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  • O Terror Japonês e seus Remakes

    O Terror Japonês e seus Remakes

    Gore Verbinski começou a trilhar um caminho praticamente sem volta para o cinema hollywoodiano, ao aceitar filmar o remake americano de Ringu. Talvez aquela altura o diretor do Tennessee não soubesse o mal que haveria de liberar, uma vez que o estúdio Dreamworks ainda não tinha certeza de que o seu O Chamado seria o sucesso que foi, especialmente por ser lançado em 2002, um ano antes da cinessérie Piratas do Caribe, sucesso máximo da carreira do cineasta.

    É ponto pacífico que Hollywood perdeu grande parte de sua inspiração nas últimas décadas, e é mais notório ainda que haja remakes de produtos estrangeiros para o mercado doméstico. Mesmo Martin Scorsese havia trazido à tona seu Os Infiltrados, uma versão do primeiro filme da trilogia Conflitos Internos, de Siu Fui Mak e Wai Keung-lau. Para entender o fenômeno recente de migração do cinema asiático japonês para o estadunidense, é preciso se debruçar sobre a obra de Hideo Nakata, diretor do primeiro Ringu e dono de um estilo de filmagem próprio, que valoriza o suspense e o mistério, e que se vale muito do sobrenatural e o desconhecido para valorizar sua obra. Foi assim também com Água Negra, que também ganhou adaptação pelo cinema mainstream americano.

    Nakata era um bom diretor, mas não inventou nada sozinho. Sua escola é semelhante a de Kiyoshi Kurosawa, cineasta por trás de Kairo (ou Pulse, na tradução dos EUA), Doppelganger e o recente Creepy, e claro, Takashi Shimizu, de Almas Reencarnadas e Ju-On – O Grito. Ambos se munem de todo o ideário japonês que trata da morte como um evento corriqueiro resultante do processo final da vida, sem necessariamente produzir uma fobia comum ao ocidente. Algo se perdeu nessa tradução, em especial no filme que coube a Verbinski, uma vez que o início de O Chamado não consegue ser nada sutil, mesmo que imite o filme original em praticamente todos os seus aspectos.

    A Duologia “O Chamado”

    A transposição dos filmes americanos além de revelar a falta de ideias por parte dos estúdios, mostra também um desespero tremendo em sua composição. Naomi Watts faz a personagem Rachel Keller, uma jornalista atormentada por uma questão familiar e obcecada para entender o que ocorreu com sua sobrinha recém-falecida, situação idêntica à vista com Reiko Asakawa no filme de Nakata. Watts já era famosa mundialmente, assim como Sara Michelle Gellar, de O Grito, e Jennifer Connelly, em Água Negra.

    Verbinski pouco acrescenta em sua versão da maldição da fita, exceto por algumas cenas conceituais no tal vídeo maldito. Tal paradigma seria também seria repetido não só em versões de filmes do Japão, mas também nos importados da Europa, vide o exemplo de REC/Quarentena e nas duas versões de Martyrs, ambos filmes de terror que fizeram sucesso recentemente e tiveram adaptações para o público americano.

    Três anos depois, os produtores da franquia americana imitariam o ocorrido com O Grito chamando o diretor japonês Hideo Nakata para conduzir a continuação de O Chamado 2, com a função prioritária de não adaptar o texto de sua versão de Ringu 2, já que a continuação citada seria muito diferente do primeiro capítulo do filme original. Ainda que houvesse esse pedido, percebe-se na verdade um resgate de muitos dos conceitos da sequência japonesa, já que todo o mote do roteiro envolve a perseguição da vilã Samara e sua maldição ao menino Aidan (David Dorfman), com Rachel tentando desbaratar a situação.

    Alguns desdobramentos dramáticos até soam criativos, mas a redução da maldição a uma trama de possessão demoníaca é pobre e bem condizente com a mediocridade em que estava inserido o cinema de horror hollywoodiano à época. Outro fator terrível é Nakata se repetindo, ao pôr detalhes de seu outro filme, Água Negra (ou Honogurai mizu no soko kara ), que também ganhou uma versão americana, pelo brasileiro Walter Salles.

    Entre os principais problemas da duologia O Chamado, estão a substituição da sutileza e alto suspense que Nakata fez no fim dos anos noventa em comparação com o uso excessivo de CGI e efeitos especiais pirotécnicos dos filmes americanos. Os personagens são menos humanizados, no caso dos adultos, enquanto as crianças são imbecilizadas. Esses defeitos se repetiriam nos demais filmes deste artigo.

    O Grito: Shimizu e sua transição em dois mercados

    Em 2002, o diretor Takashi Shimizu levou aos cinemas o começo da franquia O Grito (Ju-On no original). Já haviam versões dessa mesma saga dois anos antes, na televisão, mas a popularização do mito de Toshio e Kayako só ocorreu mesmo quando chegou aos cinemas asiáticos. A história, bastante simples em sua abordagem, não perde tempo explicando os estranhos acontecimentos que se encenam em frente às câmeras. Basicamente se conta uma história de ligação via redes, onde a primeira pessoa tem contato com um espírito desencarnado que, quando vivo, sofreu um enorme castigo e retorna do além para perturbar os vivos. Como uma doença, essa condição se espalha e várias pessoas relacionadas a morte anterior também perecem, formando assim uma rede de abusos e mortes que parece não ter fim.

    Os sustos do filme não são frequentes e não são gratuitos. O macabro se manifesta por meio de monstros que antes eram vítimas, fator que diferencia a história das demais contadas na década de 2000. A aura de mistério e suspense é levada por um conjunto de elementos com cores claras, outro fator diferencial em meio ao horror mais recente, e os efeitos especiais apesar de datados e baratos, causam espanto e pioram a sensação de perigo imediato.

    A cor pálida dos mortos remete obviamente a vida recentemente tirada, mas essa configuração de imagens unidas aos ruídos balbuciantes que eles emitem fazem lembrar os mortos vivos dos filmes de George A. Romero, em especial os de O Despertar dos Mortos e Dia dos Mortos. A movimentação dos amaldiçoados acabou sendo bastante imitada nas versões de Verbinski e Nakata em seus “Chamados”, mas claramente sem o mesmo brilhantismo utilizado aqui.

    As sequências finais são elucidativas e dão um destino digno para cada um dos desafortunados. Não demorou para a Ghosthouse Productions comprar os direitos, e em 2004, com produção de Sam Raimi, O Grito (The Grudge) chegava aos cinemas norte-americanos, também conduzido por Shimizu, e com uma boa parcela do elenco e produção formada por japoneses, uma vez que o próprio diretor não falava inglês.

    Sarah Michelle Gellar é insossa, ao contrário de dos personagens originais – que, vale lembrar, não tem um único protagonista – mas ao menos o filme acerta em reprisar o tom de extremo pessimismo do original, e até pouco explicativo se comparado aos tantos outros remakes americanos discutidos aqui.

    O Grito, como O Chamado tornou-se uma franquia rentável, com uma continuação americana, também conduzida por Shimizu, e um reboot japonês, que inclui um crossover entre Sadako (a Samara da versão japonesa) e Kayako (de Ju-On). Como parte do legado de Ringu há o uso da criança como catalisador do horror, a questão de uma criatura vingativa e injustiçada retornando do mundo dos mortos para assombrar os vivos, além do mesmo aspecto empalidecido. Por ter um único diretor esse se torna o ponto fora da curva em questão de independência artística e criativa, fato que faz até a cinessérie americana ser melhor construída do que seus primos, ainda que prossiga inferior ao material asiático. O maior dos méritos certamente é a tradução não só de cenas, mas também de atmosfera e espírito, ainda que permaneça bizarra a necessidade de se fazer todo um novo filme para dizer exatamente o que já foi dito antes.

    Pulse: Tecnologia, depressão e suicídio no cinema de Kurosawa e seu correspondente americano

    Antes até de Ju-On, o diretor Kiyoshi Kurosawa trazia a luz Kairo, que no resto do mundo ficou conhecido como Pulse. O roteiro, do próprio Kurosawa aborda o mal moderno da ausência de aceitação, usando a questão do suicídio como avatar do sentimento depressivo. Um grupo de jovens encontra um amigo enforcado em sua residência e aparições dele ocorrem nas telas dos computadores. Depois disso uma onda de mortes ocorre, sempre com a mesma característica, jovens se suicidando.

    Kurosawa utiliza muito bem os tons sombrios nos locais onde ocorrem as mortes, deixando o cenário com lascas pretas voando, que se assemelham a resquícios de objetos queimados, além de silhuetas de cor negra, no formato dos corpos nas paredes dos recintos onde estão as vítimas.

    O final de Kairo é dúbio, pois dá esperanças, embora essa esperança seja discutível. O estreante em longa Jim Sonzero capitaneou um remake de Pulse, em 2006, com um elenco repleto de atores teen e famosos, entre eles Kristen Bell, de Veronica Mars e futuramente Heroes, Ian Somerhalder que fez Lost e mais tarde faria The Vampire Diares, e Samm Levine, integrante do carismático Freaks and Geeks.

    O fato do elenco ter vários famosos, assim como em O Chamado, atrapalha a inserção do público no filme, mas o fator mais irritante é sem dúvida a troca do mote de horror, saindo a questão psicológica para restar somente uma perseguição de um monstrengo horrendo, de cor branca e múltiplos braços. Toda a sugestão é transformada em um texto fraco, bobo e óbvio. Uma pena, visto o potencial que essa versão carregava.

    Água Negra: Walter Salles e sua estréia em Hollywood

    Ainda em 2002 estreava no Japão o horror Água Negra (Honogurai Mizu No Soko Kara), também de Hideo Nakata. Nele, acompanhamos uma mulher que se divorciou recentemente – Yoshimi Matsubara (Hitomi Kuroki) – e se muda para um apartamento com sua filha Ikuko (Rio Kanno). Após alguns momentos de suspense gratuito, levados a tela através de uma televisão que registra as imagens de uma câmera de segurança, finalmente começa um drama simples, mostrando mãe e filha incomodadas com uma goteira que provém de uma infiltração já existente no apartamento antes mesmo de se mudarem.

    O original tem o ritmo um pouco lento no início, fato que dura até a primeira hora de filme. O ideal tencionado é estabelecer empatia entre espectador e personagem por meio de cenas comuns e corriqueiras, sem grandes alardes ou sustos falsos, mostrando o desespero de uma mãe que vê sua filha sofrendo a ameaça de um ser espiritual.

    O uso da água e da figura fantasmagórica infantil e feminina como elementos de horror já haviam sido vistos em Ringu, mas aqui o paradigma é mais importante e intensificado. O clichê da vilania de crianças é elevado a um nível maior nesta, com uma exposição da criatura em cenas com ângulos bem abertos, que demonstram o quão barata é a produção em especial na confecção do vilão.

    Já na versão estadunidense – dirigido pelo brasileiro Walter Salles – há um abuso do uso de famosos, a começar por Jennifer Connelly, que faz a protagonista, uma mãe também recém-divorciada que, contudo, tem uma sub-trama boba acompanhando a si, uma vez que se gasta muito tempo de tela, e consequentemente da paciência do espectador, com a disputa da guarda de sua filha, junto ao seu ex, vivido por Dougray Scott. Nesse ponto, a trama se distancia ainda mais do livro de Kôji Suzuki – também autor do livro que deu origem a O Chamado – que era mais voltado a trama e menos em conflitos entre os personagens.

    Ainda há participações de Pete Postlethwaite como um zelador de origem estrangeira cujo sotaque estranho é a marca, há também o uso de John C. Reilly em uma participação muito genérica, e de Tim Roth, que faz um advogado que recebe seus clientes em seu carro, soando caricato ao extremo. Nesses personagens, não há trabalho sobre nuances ou características únicas, o diferencial das pessoas entre si não ultrapassa a questão de arquétipos, fato que faz irritar ainda mais a porca imitação que Salles conduz.

    A discussão de questões como a vida da mulher solteira e menções a estupro também soam desrespeitosos, uma vez que só são mencionadas, sem a mínima reflexão sobre os temas. Mas apenas pincelados, fazendo-nos perguntar se o motivo desses assuntos serem abordados é por puro sadismo de roteiristas e produtores.

    A única personagem trabalhada é a Dahlia de Connelly, que é mostrada como uma moça cujo passado esconde um abandono materno. A intenção de tornar grave o background da personagem soa interessante, mas a condução faz todo o trabalho explicativo demais, portanto, desnecessário. Como nas outras versões americanas, se pasteuriza o tema, para tornar mais palatável ao público dos Estados Unidos.

    Uma Chamada Perdida: A violência de Takashi Miike e sua versão ocidental

    Era 2003, portanto, o filme mais antigo da lista. Coube ao prolifico Takashi Miike conduzir Uma Chamada Perdida, ou Chakushin Ari no idioma original. A história é simples, e mostra uma moça que recebe uma mensagem na sua caixa de voz no celular. O conteúdo é apenas de um grito desesperado, e aos poucos ela investiga a origem dessa ligação. Como em O Chamado, Miike se vale da tecnologia que se tornou recentemente popular entre os mais jovens, com o uso de telefones móveis, como catalisador do medo e horror, transmitindo a maldição como se fosse uma doença venérea, apelando então para outro clichê do gênero terror, aqui muito bem empregado.

    Mais uma vez não se explica o porquê do mal que assola os vivos, e a construção da tensão é lenta e gradual, só ocorrendo a exposição de mortes com quase uma hora de tela, mostrando então um nível agressivo de gore, típico do trabalho do cineasta. O diretor posiciona sua câmera de modo estratégico, com closes nos personagens amaldiçoados, que fazem lembrar os ângulos usados no western spaghetti, desde Sergio Leone a Gianfranco Parolini, normalmente escondendo o terror atrás desses personagens, mas sem correr o risco de revelar demais, uma vez que a mostra das criaturas perseguidoras é bem tímida, expondo pouco até o clímax.

    Os mortos são representados com cores acinzentadas, voltadas para tonalidades mais escuras e aspecto úmido. Graficamente, a criatura atemorizante é a melhor construída dentre os cinco exemplares analisados, com um aspecto gore que remete visualmente a literatura clássica, com influências de contos de terror japoneses antigos, passando por H. P. Lovecraft e Mary Shelley.

    Em 2008, era lançada a versão norte americana, dirigida por Eric Valette, o mesmo de Sinais do Mal. Já no começo as manifestações de terror são absolutamente sensacionalistas, e a tal maldição é mostrada através de perseguições a atores jovens, bonitos e que faziam papéis bem pequenos em seriados populares.

    A montagem que remete a um videoclipe e o roteiro raso não conseguem fazer jus ao trabalho de Miike e poucas tentativas de discussão se salvam, como o uso de uma visão crítica sobre os programas pseudo religiosos que abarrotam os canais abertos dos Estados Unidos, equivalentes aos “Fala Que Eu Te Escuto”, ainda que esses tenham um apelo midiático maior que o programa que passa nas madrugadas brasileiras. O problema é que até esse acerto demora a acontecer, visto que Bethe Raymond (Shannyn Sossamon), a mocinha da vez, é completamente incrédula em relação a isso, retardando portanto o contato de outra vítima, Taylor (Ana Claudia Talancón) em aceitar participar do programa. Nessa sequência há o uso das lacraias gigantes – que já apareciam com os mortos que recebiam as ligações mortais – em  imagens e ídolos católicos. O deboche a charlatanice pode ser confundido com desrespeito religioso, ainda que não tenha reprise disso no texto final, e se esse aspecto for invalidado, não há mesmo nada que salve o filme.

    As mortes ocorrem de maneira criativa, imitando a franquia Premonição, e não há aura de suspense, ou atmosfera de terror, soando portanto como um produto genérico, que pega emprestado alguns elementos do original, como as ligações, e ainda insere um aspecto bobo, que são pequenos doces vermelhos, que lembram pedras semipreciosas, que por sua vez caem da boca dos que perecem. A versão apela para aparições de fantasmas, que lembrariam em excesso o vindouro Sobrenatural, de James Wan, também há menções a crianças macabras, mostrando que a produção americana atira para qualquer estereótipo de terror.

    Conclusão

    O terror japonês e asiático é incrivelmente bem construído há tempos, vide o exemplo de Hausu, filme de Nobuhiko Ôbayashi, que em 1977 já antecipava todo o horror de Poltergeist – O Fenômeno e Amityville, além também da coletânea Kwaidan – As Quatro Faces do Medo, de Masaki Kobayashi, que em 1964 já juntava pequenas histórias de terror em um único filme. De Onibaba – O Sexo Diabólico a Tetsuo: O Homem de Ferro, há influências do cinema de horror e ficção-científica japonesa sobre o mainstream hollywoodiano, mas não de maneira tão literal quanto esse período do começo dos anos 2000.

    A maioria dos filmes analisados não tiveram grandes continuações, tampouco se tornaram franquias, exceção claro a Uma Chamada Perdida, que teve continuações de sucesso moderado, e claro, O Grito e O Chamado, que já sofreram reboots no Japão, transformados em espécimes mais explícitos e que fazem um uso terrível de CGI e demais efeitos de computação, retomando para si a influência do terror americano, perdendo a aura de suspense e de sustos por meio da atmosfera. A fórmula se desgastou, ao ponto de ter um evento recente de crossover, batizado de Sadako vs Kayako, ou Chamado vs O Grito, ao pior melhor (ou pior…) estilo Freddy vs Jason e Alien vs Predador.

    A fonte não secou, uma vez que Takashi Miike ainda faz bons filmes de terror, em meio aos milhares de exploitation que homenageia em sua filmografia, Kurosawa fez o já citado Creepy, enquanto Shimizu e Nakata tentam reprisar os bons momentos de seus cinemas, mas é fato que o terror americano conseguiu superar a entre-safra, produzido boas coisas, desde os produtos de James Wan – que é malaio – como Sobrenatural e Invocação do Mal, e outros como Corrente do Mal, A Bruxa entre outros. Ainda há um uso exacerbado de refilmagens de grande franquias americanas, mas a reserva moral para produtos autorais tem um bom destaque, superada finalmente essa onda de versões de produtos asiáticos, ao menos por enquanto. Talvez o único serviço indiscutivelmente bom que os cinco objetos analisados fizeram foi atrair a atenção do publico ocidental sobre o horror oriental, não tão popular quanto deveria, dada sua qualidade indiscutível.

  • Crítica | Ring 2: O Chamado

    Crítica | Ring 2: O Chamado

    ringu-2Em uma espécie de equivalente japonês ao Instituto Médico legal é desenrolado o início de Ring 2: O Chamado, onde se encontra o corpo recuperado de Sadako, impedido de ser incinerado por um terrível mistério, que envolve o fato da menina ter morrido há apenas dois anos, tendo ficado viva no poço por quase três décadas. O filme começa tímido, mostrando a polícia e perícia tentando entender o que houve com a última vítima da entidade mística/menina oprimida.

    O diretor Hideo Nakata é econômico com o número de mortes e insere os mesmos elementos de terror do filme anterior em outros ambientes. A misteriosa gravação do crime contra Sadako e as fotos distorcidas são encontradas agora em manicômios, acompanhando também a personagem principal do filme anterior, Reiko Asakawa (Nanako Matsushima), que é perturbada pela culpa de ter levado a maldição para outrem. Apesar de resgatar as mesmas pessoas do outro capitulo, o mote é baseado na trajetória de Mai Takano (Miki Nakatami), que é namorada de Ryuji, o homem morto anteriormente e que foi casado com Reiko.

    Houve uma continuação baseada no segundo livro de Kôji Suzuki, intitulada Rase e dirigida por Jôji Iida, mas seu fracasso foi tanto que os produtores da Asmik Ace Entertainment resolveram chamar Nakata para realizar uma continuação que pouco tem semelhanças com os livros. As liberdades narrativas incluem também uma mudança de caráter considerável, já que os elementos de Ring: O Chamado são em parte ignorados nesta sequência. O ritmo deste é ainda mais lento que o antecessor e o mistério mora nesses detalhes, fato que exige atenção anda maior de seu público, ao contrário do que normalmente ocorre com os filmes de terror blockbuster dos Estados Unidos.

    A perda do prazo para a morte do protagonista – fato que era o mote do original – é bem substituída por uma rotina cheia de explicações. O roteiro de Hiroshi Takahashi foge saídas fáceis que seria inserir mais personagens assistindo a fita e morrendo. O horror habita o interior do pequeno Yoichi (Rikiya Otaka), o filho de Reiko que sobreviveu aos fato de ter visto o vídeo. O menino aparenta ter os mesmos estranhos poderes de Sadako, o que ajuda a determinar que a menina que foi violentada tem o poder de ultrapassar sua maldição para quem teve contato ou com a gravação de seu infortúnio ou com a própria, já que manifestações de paranormalidade também ocorrem com Masami Kurahashi (Hitomi Sato), que teve uma participação pequena no primeiro e aparece neste, em um manicômio, graças a ter assistido a morte da primeira vitima.

    O filme foge da mesmice e é meritoso nisso, trocando a investigação sobre a origem da fita – vista no anterior – por um aprofundamento na história de Sadako e claro, na intimidade dos antigos personagens, que agora, são alçados a um patamar de protagonismo maior, mesmo entre os que no primeiro filme eram só citados Ao contrário das continuações dos Estados Unidos, Ringu 2 exige sabedoria sobre a mitologia da cine série, já que não há introdução para quem não assistiu o primeiro não terá uma explicação óbvia e burra para se inteirar neste.

    Nakata imprime um comentário metalinguístico que em partes, supera os sustos frequentes de Ringu, dando mais significado inclusive para a desgraça da menina monstruosa. A substituição de Reiko por Mai serve bem a trama, dando uma sensação de renovo e de inevitabilidade da maldição, mostrando que não há como driblar o destino, especialmente quando ele é mal, não importando sequer a corrupção do pacto pensado pela heroína do filme anterior. A desgraça se abateria de qualquer forma sobre a família que teve em posse a fita.

    Os minutos finais variam entre uma solução repleta de tecnobable, tentando encaixar um ritual religioso em meio a um artificio tecnológico, e uma viagem ao passado tanto de Sadako quanto das pessoas do passado de Mai. Nakata consegue trazer um renovo para a franquia, superando o primeiro episódio em alguns momentos e apresentando novas ameaças ao final de seu filme, abrindo espaço para novas continuações, que deveriam seguir a linha desta caso avançassem na linha temporal.

  • Crítica | Ring: O Chamado (Ringu)

    Crítica | Ring: O Chamado (Ringu)

    ringu-originalAs informações do filme de Hideo Nakata começam através das ondas e tubos de uma televisão antiga, típica dos anos noventa. Os primeiros momentos de Ring: O Chamado já estabelecem qual seria o instrumento de horror, mostrado duas meninas – Tomoko Oishi (Yûko Takeuchi) e Masami (Hitomi Satô) – que assistem televisão enquanto discutem sobre uma fita cassete que a primeira assistiu, para logo depois, ocorrer já o primeiro óbito. Ring: O Chamado seria o primeiro filme da saga da fita que fazia seus espectadores morrerem, resultando em um fenômeno pop do terror contemporâneo.

    A tal gravação gera uma curiosidade tremenda em todos os personagens, especialmente nos que fazem de seu ofício e função desvendar mistérios. As passagens de tempo mostram a como parte da imprensa lida com o boato a respeito das mortes, e é nesse ínterim que Reiko Asakawa (Nanako Matsushima) é introduzida e elevada ao posto de protagonista da trama.

    Ao contrário do que normalmente ocorre nos filmes norte-americanos de gênero terror, nesse não há uma preocupação em se estabelecer uma história maniqueísta, de luta contra o bem e o mal, tampouco os personagens que são vítimas são mostrados em atitudes imorais, ao contrário, são pessoas ditas normais.

    O livro de Koji Suzuki já havia sido adaptado para o audiovisual em um telefilme, mas ganhou notoriedade graças a inventividade de Nakata, que consegue imprimir suspense e tensão mesmo nos pequenos elementos narrativos da história, seja nos closes rápidos nos corpos deformados das vítimas, ao estilo Sergio Leone, ou o uso de elementos tão corriqueiros como fonte de tormento. Há um uso forte da trilha sonora como efeito atemorizante e da estática das TVs, imitando o clássico Poltergeist: O Fenômeno, de Tobe Hooper e Steven Spielberg, ainda que o conteúdo de real amedrontamento esteja na metalinguagem de um filme que assassinará aqueles que assistem, fortificada a sensação  de desespero proporcionada pelo ambiente fechado e escuro do cinema.

    A decisão de Reiko em procurar o vídeo que causaria o infortúnio pode ser banal e estúpido, mas condiz perfeitamente com a condição de jornalista que envolve sua profissão. O longa contém um número elevado de cenas externas de dia, fato que faz desconstruir a ideia de quem só há medo e pavor nas noites. A jornada de Reiko e seu ex-marido Ryuji Takaiama (Hiroyuki Sanada) pelo interior do país, a fim de encontrar uma fuga para a morte certa. O resultado é uma busca difícil e infrutífera na maior parte dos eventos, mas que resulta em um conjunto de respostas inconvenientes.

    As questões envolvendo a história da Sadako, a tal mulher misteriosa, que buscava assassinar quem ousava ver o filme até o final é repleta de causos terríveis, mostrando o homem como a pior das criaturas, capaz de encerrar a vida até de seus entes queridos. A sensação de alívio, vista nos instantes próximos do final não duram muito tempo, relembrando o quão duro pode ser o destino, à exemplo do que aconteceu com a menina vitimada que busca na coleta de almas sua justificação. Tal prerrogativa teria que ser levada a frente, para pôr fim a maldição, fato que põe Sadako e Reiko em pé de igualdade, e mais uma vez reforça a ideia de Ring: O Chamado de que o homem tem uma forte tendência a ser misantrópico e egoísta.