é encarado como um garoto descompensado e problemático, mas sua real vocação esconde em si um dom que o faz ser perseguido pelos opositores.

    A recepção negativa por parte da crítica especializada não é em vão. Torre Negra possui sérios problemas dramáticos, que são prontamente driblados pela capacidade que Arcel tem em tornar as situações em momentos graves. A química entre Jake e do pistoleiro também funciona, o problema é que quase todo o restante do entorno não tem importância dramática. A dinâmica de pai e filho sustenta boa parte do texto, mas todo o restante parece apenas sobras coladas ao todo, sendo material exposto lá unicamente para fazer volume. Mesmo esses acertos da direção se perdem em meio a esses defeitos.

    Outro grave equívoco é a personificação de McConaughey, que parece ser uma versão menos inspirada e menos histriônica dos vilões de James Bond. Seus poderes são absurdos, mas a tradução para o áudio visual soou boba e com pouca magnitude. Um sujeito que pode manipular elementos da natureza e pessoas deveria soar ameaçador e a realidade contemplada aqui é a de um antagonista de livro infantil. A luta que tem próxima ao desfecho é tão mal coreografada que causa risos na plateia, quebrando o momento que até então, transformava o filme em algo minimamente tragável.

    As sequências de lutas tem um caráter variado, ora acertando no tom ora abusando da questão mística. Ao menos, o slow motion no filme tem uma função narrativa que vai além feito usualmente por Zack Snyder e outros cineastas da moda. Ainda assim, Torre Negra soa como um potencial grande desperdiçado, uma vez que poderia ser um pontapé para uma nova franquia, que consegue até se bastar em um episódio só, mas que entrega muito pouco diante da megalomania que vinha prometendo em todo material promocional.

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  • A Jornada do Leitor

    A Jornada do Leitor

    Todo herói tem um arco, uma jornada. Cada personagem – ao menos de escritores que sabem o que estão fazendo com as mãos num teclado – tem um papel dentro da trama principal. É o arco narrativo, sua jornada do início ao fim, sem importar quão frívolos sejam seus motivos ou abrupta sua morte. Ao analisar narrativas dos principais textos de diferentes religiões num brilhante estudo de mitologia comparada, Joseph Campbell notou avanços narrativos semelhantes, em que personagens diferentes preenchiam partes idênticas nos mecanismos internos dos contos, assim o próximo passo do protagonista invariavelmente seguia uma lógica. O Herói de Mil Faces, Campbell chamou seu livro, pois a trilha é seguida de novo e de novo e de novo.

    O autor desenvolve seus argumentos sobre o molde narrativo do qual partilham as mais diversas histórias, desde Pulp Fiction até a epopeia de Gilgamesh. Crucial, um dos pontos mais importantes dentro de uma história é a transformação dos personagens de um estado inicial até o ponto de chegada, quando retornam para uma normalidade, profundamente mudados pelo caminho, pelo percurso da Jornada. Harry Potter, Luke Skywalker e Rick Blaine atravessaram os mesmos passos: uma velha estrada de tijolos amarelos que já foi percorrido por Dorothy. Todos eles tinham um desejo, uma aspiração que dá o pontapé inicial de suas histórias. Na Jornada, é essencial que se deseje algo. Mesmo que seja um copo de água fresca, como disse Kurt Vonnegut. São nos passos identificados no “O Herói de Mil Faces” que as histórias se desenrolam, com ou sem variações, e a vontade de virar a página ganha contornos urgentes. Ao leitor desatento, pode parecer um tanto formulaico, mas a Jornada é algo sutil, uma trama em que mãos habilidosas podem bordar qualquer coisa maluca que se passa em sua mente.

    De forma resumida, cada personagem responde com hesitação antes de aceitar o Chamado da Aventura, o acontecimento surpreendente e muitas vezes surreal que inicia, de fato, o plot: Gandalf bate à porta de Bilbo Bolseiro logo no início de O Hobbit, e, anos mais tarde, Frodo herda um certo anel, dando os primeiros passos em uma das jornadas definidoras de todo um gênero, O Senhor dos Anéis. Tal Chamado gira todas as rodas dentadas que trabalham por trás das linhas e parágrafos que você deita os olhos, jogando os protagonistas num mundo desconhecido onde contam com um Mentor – palavra que vem do grego menos, que significa desde força, propósito, até mente, espírito ou lembrança -, em que o caminho até o próximo passo da Jornada, a Caverna Misteriosa, será permeado por aliados, inimigos e provações. No Hobbit, Bilbo encontra Gollum e Frodo chega até Mordor. O herói que perseverar no caminho, retornará ao velho mundo onde sua jornada começou e, com os tesouros e ensinamentos da estrada percorrida, faz o leitor respirar aliviado depois de Bilbo ter enfrentado os perigos de um dragão ganancioso e o fiel Sam empurrar seu amigo na direção certa, um dos momentos de maior carga emocional de “O Senhor dos Anéis”. Agora, o herói precisa enfrentar seu real perigo antes de prevalecer sobre o mal: a Batalha dos Cinco Exércitos e a Montanha da Perdição, para continuar com os exemplo de Tolkien.

    É a jornada do herói, com ou sem maiúsculas; o arco. Ainda me lembro de uma das cenas preferidas de Família Soprano, quando o jovem e explosivo Christopher Moltisanti pergunta ao mentor Paulie, um mafioso da velha guarda, onde estava o seu arco, pois nada de interessante acontecia em sua vida.

    “E daí,” Paulie responde, numa calma enervante, “eu estou vivo. Eu sobrevivo”.

    Christopher enterra os dedos no cabelo. Como ele pode não entender? “Não quero apenas sobreviver. Os manuais de roteiro dizem que cada personagem tem seu arco. Entende? Todo mundo começa em um lugar, e eles fazem algo. Algo acontece a eles. E isso muda suas vidas. Isso é um arco. Onde está o meu arco?”.

    Foi a angústia de Christopher, um personagem com o qual pouco me identifico, que tomou conta de meus pensamentos quando li as últimas linhas da A Roda do Tempo, uma série composta de catorze tijolos – e um tijolinho de prefácio -, totalizando algo em torno de doze mil páginas. Doze mil páginas. Milhões de palavras. E mais arcos de personagens do que eu poderia contar de cabeça. Claro, em (quase) todos os livros da série o leitor pode encontrar começo, meio e fim para as diversas histórias que se desgarraram da linha narrativa principal e acompanhar o crescimento das personagens que mais cativam ou detestam. A Roda do tempo é uma longa jornada, talvez a maior que já percorri – com grande chance de ser a maior que jamais percorrerei -, uma estrada esburacada, com altos e baixos, longas tempestades e mais paradas que o ideal, uma viagem que talvez exija uma ou outra pausa a fim de trocar pneus carecas e reabastecer a água do radiador. É uma história épica que envolve até mesmo o Tempo em si, com T maiúsculo, onde Luz e Escuridão duelam em grande escala e a existência do mundo depende de quem sairá vitorioso. É o maniqueísmo de Tolkien em maior escala.

    A Roda do Tempo e o leitor

    Não vou perder nosso tempo com um resumo do mundo ou da história quando dezenas de análises e críticas estão aparecendo aqui e ali, enquanto a série começa a fazer sucesso na Terra Brasilis. Basta dizer que há altos e baixos, defeitos e virtudes, grandes lições de escrita; Vale lembrar que a última porção da história foi escrita por Brandon Sanderson por causa da morte do criador, Robert Jordan, afinal é difícil escrever depois de morto. Sanderson fez um ótimo trabalho e o último volume é um clímax de novecentas páginas – o maior capítulo, A Última Batalha, tem mais de 180 páginas.

    Levei seis anos para ler “A Roda do Tempo”. Partindo do meu Chamado de Aventura – inspirado por uma música da banda alemã Blind Guardian – até o Retorno com o tesouro, anos se passaram e centenas de outros livros, sem exagero, foram lidos, tanto para trabalho quanto lazer. Nesse meio tempo, comecei e terminei outras séries e trilogias, mas a Roda do Tempo sempre esteve no fundo de minha mente, ganhando novos contornos enquanto eu me reabastecia com outros autores, escritas e gêneros diferentes.

    Em paralelo a narrativa, analisava minha jornada de leitor, sobre como os dias podem girar em torno do livro em suas mãos, sobre nosso próprio crescimento, mudanças, derrotas e vitórias enquanto vivenciamos tantas outras jornadas. Da mesma forma que nosso herói tem mil faces, também as temos, cada um de nós. Desejamos, buscamos e nos transformamos em algo… bem, em algo diferente. Pergunte ao Kafka, se quiser.

    Quando li o primeiro livro, O Olho do Mundo, estava deitado no meu quarto, sozinho, febril e em Lisboa, morando numa casa cheia de gatos. Eu era um mestrando em História da Expansão e dos Descobrimentos, dissertando com a ajuda de mapas antigos sobre a formação do Japão na mentalidade ocidental entre os séculos XV e XVIII. O primeiro volume de “A Roda do Tempo” segue uma estrutura fixada por Tolkien, com um protagonista seguindo o estereótipo Luke Skywalker, o jovem e ingênuo fazendeiro que se descobre envolvido em acontecimentos maiores e perigosos.  E não foi O chamado de aventura, mas foi UM chamado. É como nos livros da série: não há começos ou fins em “A Roda do Tempo”, mas esse foi um começo. Ao menos isso.

    Eu morava sozinho e seguia uma rotina bem definida. Acordava, engolia meio litro de café e tomava banho para, depois, mergulhar no submundo metroviário de Lisboa e percorrer os corredores úmidos da Faculdade de Letras, onde ficava o centro de pesquisa em que trabalhava. Escrever, pesquisar e realizar enfadonhas tarefas administrativas tomava quase todo o meu dia, além de conversas e risos com pessoas que marcaram minha vida. Eu vivia um arco, afinal. Recém-formado, mergulhado em arquivos de fama internacional, lendo e observando mapas, cartas ânuas de jesuítas que foram ao Japão, além de manifestos de embarcações. Tudo no passado. Todos, viajantes e religiosos, europeu e japoneses, de volta ao pó, uma grande bacia de cinzas e poeira onde eu tinha me enterrado até os cotovelos na mais pura – elétrica – euforia.

    Já no segundo livro da série, vaguei por Londres, onde estava pesquisando a sessão de mapas da British Library. Foi no café do British Museum – onde fui ver a A Grande Onda  – que terminei o livro e já tirei o terceiro da mochila. Antes, pedi outro café. Saí de lá quando me expulsaram, mais de sessenta páginas depois. Voltei para a casa da minha irmã no escuro, a cabeça perdida no mundo criado por Robert Jordan. No meu arco, hoje enxergo que estava numa fase que podia me permitir vagar por mundos imaginários sem prestar muita atenção nos problemas do mundo real. Morando sozinho na Europa, com poucas aulas na semana e um trabalho com horário flexível que me permitia trabalhar em casa, um quando que permitia o luxo de focar nos estudos, conhecer melhor Portugal e afundar meu nariz nos livros. Ler até derrubar o livro no meu rosto, até esfregar olhos queimando e resolver fazer café às quatro da manhã, para tentar extrair mais um capítulo, quem sabe dois. Olhando para trás, eu deveria ter saído mais de casa, pergunte à Rosa.

    Quando voltei ao Brasil e morei em Campinas, comecei a escrever ficção. Corria quase todos os dias. Li mais. Enrolei minha dissertação e fiquei noivo. O tempo passou e eu estraguei um dos joelhos, começando um lento caminho de volta ao sobrepeso, quando meus quilos perdidos na corrida voltaram com novos amigos e a ficção ganhou espaço no meu cotidiano e nas minhas ambições. Foi talvez no sexto livro de “A Roda do Tempo” que decidi – ou melhor, fui empurrado a aceitar o que estava diante do meu nariz – trocar de profissão. Adeus vida acadêmica, olá rotina de escrita e edição. E desespero, claro.

    Atravessando a narrativa

    Conforme riscava os títulos de minha lista de leitura, meu próprio arco avançou. Aniversários, discussões, risadas, bebedeiras e jogatinas, tudo envolvido em muita escrita, leitura e edição. Eu me casei. Terminei meu primeiro livro, com mais de quatrocentas páginas, muitas delas desnecessárias e cortadas com um coração em prantos. Percebi depois que um livro de quatrocentas páginas é um erro se você ainda é um escritor desconhecido. Criei histórias menores, deixei outras depois de duzentas páginas. Meu filho nasceu. Páginas escritas dividiram espaço com mamadeiras e fraldas pedindo atenção. E então, alcancei a Última Batalha e, depois dela, o final de “A Roda do Tempo”. Bem, não O final, mas UM final. “A Roda do Tempo” não tem começos nem fins. Foram seis anos. Foram catorze livros.

    Claro, há relatos, principalmente no Reddit, de monstros que leem uma série deste tamanho em seis meses; outros estão na quinta, sexta, décima sexta – não é mentira – leitura da série. São arcos, tenho certeza: ninguém lê tantos livros – mesmo que seja uma só história – e fecha a última capa sem mudar, sem passar por uma transformação. Mesmo que a transformação seja pela necessidade de livros com fontes maiores para olhos cansados, essa pessoa mudou. No meu caso, a mudança foi gigantesca. Seis anos se passaram. Porcaria. Eu mudei, e muito. Do quarto escuro, iluminado apenas por um abajur amarelado, doente e trancado para deixar os gatos de outra pessoa fora do alcance de minha alergia, para um sofá confortável em nosso apartamento, numa cidade do interior de São Paulo; de minhas pretensões de conseguir ingressar num bom doutorado e viver de aulas e pesquisas, para a perspectiva de pagar contas com as mentiras que saem de minha cabeça e encontram caminho às pontas dos dedos; de namoro à distância – altos e baixos, altos e baixos – para a feliz paternidade dentro de um casamento estável, carinhoso e sincero. Eu cresci e, como um camaleão, minhas cores se transformaram em resposta ao ambiente em que agora vivo. Firmei convicções políticas e agora faço oposição a um governo que não me parece correto, brigo com unhas e dentes contra o monopólio dos veículos midiáticos, contra ambos analfabetismos, científico e político. Não sou apenas um historiador em outro país, cheio de perguntas sobre o que acontecia no passado, em ondas que banhavam o Japão tantos séculos atrás, enquanto o cenário atual me alcançava apenas como murmurinhos incômodos. De um historiador um tanto egoísta e recluso, tornei-me um escritor um pouco menos egoísta e recluso. Um pai, com sono e um sorriso bobo no rosto.

    Encontrei o final de “A Roda do Tempo” e dele passei. Pode apostar que me senti decepcionado com o final e tenho perguntas que nunca serão respondidas, mas estou satisfeito com a clareira no final do caminho. Quando se termina uma série, a sensação que se tem é um misto da nostalgia precoce e liberdade literária. O homem que sou hoje é bem diferente do estudante que ouviu uma música inspiradora e sentiu arrepios nos braços. Os livros da série tiveram pouco impacto nas minhas mudanças – Haruki Murakami, Carl Sagan, Yuval Noah Harari, Eric Hobsbawm e outros tantos tiveram mais importância -, mas servem de perfeito exemplo para o meu arco de herói. Afinal, sou o herói de minha história, assim como você é o personagem principal da sua.

    Minha jornada não é (nada) épica. A sua também não, até que você me prove o contrário. Mas é uma jornada e, caramba, ela é muito importante para quem está preso em seus quilômetros. Desejamos um emprego melhor, perder peso, que amanhã seja feriado e que, pelo amor de Deus, essa chuva dos infernos pare antes do sábado. Desejamos e buscamos, adaptamo-nos ao nosso próprio arco, nosso plot. Oras, estudamos para concursos públicos, brigamos contra chefes gananciosos e discutimos política; dançamos para a chuva parar e, como é um assunto que foge de nossa alçada, traçamos um plano alternativo para o sábado chuvoso, com pizza e jogos de tabuleiro. Talvez pedir meia frango com catupiry e meia calabresa não tenha o mesmo impacto que recuperar a Excalibur ou descobrir que o caminho para casa estava em você esse tempo todo, mas – por Crom! – essa pizza é o seu Chamado da Aventura e, se você não pisar na bola, será o herói de muita gente. São arcos diferentes. Nossa jornada é tediosa. Enfadonha. O oposto de épica. Mas, você sabe, é real.

    Quando Christopher Montisanti pergunta a Paulie onde está o seu arco, ele com certeza enfrentava a terrível angústia de não ser o que idealizava em outros tempos. Naquele fascinante mundo de violência, drogas e incertezas existenciais, Chris tentava se agarrar em algo para continuar sendo ele mesmo. Sem perceber, o jovem mafioso percorria um arco em si mesmo: o bloqueio, a desorientação. Quando chegasse na outra ponta do labirinto, ele seria – fatalmente – um mafioso mais forte. Um homem mudado. E outro arco teria início.

    Mas estou divagando e você já está se perguntando se realmente sou um escritor, tamanha verborragia. Você está lendo um texto sobre a passagem do tempo. Sobre como a saga de Robert Jordan me acompanhou em parte do caminho. Talvez você tenha sua própria Roda do Tempo e possa se identificar com o que exponho aqui. Talvez tenha crescido com Harry Potter e seus terríveis professores, ou tenha acompanhado Roland Deschain em cada passo no difícil caminho até a Torre Negra. Provavelmente sentiu os sóis de Tatooine queimando na pele. Minhas mudanças são acompanhadas de livros marcantes justamente porque sou um leitor antes de ser escritor. Filmes, músicas, relacionamentos, empregos… talvez até casamentos. Com toda certeza, o seu arco também tem um pano de fundo com variáveis e constantes.

    Agora que terminei uma série, meu arco continua. Talvez encontrou outras aventuras e chamados no meio do caminho. Quem sabe precise ir para um Mundo Especial e dele retornar com o Elixir do qual falou Campbell.

    Terminei de ler “A Roda do Tempo” muito, muito tempo depois de ter começado. E agora? Eu não sei para onde meu arco me levará, mas o próximo livro já está presente, com o marca páginas entre o final de um capítulo e o começo do próximo.

    Os passos da Jornada do Herói

    A Jornada do Herói

    Ato 1

    Mundo comum
    Chamado à Aventura
    Recusa do Chamado
    Encontro com o Mentor
    Travessia do Primeiro Limiar

    Ato 2

    Provas, Aliados e Inimigos
    Aproximação da Caverna Secreta
    Provação
    Recompensa

    Ato 3

    O caminho de Volta
    Ressurreição
    Retorno com o Elixir

    Livros para levar na estrada

    Trilogia dos Espinhos – Mark Lawrence (Darkside)

    Série Os Cavalheiros Bastardos – Scott Lynch (Arqueiro)

    Os livros da Cosmere – Brandon Sanderson (Leya)

    A Roda do Tempo – Robert Jordan (Intrínseca)

    A Torre Negra – Stephen King (Suma de Letras)

    Livros da Terra Média – J. R. R. Tolkien (Martins Fontes)

    Crônicas de Gelo e Fogo – George R. R. Martin (Leya)

    Série A Companhia Negra – Glen Cook (Record) – Resenha

    Série O Livro Malazanos dos Caídos – Steven Erikson (Arqueiro)

    Discworld – Terry Pratchett (Conrad/Bertrand) – Resenha

    – The Dresden Files – Jim Butcher

    – Traitor Son Cycle – Miles Cameron

    Série Revelações de Riyria – Michael J. Sullivan (Record)

    Série Ciclo das Trevas – Peter V. Brett (Darkside)

    A Saga de Ender – Orson Scott Card

    A Guerra do Velho – Jon Scalzi (Aleph)

    Elric de Melniboné – Michael Moorcock (Generale)

    Crônica do Matador do Rei – Patrick Rothfuss (Arqueiro)

    – The Expanse – James S. A. Corey

    – The Rain Wild Chronicles – Robin Hobb

    Trilogia Oryx e Crake – Margaret Atwood (Rocco)

    Maurício Ieiri é um historiador que não faz História. Atualmente, tentando descobrir o que fazer com sua vida, partindo deste exato momento até o dia em que morrer. No meio tempo, escreve ficções. Participou do blog coletivo Os Caras do Clube.

  • Resenha | Cujo – Stephen King

    Resenha | Cujo – Stephen King

    Este é o primeiro livro de Stephen King que leio. Ou melhor, que leio por completo. Comecei a ler Sob a Redoma, no Kindle, mas a leitura está parada há meses – mais adiante comento sobre os possíveis motivos. Havia lido um conto, “Milha 81”, e gostado bastante. Quando surgiu a oportunidade de ler esta edição linda de Cujo, não pensei duas vezes.

    “Frank Dodd está morto e a cidade de Castle Rock pode ficar em paz novamente. O serial-killer que aterrorizou o local por anos agora é apenas uma lenda urbana, usada para assustar criancinhas. Exceto para Tad Trenton, para quem Dodd é tudo, menos uma lenda. O espírito do assassino o observa da porta entreaberta do closet, todas as noites. Você pode me sentir mais perto… cada vez mais perto”.

    O trecho acima, que consta da sinopse oficial, não-intencionalmente gera um mal-entendido na cabeça do leitor, pois parece indicar que a história tem a ver com possessão demoníaca ou algo assim. Mas esse mal-entendido não é culpa de quem escreveu a sinopse. O próprio King, de certa forma, “desencaminha” o leitor no início da trama ao dar ênfase ao monstro no armário do pequeno Tad. Mas basta avançar um pouco mais para perceber que foi uma forma de introduzir e apresentar ao leitor os personagens da família Trenton – Vic, Donna e Tad. Pois exceto pela insinuação vaga de que talvez o espírito de Dodd tenha possuído Cujo, não há nada de sobrenatural na história, que se passa na cidade fictícia de Castle Rock, no Maine, onde moram a família Trenton, a família Camber e mais alguns personagens secundários.

    Algo sobre a escrita de King que eu já havia reparado ao ler Sob a Redoma é que ele é prolixo. Porém não num sentido pejorativo já que, diferente da maioria dos textos prolixos, o de King é agradável de ler. Parece supérfluo. Pode até ser supérfluo em alguns casos. Mas é interessante. Sempre. Neste livro, principalmente no início, há várias páginas discorrendo sobre assuntos que pouco agregam à história, mas que ainda assim se apresentam atraentes ao leitor, que dificilmente fica com vontade de saltar parágrafos. E, apesar desses trechos ou, aproveitando-se desses trechos, King vai inserindo uma tensão na narrativa que prende o leitor. Ele consegue isso, entre outras coisas, usando com muita eficiência a ironia dramática. Como Lemony Snicket explica muito bem no segundo volume de Desventuras em Série:

    “Em poucas palavras, a ironia dramática ocorre quando uma pessoa faz um comentário inocente, e outra pessoa que o escuta está sabendo de alguma coisa que faz com que esse comentário tome um sentido diferente, em geral desagradável”.
    (A sala dos répteis – pag.37)

    No que tange à literatura, trata-se daquela situação em que o leitor sabe mais do que os personagens. O autor dá ao leitor informações extras, que fazem com que ele, na maioria das vezes, tema pela segurança e pelo bem estar de um ou mais personagens. E King faz isso magistralmente ao incluir trechos em que descreve o que acontece com Cujo, o são-bernardo da família Camber. A narrativa, estrategicamente, é feita em terceira pessoa por um narrador onisciente, intercalando os dissabores da família Trenton, o cotidiano fastidioso dos Cambers e as reações de Cujo depois de ter sido mordido por um morcego infectado com raiva. O leitor vai lendo e inferindo o que irá acontecer, enquanto os personagens estão ali, inocentemente vivendo suas linhas narrativas sem desconfiar de nada. Quem lê sabe que vai acontecer alguma coisa, só não sabe quando nem como nem quem será a primeira vítima. Tem como largar o livro antes de descobrir isso?

    E chega-se a esse ponto mais ou menos ao final do primeiro quarto do livro. Quando acontece aquilo para que o autor estava preparando o leitor desde o início, não há como não se indagar: “Será que vai ficar enchendo linguiça por mais 300 páginas?”. Mas não. King cria outra expectativa. E continua fazendo o que faz de melhor – deixando o leitor na beira da poltrona de tanta ansiedade.

    “Latindo com fúria, Cujo deu início à perseguição. Embora o coelho fosse muito pequeno, e Cujo, muito grande, a possibilidade de conseguir trouxe uma dose extra de energia para as patas do cão. Cujo chegou perto o suficiente paraagarrar a presa, mas o coelho fez um zigue. Cujo se virou pesadamente, com as garras revolvendo a terra negra do prado, perdendo terreno de início, logo voltando à carga. Pássaros saíram voando ao ouvir o latido alto e ofegante. Se um cachorro pudesse sorrir, Cujo estaria sorrindo naquele momento. O coelho fez um zague e seguiu direto para o campo. Cujo partiu atrás, já suspeitando que não conseguiria ganhar aquela corrida.”
    (pag. 29)- grifo meu

    “Dormiram juntos, mas pela primeira vez a cama king-size pareceu pequena demais para Vic. Dormiram virados, e o espaço entre os dois parecia uma terra de ninguém coberta com cuidado por lençóis. Ele passou as noites de sexta e de sábado em claro, já que morbidamente percebia todas as mudanças de posição de Donna, ouvindo o som da camisola contra o corpo da esposa. Ficou imaginando se ela também estava acordada, no outro lado do vazio que separava os dois.”
    (pag. 119)

    É inevitável fazer um pré-julgamento dos livros de King baseado na referência que se tem dos filmes inspirados em suas obras. E dois pontos saltam à vista. A primeira constatação – óbvia – é que os livros são melhores que os filmes. Ok, são duas mídias diferentes que devem ser analisadas diferentemente. Mas a riqueza de informações que o livro oferece é sempre inigualável, mesmo o filme contando com o recurso adicional da imagem para narrar a história. A segunda constatação é que King é muito mais do que um expert em criar suspense. Ele faz isso realmente muito bem. Contudo como se pode perceber pelos dois trechos acima, sua escrita vai além disso. O primeiro mostra King brincando com as palavras, e há vários trechos no decorrer do livro escritos assim. Pode até soar contraditório – pois, como afirmado acima, King é prolixo – mas os dois trechos ilustram que o autor pratica muito bem o “show, don’t tell”. Há muitas coisas não ditas nas cenas acima que são explicitadas seja pelo jogo de palavras seja pelas figuras de linguagem.

    Nesta edição da Suma de Letras, ao final do livro há uma entrevista com o autor, concedida ao repórter da revista The Paris Review. Nela, há algumas pérolas que deveriam servir de guia para escritores iniciantes:

    “ENTREVISTADOR: Cujo é incomum porque o livro inteiro é um único capítulo. Você planejou isso desde o início?

    KING: Não, Cujo era um livro normal em capítulos quando foi concebido. Mas eu me lembro de pensar que queria que o livro atingisse o leitor como se fosse um tijolo jogado pela janela. Sempre achei que o tipo de livro que eu escrevo – e meu ego é grande o bastante para pensar que todo escritor devia fazer isso – devia ser uma espécie de agressão pessoal. Devia ser alguém pulando por cima da mesa, devia agarrar e intimidar o leitor. Devia provocá-lo. Devia incomodá-lo, perturbá-lo. E não só porque ele ficou com nojo. Quer dizer, se alguém me mandar uma carta e disser que não conseguiu jantar, o que eu penso é: ‘Ótimo!’”

    Em outro trecho, em que King fala sobre seus livros e a forma como ele os “separa” em dois tipos, ficou claro para mim por que Cujo me agradou tanto e Sob a Redoma, nem tanto – a ponto de a leitura não avançar:

    “ENTREVISTADOR: Quando você reflete sobre seus livros, faz alguma distinção entre categorias?

    KING: Eu tenho dois tipos diferentes de livros. Acho que livros como A Dança da Morte, Desespero e a série A Torre Negra são livros que vão para fora. E livros como O Cemitério, Misery, O Iluminado e Eclipse Total vão para dentro. Os fãs normalmente gostam ou dos para fora ou dos para dentro, mas não de ambos.”

    Interessante essa divisão dele. Eu particularmente nunca tinha pensado em thrillers sob esse aspecto. E inclusive o entrevistador o questiona sobre isso. Pois como praticamente todos os livros do autor têm terror psicológico, se não seriam classificados como “para dentro”. E King explica que leva também em consideração a quantidade de personagens. E aí está, nas palavras do próprio Stephen King, o motivo de Sob a Redoma não me agradar tanto, já que é um livro “para fora”.

    Vale reparar como King pega uma trama simples – um cão raivoso perseguindo moradores de uma cidade pequena – e a transforma em algo que mexe com o âmago do leitor. Quem disse que thrillers tem de ser apenas entretenimento?

    Texto de autoria de Cristine Tellier.