Tag: Horror

  • Crítica | A Casa do Medo: Incidente em Ghostland

    Crítica | A Casa do Medo: Incidente em Ghostland

    – O que sua história era pra ser?

    – Assustadora.

    Não é legal quando, em três minutos (literalmente) de filme, o mesmo já pede desculpas pra gente através de um diálogo? Ele não vai assustar, no máximo chocar se isso ainda for possível em 2018, com vídeos de discussão política bem mais aterrorizantes no YouTube do que uma jovem possuída vomitando num padre. A ficção quase não encontra chances mais para ser pior que a realidade, mas A Casa do Medo: Incidente em Ghostland ignora isso e tenta nos fazer roer as unhas de qualquer jeito na ponta da poltrona igual O Massacre da Serra Elétrica fez com sucesso com espectadores ainda não acostumados a verem de tudo, arrepiando-os até depois da sessão, relembrando momentos aqui sequer alcançados senão brevemente por jumpscares baratos a todo momento, uma câmera escura e confusa preservando o terror gráfico que está à espreita, e uma construção cênica que busca o êxito que James Wan conseguiu, junto a plateias modernas, com a casa onde tudo acontece de A Invocação do Mal.

    Não se engane, o começo aqui é bacana e renderia um curta-metragem (ou mesmo um longa nas mãos certas) de primeira linha: Mãe e duas filhas herdam um sobrado e se mudam pra lá, pra uma casa macabra visando a felicidade (?), e na estrada já presenciam um caminhão de sorvete com pessoas encapuzadas acenando, de dentro. Sem motivos para se alarmar, elas chegam na casa e logo são atacadas antes de desempacotar os travesseiros. Sobrevivem no modo girl power, atacando os algozes demoníacos feito animais que não aceitam o abate, só que o ataque deixa traumas irreparáveis na vida das sobreviventes, sempre com seus psicológicos abalados, até o passado chamá-las de volta para o inferno que conseguiram escapar.

    O diretor Pascal Laugier já havia mostrado no bom Martyrs, merecido sucesso de 2008, ser o típico cineasta doente que filma o lado brutal dos seres-humanos até nos fazer duvidar se ainda podem ser chamados disso, dado seus atos de perversão e luta em tela, e aqui isso não fica muito diferente.E é ai que Laugier se sabota. Mesmo com suas boas ideias, e influências modernas, o diretor é do tipo gráfico que expõe para depois explicar; que joga na tela ao invés de construir uma tensão que vá além do decente. De pesadelo em pesadelo, as irmãs Beth e Vera percebem que serão sempre aquelas meninas atormentadas no cativeiro, nadando eternamente no medo primordial onipotente que banha suas vidas adultas, desde que foram salvas por sua mãe do abate já referido.

    Quando aposta no lado emocional e não apenas assustador, Ghostland se sai muito bem e foge da banalidade que facilmente poderia cair, estreitando os laços familiares de sobreviventes que, sabemos, cedo ou tarde irão voltar para o que tirou a normalidade das suas vidas hoje atormentadas. O filme além de tudo reforça nossa relação com o poder do som no Cinema, nos fazendo lembrar que boa parte do que sentimos diante de uma imagem é causado, imperceptivelmente, pelo trabalho de som em paralelo, e esse certamente se destaca, no ano em que a melhor mixagem de som de um filme veio de outro terror, o bom Um Lugar Silencioso.De qualquer forma, eis aqui um projeto que se debate para encontrar sua insondável direção e o seu verdadeiro potencial dramático, limitando-se a sustos fáceis e uma brutalidade contida para satisfazer os fãs de filme de terror (o jumpscare da cena da fechadura é ofensivo), devido sua estrutura ser tão caótica quanto à mente de Beth, Vera e sua mãe.

    Se as coisas vão bem, ou melhor, capengando até a metade de Ghostland, o mesmo não pode ser dito daí em diante, quando o filme não resiste em tornar a brincadeira o mais sobrenatural e surreal possível, dentro de uma proposta realista já estabelecida de assassinos perseguindo a família que cruzou seu caminho de barbárie, e doentia, na estrada. Nisso, o estudo proposto de traumas infantis vira, de uma cena para outra, um palco amalucado para cachorros latindo para o nada, fetichismo infantil e espíritos assombrando quem antes era assombrada por uma violência real, ainda que absurda a beira de um gore fraco, e previsível. Um filme para os amantes específicos do gênero, sendo que há tanta coisa melhor por ai, a começar pelas ótimas influências desse exemplar desequilibrado do terror contemporâneo e que, afinal, choca por motivos qualitativos os quais não consegue resolver. Sobra intenção, falta execução.

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  • Resenha | As Sobreviventes – Riley Sager

    Resenha | As Sobreviventes – Riley Sager

    O subgênero do terror conhecido como slasher foi fundamentado como um estilo a partir da década de 1970 com dois grandes clássicos do terror: O Massacre da Serra Elétrica (1974), de Tobe Hooper, e Halloween (1978), de John Carpenter. A tradução do verbo slash, retalhar, cortar, apresentam pistas do subgênero, fundamentado por um assassino serial, com ou sem máscara, que elimina um grupo de pessoas com, provavelmente, poucos sobreviventes no final.

    Evidentemente, há registros anteriores a tais marcos como Psicose (1960), de Alfred Hitchcock, porém, as estruturas analíticas em torno do subgênero não haviam sido desenvolvidas. Dessa forma, os filmes citados permanecem como um dos primeiros fundadores e, posteriormente, a década de 80 daria vazão a grandes séries slasher como A Hora do Pesadelo e Sexta-Feira 13 e, na década seguinte, com Pânico.

    Escrito por Todd Ritter sob pseudônimo de Riley Sager, As Sobreviventes, lançado pela Editora Gutenberg, retoma a tradição dos slasher apresentando um depois dos massacres vistos em diversos filmes. A trama é centrada na jovem Quincy Carpenter, a única sobrevivente de um massacre terrível. Ao lado de outras duas sobreviventes de situações similares, ganharam a alcunha de sobreviventes pela mídia. Mas Quincy é a única que guarda poucas recordações de sua noite fatídica, até que novas informações trazem novas lembranças e, finalmente, a verdade.

    Sager desenvolve certo ineditismo narrativo ao apresentar um momento posterior após os filmes de horror. Compondo uma narrativa dividida entre primeira pessoa – narrada por Quincy no presente – e terceira – ao apresentar, aos poucos, os fatos acontecidos no massacre que transformou a personagem em uma sobrevivente – a tensão se desenvolve a cada capítulo. Sendo uma obra oriunda do gênero slasher, é como se, a cada nova revelação, fosse iminente a aparição de um homem mascarado e uma faca afiada. Um tipo de leitura fluída que ganha o status de page-turner, uma obra que gera intensa curiosidade por parte do leitor que o faz ler capítulo após capítulo, até o final.

    Ao selecionar uma personagem central como Quincy, uma sobrevivente de um massacre brutal, o autor é capaz, mesmo em uma trama mais próxima do suspense, introduzir uma psicologia profunda na garota diante de uma situação-limite com alto índice de trauma. Cada uma das sobreviventes reagiram a sua maneira com seu próprio passado. No caso da garota, o bloqueio neurológico não só funciona como afastamento da situação como garante ao leitor descobrir junto com a personagem os novos fatos sobre o dia fatídico.

    Se os filmes sempre pontuam as personagens focadas em um tempo determinado, um final de semana, uma festa comemorativa, a narrativa expande esse tempo, demonstrando que, apesar da grande violência, tem-se um cotidiano normal de alguém que procura recomeçar a vida, apesar do trauma vivido e da característica exploração midiática, comum aos acontecimentos e escândalos de grande repercussão.

    Um evidente amante do gênero, Sager transpõe com qualidade as bases do subgênero à sua ficção. Dessa forma, comum ao subgênero, o desenlace traz uma revelação final com reviravoltas, como manda a regra sobre a revelação do assassino, nem sempre tão imaginativa assim. Porém, os fatos são coerentes com a história, ainda que seja interessante pontuar que o leitor que não se sente confortável com o estilo slasher, talvez se incomode com o desfecho. Porém, mesmo nele, há uma interessante discussão sobre a adoração que muitos tem sobre tais massacres reais, como, por exemplo, o sempre presente interesse de muitos a respeito de famosos assassinos seriais.

    Com o apoio da leitura atenta de Stephen King, mestre que elogiou a obra como um dos thrillers do ano, As Sobreviventes, eleito uma das melhores leituras de julho no Goodreads, é uma interessante narrativa de suspense que se distância um pouco do comum, alinhando na literatura um dos subgêneros mais queridos dos filmes de terror.

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  • Crítica | A Autópsia

    Crítica | A Autópsia

    Pai e filho comandam um necrotério de uma cidade interiorana dos Estados Unidos. Por ser a cidade um lugar pacato, normalmente o homem mais velho Tommy Tilden (Bryan Cox) e seu filho, Austin (Emile Thirsden), não tem muito trabalho ou dor de cabeça, até chegar ao local de trabalho o cadáver de uma mulher que estava nos arredores da cidade. Elas a apelidam de Jane Doe e começam a analisar o que ocorreu com ela.

    A Autópsia segue seu drama de maneira direta e econômica, como é típico do trabalho de seu diretor André Øvredal, que fez anteriormente O Caçador de Troll. A rotina dos parentes em analisar o causa mortis da garota varia entre o comum dentro dos procedimentos padrões e uma desconfiança enorme por parte de Austin, que enxerga muita estranheza durante os eventos simples da análise, como o sangramento do cadáver. Neste ponto, a trilha sonora ajuda a maximizar o espanto do analista, ao inserir uma música grave e de suspense, enquanto os dois mexem nas partes do defunto.

    É curioso como Jane (Olwen Katherine Kelly) tem expressões mesmo estando morta. Quando ela é levantada aparenta estar desesperada e desamparada. Os eventos estranhos, que antes só pareciam incomodar Austin começam a se manifestar também para o seu pai, aumentando portanto o escopo da paranoia. A sensação de claustrofobia é criada aos poucos, desafiando até clichês do gênero, uma vez que os assustados são pessoas que lidam com os mortos em seu cotidiano e portanto, estão acostumados a tratar com pessoas que perderam suas vidas.

    O estabelecimento do horror através das sensações de apenas duas pessoas faz maximizar a tragédia inevitável dos destinos ali propostos. Os olhos dos parentes é iludido graças a seja lá qual for o mal que impera naquele lugar desde que Jane chegou. No auge do desespero, por perceberem correr risco de vida, a dupla passa a investigar a origem da moça, chegando a conclusões que remetem o filme a uma tônica que era bastante comum à época dos filmes italianos de terror de Mario Bava, Dario Argento, Lucio Fulci, etc.

    A simplicidade do filme e dos assuntos abordados só enriquece A Autópsia, resultando em um filme que consegue agradar aos fãs do horror dada a engenhosidade de seu realizador, que faz da câmera seu mais infligidor de pavor e medo, além de deflagrar também no texto de Richard Naing, espaço para algumas causas fundamentais, especialmente no tocante à violência contra a mulher, jamais soando oportunista ou panfletário.

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  • Resenha | Cujo – Stephen King

    Resenha | Cujo – Stephen King

    Este é o primeiro livro de Stephen King que leio. Ou melhor, que leio por completo. Comecei a ler Sob a Redoma, no Kindle, mas a leitura está parada há meses – mais adiante comento sobre os possíveis motivos. Havia lido um conto, “Milha 81”, e gostado bastante. Quando surgiu a oportunidade de ler esta edição linda de Cujo, não pensei duas vezes.

    “Frank Dodd está morto e a cidade de Castle Rock pode ficar em paz novamente. O serial-killer que aterrorizou o local por anos agora é apenas uma lenda urbana, usada para assustar criancinhas. Exceto para Tad Trenton, para quem Dodd é tudo, menos uma lenda. O espírito do assassino o observa da porta entreaberta do closet, todas as noites. Você pode me sentir mais perto… cada vez mais perto”.

    O trecho acima, que consta da sinopse oficial, não-intencionalmente gera um mal-entendido na cabeça do leitor, pois parece indicar que a história tem a ver com possessão demoníaca ou algo assim. Mas esse mal-entendido não é culpa de quem escreveu a sinopse. O próprio King, de certa forma, “desencaminha” o leitor no início da trama ao dar ênfase ao monstro no armário do pequeno Tad. Mas basta avançar um pouco mais para perceber que foi uma forma de introduzir e apresentar ao leitor os personagens da família Trenton – Vic, Donna e Tad. Pois exceto pela insinuação vaga de que talvez o espírito de Dodd tenha possuído Cujo, não há nada de sobrenatural na história, que se passa na cidade fictícia de Castle Rock, no Maine, onde moram a família Trenton, a família Camber e mais alguns personagens secundários.

    Algo sobre a escrita de King que eu já havia reparado ao ler Sob a Redoma é que ele é prolixo. Porém não num sentido pejorativo já que, diferente da maioria dos textos prolixos, o de King é agradável de ler. Parece supérfluo. Pode até ser supérfluo em alguns casos. Mas é interessante. Sempre. Neste livro, principalmente no início, há várias páginas discorrendo sobre assuntos que pouco agregam à história, mas que ainda assim se apresentam atraentes ao leitor, que dificilmente fica com vontade de saltar parágrafos. E, apesar desses trechos ou, aproveitando-se desses trechos, King vai inserindo uma tensão na narrativa que prende o leitor. Ele consegue isso, entre outras coisas, usando com muita eficiência a ironia dramática. Como Lemony Snicket explica muito bem no segundo volume de Desventuras em Série:

    “Em poucas palavras, a ironia dramática ocorre quando uma pessoa faz um comentário inocente, e outra pessoa que o escuta está sabendo de alguma coisa que faz com que esse comentário tome um sentido diferente, em geral desagradável”.
    (A sala dos répteis – pag.37)

    No que tange à literatura, trata-se daquela situação em que o leitor sabe mais do que os personagens. O autor dá ao leitor informações extras, que fazem com que ele, na maioria das vezes, tema pela segurança e pelo bem estar de um ou mais personagens. E King faz isso magistralmente ao incluir trechos em que descreve o que acontece com Cujo, o são-bernardo da família Camber. A narrativa, estrategicamente, é feita em terceira pessoa por um narrador onisciente, intercalando os dissabores da família Trenton, o cotidiano fastidioso dos Cambers e as reações de Cujo depois de ter sido mordido por um morcego infectado com raiva. O leitor vai lendo e inferindo o que irá acontecer, enquanto os personagens estão ali, inocentemente vivendo suas linhas narrativas sem desconfiar de nada. Quem lê sabe que vai acontecer alguma coisa, só não sabe quando nem como nem quem será a primeira vítima. Tem como largar o livro antes de descobrir isso?

    E chega-se a esse ponto mais ou menos ao final do primeiro quarto do livro. Quando acontece aquilo para que o autor estava preparando o leitor desde o início, não há como não se indagar: “Será que vai ficar enchendo linguiça por mais 300 páginas?”. Mas não. King cria outra expectativa. E continua fazendo o que faz de melhor – deixando o leitor na beira da poltrona de tanta ansiedade.

    “Latindo com fúria, Cujo deu início à perseguição. Embora o coelho fosse muito pequeno, e Cujo, muito grande, a possibilidade de conseguir trouxe uma dose extra de energia para as patas do cão. Cujo chegou perto o suficiente paraagarrar a presa, mas o coelho fez um zigue. Cujo se virou pesadamente, com as garras revolvendo a terra negra do prado, perdendo terreno de início, logo voltando à carga. Pássaros saíram voando ao ouvir o latido alto e ofegante. Se um cachorro pudesse sorrir, Cujo estaria sorrindo naquele momento. O coelho fez um zague e seguiu direto para o campo. Cujo partiu atrás, já suspeitando que não conseguiria ganhar aquela corrida.”
    (pag. 29)- grifo meu

    “Dormiram juntos, mas pela primeira vez a cama king-size pareceu pequena demais para Vic. Dormiram virados, e o espaço entre os dois parecia uma terra de ninguém coberta com cuidado por lençóis. Ele passou as noites de sexta e de sábado em claro, já que morbidamente percebia todas as mudanças de posição de Donna, ouvindo o som da camisola contra o corpo da esposa. Ficou imaginando se ela também estava acordada, no outro lado do vazio que separava os dois.”
    (pag. 119)

    É inevitável fazer um pré-julgamento dos livros de King baseado na referência que se tem dos filmes inspirados em suas obras. E dois pontos saltam à vista. A primeira constatação – óbvia – é que os livros são melhores que os filmes. Ok, são duas mídias diferentes que devem ser analisadas diferentemente. Mas a riqueza de informações que o livro oferece é sempre inigualável, mesmo o filme contando com o recurso adicional da imagem para narrar a história. A segunda constatação é que King é muito mais do que um expert em criar suspense. Ele faz isso realmente muito bem. Contudo como se pode perceber pelos dois trechos acima, sua escrita vai além disso. O primeiro mostra King brincando com as palavras, e há vários trechos no decorrer do livro escritos assim. Pode até soar contraditório – pois, como afirmado acima, King é prolixo – mas os dois trechos ilustram que o autor pratica muito bem o “show, don’t tell”. Há muitas coisas não ditas nas cenas acima que são explicitadas seja pelo jogo de palavras seja pelas figuras de linguagem.

    Nesta edição da Suma de Letras, ao final do livro há uma entrevista com o autor, concedida ao repórter da revista The Paris Review. Nela, há algumas pérolas que deveriam servir de guia para escritores iniciantes:

    “ENTREVISTADOR: Cujo é incomum porque o livro inteiro é um único capítulo. Você planejou isso desde o início?

    KING: Não, Cujo era um livro normal em capítulos quando foi concebido. Mas eu me lembro de pensar que queria que o livro atingisse o leitor como se fosse um tijolo jogado pela janela. Sempre achei que o tipo de livro que eu escrevo – e meu ego é grande o bastante para pensar que todo escritor devia fazer isso – devia ser uma espécie de agressão pessoal. Devia ser alguém pulando por cima da mesa, devia agarrar e intimidar o leitor. Devia provocá-lo. Devia incomodá-lo, perturbá-lo. E não só porque ele ficou com nojo. Quer dizer, se alguém me mandar uma carta e disser que não conseguiu jantar, o que eu penso é: ‘Ótimo!’”

    Em outro trecho, em que King fala sobre seus livros e a forma como ele os “separa” em dois tipos, ficou claro para mim por que Cujo me agradou tanto e Sob a Redoma, nem tanto – a ponto de a leitura não avançar:

    “ENTREVISTADOR: Quando você reflete sobre seus livros, faz alguma distinção entre categorias?

    KING: Eu tenho dois tipos diferentes de livros. Acho que livros como A Dança da Morte, Desespero e a série A Torre Negra são livros que vão para fora. E livros como O Cemitério, Misery, O Iluminado e Eclipse Total vão para dentro. Os fãs normalmente gostam ou dos para fora ou dos para dentro, mas não de ambos.”

    Interessante essa divisão dele. Eu particularmente nunca tinha pensado em thrillers sob esse aspecto. E inclusive o entrevistador o questiona sobre isso. Pois como praticamente todos os livros do autor têm terror psicológico, se não seriam classificados como “para dentro”. E King explica que leva também em consideração a quantidade de personagens. E aí está, nas palavras do próprio Stephen King, o motivo de Sob a Redoma não me agradar tanto, já que é um livro “para fora”.

    Vale reparar como King pega uma trama simples – um cão raivoso perseguindo moradores de uma cidade pequena – e a transforma em algo que mexe com o âmago do leitor. Quem disse que thrillers tem de ser apenas entretenimento?

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • O Terror Japonês e seus Remakes

    O Terror Japonês e seus Remakes

    Gore Verbinski começou a trilhar um caminho praticamente sem volta para o cinema hollywoodiano, ao aceitar filmar o remake americano de Ringu. Talvez aquela altura o diretor do Tennessee não soubesse o mal que haveria de liberar, uma vez que o estúdio Dreamworks ainda não tinha certeza de que o seu O Chamado seria o sucesso que foi, especialmente por ser lançado em 2002, um ano antes da cinessérie Piratas do Caribe, sucesso máximo da carreira do cineasta.

    É ponto pacífico que Hollywood perdeu grande parte de sua inspiração nas últimas décadas, e é mais notório ainda que haja remakes de produtos estrangeiros para o mercado doméstico. Mesmo Martin Scorsese havia trazido à tona seu Os Infiltrados, uma versão do primeiro filme da trilogia Conflitos Internos, de Siu Fui Mak e Wai Keung-lau. Para entender o fenômeno recente de migração do cinema asiático japonês para o estadunidense, é preciso se debruçar sobre a obra de Hideo Nakata, diretor do primeiro Ringu e dono de um estilo de filmagem próprio, que valoriza o suspense e o mistério, e que se vale muito do sobrenatural e o desconhecido para valorizar sua obra. Foi assim também com Água Negra, que também ganhou adaptação pelo cinema mainstream americano.

    Nakata era um bom diretor, mas não inventou nada sozinho. Sua escola é semelhante a de Kiyoshi Kurosawa, cineasta por trás de Kairo (ou Pulse, na tradução dos EUA), Doppelganger e o recente Creepy, e claro, Takashi Shimizu, de Almas Reencarnadas e Ju-On – O Grito. Ambos se munem de todo o ideário japonês que trata da morte como um evento corriqueiro resultante do processo final da vida, sem necessariamente produzir uma fobia comum ao ocidente. Algo se perdeu nessa tradução, em especial no filme que coube a Verbinski, uma vez que o início de O Chamado não consegue ser nada sutil, mesmo que imite o filme original em praticamente todos os seus aspectos.

    A Duologia “O Chamado”

    A transposição dos filmes americanos além de revelar a falta de ideias por parte dos estúdios, mostra também um desespero tremendo em sua composição. Naomi Watts faz a personagem Rachel Keller, uma jornalista atormentada por uma questão familiar e obcecada para entender o que ocorreu com sua sobrinha recém-falecida, situação idêntica à vista com Reiko Asakawa no filme de Nakata. Watts já era famosa mundialmente, assim como Sara Michelle Gellar, de O Grito, e Jennifer Connelly, em Água Negra.

    Verbinski pouco acrescenta em sua versão da maldição da fita, exceto por algumas cenas conceituais no tal vídeo maldito. Tal paradigma seria também seria repetido não só em versões de filmes do Japão, mas também nos importados da Europa, vide o exemplo de REC/Quarentena e nas duas versões de Martyrs, ambos filmes de terror que fizeram sucesso recentemente e tiveram adaptações para o público americano.

    Três anos depois, os produtores da franquia americana imitariam o ocorrido com O Grito chamando o diretor japonês Hideo Nakata para conduzir a continuação de O Chamado 2, com a função prioritária de não adaptar o texto de sua versão de Ringu 2, já que a continuação citada seria muito diferente do primeiro capítulo do filme original. Ainda que houvesse esse pedido, percebe-se na verdade um resgate de muitos dos conceitos da sequência japonesa, já que todo o mote do roteiro envolve a perseguição da vilã Samara e sua maldição ao menino Aidan (David Dorfman), com Rachel tentando desbaratar a situação.

    Alguns desdobramentos dramáticos até soam criativos, mas a redução da maldição a uma trama de possessão demoníaca é pobre e bem condizente com a mediocridade em que estava inserido o cinema de horror hollywoodiano à época. Outro fator terrível é Nakata se repetindo, ao pôr detalhes de seu outro filme, Água Negra (ou Honogurai mizu no soko kara ), que também ganhou uma versão americana, pelo brasileiro Walter Salles.

    Entre os principais problemas da duologia O Chamado, estão a substituição da sutileza e alto suspense que Nakata fez no fim dos anos noventa em comparação com o uso excessivo de CGI e efeitos especiais pirotécnicos dos filmes americanos. Os personagens são menos humanizados, no caso dos adultos, enquanto as crianças são imbecilizadas. Esses defeitos se repetiriam nos demais filmes deste artigo.

    O Grito: Shimizu e sua transição em dois mercados

    Em 2002, o diretor Takashi Shimizu levou aos cinemas o começo da franquia O Grito (Ju-On no original). Já haviam versões dessa mesma saga dois anos antes, na televisão, mas a popularização do mito de Toshio e Kayako só ocorreu mesmo quando chegou aos cinemas asiáticos. A história, bastante simples em sua abordagem, não perde tempo explicando os estranhos acontecimentos que se encenam em frente às câmeras. Basicamente se conta uma história de ligação via redes, onde a primeira pessoa tem contato com um espírito desencarnado que, quando vivo, sofreu um enorme castigo e retorna do além para perturbar os vivos. Como uma doença, essa condição se espalha e várias pessoas relacionadas a morte anterior também perecem, formando assim uma rede de abusos e mortes que parece não ter fim.

    Os sustos do filme não são frequentes e não são gratuitos. O macabro se manifesta por meio de monstros que antes eram vítimas, fator que diferencia a história das demais contadas na década de 2000. A aura de mistério e suspense é levada por um conjunto de elementos com cores claras, outro fator diferencial em meio ao horror mais recente, e os efeitos especiais apesar de datados e baratos, causam espanto e pioram a sensação de perigo imediato.

    A cor pálida dos mortos remete obviamente a vida recentemente tirada, mas essa configuração de imagens unidas aos ruídos balbuciantes que eles emitem fazem lembrar os mortos vivos dos filmes de George A. Romero, em especial os de O Despertar dos Mortos e Dia dos Mortos. A movimentação dos amaldiçoados acabou sendo bastante imitada nas versões de Verbinski e Nakata em seus “Chamados”, mas claramente sem o mesmo brilhantismo utilizado aqui.

    As sequências finais são elucidativas e dão um destino digno para cada um dos desafortunados. Não demorou para a Ghosthouse Productions comprar os direitos, e em 2004, com produção de Sam Raimi, O Grito (The Grudge) chegava aos cinemas norte-americanos, também conduzido por Shimizu, e com uma boa parcela do elenco e produção formada por japoneses, uma vez que o próprio diretor não falava inglês.

    Sarah Michelle Gellar é insossa, ao contrário de dos personagens originais – que, vale lembrar, não tem um único protagonista – mas ao menos o filme acerta em reprisar o tom de extremo pessimismo do original, e até pouco explicativo se comparado aos tantos outros remakes americanos discutidos aqui.

    O Grito, como O Chamado tornou-se uma franquia rentável, com uma continuação americana, também conduzida por Shimizu, e um reboot japonês, que inclui um crossover entre Sadako (a Samara da versão japonesa) e Kayako (de Ju-On). Como parte do legado de Ringu há o uso da criança como catalisador do horror, a questão de uma criatura vingativa e injustiçada retornando do mundo dos mortos para assombrar os vivos, além do mesmo aspecto empalidecido. Por ter um único diretor esse se torna o ponto fora da curva em questão de independência artística e criativa, fato que faz até a cinessérie americana ser melhor construída do que seus primos, ainda que prossiga inferior ao material asiático. O maior dos méritos certamente é a tradução não só de cenas, mas também de atmosfera e espírito, ainda que permaneça bizarra a necessidade de se fazer todo um novo filme para dizer exatamente o que já foi dito antes.

    Pulse: Tecnologia, depressão e suicídio no cinema de Kurosawa e seu correspondente americano

    Antes até de Ju-On, o diretor Kiyoshi Kurosawa trazia a luz Kairo, que no resto do mundo ficou conhecido como Pulse. O roteiro, do próprio Kurosawa aborda o mal moderno da ausência de aceitação, usando a questão do suicídio como avatar do sentimento depressivo. Um grupo de jovens encontra um amigo enforcado em sua residência e aparições dele ocorrem nas telas dos computadores. Depois disso uma onda de mortes ocorre, sempre com a mesma característica, jovens se suicidando.

    Kurosawa utiliza muito bem os tons sombrios nos locais onde ocorrem as mortes, deixando o cenário com lascas pretas voando, que se assemelham a resquícios de objetos queimados, além de silhuetas de cor negra, no formato dos corpos nas paredes dos recintos onde estão as vítimas.

    O final de Kairo é dúbio, pois dá esperanças, embora essa esperança seja discutível. O estreante em longa Jim Sonzero capitaneou um remake de Pulse, em 2006, com um elenco repleto de atores teen e famosos, entre eles Kristen Bell, de Veronica Mars e futuramente Heroes, Ian Somerhalder que fez Lost e mais tarde faria The Vampire Diares, e Samm Levine, integrante do carismático Freaks and Geeks.

    O fato do elenco ter vários famosos, assim como em O Chamado, atrapalha a inserção do público no filme, mas o fator mais irritante é sem dúvida a troca do mote de horror, saindo a questão psicológica para restar somente uma perseguição de um monstrengo horrendo, de cor branca e múltiplos braços. Toda a sugestão é transformada em um texto fraco, bobo e óbvio. Uma pena, visto o potencial que essa versão carregava.

    Água Negra: Walter Salles e sua estréia em Hollywood

    Ainda em 2002 estreava no Japão o horror Água Negra (Honogurai Mizu No Soko Kara), também de Hideo Nakata. Nele, acompanhamos uma mulher que se divorciou recentemente – Yoshimi Matsubara (Hitomi Kuroki) – e se muda para um apartamento com sua filha Ikuko (Rio Kanno). Após alguns momentos de suspense gratuito, levados a tela através de uma televisão que registra as imagens de uma câmera de segurança, finalmente começa um drama simples, mostrando mãe e filha incomodadas com uma goteira que provém de uma infiltração já existente no apartamento antes mesmo de se mudarem.

    O original tem o ritmo um pouco lento no início, fato que dura até a primeira hora de filme. O ideal tencionado é estabelecer empatia entre espectador e personagem por meio de cenas comuns e corriqueiras, sem grandes alardes ou sustos falsos, mostrando o desespero de uma mãe que vê sua filha sofrendo a ameaça de um ser espiritual.

    O uso da água e da figura fantasmagórica infantil e feminina como elementos de horror já haviam sido vistos em Ringu, mas aqui o paradigma é mais importante e intensificado. O clichê da vilania de crianças é elevado a um nível maior nesta, com uma exposição da criatura em cenas com ângulos bem abertos, que demonstram o quão barata é a produção em especial na confecção do vilão.

    Já na versão estadunidense – dirigido pelo brasileiro Walter Salles – há um abuso do uso de famosos, a começar por Jennifer Connelly, que faz a protagonista, uma mãe também recém-divorciada que, contudo, tem uma sub-trama boba acompanhando a si, uma vez que se gasta muito tempo de tela, e consequentemente da paciência do espectador, com a disputa da guarda de sua filha, junto ao seu ex, vivido por Dougray Scott. Nesse ponto, a trama se distancia ainda mais do livro de Kôji Suzuki – também autor do livro que deu origem a O Chamado – que era mais voltado a trama e menos em conflitos entre os personagens.

    Ainda há participações de Pete Postlethwaite como um zelador de origem estrangeira cujo sotaque estranho é a marca, há também o uso de John C. Reilly em uma participação muito genérica, e de Tim Roth, que faz um advogado que recebe seus clientes em seu carro, soando caricato ao extremo. Nesses personagens, não há trabalho sobre nuances ou características únicas, o diferencial das pessoas entre si não ultrapassa a questão de arquétipos, fato que faz irritar ainda mais a porca imitação que Salles conduz.

    A discussão de questões como a vida da mulher solteira e menções a estupro também soam desrespeitosos, uma vez que só são mencionadas, sem a mínima reflexão sobre os temas. Mas apenas pincelados, fazendo-nos perguntar se o motivo desses assuntos serem abordados é por puro sadismo de roteiristas e produtores.

    A única personagem trabalhada é a Dahlia de Connelly, que é mostrada como uma moça cujo passado esconde um abandono materno. A intenção de tornar grave o background da personagem soa interessante, mas a condução faz todo o trabalho explicativo demais, portanto, desnecessário. Como nas outras versões americanas, se pasteuriza o tema, para tornar mais palatável ao público dos Estados Unidos.

    Uma Chamada Perdida: A violência de Takashi Miike e sua versão ocidental

    Era 2003, portanto, o filme mais antigo da lista. Coube ao prolifico Takashi Miike conduzir Uma Chamada Perdida, ou Chakushin Ari no idioma original. A história é simples, e mostra uma moça que recebe uma mensagem na sua caixa de voz no celular. O conteúdo é apenas de um grito desesperado, e aos poucos ela investiga a origem dessa ligação. Como em O Chamado, Miike se vale da tecnologia que se tornou recentemente popular entre os mais jovens, com o uso de telefones móveis, como catalisador do medo e horror, transmitindo a maldição como se fosse uma doença venérea, apelando então para outro clichê do gênero terror, aqui muito bem empregado.

    Mais uma vez não se explica o porquê do mal que assola os vivos, e a construção da tensão é lenta e gradual, só ocorrendo a exposição de mortes com quase uma hora de tela, mostrando então um nível agressivo de gore, típico do trabalho do cineasta. O diretor posiciona sua câmera de modo estratégico, com closes nos personagens amaldiçoados, que fazem lembrar os ângulos usados no western spaghetti, desde Sergio Leone a Gianfranco Parolini, normalmente escondendo o terror atrás desses personagens, mas sem correr o risco de revelar demais, uma vez que a mostra das criaturas perseguidoras é bem tímida, expondo pouco até o clímax.

    Os mortos são representados com cores acinzentadas, voltadas para tonalidades mais escuras e aspecto úmido. Graficamente, a criatura atemorizante é a melhor construída dentre os cinco exemplares analisados, com um aspecto gore que remete visualmente a literatura clássica, com influências de contos de terror japoneses antigos, passando por H. P. Lovecraft e Mary Shelley.

    Em 2008, era lançada a versão norte americana, dirigida por Eric Valette, o mesmo de Sinais do Mal. Já no começo as manifestações de terror são absolutamente sensacionalistas, e a tal maldição é mostrada através de perseguições a atores jovens, bonitos e que faziam papéis bem pequenos em seriados populares.

    A montagem que remete a um videoclipe e o roteiro raso não conseguem fazer jus ao trabalho de Miike e poucas tentativas de discussão se salvam, como o uso de uma visão crítica sobre os programas pseudo religiosos que abarrotam os canais abertos dos Estados Unidos, equivalentes aos “Fala Que Eu Te Escuto”, ainda que esses tenham um apelo midiático maior que o programa que passa nas madrugadas brasileiras. O problema é que até esse acerto demora a acontecer, visto que Bethe Raymond (Shannyn Sossamon), a mocinha da vez, é completamente incrédula em relação a isso, retardando portanto o contato de outra vítima, Taylor (Ana Claudia Talancón) em aceitar participar do programa. Nessa sequência há o uso das lacraias gigantes – que já apareciam com os mortos que recebiam as ligações mortais – em  imagens e ídolos católicos. O deboche a charlatanice pode ser confundido com desrespeito religioso, ainda que não tenha reprise disso no texto final, e se esse aspecto for invalidado, não há mesmo nada que salve o filme.

    As mortes ocorrem de maneira criativa, imitando a franquia Premonição, e não há aura de suspense, ou atmosfera de terror, soando portanto como um produto genérico, que pega emprestado alguns elementos do original, como as ligações, e ainda insere um aspecto bobo, que são pequenos doces vermelhos, que lembram pedras semipreciosas, que por sua vez caem da boca dos que perecem. A versão apela para aparições de fantasmas, que lembrariam em excesso o vindouro Sobrenatural, de James Wan, também há menções a crianças macabras, mostrando que a produção americana atira para qualquer estereótipo de terror.

    Conclusão

    O terror japonês e asiático é incrivelmente bem construído há tempos, vide o exemplo de Hausu, filme de Nobuhiko Ôbayashi, que em 1977 já antecipava todo o horror de Poltergeist – O Fenômeno e Amityville, além também da coletânea Kwaidan – As Quatro Faces do Medo, de Masaki Kobayashi, que em 1964 já juntava pequenas histórias de terror em um único filme. De Onibaba – O Sexo Diabólico a Tetsuo: O Homem de Ferro, há influências do cinema de horror e ficção-científica japonesa sobre o mainstream hollywoodiano, mas não de maneira tão literal quanto esse período do começo dos anos 2000.

    A maioria dos filmes analisados não tiveram grandes continuações, tampouco se tornaram franquias, exceção claro a Uma Chamada Perdida, que teve continuações de sucesso moderado, e claro, O Grito e O Chamado, que já sofreram reboots no Japão, transformados em espécimes mais explícitos e que fazem um uso terrível de CGI e demais efeitos de computação, retomando para si a influência do terror americano, perdendo a aura de suspense e de sustos por meio da atmosfera. A fórmula se desgastou, ao ponto de ter um evento recente de crossover, batizado de Sadako vs Kayako, ou Chamado vs O Grito, ao pior melhor (ou pior…) estilo Freddy vs Jason e Alien vs Predador.

    A fonte não secou, uma vez que Takashi Miike ainda faz bons filmes de terror, em meio aos milhares de exploitation que homenageia em sua filmografia, Kurosawa fez o já citado Creepy, enquanto Shimizu e Nakata tentam reprisar os bons momentos de seus cinemas, mas é fato que o terror americano conseguiu superar a entre-safra, produzido boas coisas, desde os produtos de James Wan – que é malaio – como Sobrenatural e Invocação do Mal, e outros como Corrente do Mal, A Bruxa entre outros. Ainda há um uso exacerbado de refilmagens de grande franquias americanas, mas a reserva moral para produtos autorais tem um bom destaque, superada finalmente essa onda de versões de produtos asiáticos, ao menos por enquanto. Talvez o único serviço indiscutivelmente bom que os cinco objetos analisados fizeram foi atrair a atenção do publico ocidental sobre o horror oriental, não tão popular quanto deveria, dada sua qualidade indiscutível.

  • Crítica | A Maldição da Floresta

    Crítica | A Maldição da Floresta

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    Um “filme de terror” requer novos critérios para acompanhar esses novos tempos, em especial critérios de comparação com outros do gênero. Na tradição mais básica do movimento, o medo se manifesta em saltos quânticos de terror e compaixão, seja pela arte do susto ou de um gênero fadado ao fascínio de uma plateia que paga, que devota tempo (e fé na arte) para sentir na pele uma experiência amedrontadora que pode – ou não – ser a exceção em relação a quantidade de filmes ruins de terror lançados nos últimos anos. Hoje em dia, em tempos que um curta-metragem como Lights Out de 2014 é a tal da exceção, assustando mais que boa parte dos longas.

    Tal forma de avaliação vem sendo o terror de críticos ao redor do mundo, com medo de se distanciar do material e acabar incorporando simetrias perigosas não ao pensar, mas ao sentir: Ora, se o critério principal de uma comédia é se ela nos faz rir ou não, um filme de terror tampouco cumpre seu papel se não nos perturbar, chegando ao ponto de fazer nossa criança interior dormir com as luzes acesas. A comparação ganha pontos na crítica neste sentido, pois se os outros ‘monstros’ de Hellraiser já tiraram o sono de muita gente, e é também isso que o torna um bom filme, o que as criaturas de A Maldição da Floresta conseguem fazer conosco?

    Apologia a violência e vulgarização dos seus mitos já era algo esperado, enquanto o filme de Corin Hardy chega à beira da banalização como tantos outros exemplos recentes no Cinema ao se distanciar, cada vez mais, do horror expressivo e contido que o Nosferatu de F. W. Murnau carrega, neste exemplo bem básico, cuja omissão de elementos antes da hora do showtime só aumenta o nosso horror presenciando o fúnebre vampiro! Num filme bem mais explícito, sangrento e cheio de vísceras como A Maldição da Floresta, mais é sempre mais, pois o exercício do olhar é reinante e o contrário apenas afasta a história de seu propósito original: Chocar! Impressionar!, e é apenas isso que os monstros aqui nos produzem: Zero empatia e muita exclamação!

    Nota-se, porém, antes de exibir seus monstros (um bando de zumbis cor-pastel que parecem uma massa de pão derretida) a obra produz muito mais calafrios do que quando, de fato, os expõe: Sinta como o cenário e a luz opaca, na cena das fotos no jardim, nos faz sentir que algo pode pular a qualquer momento, de qualquer lugar, brincando com o lado horripilante da construção audiovisual da expectativa num filme que não trai seu gênero, respeita (de forma barata) seus elementos e nos impõe receio pela escuridão. Tudo isso, pelo menos, antes do mais banal dos finais.

    Contudo, sabotamos a necessidade de comparação com outros filmes, a partir de agora, com uma ótima frase do mestre Eduardo Coutinho que sempre vem a calhar, em especial num filme de horror/terror/suspense: O que é invisível não deve ser mostrado (uma paráfrase do mestre brasileiro, na verdade, com a frase de outro pensador europeu). O que vale, então, na arte do escancarar? Do tudo ao nada, o trash e o terrir sempre acharam berço e acolhimento no exagero do sangue jorrado, na marginalidade sem medo de rasgar esse medo e tocar sua fonte. O escancarar, aqui, é preciso e valorizado, mesmo se pensarmos brevemente. Porém, nota-se como o desenvolvimento da história, nesse filme, é traído em partes pela enorme responsabilidade de assustar livremente, e duma forma como só um filme não-comercial consegue assustar (vide Encarnação do Demônio), o que não é o caso aqui.

    É claro que o relacionamento de uma família que se muda para uma floresta e começa a ser atormentada por demônios que vivem no local poderia ser mostrado de forma mais sofisticada se o tempo na tela, da relação entre eles, enriquecesse a trama, e não o contrário – apenas nos importamos com a família quando começam a ser submetidos à influência maligna dos monstros, o que jamais deixa de ser um tiro no pé da dramaticidade almejada. Pai, mãe e bebê entram numa espiral de carma, correria e gritaria que só nos assusta porque nos importamos mais com o bebê que com a ameaça dos ‘zumbis’. Uma forma mais que garantida de manipular as nossas fundações éticas e nossos níveis de tolerância com o drama alheio, tudo em torno de uma recepção artística.

    E mesmo quando, no caso, os artistas não reconheçam o poder do gatilho que têm em mãos. Hardy dirige sem dificuldades mais uma página do terror e torna-a despretensiosa, entendendo em partes o que a história precisa, e fazendo um filme que agrada os fãs menos exigentes do gênero, já que boas cenas aqui e ali dão conta do recado. A concepção de medo nos é apresentada de forma regular, até certo ponto, quando o filme tenta entender seus demônios, e assim, perto do fim, tira seu mistério, seu fascínio; desmitifica-os, e isso, A Maldição da Floresta nunca poderia fazer. O que a obra representa na sua arte? Mais uma página, um tanto dispensável, é verdade, de um livro com outras páginas (e capítulos!) bem mais saudáveis a quem se importa com o que consome.

     

  • Crítica | Quando as Luzes Se Apagam

    Crítica | Quando as Luzes Se Apagam

    imagesSabe quando você tenta apagar aquele borrão na roupa, e acaba sujando mais? Quando as Luzes se Apagam, de David F. Sandberg, também tenta nos assustar, mas tenta tanto que por isso mesmo falha, longe do caráter experimental de um A Bruxa de Blair, o que seria bem-vindo demais aqui; Blair, vale afirmar, sendo o último grande filme de terror americano, brincando com nossas noções de perigo e instintos naturais mais básicos de uma forma realmente autêntica. A psicologia nos diz, e repete a cada sessão que não temos medo do escuro: Receamos o que pode estar escondido lá. A maioria das pessoas, pra não dizer todas teve medo de dormir sozinha, e algumas até pavor quando a única esperança de uma noite tranquila de sono, a luz do corredor, se apaga. Nós evoluímos, mas nossas paúras, não. Em caráter universal, tudo se adapta à região, mas certos gatilhos tão nossos continuam incorruptíveis de geração, à geração: Medo de bruxaria (Suspíria), do demônio (A Noite do Demônio), de fantasmas (Onibaba) ou da solidão (O Iluminado); calafrios tão inevitáveis quanto ódio e amor, iconicamente bem explorados na cadência inesquecível dos títulos mencionados acima, na licença de desenhar aqui uma certa harmonia histórica nos gêneros de horror, terror e suspense mundiais.

    Ok, então qual é a desse Quando as Luzes se Apagam, o longa, em pleno 2016, quando a realidade das coisas se mostrou mais aterrorizante que dois Chuckys montados nos ombros do Jason? Fica claro várias coisas (ironicamente) na projeção, mas principalmente uma: Como o terror que invade o ambiente doméstico provoca mais pânico que qualquer outra coisa, um pretexto imortalizado com O Exorcista e, recentemente, no regular O Homem das Trevas; se o horror dos ladrões que invadem a casa do “pobre cego” se constrói na subversão dos acontecimentos (o ceguinho não é tão impotente, como parecia), logo na primeira esquete de clubinho do terror que o filme habita, toda a desculpa que ele usa (e abusa) para nos botar medo é exposta como num dia de sol, e do jeito mais sem graça e vulgar possível, o que é pior. Assim, o filme ocupa o mesmo nível de quase tudo que M. Night Shyamalan fez desde O Sexto Sentido, já que A Visita, ótimo suspense de 2015 promoveu certa esperança.

    Subestimar a representação crescente do elemento que aterroriza que habita uma história sem pé, nem cabeça: Pecado mortal num filme mais fraco que a sua premissa – apague as luzes e uma mistura de Samara com Freddy Krueger aparece. Quando as Luzes se Apagam vem, aos trancos e barrancos, repleto de ecos do fantástico cinema de horror sul-coreano, incompatível pela qualidade com o que se faz hoje em Hollywood, arquétipos e esteriótipos que não pregam medo em ninguém, mais, são vomitados na tela sem nenhum preparo, ou cerimônia. Pior ainda é os personagens, perdidos numa atmosfera anti-climática, não acreditarem no começo na entidade que os perturba, mas mesmo assim manifestarem um medo que só se concretiza no final do filme, quando a coisa degringola de vez para uma sucessão deselegante e barulhenta de scare jumps, choro e aparições repentinas no escuro; tudo bem Supercine, ou igual aqueles vídeos com resolução 360p do YouTube. Uma tentativa inválida à beira do nonsense, com cenas que lembram Creepyshow 3, aquele terror meia-boca que só assustava crianças na década de 90. Triste.

    A melhor cena do longa oriundo do curta homônimo (e sem-graça) de 2014, surpreendentemente, vem da encenação artificial num microambiente mais parecido com um inferno neon, pontuado assim por objetos que os personagens usam no cenário cheio de manequins e sombras onde, certamente, algo irá no assustar – e assusta, num jumpscare óbvio, mas que nos faz lembrar como adoramos sentir medo, colocar a mãozinha na frente dos olhos e tudo mais… e é por isso que o filme inteiro falha, por ser um conjunto de situações onde sabemos que o pulo na cadeira, ou o grito da mulher é previsível, e portanto, não nos assusta. É como o monstro atrás de você avisar que vai te assustar- inútil, exceto se o monstro for uma ameaça pavorosa mesmo, o que não é o caso aqui, lógico, ou quando o terror é calcado tanto na imagem, quanto no som, afinal nenhum gênero consegue usufruir tão bem da capacidade audiovisual completa do Cinema tal aquele que arrepia a nossa espinha. Lembrou de Babadook, né?

     

  • 10 Filmes de Terror em Preto e Branco, por Nicolas Pesce

    10 Filmes de Terror em Preto e Branco, por Nicolas Pesce

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    O filme “The Eyes of my mother” lançou seu segundo trailer há algumas semanas e parece apresentar uma trama interessante e mais uma vez um retorno por opção a fotográfia em Preto e Branco.

    É interessante que filmes como Frankenweenie, Blancanieves e Frances Ha vão na contramão do que parece o óbvio a se fazer hoje e apostam novamente na velha maneira de se fazer cinema. Até o diretor de Mad Max: Fury Road, George Miller está lançando esse mês em DVD/Blu-ray e cinemas nos EUA a versão em “Black and Chrome” de Estrada da Fúria (será que vem pro Brasil essa?) Pensando nisso talvez, o diretor estreante de Eyes of My Mother, Nicolas Pesce, lançou no facebook oficial de seu filme de estréia um top 10 filmes de terror preto e branco que foram influência para sua produção e com pequenos comentários. Confira abaixo:

    10 – Eraserhead – David Lynch (1977)

    “Não há ninguém melhor para manipular o clima de uma situação que David Lynch. E não há nada mais aterrorizante que sentir algo estranho e não saber porque”

    9 -Titicut Follies – Frederick Wiseman (1967)

    O Diretor Frederick Wiseman registrou em 67 um hospital para doentes mentais e o tipo de vivência diária que eles passavam, o documentário foi alvo de processos e sua exibição foi proibida até o inicio dos anos 90.

    8 – Repulsa ao Sexo – Roman Polanski (1965)

    “Ele é impecavelmente simples mas faz uso de efeitos práticos de uma maneira bela e surreal. Não importa quão estranho a trama fica, no seu âmago tudo é sobre solidão e ansiedade. E sempre foi dessa maneira que eu absorvi ele.”

    7 – Almas Mortas – William Castle (1964) 

    “Um poster com Joan Crawford segurando um machado? Por favor né … O visual se encaixa entre um mundo hiper estilizado do cinema noir com todo o gótico que existe no expressionismo alemão, adoro esse filme!”

    6 – Desafio do Além – Robert Wise (1963)

    “Esse é aquele filme que eu vi adulto e me assustou de verdade. Você nunca vê nada assustador e essa é a melhor parte.”

    https://www.youtube.com/watch?v=YWU9zRb4RPY

    5 – Psicose – Alfred Hitchcock (1960)

    “Psicose é como uma cartilha pra mim. Além do seu mérito técnico e artesanal, eu amo como Hitchcock faz com que o público simpatize com um assassino. Acho que não existe nada mais assustador que isso.”

    4 – A Casa Mau Assombrada – William Castle (1959)

    “A voz de Vincent Price vai ecoar eternamente no meu cérebro sempre que pensar em horror gótico, e é por causa desse filme. A voz dele no monólogo de abertura é assustadora e e icônica. “

    3 – O Mensageiro do Diabo – Charles Laughton, Robert Mitchum (1955)

    “Esse é a maior influência para meu filme. Eu amo como o conto gótico minimalista se contrasta com as qualidades de uma fantasia com momentos de terror autênticos.”

    2 – O Solar das Almas perdidas – Lewis Allen (1944)

    “Vi esse filme com minha mãe quando ainda era criança. Foi minha primeira experiência com filmes de terror e foi a primeira vez que eu vi muitos maneirismos que viraram mais tarde trunfos de direção.”

    1 – A Sétima Vitima – Mark Robson (1943)

    “Com um clima pesado, luz atmosférica, e uma femme fatale gótica, é um conto pulp mas ao mesmo tempo um elegante cult de horror. Como não gostar?”

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • Crítica | Garota Sombria Caminha Pela Noite

    Crítica | Garota Sombria Caminha Pela Noite

    Gatoa Sombria Caminha Pela Noite

    A figura do vampiro, criada na literatura e fundamentada no cinema, passou por releituras que nunca perderam suas bases. Anne Rice transformou-a em personagens fatalistas e românticas; Stephenie Meyer lhe deu uma roupagem pop com direito a brilhar quando em contato com o sol. A solidão foi tema de Deixa Ela Entrar, adaptação do romance de John Ajvide Lindqvist. Exemplos que demonstram como esta figura ainda tem apelo e, devido a sua composição, pode ser lida sob diferentes aspectos e interpretações.

    Garota Sombria Caminha Pela Noite se baseia na graphic novel de mesmo título cuja autora, Ana Lily Amirpour, também assina o roteiro e a direção deste longa-metragem. Mantendo a fidelidade narrativa de sua obra, a adaptação foi produzida em preto e branco. Uma referência às cores da história que também explicita um estilo antigo do cinema, quando ainda não havia cores, e o jogo de luz e sombras era executado de maneira diferente. Atualmente, a ausência de cores se torna um diferencial, evocando essa época anterior.

    Semelhante ao conceito de Jim Jarmusch e seus vampiros solitários e entediados em Amantes Eternos, a produção apresenta um conjunto de personagens deslocados, além da garota referida pelo título, uma pessoa explicitamente fora da sociedade e que vaga pela noite à procura de alimento. Desenvolvendo um cunho romântico com doses de terror bem inseridas nas cenas, as ações da garota são suficientes para que o público infira sua solidão. Motivo pelo qual se aproxima de um outro, Arash, tão solitário quanto ela.

    A cidade de Bad City parece ser povoada somente pelos personagens apresentados na história, graças ao vazio do cenário, um local desolado onde nada parece acontecer além de uma usina que funciona 24 horas a todo o vapor. Existências que parecem frias e com poucas conexões, um traficante local, uma prostituta velha, uma criança, um pai viciado, habitam um círculo cotidiano e vazio.

    Quando a garota e Arash se encontram, passam a compartilhar uma existência mínima em conjunto, deslocados e tímidos para saber se estão se relacionando corretamente. A garota vampira é apenas o exemplo máximo de um afastamento que o garoto também sente, como se fosse incapaz de reconhecer outra pessoa como um semelhante.

    Parte das cenas do casal é realizada em um silêncio incômodo, como se ainda não tivessem intimidade suficiente para conversar mas se sentissem satisfeitos com a companhia um do outro. A imagem é fundamental para a interpretação das cenas e dessas lacunas. Conforme conhecemos cada personagem, observamos que todos estão à margem de si mesmos, sem um caminho para seguir.

    O vampiro, como um ser único e solitário, bem como o deslocamento do rapaz, não é inédito, trata-se de um tema interessante de ser abordado mas comum, ainda que seja uma releitura diferenciada do conceito vampiresco. O visual em preto e branco intensifica a visão de um mundo, ao menos, diferente daqueles outros universos ficcionais, e promove uma composição bem realizada em estética com uma bonita história dramática de horror sobre a solidão.

  • Crítica | A Centopeia Humana 3

    Crítica | A Centopeia Humana 3

    The Human Centipide - Final Sequence

    Em seu terceiro e último ato, o diretor Tom Six – a mente doentia por trás da criação da centopeia humana -, leva sua trama de horror grotesco para outro patamar. Se o primeiro filme era uma história simples de um médico louco vivendo em local distante para realizar experiências, e A Centopeia Humana 2 caracterizava uma leitura desta trama com um sádico tentando recriá-la, A Centopeia Humana 3 novamente corrompe as percepções entre realidade e ficção, espelhando-se nas histórias anteriores.

    Os atores Dieter Laser e Laurence R. Harvey novamente estrelam a produção retornando em outros papéis. Demonstrando que a série garantiu prestígio, novos atores participam da história, como Eric Roberts e outros coadjuvantes que, eventualmente, podem ser conhecidos pelo público. Além de uma participação do próprio Six interpretando uma versão de si mesmo. A grande diferença dessa produção para a outras é fazer uma narrativa que vai além do enfoque estrito da grotesca centopeia humana. Ao criar uma breve história para justificar seu objeto mais conhecido, a trama ganha em qualidade e não perde a vertente bizarra.

    Não há espaço para personagens normais neste contexto. Todos são propositadamente estereotipados ou representando tipos sociais exagerados. Em destaque, o delegado da prisão, Bill Boss, dono de uma gama quase infinita de qualidades negativas: vil, agressivo, preconceituoso, chauvinista, racista, estuprador, canibal, e assim segue a lista. Laser amplia a interpretação do médico do primeiro filme em uma interpretação ainda mais afetada, que transforma o overacting em um símbolo cômico. Com evidentes sinais de stress e problemas cardíacos, tudo é motivo para gritos exagerados e contínuos que, propositadamente, vão destruindo a linha do grotesco acrescentando humor à  história. A esta altura, após duas obras, o público sabe do exagero de uma centopeia humana, e a trama ri do bizarro focando a raiva desta personagem, um feito eficaz que justificava por que o diretor não respeitado pelos prisioneiros decide puni-los de uma maneira radical.

    Quebrando mais uma vez a linha entre realidade e ficção, Six se insere na história como o diretor dos dois filmes anteriores e um consultor informal, curioso para ver a composição da centopeia humana. Ao mesmo tempo que deseja comprovar a veracidade de seus filmes, a personagem Six se incomoda com a criação do bicho grotesco, como se estabelecesse um diálogo representando seu público. Mesmo sabendo que a história é absurda, ninguém desvia os olhos da escatológica história que criou.

    Afinal, é necessário assistir a esta trilogia ciente de que o bizarro é uma de suas linhas gerais e que, nesta parte, se transformou em um misto de sequência e paródia. As vítimas continuam sofrendo mas não se trata de um drama sobre o sofrimento humano ou as condições prisionais: o mundo real foi deixado de lado, fora da exibição, para a incursão de um universo bizarro e sádico que desenvolve um final mais coeso do que o início, e meio de sua aventura de construir um animal costurando humanos uns aos outros.

    Após brindar o público com muitas cenas escatológicas em sua segunda parte, Centopeia Humana 3 tem maior apoio narrativo, resultando em um filme de terror cômico que mantém sua essência – afinal, a centopeia humana estará presente, não se preocupem, com direito a uma evolução deste animal – e ainda faz a história fluir para focar personagens bizarros que provocam um riso nervoso no expectador. Um final, realizado com eficiência de uma das trilogias mais estranhas e sádicas do terror contemporâneo.

  • Crítica | Annabelle

    Crítica | Annabelle

    O sucesso Invocação do Mal começa com a primeira entrevista feita por Ed e Lorraine Warren (Patrick Wilson e Vera Farmiga) às estudantes de enfermagem Debbie (Morganna May) e Camilla (Amy Tipton), que falam a respeito da misteriosa boneca que estava lhes causando problemas. Acreditava-se que a boneca estava, de alguma forma, amaldiçoada. A cena termina com Ed Warren dizendo que irá ajudar as meninas. No decorrer do filme, a boneca reaparece dentro de um vidro e sua história é contada rapidamente aos personagens pelo casal Warren. Quando Annabelle se inicia, a mesma cena se repete, com Debbie (novamente vivida por Morganna May) falando da boneca. Então, logo se imagina que a fita contará a história da futura enfermeira, juntamente com o trabalho do casal Warren no caso, (considerado baseado em fatos reais), certo? Errado.

    A história volta ainda mais no tempo para contar um fato que se passa antes da boneca ir para as mãos de Debbie, e, consequentemente, antes do casal Warren entrar em cena, o que, de certo modo, decepciona. Porém, o episódio em questão nos apresenta o jovem casal Mia (Annabelle Wallis – onde qualquer semelhança é uma estranha coincidência) e John (Ward Horton), prestes a ter seu primeiro filho, passando por um trauma muito forte quando sua casa é invadida por Annabelle Wallis (Tree O’Toole) e seu namorado (Trampas Thompson), que fazem parte de uma seita satânica. O casal assassino tinha acabado de matar os pais de Annabelle e passaram a atacar Mia que teve sua barriga esfaqueada. Com a chegada da polícia, Annabelle acaba morrendo no quarto do bebê, tendo parte de seu sangue derramado dentro de uma boneca que estava lá. Assim, a família, que agora possui um bebê saudável passa a experimentar em sua casa estranhos acontecimentos, encerrando um ótimo primeiro ato.

    É uma pena que o filme perde muito de seu fôlego. Por conta das experiências vividas na casa onde ocorreram os assassinatos, Mia e John se mudam para um apartamento, porém a televisão insiste em dar defeito, as portas continuam a bater e a boneca insiste em aparecer numa posição diferente da que foi deixada. É o bastante para Mia buscar conhecimento sobre entidades, demônios e tudo relacionado ao ocultismo numa livraria perto de sua casa. Lá, ela é auxiliada por Evelyn (Alfre Woodard), dona da livraria e com a cabeça bem aberta por já ter passado por experiências estranhas. E quando descobrem a real ameaça, decidem procurar a ajuda do padre Perez (Tony Amendola), conhecido do casal por ser o padre da igreja que frequentam.

    Talvez pelo fato de toda a equipe técnica de Invocação estar diretamente envolvida (emocionalmente, inclusive) com a produção de Velozes e Furiosos 7, a direção ficou a cargo de John R. Leonetti, responsável pela fotografia de Invocação, sendo o único a retornar juntamente com o responsável pela trilha sonora da franquia, Joseph Bishara. Com isso, o roteiro escrito pelo estreante na tela grande Gary Dauberman não se sustenta, trazendo soluções manjadas e experiências idem, vindo, inclusive a adaptar, de certa forma, o final de um grande clássico do horror. Pelo menos, deixa uma ponta para o aparecimento do casal Warren em um eventual segundo Annabelle, contando então a história da estudante de enfermagem mencionada no começo deste texto. Não custa sonhar.

    Apenas a título de curiosidade, recomenda-se uma pesquisa na internet sobre a boneca Annabelle, bem como do casal Warren. É possível, inclusive, visitar o local onde a boneca está guardada na caixa de vidro, além de outros artefatos recolhidos pelos Warren nos seus 50 anos de investigações paranormais. Também é possível encontrar gravações reais de entidades se comunicando com os Warren em algumas de suas investigações.

    Desta forma, chega-se à conclusão que Annabelle foi mais uma tentativa do estúdio faturar algum dinheiro com o sucesso de Invocação, enquanto o diretor James Wan, ao terminar VF7, decide ou não fazer a sequência de seu maior sucesso.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | Thanatomorphose

    Crítica | Thanatomorphose

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    Ofegante, exibindo imagens cuidadosamente erráticas, com a câmera tremendo e emulando os movimentos típicos da transa e enquadrando as faces corporais íntimas de modo peculiar, sob ângulos onde não se vê qualquer outra coisa. Thanatomorphose de Éric Falardeau mostra logo no início um dos seus dois temas, para explicitar o segundo logo após a intro citada, exibindo o casal após o sexo, interagindo enquanto o homem se fere com um prego no chão, passando a gritar loucamente, exibindo seu escasso traquejo para a atuação dramatúrgica minimamente aceitável.

    A câmera de Falardeau não tem qualquer pudor em mostrar nudez, ao contrário, ela parece caçá-la, vista a naturalidade como tal estado é retratado. Sua abordagem remete também ao bondage, uma vez que se preocupa em enquadrar tanto a naturalidade do sexo quanto a existência da dor, mesclando e tornando-as parte de um todo, de uma simbiose onde não mais consegue distinguir uma da outra. O nível desta “obsessão” é ainda mais elevado com o decorrer da trama. A personagem de Émile Beaudry começa a ver suas unhas descolarem e sangrarem levemente – o processo que correra toda a história vai ganhando seus estágios iniciais.

    Filmado sempre em ambientes fechados, a intenção do diretor é remeter a claustrofobia, sensação que se daria a um ser vivo caso fosse enclausurado dentro de um caixão, mas a protagonista não tem consciência do que ocorre consigo e com o seu corpo. Tais sensações ficariam mais evidentes caso o elenco fosse melhor, mas a vontade do realizador parece ser a de usar seus personagens como telas em branco, caricatos, para grafar a decomposição que se mostraria a posteriori. As relações, as brigas, os diálogos, tudo é muito mecânico e frio, como um pretexto para revelar a verdadeira faceta da história.

    Na sinopse oficial do filme há a definição a respeito do curioso título da obra: Thanatomorphose é um substantivo francês que significa sinais visíveis da decomposição de um organismo, causada pela morte. O modo de viver da protagonista, sem qualquer anseio ou perspectiva, remete a isso. À medida que o roteiro avança, os sinais vão ficando visíveis na folha em branco que é o seu corpo, um lugar onde é facilmente distinguível qualquer hematoma ou ferimento.

    Após o começo da transmutação, a personagem prossegue ávida por sexo, se obrigando mesmo sem condições físicas minimamente aceitáveis a se envolver em relações não degradantes. Seu apelo é tão forte que seus parceiros passam por cima da aparência nada agradável dela, ignorando até o seu estado de saúde, debilitado a olhos vistos. Com o agravar da condição, ela começa a sentir pena de si, numa autocomiseração enorme, que a faz chorar e sentir-se infame.

    Logo a sensação de mal-estar dá lugar ao desespero total, uma vez que sua pele entra em decomposição. Mesmo as manifestações sexuais mais leves como a masturbação causam em si um dano enorme, com a câmera registrando o seu sangue escorrendo pelo lençol branco, em mais uma travessura com as cores que Falardeau faz com sua fita. O asco predominante apavora muito mais do que qualquer propensão ao susto, a ojeriza é maximizada pela maquiagem que de tão singular, torna-se não catalogável e impossível de ser associada a algo caricato, visto o quase ineditismo com que é feito em seres “vivos”.

    Na meia-hora final a putrefação é tanta que as tomadas evitam ser dadas de corpo inteiro, a lente registra o corpo desnudo da protagonista em doses homeopáticas, focando em parcelas muito pequenas do corpo da moça. Mesmo quase não tendo mais vida ou feições humanas, ela ainda busca o prazer carnal, unindo a volúpia ao grotesco, passando a mensagem de que ambos estão inexoravelmente ligados, ainda que sua realização seja tão grotesca quanto o goire das cenas de auto-mutilação. Assim como a degradação de seu corpo, sua moral também se deteriora, e mesmo crimes homicidas deixam de ser um tabu, a única coisa que segue intocável é a sua ninfomania e a luxúria, cada vez mais difíceis de lidar graças a sua compleição cada vez mais degradante. A vontade maior presente na obra é chocar por meio do grotesco, resgatando o exploitation em uma amálgama entre pornografia e decomposição acelerada, em que a utilização de elementos sonoros serve tão bem a trama quanto suas tomadas de impressionante esplendedor visual. Thanatomorphose é um filme forte, imprescindível para o fã ávido pelo cinema extremo e contém em si uma forte mensagem, que a despeito das péssimas atuações, é passada pela linguagem cinematográfica universal, embalada pela sinistra trilha de violino que corta toda a película.

  • Resenha | Fantasmas do Século XX – Joe Hill

    Resenha | Fantasmas do Século XX – Joe Hill

     

    A primeira obra de Joe Hill, Fantasmas do Século XX, compõe uma antologia de contos publicados em periódicos ou coletâneas que foram suficientemente bem recebidos para constarem neste livro.

    Em um breve prefácio, o editor Christophen Golden enaltece a composição literária de Hill. Em nenhum momento há a menção à filiação do autor, filho do mestre Stephen King. Uma omissão interessante para que se evite as comparações naturais da obra de pai e filho. Uma tentativa de demonstrar que Hill tem força literária suficiente para apresentar-se sem graus parentescos.

    Composto por 16 contos, esta reunião é o cartão de entrada do autor ao universo de horror, fantasia e fantástico, tão comuns aos domínios de seu pai. Ainda que alguns leitores acreditem que o sucesso do jovem autor se deva à influência de King, basta debruçar-se nos contos presentes neste livro para descobrir o seu grande mérito.

    A composição de uma narrativa de horror não se associa meramente a um elemento assustador. É um estilo que necessita de uma ambientação sugestionável para o leitor e que lhe projete medo. Em um texto sobre sua própria composição literária, H. P. Lovecraft menciona a importância do leitor dentro destas narrativas, pois é nele que recai os elementos de terror e horror. Cabe ao autor sugeri-lo e o leitor completá-lo com aquilo que o assustaria por completo. A sutileza da narrativa de Hill, apontada também pelo prefácio do editor, estrutura com qualidade o jogo de tensões entre escritor e leitor.

    Joe Hill tem uma capacidade intensa em transitar pelo estilos diferenciados de terror e horror. Há espaço para personagens psicóticos, tramas sobrenaturais, elementos em que a fantasia dá abertura à realidade, ao fantástico e ao maravilhoso, sobrepondo-se às histórias banais sem perder a dimensão da poética narrativa. Utilizando os meandros escuros da mente, o resultado é uma série de contos de boa qualidade. Ainda que, como a maioria das antologias, haja declives em determinadas narrativas.

    Muitas de suas personagens centrais são garotos adolescentes comuns que viveram um acontecimento inexplicável. São personagens inseridos em uma memória nostálgica que toca o passado dos leitores. Utilizando a memória modificadora de acontecimentos, suas personagens narram casos em uma época difícil, quando ainda descobriam o mundo com novas experiências. Fatos que resultam em tramas com fervor inocente  em destaque pela poética —, sem perder espaço para a malícia natural que surge com os hormônios. Personagens que, por estarem inseridos em um momento de vida transformador, parecem aceitar com maior naturalidade o sobrenatural imposto em cena.

    Hill não deixa de reverenciar a própria arte e a tradução literária. Há personagens que trabalham com a produção e edição da escrita, são apaixonados por cinema, quando não são releituras de clássicos do cinema de ficção científica ou de obras importantes para o fantástico, como A Metamorfose de Franz Kafka.

    Destacar algumas narrativas como exemplo pode influenciar o leitor a observar com mais atenção tais histórias. Ao mesmo tempo, não fazê-lo é deixar de lado pequenas grandes narrativas que dialogam com a história da própria arte. Caso de O Melhor do Novo Horror, sobre um editor de contos de horror que, à procura de um novo autor que lhe cause espanto, se vê em uma emboscada clássica, como se vivesse as histórias que ele já conhece. Ou em O Último Suspiro, uma trama de horror tradicional que se aproxima dos clássicos de Edgar Allan Poe, cujo grotesco se torna poético e assustador ao mesmo tempo.

    Como coletânea de contos, oscilantes por não serem projetados com objetivo único, há diferentes estilos narrativos que demonstram a qualidade de Hill como prosador. Um bom panorama de muitos altos e poucos baixos.

  • Crítica | O Massacre da Serra Elétrica 3D: A Lenda Continua

    Crítica | O Massacre da Serra Elétrica 3D: A Lenda Continua

    texas chainsaw 3D

    Dez anos após a controversa refilmagem de Marcus Nispel, foi lançado mais um reboot da saga iniciada em 1974 pelo mestre do terror Tobe Hooper. O novo episódio da franquia é tão reverencial ao filme clássico que começa com uma sequência de três minutos relembrando os fatos do episódio primordial, e pretensamente seguiria os fatos ocorridos após os eventos que envolveram Sally Hardest e seu grupo de amigos.

    A ideia parece estúpida por muitos motivos, entre eles a distância de quase 40 anos entre uma versão e outra. Outro possível problema é a audácia de tentar retomar algo do ponto em que um grande realizador parou. O maior dos riscos não era fazer um filme sem competência, até porque o próprio criador da franquia tratou de fazer isso ao realizar uma continuação, em 1986, com tons de comédia. O perigo real e imediato é que a fita seguiria mais uma falha tentativa de rever o conceito já tão saturado e laureado. O perigo se mostrou real, e a retomada veio de forma risível, fazendo referência às múltiplas versões realizadas, resgatando, inclusive, conceitos do filme de 2003.

    O baixo orçamento é notado já no início, com os tosquíssimos efeitos especiais em CGI, constituindo uma cena de incêndio de maior humor involuntário da história do cinema, digna das produções de Asylum e do canal Syfy. O elenco é liderado pela belíssima Alexandra Daddario (True Detective). Ela faz Heather Miller, uma adolescente que só descobre ser filha adotada após receber uma misteriosa correspondência afirmando que a vó, que sequer conhecia, faleceu.

    Após uma briga com seus pais, ela e um grupo de adolescentes resolve viajar pela bela paisagem texana em uma van, até que atropelam um viajante, dão carona a ele e repetem toda a jornada do roteiro manjado. Dona Verna Sawyer Carson deixa para sua amada e incógnita neta uma enorme propriedade, com uma gigantesca casa e um jardim de proporções dantescas. A mansão, localizada na extremidade do terreno, é repleta de passagens secretas, um campo inexplorado repleto de oportunidades para o caroneiro executar alguns furtos e ser castigado por seus maus atos. A primeira morte ocorre após mais de meia hora de exibição e a cena não exibe nenhum grafismo especial ou aura de suspense. Leatherface surge de forma previsível e não causa susto algum no espectador.

    A repaginação das cenas canônicas é feita de forma tosca, com bonecos ridículos e assassinatos sem o menor apelo visual. A direção de John Luessenhop é muito errática,  falha e relapsa. Seus planos de filmagem não são bem pensados e poderiam ser executados de inúmeras maneiras melhores. Nem mesmo as perseguições garantem um pouco de alento. As soluções encontradas pelo grupinho de heróis são estúpidas e sem lógica alguma. As mortes não são sequer lamentadas, visto o vazio completo que é o background dos protagonistas.

    No segundo terço do filme é mostrada uma sequência de perseguição no interior de um parque de diversões repleto de gente. Falar isto não faz jus ao absurdo e à pachorra da execução da cena. A situação só não é mais esdrúxula do que a investigação transmitida ao vivo via celular por um único policial, que sequer espera o reforço de seus colegas. O festival de bonecos mutilados no porão faz com que o 3D da fita torne-se ainda mais degradante e asqueroso, e esse aspecto não é graças ao gore, mas sim ao estilo paupérrimo de filmagem e ao registro pífio das ações.

    Leatherface é reduzido a um tacanho caipira, um imbecil de marca maior com a alcunha de Jebediah Sawyer. Deixa de lado a faceta de misterioso canibal, matricida e necrófilo para ser um mongol gigante, carente, sustentado pela tia idosa e que nas horas vagas pratica alguns assassinato para usar a pele de suas vítimas como peças do guarda-roupa.

    A situação fica ainda mais feia e calamitosa quando o remate se aproxima, com uma virada de roteiro que coloca os personagens numa rivalidade entre famílias. As ações decorridas apresentam referências a diversas franquias de terror, como Jogos Mortais, Halloween, Sexta-Feira 13. Se a ideia dos roteiristas era a de prestar homenagem a elas, a tentativa falhou miseravelmente.

    Os fatos que ocorrem nos últimos 15 minutos são tão mal arquitetados que parecem ter sido escolhidos por sorteio após sugestões dos piores contadores de história de todos os tempos. O vilão, construído para ser o diabo encarnado, é transformado em um zero à esquerda, tão digno de pena que faz com que a louca heroína se alie a ele, tudo em nome da sobrevivência e dos laços sanguíneos. Heather Miller se une ao mesmo sujeito que matou o seu namorado e seus amigos momentos antes. A condução que John Luessenhop dá ao seu filme faz com que a saudade de Marcus Nispel seja sentida, mesmo que sua versão do clássico tenha dividido opiniões. A incapacidade do cineasta responsável por esta versão de 2013 não conhece limites.

    O roteiro conseguiu o praticamente impossível feito de reunir a família Saywer em um doce e terno momento, seguido de uma bela mensagem vazia na qual é explicitado o legado da protagonista. Os fatos decorridos neste período conseguem ser mais absurdos que todo o conjunto de sandices anteriormente mostrado, pervertendo a máxima de que a ideia de realizar este filme era estúpida. Nada no filme se salva. As atuações são as piores possíveis. As gostosas atrizes miguelam até a semi-nudez. Todos os clichês possíveis de um filme de terror são executados e ainda se consegue a façanha de cometer gafes inéditas, como as mostradas nas cenas derradeiras. O débil roteiro ainda guarda uma cena pós-crédito inútil e dispensável. O Massacre da Serra Elétrica 3D está entre os já execráveis remakes de filmes de terror, o mais escuso da lista entre os mais recentes realizados, conseguindo superar e muitos os seus combalidos e abomináveis coirmãos.

  • Crítica | Taxidermia

    Crítica | Taxidermia

    taxidermia

    Taxidermia funciona como uma colcha de retalhos. Inspirado nos contos do escritor Lajos Parti Nagy, o filme conta três causos bizarros que têm em comum as gerações de uma família disfuncional e repleta de esquisitices em seu cotidiano.

    O primeiro ato foca no soldado Moroscovany (Csaba Czene), que, ao enfrentar um frio intenso, tem a sexualidade reprimida. A busca pelo prazer sexual se pauta no voyeurismo, sendo que seus alvos são sempre do sexo feminino. Suas fantasias alcançam ares bizarros e flertam com o bestialismo e dores intensas. A vagina, para ele, é um objeto de adoração; mesmo a mais remota menção ao órgão sexual feminino o faz delirar e se decepcionar por não alcançar o orgasmo. Suas taras fazem com que seu superior pense que ele fantasia com sua rotunda esposa e, por isso, o pobre soldado perece. A banheira, onde o protagonista antes dormia, é um signo da sexualidade e torna-se uma representação de sensações pueris, como uma mensagem alertando que o bizarro varia de cabeça a cabeça.

    A segunda parte é protagonizada por Kalman (Gergely Trócsányi), o bebê com rabo que cresceu estupidamente e tornou-se um adiposo esportista que participa de um torneio cujo objetivo é atestar a quantidade de comida que um corpo humano pode aguentar. Bravamente ele defende as cores da Hungria. Curioso é que os órgãos oficiais olímpicos reconhecem o torneio de glutonaria como um evento legitimamente esportivo. O lazer entre o núcleo de personagens gordos é incomum e bizarro mesmo quando coincide com o que é comum ao sujeito “normal”.

    A terceira geração dos Balatony mostra Lajus (Marc Bischoff), um taxidermista que contrasta com seus antepassados, inclusive com seu ainda vivo pai, que era uma lenda do esporte. Os quilos que os separam servem para mostrar o abismo filosófico entre os dois. A relação entre os parentes é cortada pela visão degradante do moço em relação ao seu antecessor, e pautada no ódio provocado no filho. O pai, mesmo em uma forma decadente e imóvel, insiste em desprezar o rapaz de forma muito arrogante. O filho, por sua vez, despreza por completo a asquerosa figura que o progenitor se tornou, tanto fisicamente como também de gênio e caráter. No entanto, Lajus sente-se deprimido por brigar com ele, e ao encontrá-lo pela última vez, decide torná-lo o protótipo de sua obra de arte suprema.

    O conjunto de imagens filmadas por György Pálfi é essencial para que se entenda sua mensagem, numa tentativa de registrar a trajetória humana na Terra enfatizando o grotesco. Os closes na cauda de Kalmar preconiza a característica animalesca e sobre-humana, mostrando o homem como um ser também bestial. Já no episódio do chaveiro de feto, há uma pitada de humor negro, elemento frequente no decorrer da película, a fim de mostrar o cinismo inerente ao ser humano.

    O intuito é causar nojo, asco e ojeriza e comover pelo barbarismo e, claro, pela escatologia, emulando lágrimas com suor provindos das axilas de um gordo. Lajus, através de sua máquina de auto-empalamento (o mecanismo que o faz desfalecer), permite que ele se torne imortal, ainda que esta seja uma escultura incompleta. O filme fecha com um detalhe no umbigo, símbolo do nascituro, representando o nascimento de algo para o clã Balatony, que teve trajetória encurtada em um sentido e estendida em outro.

  • Crítica | Viagens Alucinantes

    Crítica | Viagens Alucinantes

    Altered-States-1980

    Muito antes do cinema extremo virar moda (com os “quase comerciais” Centopeia Humana e Taxidermia), Ken Rusell já punha o dedo na ferida, com uma filmografia que se valia demais da contestação do conservadorismo e dos bons costumes. Viagens Alucinantes usa experimentos científicos utilizados pelo panteão de personagens para discutir os efeitos dos alucinógenos sobre a mente de quem os experimenta.

    William Hurt (ainda moço) estrela o filme, fazendo um cientista que perde a fé nas escrituras sagradas, na família como instituição e contraditoriamente se abre com a parceira sexual que acaba de conhecer. Os experimentos que Eddie Jessup submete a si mesmo o levam a alucinações que mesclam o santo, o satânico e o sexual, o que demonstra a bagunça mental que subsiste no campo de suas ideias, evidenciando a confusão interna que ele tem de enfrentar.

    A volúpia de Eddie em prosseguir com seus testes faz com que ele se isole, aumentando o desejo de fugir da vidinha perfeita e normativa que possui. A realidade e o conjunto de crenças dos homens comuns não são suficientes para ele e causam-no um incômodo enorme. A superação do Ego (enquanto conceito freudiano) torna-se uma obsessão para ele. A busca por novos psicotrópicos e substâncias alucinantes vira uma questão fundamental e substitui a necessidade de uma rotina e do convívio com outros seres humanos.

    Os signos visuais utilizados pelo realizador têm o intuito de emular a viagem que o ácido gera em quem o consome. Apesar do conteúdo, por vezes perturbador, torna-se praticamente impossível desviar o olhar dos terrores mostrados. Tal impossibilidade é muitíssimo semelhante à ânsia pela não-interrupção do efeito causado pelo LSD, amplificado pelas câmeras de isolamento que Eddie utiliza. As situações que o envolvem ajudam a enfatizar o desprendimento do usuário de entorpecentes em relação a tudo o que não tem relação com o vício. O estado em que ele fica após uma longa exposição à droga o mostra fisicamente debilitado, mas evoluído mentalmente, segundo o seu próprio depoimento.

    A fissura piora com o passar do tempo, as alucinações ganham contornos de realidade e o estado de transe e o mundo concreto se confundem cada vez mais. Os efeitos visuais, demasiados datados, mas muito mais orgânicos que o CGI largamente usado atualmente, ajudam a aumentar o escopo de pavor, abrilhantando cenas aparentemente inimagináveis e magistralmente filmadas. As regressões que Eddie sofre são tão intensas que o fazem sentir estar retornando a um estágio de pensamento primitivo – a coisa toda é tão intoxicante que ele não pode ficar muito tempo distante dos auto-experimentos.

    O terço final carrega uma carga tão nonsense que é difícil até para o público distinguir o que é piração e realidade, transitando entre as alterações de estado mental e a metamorfose kafkiana, apresentada num nível mais bruto e selvagem que a transmutação insetóide. A faceta animal do protagonista passa da caça aos que lhe são hostis à predação dos seres abaixo de si na cadeia alimentar, quando invade de mãos nuas algumas jaulas do zoológico, tudo graças a uma bad trip.

    As questões fundamentais levantadas no fim do filme são dúbias e a viagem visual decorrente do uso abusivo das substâncias remete bastante às últimas cenas da pérola kubrickiana, 2001: Uma Odisseia no Espaço. Até o sentido é semelhante, pois visa replicar a transcendência, ainda que em Viagens Alucinantes a fronteira final não seja o espaço, e sim a psiquê humana e a transposição de seus limites.

    Há um sem número de signos espalhados pelo cenário, quase sempre referindo-se à fisiologia humana, a sexual quase sempre, reforçando o pensamento de Sigmund Freud em associar as anomalias psíquicas à vida sexual. Eddie entende que está em apuros, mas declara que é impossível retirar-se da insanidade que o habita. No entanto, o desfecho levanta a possibilidade de reabilitação, o que contradiz quase todo o roteiro, mas que não invalida uma eventual recaída, porém foca num otimismo que não combina com o resto da obra.

  • Crítica | Canibais

    Crítica | Canibais

    The-Green-Inferno-by-Dan-Mumford

    A última pérola de Eli Roth, Canibais ( do original The Green Inferno), faz uma homenagem justa e muito fiel às fitas italianas de canibais, pautados numa realidade fantasiosa e absurdamente preconceituosa dos hábitos indígenas do lado de baixo da Linha do Equador. Sem realizar um filme há bastante tempo – o último, O Albergue: Parte II, havia sido registrado em 2007 – excetuando, claro, o segmento O Orgulho da Nação, em Bastardos Inglórios, o realizador demonstra que ainda possui uma mão forte para registrar o sadismo e a ferocidade inerentes e inexoráveis à existência humana.

    O roteiro escrito pelo próprio diretor em conjunto com Guilermo Amoedo (Aftershock, Que Pena tu Familia), mostra um bando de jovens idiotas e suas motivações batidas, quase todas voltadas para sexo com uma falsa capa de preocupação social. A história acompanha Justine, interpretada por Lorenza Izzo, uma menina bonita, rica, filha de um representante da ONU, que se aproxima de um grupo de ativistas por simpatizar com a figura de seu líder, Alejandro, Ariel Levy. A motivação banal cobra o seu preço e logo ela se vê viajando até o Peru para defender uma tribo indígena da extinção, acompanhada é claro por um grupo de jovens tão alienados quanto ela, com direito a estereótipos raciais e arquétipos toscamente construídos – tudo é feito sem razão aparente e zero motivação lógica, exatamente como os filmes trashs que o cineasta tenciona homenagear.

    O grupo que tenta levar a civilização americana aos pobres latinos não fica impune e tem seu avião abatido, aparentemente por acidente, caindo na selva amazônica. O show de xenofobia se agrava, mostrando os nativos como seres sem escrúpulos, primitivos, religiosos e claro, canibais. O show de goire é muito bem registrado, o elenco de desconhecidos é maltratado, dilacerado, decepado, tem seus órgão vitais postos a mostra, membros cortados ainda vivos e mais um sem número de barbaridades que tornam a fita incomodamente hilária para quem tem estômago fraco, mas que constitui um verdadeiro deleite para o cinema de mal gosto.

    Eli Roth mostra muita evolução na maneira de filmar, desde as cenas de tortura lancinante, até os registros no interior do avião com a gravidade em estágios anormais, numa “belíssima” cena de vômito em que os fluidos tomam a direção vertical a norte – sensacional, além, é claro, de brincar com a visão tosca do estadunidense médio sobre os perigos estrangeiros, tema abordado antes em seu Hostel. A câmera na mão emula a sua referência óbvia aos mockumentaries como Canibal Holocausto, não que isso seja um demérito, visto que sua habilidade de registro é primoroso.

    Se há alguma inteligência no roteiro, esta se esconde atrás dos diálogos absurdamente engraçados, em especial os de Alejandro, que revela a real intenção do ato rebelde como uma encenação para desviar os olhos da mídia do trabalho de seus contratantes. O mais tresloucado e sem noção do grupo – que em determinado momento se masturba na jaula para aliviar a tensão, claro recebendo a reprimenda de seus colegas – é por incrível que pareça o mais lúcido, ao dizer “Acha que o governo não sabia de 9/11, ou que ele combate o tráfico de drogas? Bons e maus são farinha do mesmo saco!

    A tribo de Yajes é um show a parte. Suas mulheres são recatadas e cobrem seus seios, mesmo que nenhuma seja esteticamente apetitosa, aliás, a única crítica negativa a obra é a quase que completa ausência de nudez. Como já era de se esperar, os jovens vão morrendo um a um, até que só sobre a protagonista, que em seu relato final exime os nativos da culpa, negando que eles sejam canibais, para no final, ela enxergar nos seus colegas de faculdade, camisas com a foto de Alejandro, seu nêmesis, como uma inspiração a la Che Guevara. Eli Roth mostra que está em sua melhor forma, trazendo o melhor produto de sua pequena porém relevante filmografia, superior até mesmo a Cabana do Inferno. Canibais é uma ode ao cinema exploitation, além de consistir num dos filmes mais engraçados de 2013.

  • Crítica | A Centopeia Humana 2

    Crítica | A Centopeia Humana 2

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    Quem já assistiu ao primeiro filme, visitava comunidades estranhas no Orkut ou navegava por sites de bizarrices, sabe do que eu estou falando. Você pode não ter visto, mas com certeza já ouviu falar a respeito desse filme. E se não ouviu, vou dar uma resumida no primeiro, só pra sentir o drama:

    Duas garotas americanas em uma viagem pela Alemanha quando o carro quebra em uma noite escura no bosque. Elas procuram por ajuda e encontram uma casa isolada. O médico de meia-idade dono da casa se identifica como um cirurgião especializado em separar irmãos siameses. No dia seguinte, elas acordam amarradas em um hospital improvisado em um porão junto com um japonês. O sinistro doutor planeja ser a primeira pessoa a conectar pessoas pelo sistema gástrico (pra quem não imagina é ânus na boca e boca no ânus), trazendo assim a fantasia de sua vida a realidade: a centopeia humana.

    Detalhe que antes de realizar o “experimento” com humanos, o doutor fez com seus 3 cachorros pra ver se a teoria poderia ser posta em prática, e infelizmente deu. O filme todo gira na preparação pra grande cirurgia (diga-se que 60% do filme é isso), e depois de preparados, todos os cortes minuciosamente calculados, o doutor põe a mão na massa e vai grudando a galera. Feito a cirurgia, o resto do filme é apenas a aventura do doutor com seu novo bichinho de estimação (falei bichinho de estimação por que ele tenta adestrar os 3 como se fossem cachorros). Mas é claro que eu não vou contar o final de como essa bizarrice termina, se vocês estiverem curiosos pra saber se alguém morre, se alguém sobrevive, se acontece uma convivência pacífica entre eles, fiquem a vontade pra enfrente 1h45 de pura mentalidade imbecil, ou google it.

    No final de Centopeia Humana 1, não fica margem para continuação. Não pelo menos com o mesmo tema. Então tiveram a brilhante ideia de fazer um segundo filme, contando a história de um cara (COMPLETAMENTE) perturbado mentalmente que assiste ao primeiro filme e acha que pode fazer igual e fazer melhor, não com 3 mas com 12 pessoas.

    Eu, como já estou acostumada com essas coisas (mentira), resolvi assistir por que a curiosidade sempre fala mais alto.

    Centopeia 2 conta a história de um homem que se torna sexualmente obcecado pelo DVD do primeiro filme e imagina colocar a ideia da centopeia humana em prática. Diferente do primeiro filme, a sequência apresenta imagens gráficas de violência sexual, defecação forçada e mutilação; e o espectador assiste da perspectiva do protagonista. No primeiro longa, a ideia da centopeia era apresentada como um experimento de um cientista louco e com o foco nas tentativas de fuga das vítimas, mas esta sequência apresenta a centopeia como objeto da fantasia sexual distorcida do protagonista.

    Sinceramente, eu nem sei por qual bizarrice começar. Mas vamos pelo protagonista por que por mais que tenha cenas nojentas, violência pra cacete, e toda aquela parte da preparação de corpos e tal, ele SEM DÚVIDA foi o que mais me assustou.

    Martin (Laurence R. Harvey) é um britânico meio anão (ao meu ver), gordo (que adora ficar nu), asmático, não fala meia palavra no filme, doente mental e aparenta ter uns 40 anos. Mora em um pequeno apartamento com sua mãe que também, cá entre nós, não é das mais normais não. Ele foi abusado sexualmente pelo pai quando era um bebê, foi abusado pelo seu psiquiatra e se não bastasse tudo isso ele ainda é obrigado a ouvir de sua mãe todo santo dia, que o pai dele está na cadeia por sua culpa. Ele trabalha como vigia noturno em um estacionamento, e ao assistir o primeiro filme ele fica simplesmente fascinado com a história toda e resolver fazer igual (além de se masturbar com uma lixa. Sim, aquelas lixas de parede).

    Então ele começa a sequestrar as pessoas que voltam de madrugada para buscar o carro no estacionamento e VÁRIOS furos no roteiro vão brotando:

    – 1º ato falho: como é que somem 12 pessoas misteriosamente de um lugar e ninguém vai atrás pra saber o que está acontecendo? Ninguém pega uma filmagem? Oi?

    – 2º ato falho: ele pega um casal que está com uma criança. Ele leva só o casal para o cativeiro e salva a criança. A criança simplesmente some de cena.

    – 3º ato falho: pelas minhas contas, o pessoal ficou pelo menos 3 dias em cativeiro. Todos com ferimento na cabeça, todos baleados, todos perdendo sangue, todos sem comer, todos sem beber. E mesmo assim, toda vez que o Martin entra no recinto, eles arrancam energia sabe lá Deus de onde pra se sacudir freneticamente.

    – 4º ato falho: Martin não é doutor como o cara do primeiro filme. Ele não tem objetos cirúrgicos e quartos limpos. Então ele resolve realizar o procedimento usando um grampeador de escritório mesmo (além de usar laxante pra fazer a “comida” fluir mais rápido, oh que beleza). Pensando nisso, qual a chance de sobrevivência considerando o fato de que está todo mundo jogado em um porão abandonado, imundo e cheios de ferimentos? Bem baixa.

    Momento WTF: tinha uma grávida que ele sequestra no porão e ela se finge de morta. Ela começa a dar à luz quando ele tá colando todo mundo. Então ela simplesmente sai correndo, entra em um carro que está do lado de fora E O BEBE SAI NATURALMENTE. Ela pega e tenta protege-lo? R: não. Ele cai no chão e quando ela acelera o carro pra fugir, acaba esmagando a cabeça da criança. (?????)

    Filme de tortura sempre rolou no mercado. Um exemplo de “sucesso”, foi Jogos Mortais (que embora tivesse uma história por trás de toda carnificina gratuita, todos já estavam cansados após o 3º filme). Agora A Centopeia Humana, nada explica terem feito um filme desse. Não tem diálogos, não tem boas imagens, não tem nada. É pura tortura. Tão ruim que chega a ser engraçado. E isso por que eu vi a versão censurada (foi proibido em diversos países, e não encontrei a versão original de jeito nenhum). Se a curiosidade fala mais alto com você (do mesmo jeito que ela fala comigo) fique tranquilo e assista. O filme inteiro é em preto e branco, o que diminui e MUITO a sensação de mal-estar diante das cenas mais pesadas. Prepare-se para um final estilo WTF?, e por favor evite assistir antes ou após as refeições.

    Texto de autoria de Larissa Tinoco.

  • Crítica | Um Filme Sérvio

    Crítica | Um Filme Sérvio

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    A primeira coisa que deve ser dita sobre Um Filme Sérvio – Terror Sem Limites (A Serbian Film, 2010) é que todos os comentários que vocês já leram a respeito das atrocidades do longa não são exagerados. Fui assisti-lo por ser apaixonado por cinema –  portanto gosto de ver filmes de todos os gêneros possíveis -, mas pela primeira vez em muito tempo fiquei surpreso.

    Se O Albergue, A Centopeia Humana ou até Anticristo foram suficientes para te deixar mal por uma semana, com certeza Um Filme Sérvio não é para você. Como já diriam os antigos anciãos: “A ignorância é uma bênção”. Nesse caso, é mesmo!

    O filme conta a história de Milos (Srđan Todorović, nem tente pronunciar o nome desse cara), um ator pornô aposentado que vive com mulher e filho de maneira aparentemente pacata. Milos está frustrado com sua situação, já que sente um pouco de saudades do seu antigo emprego, até que uma antiga colega lhe oferece uma oportunidade: a chance de fazer um trabalho único para um misterioso diretor de filmes pornôs. Sem saber o que poderia acontecer dali para frente, Milos aceita a proposta. Assim que as filmagens começam, o protagonista percebe que havia adentrado um universo de obscuridade de que não gostaria de estar participando, mas do qual já era tarde demais para sair.

    Já vi filmes perturbadores na minha vida, e com certeza este ganha com mérito uma cadeira ao lado de Irreversível, Saló – 120 dias de Sodoma, Guinea Pig – O Experimento do Demônio, Holocausto Canibal e Eraserhead. Cada um deles mostra os recônditos da escuridão da alma humana – cada um à sua maneira, seja psicologicamente, com violência gráfica ou de ambas as formas. Temos a oportunidade de, mais uma vez, entrar num universo no qual a única sensação é a do vazio e desgosto em pensar nas atrocidades que existem por aí.

    Pedofilia, necrofilia, violência elevada ao extremo, estupro e outras barbáries compõem o quadro. Uma atrás da outra, sem pausas. Até a metade do filme ficamos na dúvida sobre o que pode acontecer. A partir do momento em que somos surpreendidos pela primeira vez com um ato sexual violento, pensamos que não pode piorar; mas é só no final que podemos voltar a respirar normalmente. É um filme que segura a tensão para além dos créditos.

    Em uma entrevista, o diretor Srdjan Spasojevic disse que Um Filme Sérvio nada mais é do que uma crítica política e uma metáfora para a situação da Sérvia: o país está em colapso, as estruturas públicas estão indo por água abaixo e a violência está atingindo níveis absurdos. Estas questões são representadas pelos problemas dos personagens, pela representação da indústria pornográfica no gênero snuff (filmes pornôs que envolvem fetichismo e crimes) como uma estrutura governamental desproporcional, e de toda a violência como uma alegoria à situação em que vivem.

    A metáfora é um pouquinho exagerada, mas não deixa de ser uma crítica ao governo sérvio. Não sei se Spasojevic conseguiu o que queria, mas uma boa parte do mundo comentou o filme. O único problema é que essa crítica não é tão fácil de ser visualizada. A proposta do filme é atingir o extremo, e ele é bem sucedido nisso; as atuações, ambientações das filmagens e iluminação casam perfeitamente, criando uma forte angústia no espectador. A trilha sonora, composta essencialmente de batidas eletrônicas, é seca, fria e perturbadora. O filme inteiro é uma provocação aos nossos instintos.

    Como se não bastasse ser controverso, o longa criou ainda mais polêmica em diversos países onde seria exibido. No Brasil, o Ministério da Justiça classificou-o como não recomendado a menores de 18 anos, mas a avaliação demorou a ser alcançada. Um pedido da Procuradoria da República em Minas Gerais queria proibir a exibição (como aconteceu na Espanha e Reino Unido, por exemplo).

    É aqui que eu paro para fazer uma reflexão: tão repulsiva quanto as imagens do longa é a atitude de censura que vem tentando ser estabelecida para sua exibição no Brasil. Acredito veementemente que proibir nunca será a solução, principalmente porque estamos falando de um filme que certamente será baixado pela Internet pelos mais curiosos, sendo proibido ou não. Ser liberado e ter sua classificação etária reconhecida já é o suficiente para selecionar as pessoas que irão assisti-lo.

    Quando assisti Brüno, vi dezenas de pessoas se levantando no meio da sessão e indo embora. Deveria este ter a exibição proibida? É claro que não, já que isso é uma questão de escolha individual. O filme de Sacha Baron Cohen tinha classificação indicativa de 18 anos, e as pessoas estavam cientes do que poderiam ver quando fizessem a escolha de assisti-lo. Tenho certeza de que, apesar de repulsivo, muitas pessoas já tiveram a oportunidade de assistir a Um Filme Sérvio e o fizeram, em sua maioria, já sabendo o que poderiam esperar.

    Não acredito na censura – principalmente quando se trata de uma obra artística – pela simplória justificativa de que aquilo poderia afetar emocional e psicologicamente uma boa parte das pessoas que a ela teriam acesso. Isso vai contra a individualidade e a liberdade de cada pessoa.

    O filme consegue ser perturbador, doentio e chocante. A arte de fato pode ser levada ao extremo. Ela tem limites? Talvez não, e Um Filme Sérvio está aí para provar.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Resenha | Noturno – Guilhermo Del Toro e Chuck Hogan

    Resenha | Noturno – Guilhermo Del Toro e Chuck Hogan

    Noturno – Guilhermo Del Toro e Chuck Hogan

    Tive a oportunidade de conhecer o livro Noturno em uma livraria qualquer, mas não dei a mínima, até ler um dos nomes estampados na capa do livro: Guillermo del Toro. Pensei comigo: O que del Toro está aprontando com esse lançamento literário? Fiquei um tanto receoso, pois pra quem não sabe, Del Toro é diretor de cinema, apesar de também escrever os roteiros de seus filmes, são mídias bem diferentes, em suas devidas proporções.

    Tenho uma certa “birra” com diretores/roteiristas de cinema que querem bancar os escritores, ou o escritor que quer bancar o diretor (Frank Miller cof cof), porque ambos, não tem domínio sobre determinada linguagem. Escrever um roteiro, para cinema não é a mesma coisa que escrever um livro, e vice-versa, são narrativas diferentes, mas quem consegue caminhar pelos dois mundos merece destaque. De qualquer forma, não resisti e comprei o livro, e não é que gostei?!

    Pra quem não conhece, Guillermo del Toro é o diretor de grandes filmes como Espinha do Diabo, Hellboy, o premiado Labirinto do Fauno entre outros, porém é Chuck Hogan quem dá asas a imaginação de Del Toro passando para o papel todas as idéias do diretor. Não sei detalhes, mas acredito que Del Toro tenha criado um roteiro e Hogan foi desenvolvendo em cima disso, e as coisas fluem bem, apesar de alguns erros. Acredito que devido a presença de Hogan, as coisas tenham fluído melhor como literatura, mas é inquestionável a narrativa fortemente influenciada pela linguagem de cinema de Del Toro, para terem uma idéia, foram produzidos alguns trailers com atores interpretandos trechos do livro (confiram abaixo).

    Noturno nada mais é que uma história de vampiros, mas ESQUEÇA vampiros romantizados de Anne Rice, ou as criações da escritora Stephanie Meyer, esses últimos certamente virariam “pó-de-purpurina” ao se deparar com os as criaturas que aparecem aqui. Del Toro e Hogan prezam pelo grotesco.

    Os vampiros aqui apresentados são completamente diferentes do que estamos acostumados atualmente, aqui eles são seres bestiais, completos animais selvagens, sem glamour nenhum e se assemelham mais a zumbis do que vampiros propriamente dito (há quem diga que vampiros são zumbis, mas espero que tenham entendido a conotação que coloquei). Como diria meu amigo Gustavo Kitagawa: “Em tempos de crepúsculo, uma história assim é bem vinda”.

    O início do livro é bem arrastado, e desanima um pouco o leitor, mas é até compreensível, Noturno vem com a proposta de ser uma trilogia (Trilogia da Escuridão) e talvez por isso, o primeiro volume seja um pouco maçante, devido a toda apresentação do universo e seus personagens.

    Como já havia dito antes, a história tem uma narrativa bastante cinematográfica, o que eu já esperava. Apesar da história focarem três personagens centrais, nos deparamos com outras histórias paralelas de outros personagens trazendo seus pontos de vista sobre a situação, criando uma maior absorção a tudo que está ocorrendo.

    Mas vamos a história propriamente dita. Após um avião pousar em um aeroporto de Nova York com todos os sistemas sem funcionamento e com os passageiros aparentemente mortos sem nenhuma evidência de um crime ou atentado ocorrido. Em decorrência disso, uma equipe de controle de epidemias é enviada ao local para descobrir se houve alguma ameaça biológica que causou a morte dos passageiros.

    Pouco a pouco nos envolvemos com o perigo de uma ameaça biológica mundial, devido a transmissão de um vírus que transformam seres humanos em vampiros. O livro tenta ser crível, colocando o vampirismo como uma epidemia, um parasita que acaba transformando o corpo do seu hospedeiro em um ser bestial sedento por sangue.

    Noturno funciona extremamente bem para se tornar um filme, e espero imensamente que isso ocorra, pois deve funcionar muito melhor nas telonas, não que o livro seja ruim, pelo contrário, tem uma trama envolvente cheia de suspense e personagens bem construídos, porém, tem seus altos e baixos e parece já pronto para um filme (o que evidentemente deve ter sido premeditado). A história começa arrastada e o final um pouco cansativo, mas deixa um bom gancho para uma continuação. Fica claro que o livro poderia ter sido “enxugado” e ser mais objetivo, afinal ele tem mais de 400 páginas e oscila demais entre momentos monótonos e ação frenética.

    De qualquer forma, Noturno está longe de ser um livro ruim, já estou ansioso para o próximo volume da série, só espero que seja desenvolvido melhor da próxima vez. Vamos aguardar.

  • Resenha | Hellblazer: Congelado

    Resenha | Hellblazer: Congelado

    Hellblazer - Congelado

    Finalmente a Panini lança o seu primeiro encadernado com o matador de demônios mais motherfucker dos quadrinhos, John Constantine. Infelizmente, a editora optou por continuar a série de onde a Pixel parou, o que é muito bom para quem já acompanhava as revistas, mas ruim, para quem não teve a oportunidade de conhecer toda a trajetória de Constantine, como eu por exemplo, além do que, era uma ótima oportunidade para ter toda a coleção em edições de alta qualidade.

    John Constantine é um exorcista arrogante, detentor de poderes sobrenaturais. O personagem foi criado por Alan Moore, na época em que escrevia as histórias do Monstro do Pântano, e era um mero figurante, porém, como era de se esperar, logo se popularizou e ganhou uma revista só sua: Hellblazer.

    O arco lançado pela Panini, intitulado apenas como Congelado, reúne 7 edições da série mensal americana, do número 157 a 163, e antes que alguém ache difícil acompanhar uma revista com tantas edições já lançadas, vai por mim, não é difícil entender a história até agora, além do que, a revista conta com uma introdução dando um pequeno resumo de toda a jornada de Constantine até aqui, o que acaba facilitando os leitores que conhecem o básico do personagem, mas talvez não surta o mesmo efeito para aqueles que nunca leram nada sobre ele.

    O encadernado conta com quatro histórias, todas muito bem escritas, mesclando o extraordinário com o humor negro típico do personagem. Logo na primeira delas, temos uma sequência de diálogos sensacional, transcrito logo abaixo:

    -Então Betty estava no céu com São Pedro quando ouviu sons de brocas e gente gritando.
    -Continue.
    -Daí ela perguntou a São Pedro: “que barulho todo é esse?“. E ele respondeu que quando você chega ao céu eles têm que fazer furos nas suas costas para colocar as asas e um na cabeça para a auréola. Então ela disse: “prefiro ir pro inferno“. E São Pedro explicou que no inferno ela seria sodomizada por toda eternidade.
    -Bom, pra isso ela já tinha um buraco.

    A primeira história é curta, com alguns poucos diálogos, quase um prequel do que está por vir. A segunda história, que dá título ao encadernado, na minha opnião é a melhor de todas, com uma trama repleta de suspense e mistério, que se passa toda dentro de um bar nos EUA.

    Após uma de suas andanças pelo território americano, John Constantine se depara com um bar, onde os clientes daquele se vêem ser ter para onder ir, devido a uma forte nevasca que tem feito na região, impossibilitando-os de se locomover, e para ajudar, um assassinato é descoberto em frente ao local e todos acreditam que o responsável está ligado a uma lenda antiga da região. Na outra história, conhecemos um pouco do passado de Constantine na Inglaterra, quando ele era apenas um jovem. Essa é uma boa história para entender um pouco da construção do personagem, recomendado principalmente para novatos nos círculos de magia do nosso bruxo.

    O roteiro é todo escrito por Brian Azzarelo, o que já é motivo de divergências para muitos, principalmente na sua fase em que cuidou do personagem. Particularmente, gosto bastante dos trabalhos de Azzarello, seu desenvolvimento narrativo não deixa a ‘peteca’ cair em nenhum momento. Os desenhos ficam por conta de Steve Dillon, Marcelo Frusin e Guy Davis, todos casam muito bem com o estilo tempestivo de Azzarello e tem o traço peculiar de suas histórias.

    A Panini tem feito um ótimo trabalho ao relançar esses trabalhos, principalmente para aqueles que desistiram de comprar edições simples e primam por uma qualidade maior. Só nos resta torcer para que ela se acerte com a periodicidade desses encadernados.