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  • Review | Cursed Films – 1ª Temporada

    Review | Cursed Films – 1ª Temporada

    Produzida pela rede de streaming Shudder, Cursed Films é uma série documental escrita e dirigida por Jay Cheel, que visa analisar cinco filmes cujos bastidores foram conturbados e bastante confusos. Em seus episódios curtos, de aproximadamente 30 minutos, são mostradas cenas de bastidores e entrevistas inéditas, além de uma edição bem fluída, feita de maneira única, embaladas por uma trilha incidental, com a música de Justin Small e Ohaf Benchetrit.

    O primeiro objeto analisado é O Exorcista, de William Friedkin, e a participação mais esperada era sem dúvida alguma de Linda Blair, que relata sobre como foi trabalhar com Friedkin e todos os problemas físicos e psicológicos causados na equipe durante a produção do filme. Da parte dela se sabe uma porção de traumas, entre eles o de que as pessoas tinham receio de se aproximar por achar que ela era possuída como a personagem. Sem teorias da conspiração Cursed Films não faria sentido, mas até o modo como o roteiro lida com a morte de dois atores é comedido, assim como a perda de parentes próximos de Max Von Sidow e da própria Linda. Há bons depoimentos da dublê, Eilen Dietz, além de informações sobre como o diabo se manifestaria e do receio de Blair em falar sobre andar com seguranças. O programa parece mergulhar bem na intimidade dos seus personagens.

    Com Poltergeist: O Fenômeno e suas continuações, Cheel varia entre a fofoca a respeito dos esqueletos da piscina serem reais ou não (não eram, obviamente) e a morte de Dominique Dunne, Will Sampson e Julian Beck. No entanto, a história Heather O’Rourke é a mais triste. Gary Sherman, diretor de  Poltergeist 3 conta detalhes de bastidores e do quanto ela era querida, e a descoberta de uma doença rara junto ao tratamento que realizava acelerou o processo de infecção e culminou no óbito da garota com o filme não finalizado. Sherman confessa que o final original jamais foi rodado, e filmar um desfecho com um dublê foi arrasador para ele.

    Cheel tem uma habilidade única de embalar o espectador em meio a sensação de medo. A trilha ajuda, mas o ritmo que ele escolhe empregar varia entre os depoimentos, cenas dos filmes e locações clássicas. Cada novo elemento parece algo que gera muita curiosidade no espectador para acompanhar a saga analisada. No episódio de A Profecia somos apresentando ao produtor Mace Neufeld, que fala sobre a sugestão de um amigo em filmar o nascimento do filho do demônio, mirando o terror do anticristo em uma criança. Esse talvez seja o filme que mais teve coincidências bizarras entre todos, desde um pastor que tentou dissuadir Neufeld e Richard Donner de fazer o filme, até o avião que Gregory Peck embarcaria que acabou caindo, passando por um restaurante onde o roteirista almoçava sofrendo um atentado justamente quando ele não estava lá a esposa de um dos dublês que foi decapitada exatamente como no filme.

    Os dois últimos filmes são O Corvo (Alex Proyas), famoso pelo trágico fim de Brandon Lee – fato que aumentou ainda mais os boatos sobre a morte de seu pai, Bruce Lee – e No Limite da Realidade (Twilight Zone: The Movie), que em um incidente que poderia ser promovido no set, acabou matando um funcionário. Enquanto no primeiro são mostradas fotos dos testes originais do personagem na cena fatídica, no outro há um foco maior em todo o imbróglio jurídico que quase arruinou um dos diretores, John Landis.

    É curiosa a forma com que ambas as obras são abordadas. Enquanto da parte de No Limite da Realidade todos os entrevistados eximem Landis da responsabilidade, e no caso de O Corvo, o ator Michael Berryman expressa a controversa opinião de que o estúdio mirou a economia, dispensando os especialistas no manejo de armas, deixando um profissional sobrecarregado que não percebeu a tragédia que poderia vir (e veio).

    O roteiro destaca o foco muitas vezes inconsciente de procurar maldições em filmes de terror. Filmes como Superman: O Filme e Apocalipse Now trouxeram mal agouro aos seus intérpretes, mas como não lidam com casas fantasmagóricas ou encarnações do demônio não são olhadas como malditas. Cheel consegue entregar uma série divertida, de ritmo aprazível e repleta de curiosidades e entrevistas interessantes, o que dá a cada um dos filmes analisados mais camadas ainda de discussões, além de humanizar boa parte da equipe que trabalhou nessas obras.

  • Crítica | Blue Chips

    Crítica | Blue Chips

    William Friedkin é um diretor diferenciado, capaz de trazer a luz obras como O Exorcista, Parceiros da Noite e Operação França, e em 1994, ele deu a luz a Blue Chips, uma historia sobre o esporte, que começa com um rompante de raiva e loucura do técnico Pete Bell (Nick Nolte), discutindo com os atletas universitários do time da Western University Dolphins. Ele entra no vestiário, começa a gritar, praguejar, agir como um louco, depois sai, deixa todos desesperados, ai volta mais calmo, logo, perde a razão de novo e sai, para fazer esse processo novamente.

    O filme registra magistralmente o clima dos campeonatos universitários de basquete, mostrando não só a adrenalina e loucura do jogo, como também o entorno, a atmosfera e todas as pessoas que são envolvidas pela paixão nacional que o basquete ocasiona. Outro aspecto curioso são os motivos em azul e amarelo, as cores do time de Bell, que estão nas  fontes dos créditos e demais letreiros dentro do filme e até no material de divulgação. Durante as cenas mais bonitas, Friedkin faz as duas cores predominarem, obviamente, seja pelos jogos em casa ou pela manifestação das torcidas.

    O roteiro de Ron Shelton (o mesmo que conduziu pouco tempo antes Brancos Não Sabem Enterrar) mostra um homem obcecado  desesperado, que não tem qualquer estabilidade financeira e mental, que não consegue sequer manter-se calma a beira de quadra, e não consegue manter seu casamento vivo. Quando ele retorna do jogo, tenta dormir na casa de sua ex-esposa, Jenny (Mary McDonnell), que prontamente o coloca para fora e relembra o quanto ele é insuportável na convivência comum.

    Ao perceber que seu time era muito ruim, Pete resolve apelar e fazer uma prática contra as regras, contratando jogadores que seriam pagos por fora para atuar em seu time como se estudassem em sua escola, ele então passeia pelo país, em paisagens diferentes e interioranas e traz três, Neon Boudeaux (Shaquille O’Neal), Butch McRae (Anfernee ‘Penny’ Hardaway) e Ricky Roe (Matt Nover), os três seriam o diferencial no time perdedor, a promessa de algo mais dentro da mediocridade dos campeonatos.

    O curioso realmente é onde eles encontra os moços, com um ele simula o jogo na sala de estar com as irmãs deles (duas crianças), a mãe e a avó, no caso do terceiro ele vai até a fazendo, e com o personagem de Shaq, ele vai a uma quadra clandestina, ver ele jogando, e percebe no gigante de 2,16 metros a possibilidade de um pivô infalível, mesmo que ele seja burro e praticamente analfabeto. Friedkin quis colocar atletas de verdade pois ao ver atores fazendo jogadores novatos, não se convencia de seus movimentos, e é curioso, pois Shaq estava em começo de carreira, foi draftado em 1993 (o filme é de 94) junto a Hardaway, que foi para o Orlando Magics – Shaq foi para o Magics e Hardaway para o Golden State Warriors, depois o time foi convencido pelo gigante a trocar com o GS. Essa escolha ocorreu enquanto eles filmavam Blue Chips, e a dupla teve o feito de eliminar o Chicago Bulls de Michael Jordan, na temporada 94-95, pouco após o filme ser lançado. Já Nover se tornou jogador e jogou um bom tempo na Europa, entre Itália, Espanha, Portugal etc, e também na Austrália.

    Não há o que reclamar da atuação ou da entrega de Nolte, ele faz um treinador dedicado, parece realmente ter noções táticas e dos fundamentos básicos do basquete. Ele se preparou para o papel acompanhando o técnico Bobby Knight durante a temporada de 92 em Indiana e absorveu bem o espírito, tudo isso para traduzir bem como teria sido parte da personalidade de Tates Locke, o treinador da Clemson Univerty de 70 a 75 – Locke também foi para NBA, no Buffalo Braves num período curto entre 76-77. A virada que ele tem que fazer, ao aceitar finalmente pagar os jogadores por fora mostra um homem com espírito quebrado, mas que já havia ido longe demais para voltar atrás.

    A trilha sonora, repleta de sucessos de Rock internacional embala boa parte das curvas dramáticas pelas quais passam Bell, e apesar de Blue Chips conter um caráter bem moralista, e isso não é à toa, pois para  muitos estadunidenses, o basquete é o mais manipulável dos esportes populares, seja no caso de apostas (jogadores são proibidos de praticar apostas, por exemplo) e também no caso de manipulação de resultados ou de uso de drogas.

    Friedkin acerta demais na composição de personagem do treinador que Nick Nolte vive, um homem nervoso, irascível, que briga muito pelo que acredita  e que é sobretudo apaixonado demais pelo esporte, não conseguindo fugir disto sequer quando se auto denuncia, e essa essência e beleza de caráter é muito bem exemplificada no filme, que além de toda essa discussão ética, ainda mostra um jogo de basquete muito bem feito e verossímil, com méritos totais ao seu realizador.

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  • Filmes Com Temática de Caminhoneiros

    Filmes Com Temática de Caminhoneiros

    Levantando em conta o assunto que tem tomado boa parte das preocupações dos brasileiros, com a dificuldade de abastecimento de elementos básicos em virtude da greve dos caminhoneiros, separamos uma inusitada lista de filmes com essa temática, tanto sobre motoristas que comandam máquinas enormes, bem como filmes sobre essas máquinas mesmo. Brincadeiras à parte, a greve é justa e digna de respeito por cada um de nós!

    Agarra-me Se Puderes (Hal Needham, 1977) – Filipe Pereira

    Filme indispensável para quem curte a Trucksxploitation, mostra a história de Bandit, vivido por Burt Reynolds, um sujeito turrão, engraçado e destemido. A personagem, basicamente, aceita o desafio de um sujeito que é seu desafeto e se mete em uma confusão que envolve-o  até uma carga de mercadoria ilegal. O filme é só uma desculpa para colocar o carismático e canastrão Reynolds em ação. O par romântico do anti herói é Sally Field, de quem era noivo na época, e é co-estrelado por um carro esportivo, Pontiac Trans Am. O longa fez tanto sucesso, que deu origem a uma trilogia engraçadíssima, que obviamente vai perdendo forças com o passar de suas continuações.

    Comboio (Sam Peckinpah, 1978) – Bernardo Mazzei

    Estrelado por Kris Kristofferson, Ally MacGraw e Ernest Borgnine, e dirigido por Sam Peckinpah (do clássico Meu Ódio Será Sua Herança), Comboio narra a história de Rubber Duck (Kristofferson), um honesto caminhoneiro que resolve se rebelar contra a corrupção policial comandada pelo xerife Lyle (Borgnine), um antigo desafeto. Após ser roubado, agredido e humilhado pelo corrupto agente da lei, Duck convoca um enorme protesto da classe. Com sua namorada na boléia, Duck lidera os caminhoneiros em uma grande jornada das estradas do Arizona rumo ao México. Ainda que longe das grandes obras do diretor Peckinpah, Comboio é um corajoso filme que se propõe a discutir questões sociais que permanecem pertinentes até hoje, tais como a luta de classes, preconceito racial e de gênero. Entretanto, o grande mérito aqui são as boas cenas de ação e perseguição orquestrada pelo diretor e a boa atuação do elenco principal.

    Aventureiros do Bairro Proibido (John Carpenter, 1986) – por Filipe Pereira

    Clássico máximo da Sessão da Tarde, e um dos bons filmes leves de John Carpenter, Aventureiros do Bairro Proibido parte de um protagonista que emula características de brucutu, vivido por Kurt Russell. Jack Burton é um caminhoneiro de carga pesada, que tem sua namorada raptada por um motivo esdrúxulo, Para salvá-la, deve enfrentar uma turminha do barulho, em Little China, para deixar a mocinha a salvo. O filme é engraçadíssimo e mostra como a cultura pop trata as figuras que comandam os grandes veículos de transporte. Mistura elementos de faroeste com um pouco da temática dos filmes de artes marciais de Hong Kong, além de também ter personagens bastante carismáticos.

    Comboio do Medo (William Friedkin, 1986) – por Bernardo Mazzei

    Dirigido por William Friedkin e protagonizado por Roy Scheider, O Comboio do Medo é um filme que teve dois azares: o primeiro foi ter estreado quase que simultaneamente ao primeiro Star Wars. O segundo foi não ter sido compreendido na época de seu lançamento. Na trama, quatro homens expatriados que vivem nos confins da América do Sul são contratados por uma empresa petrolífera americana para transportar uma carga de nitroglicerina. Caso cheguem vivos ao destino, terão sua situação regularizada  e receberão 10 mil dólares. Película um tanto quanto experimental, o longa possui altas cargas de suspense. O roteiro também é bem interessante, pois fornece background para todos os protagonistas, o que facilita a empatia do espectador. Ainda que episódica, a narrativa é bem fluída e prende o espectador na cadeira, principalmente quando o filme vai chegando ao seu final. Uma ótima obra do diretor de O Exorcista que merece ser assistida com bons olhos.

    Falcão: O Campeão dos Campeões (Menahem Golan, 1987)  – por Filipe Pereira

    Sylvester Stallone gozava de uma popularidade monstruosa em meio aos anos 80. O sucesso de Rambo e Rocky  permitiu que pudesse viver outros papéis icônicos, como esse do caminhoneiro com problemas familiares. Lincoln Hawk e seu filho protagonizam um Road movie, descobrindo uma afinidade meio perdida graças a ausência do pai. O filme de Menahem Golan consegue ser bem especial, no sentido de mostrar um problema grave em quem trabalha na estrada, que é o fato de nem sempre poder estar em casa, um drama é presente na vida dos homens que passam seus dias atrás do volante gigante e das máquinas que cortam as estradas do Brasil e do mundo. Tudo isso evidentemente envolto em uma historia heroica, cheia de clichês, mas que compensa tudo isso com o charme e carisma do personagem de Sly, que sempre que vira seu boné parece ganhar mais força, com mais uma demonstração de um placebo legal de Hollywood.

    Comboio do Terror (Stephen King, 1986)  – por Bernardo Mazzei

    Escrito e dirigido pelo mestre Stephen King, Comboio do Terror é trash. Muito trash mesmo. Muito se discute sobre as adaptações das obras do autor, mas ele é responsável por aquela que talvez seja a pior adaptação de uma obra escrita por ele mesmo. Porém, isso tem uma justificativa: o próprio King admitiu que estava drogado durante todo o tempo em que a produção foi filmada. O ponto de partida do filme ocorre quando um cometa passa pelo nosso planeta fazendo com que as máquinas ganhem vida e se voltem contra os humanos. É nesse momento, que o nosso herói Emilio Estevez cria um grupo de resistência quando estes são cercados por caminhões assassinos em um restaurante de beira de estrada. O filme é uma bagunça narrativa. Não há a menor coesão no que se vê na tela e tudo é feito de uma forma tão escrachada, que os risos acabam saindo involuntariamente. Os pontos altos são a presença dos caminhões assassinos, especialmente o “Duende Verde”, e a atuação de Estevez. Entre caras, bocas e poses de herói galã, o ator aqui entrega algo muito mais engraçado do que o visto em Máquina Quase Mortífera. Parece que ele desencanou e resolveu embarcar na galhofa. Ah! A trilha sonora é inteiramente da banda AC/DC, pelo único motivo de ser a banda preferida de King.

    Encurralado (Steven Spielberg, 1971)  – por Filipe Pereira

    Dirigido por Steven Spielberg, o personagem que se destaca no thriller é um caminhão. Por mais que a premissa pareça engraçada em um resumo, trata-se de uma obra série e muito bem produzida, apesar das condições paupérrimas. Encurralado é na verdade um telefilme, foi rodado em poucos dias e, apesar da qualidade, possui alguns momentos de humor involuntário. O Peterbilt clássico que persegue o personagem de David Mann (Dennis Weaver) é simplesmente gigantesco, parece um kraken deslizando sobre o asfalto e a motivação por trás desse terror parece ser nenhuma além de causar terror, nesse ponto, parecido com o clássico Tubarão do mesmo diretor que ensaia neste filme a mesma câmera subjetiva do filme do monstro.

    Bônus Track

    Carga Pesada (1ª Fase: Daniel Filho, Ferreira Gullar, Gianfrancesco Guarnieri e Walter G. Durst, 1979-1981 |2ª fase: Ecila Pedroso, Mara Carvalho, Walther Negrão e Walcyr Carrasco, 2003-2007) – por Filipe Pereira

    Para não dizer que não falamos de produções brasileiras, há o seriado protagonizado por Antonio Fagundes e Stênio Garcia, que viviem Pedro e Bino, dois caminhoneiros que cruzam o Brasil e vivem aventuras que variavam entre denúncias sociais e um culto ao folclore brasileiro. A primeira versão foi criada por Daniel Filho, Ferreira Gullar, Gianfrancesco Guarnieri e Walter G. Durst, tinha duração de mais ou menos quarenta minutos por episódio e ficou no ar entre 1979 e 1981, já a versão mais recente tinha histórias de Ecila Pedroso, Mara Carvalho, Walther Negrão Walcyr Carrasco, e foi ao ar entre 2003 e 2007. Infelizmente na segunda versão, conhecida pelos jovens como Carga Pesada Shíppuden, o programa passava num horário muito tarde, fato que dificultava sua visualização, mas ainda assim era uma série muito marcante e divertida em alguns pontos, especialmente quanto a dupla passava por apuros, ou pelas ciladas que aconteciam com os dois inseparáveis Pedro e Bino. Hoje se mantém no imaginário popular, principalmente por conta de piadas virtuais, demonstrando a força e o carinho do público pela série.

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  • Crítica | O Exorcista

    Crítica | O Exorcista

    A versão estendida capitaneada pelo diretor William Friedkin para o clássico O Exorcista começa no cenário desértico e arenoso de Hatra, próxima de Nínive – atualmente fica no Iraque -, onde o padre interpretado por Max Van Sydow, Lankester Mirren, participa das escavações arqueológicas que serviriam de base para os dois prequels da franquia. Ali, o religioso se depararia com uma imagem e a história de rivalidade com a entidade da qual confrontaria mais tarde.

    Enquanto isso, acompanhamos a rotina em Georgetown, onde se bifurca a história, mostrando a atriz Chris MacNeil (Ellen Burstyn), trabalhando em um filme e vivendo sua rotina com a filha Megan (Linda Blair), além disso, somos apresentados ao jovem padre Damien Karras (Jason Miller), um rapaz abnegado, que cuida da avó já bastante idosa e que parece ter pouco tempo para satisfazer seus próprios desejos. Antes mesmo de qualquer manifestação do mal, já se percebe a angústia da vida moderna acometendo os personagens, como se suas satisfações mais básicas não tivessem como ser atendidas minimamente. Só a criança resta usufruir de pequenos prazeres, os adultos são quase castrados.

    Aos poucos o drama de Megan evolui. As primeiras manifestações do mal que assola a menina são tímidas, com ela indo até uma reunião social em sua casa e urinando na frente de todos, mais tarde sua cama balança sem motivo para tal. Sua atitude muda muito, sua voz fica gutural e ela começa a se debater, com o volume de seu pescoço aumentando muito, como se houvesse algo preenchendo sua garganta. O ser que divide a consciência com ela declara que a alma da criança pertence a si, e não demora até a mãe da possuída perceber que o acompanhamento médico, psiquiátrico e exotérico não surtirá o efeito desejado.

    O autor do livro, William Peter Blatty, teve um papel importante na produção, servindo não só de consultor, mas também de roteirista. Muito do ritmo mais lento do longa é relegado ao seu texto, que prioriza a construção do suspense por meio da problemática de permanência da entidade maligna no corpo da menina. Apesar de haver claramente uma gordura nesses momentos, extensos demais, a letargia do texto é bem empregada, para muito além do enfado do público atual que porventura assista essa versão. A demora para que hajam ações mais diretias, seja da criatura ou de quem a trata serve de paralelo ao velho conflito maniqueísta entre bem e mal e a impotência humana diante das divindades de deus e o diabo. A demora ataca a segurança dos MacNeil e de Karras, sendo o padre por sua vez um pouco negligente, já que demora a perceber que realmente precisa de ajuda.

    Há cenas específicas de força simbólica ímpar, antes mesmo da chegada de Mirren. A cena do crucifixo serve não só para mostrar a zombaria do diabo com um objeto sacro, como também o despertar da sexualidade da moça, com o óbvio paralelo com a menstruação. Alem disso, o momento em que Sharon (Kitty Winn), a assistente de Chris corre para encontrar Karras na entrada da casa é o símbolo mais cabal da pressa e da ansiedade dos personagens por ter toda aquela situação resolvida.

    O exorcismo de fato ocorre após longas e demoradas sessões, que incutem no espectador o medo por meio da já citada lentidão do tratamento. Não há respostas fáceis para o que ocorreu com os MacNeil, nem para as manifestações de frio dentro do quarto onde todo o trauma ocorreu. A menina, que antes tinha em si a figura do demônio se livra do flagelo que é imposto pelo mal, sem lembranças do que ocorreu, sem perceber inclusive os sacrifícios dos sacerdotes que serviram a si.

    O Exorcista é um filme artístico e com a marca de seu realizador, contém suspense, gore, pitadas de exploração da fé comum a grande parte do Ocidente. Muitas vezes é injustiçado de não ser colocado no mesmo hall de O Bebe de Rosemary de Roman Polanski e O Iluminado de Stanley Kubrick, muito por ser esse parte de um cinema de gênero normalmente relegado a algo menor. Seus dotes como a música característica e amedrontadora de Mike Oldfield e Jack Nitzsche, ou a construção de horror que a direção de arte e elementos da fotografia proporcionam nos 132 minutos de exibição são só alguns dos elementos que fazem o longa soar como uma obra prima não só do terror, mas do cinema clássico como um todo.

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  • Crítica | O Diabo e o Padre Amorth

    Crítica | O Diabo e o Padre Amorth

    Gabriele Amorth foi um padre famoso por executar exorcismos. Requisitado inclusive em documentários como Satan Lives, The Exorcist in the 21st Century, Os Rituais de Exorcismo e Vade Retro, Satanas, só para ficar em alguns. A surpresa foi ele ser encontrado por William Friedkin, diretor de O Exorcista, para protagonizar O Diabo e o Padre Amorth.

    Outra surpresa é a duração do filme, apenas 68 minutos. Friedkin começa entrevistando o escritor do romance O ExorcistaWilliam Peter Blatty – a quem o longa é dedicado. Em suas palavras, seu livro foi inspirado num caso real de exorcismo, ocorrido em 1949, através do relato do padre William Bowdern. Grande parte da primeira metade do filme faz lembrar os extras do filme, com detalhes dos bastidos do filme de 1973.

    Pouco tempo depois, se traça um perfil de Gabriele, que na juventude, foi da resistência ao governo fascista de Benito Mussolini. A altura do documentário, o padre já tinha 91 anos e estava executando o exorcismo a uma mulher de meia idade, chamada Cristina. Seria permitido ao diretor ir sozinho nas sessões de exorcismo, sem luzes e sem ninguém somente com uma câmera, e o que se vê é uma sequência longa, em uma sala pequena, lotada com a família da exorcizada. A única diferença visível na postura da mulher é a voz, em um tom gutural pouco convincente.

    A estética do filme é bastante simplista e é curioso o formato que Friedkin escolheu. O começo de sua carreira, no documentário O Povo vs Paul Crump, de 1962, formato deixado de lado logo depois para que pudesse migrar para a ficção. Pouco se vê qualquer interferência no sentido de um maior apuro na direção da parte por parte do cineasta, e mesmo as referências bíblicas ocorridas durante a sessão são sub-aproveitadas e mal-explicadas.

    A explicação mais plausível para a falta de marcas na direção seria a de espanto por parte do cineasta, que se sentiu particularmente impactado pelo que ocorreu consigo nas experiências que teve com o padre e Cristina. Sua perturbação é clara, inclusive na questão sensacionalista de uma ameaça de morte, feita pelo suposto possuidor de Cristina, que prometeu em Alatri – na Itália – que ele morreria caso exibisse o filme. As questões propostas por Friedkin precisam muito da fé do espectador para funcionarem, no entanto, o resultado do filme passa longe de ser desastroso, é apenas mediano e sem uma identidade definida, já que não sabe se é um documentário sobre o filme de 1973 ou sobre o padre especialista em exorcismos.

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  • Crítica | A Conexão Francesa

    Crítica | A Conexão Francesa

    Qualquer cinéfilo ou entusiasta de filmes de ação é familiarizado com o incrível Operação França (The French Connection), obra do diretor William Friedkin e estrelado por Gene Hackman e detêm a considerada melhor perseguição de carro já feita na história do cinema. Em contraste, não são muitas pessoas que viram a sua sequência, Operação França 2 (The French Connection 2), em que o detetive interpretado por Hackman vai até a França achar a tal conexão do título original. Não é um grande filme se compara a obra original. Felizmente, encontramos agora décadas depois a obra Conexão Francesa, dirigida por Cedric Jimenez, estrelando ninguém menos que Jean Dujardin (conhecido mundialmente por seu trabalho em O Artista) – agindo como a contraparte francesa do personagem de Hackman.

    Na trama, o magistrado Pierre Michel (Dujardin) é transferido para Marselha, onde descobre que seu maior desafio será desmembrar uma articulada quadrilha de traficantes de heroína na cidade dominada por Gartan Zampa (Gilles Lellouche).

    É interessante ver como muitas das produções tentam resgatar alguns temas e a estética setentista, não só visualmente como em decupagem, pensem em O Agente da U.N.C.L.E. ou até mesmo em Argo. Não se trata de um filme policial como Atração Perigosa ou até mesmo Os Infiltrados, o filme é dinâmico mas respeita suas duas horas de duração de maneira que até o progresso dela segue um compasso que não soa de maneira alguma como os filmes de ação/policial costumeiros dos nosso tempos.

    A trilha sonora também é quase um segundo personagem da trama, é difícil lembrar em mais de oito minutos que alguma cena da produção não tenha simplesmente alguma música de época e pouquíssimo uso de trilha incidental. Junte isso a maneira que praticamente todas as cenas ressaltam sempre uma paleta quase pastel com sombras barrocas belamente enquadradas e realmente o filme se torna uma bela mescla entre o gênero policial com a estética européia e também de uma escola de cinema passada com sutis maneirismos contemporâneos.

    Conexão Francesa infelizmente não é recheado de ação como um filme desses geralmente é exigido pelo público nos dias de hoje, porém contrabalanceia esse fato com uma competente execução de história sem nenhum recurso batido, como repetitivas narrações progredindo a trama ou os clássicos exageros de vilões perdendo o controle sempre que a situação não sai de acordo com o planejado. Esse filme poderia facilmente ser vendido num box com as outras duas produções que tem Hackman como protagonista.

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • Crítica | Killer Joe: Matador de Aluguel

    Crítica | Killer Joe: Matador de Aluguel

    Killer Joe poster

    Este é o tipo de filme que, ao seu término, deixa o espectador na dúvida. Não dá para dizer se gostou ou não, porém não dá para negar que causa uma impressão que custa a se dissipar. O humor negro que permeia todo o filme, a sensação de conhecer talvez a família mais estúpida e desajustada da história do cinema, a certeza de ver a melhor atuação de Matthew McConaughey até hoje e uma sequência final de tirar o fôlego são apenas alguns dos elementos que fazem deste um filme difícil de descrever em palavras.

    Há nudez, violência física e verbal, falta de escrúpulos e de expectativas num universo obscuro e deprimente em que as pessoas moram em trailers, com um cão ladrando acorrentado durante toda a noite, com uma TV ligada todo o tempo passando aparentemente sempre a mesma programação. E William Friedkin apresenta isso logo na sequência de abertura, à noite e sob a chuva, esfregando – quase literalmente – na cara do espectador a depravação do mundo em que vivem os personagens.

    A trama em que os personagens estão enredados é praticamente uma tragédia anunciada. O público assiste sabendo que algo ruim irá acontecer. E acontece. Mas acontece muito mais do que era esperado. No último terço do filme, através da expressão truculenta e insana de Killer Joe, Friedkin parece se dirigir ao espectador: “Você estava esperando violência? Estava aguardando a tragédia? Então, agora aguenta aí.” E o espectador não é poupado de cenas cada vez mais perturbadoras, daquelas que dão vontade de desviar o olhar.

    A história é bem estruturada, apesar de sua simplicidade. Mas a força está mesmo nos personagens, complexos e bem desenvolvidos. Apesar do aparente exagero nas tintas, a ótima performance do elenco torna-os totalmente verossímeis. Há Chris Smith (Emile Hirsch), o jovem traficante, totalmente gauche na vida, que já foi expulso de casa pela mãe por tê-la agredido. Seu pai, Ansel Smith (Thomas Haden Church), tão bronco e ignorante, cuja preocupação maior ao conversar com a atual esposa sobre a filha caçula é não esquecer o dinheiro para a cerveja. Sua irmã mais nova, Dottie (Juno Temple), ingênua e totalmente alienada da realidade ao redor, cujo corpo adolescente é um misto de inocência e sensualidade. Sua madrasta, Sharla (Gina Gershon), uma quarentona enxuta (?), habituada a usar o corpo e o sexo para conseguir o que quer.

    E, finalmente, há Joe Cooper (McConaughey), o assassino de aluguel, detentor de um código de ética próprio e muito, muito educado. Mas educado de um modo assustador. A própria Dottie lhe diz: “Your eyes hurt” (“teus olhos machucam”). Contido, tem-se a impressão de que a qualquer momento ele irá surtar. E surta. E o mais assustador é que, quando ele surta, apesar de parecer descontrolado, percebe-se que suas ações não são impulsivas, que ele ainda é senhor de seus atos. Enfim, uma atuação sem precedentes de McConaughey, que consegue revelar aos poucos a psicopatia do personagem.

    E, dessa mistura entre humor negro e insanidade, emerge uma comédia de erros de tons mórbidos que causa um estranhamento no espectador, mas que valida toda a excentricidade do filme.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.