Tag: cinema extremo

  • Crítica | A Centopeia Humana 3

    Crítica | A Centopeia Humana 3

    The Human Centipide - Final Sequence

    Em seu terceiro e último ato, o diretor Tom Six – a mente doentia por trás da criação da centopeia humana -, leva sua trama de horror grotesco para outro patamar. Se o primeiro filme era uma história simples de um médico louco vivendo em local distante para realizar experiências, e A Centopeia Humana 2 caracterizava uma leitura desta trama com um sádico tentando recriá-la, A Centopeia Humana 3 novamente corrompe as percepções entre realidade e ficção, espelhando-se nas histórias anteriores.

    Os atores Dieter Laser e Laurence R. Harvey novamente estrelam a produção retornando em outros papéis. Demonstrando que a série garantiu prestígio, novos atores participam da história, como Eric Roberts e outros coadjuvantes que, eventualmente, podem ser conhecidos pelo público. Além de uma participação do próprio Six interpretando uma versão de si mesmo. A grande diferença dessa produção para a outras é fazer uma narrativa que vai além do enfoque estrito da grotesca centopeia humana. Ao criar uma breve história para justificar seu objeto mais conhecido, a trama ganha em qualidade e não perde a vertente bizarra.

    Não há espaço para personagens normais neste contexto. Todos são propositadamente estereotipados ou representando tipos sociais exagerados. Em destaque, o delegado da prisão, Bill Boss, dono de uma gama quase infinita de qualidades negativas: vil, agressivo, preconceituoso, chauvinista, racista, estuprador, canibal, e assim segue a lista. Laser amplia a interpretação do médico do primeiro filme em uma interpretação ainda mais afetada, que transforma o overacting em um símbolo cômico. Com evidentes sinais de stress e problemas cardíacos, tudo é motivo para gritos exagerados e contínuos que, propositadamente, vão destruindo a linha do grotesco acrescentando humor à  história. A esta altura, após duas obras, o público sabe do exagero de uma centopeia humana, e a trama ri do bizarro focando a raiva desta personagem, um feito eficaz que justificava por que o diretor não respeitado pelos prisioneiros decide puni-los de uma maneira radical.

    Quebrando mais uma vez a linha entre realidade e ficção, Six se insere na história como o diretor dos dois filmes anteriores e um consultor informal, curioso para ver a composição da centopeia humana. Ao mesmo tempo que deseja comprovar a veracidade de seus filmes, a personagem Six se incomoda com a criação do bicho grotesco, como se estabelecesse um diálogo representando seu público. Mesmo sabendo que a história é absurda, ninguém desvia os olhos da escatológica história que criou.

    Afinal, é necessário assistir a esta trilogia ciente de que o bizarro é uma de suas linhas gerais e que, nesta parte, se transformou em um misto de sequência e paródia. As vítimas continuam sofrendo mas não se trata de um drama sobre o sofrimento humano ou as condições prisionais: o mundo real foi deixado de lado, fora da exibição, para a incursão de um universo bizarro e sádico que desenvolve um final mais coeso do que o início, e meio de sua aventura de construir um animal costurando humanos uns aos outros.

    Após brindar o público com muitas cenas escatológicas em sua segunda parte, Centopeia Humana 3 tem maior apoio narrativo, resultando em um filme de terror cômico que mantém sua essência – afinal, a centopeia humana estará presente, não se preocupem, com direito a uma evolução deste animal – e ainda faz a história fluir para focar personagens bizarros que provocam um riso nervoso no expectador. Um final, realizado com eficiência de uma das trilogias mais estranhas e sádicas do terror contemporâneo.

  • Crítica | Thanatomorphose

    Crítica | Thanatomorphose

    thanatomorphose

    Ofegante, exibindo imagens cuidadosamente erráticas, com a câmera tremendo e emulando os movimentos típicos da transa e enquadrando as faces corporais íntimas de modo peculiar, sob ângulos onde não se vê qualquer outra coisa. Thanatomorphose de Éric Falardeau mostra logo no início um dos seus dois temas, para explicitar o segundo logo após a intro citada, exibindo o casal após o sexo, interagindo enquanto o homem se fere com um prego no chão, passando a gritar loucamente, exibindo seu escasso traquejo para a atuação dramatúrgica minimamente aceitável.

    A câmera de Falardeau não tem qualquer pudor em mostrar nudez, ao contrário, ela parece caçá-la, vista a naturalidade como tal estado é retratado. Sua abordagem remete também ao bondage, uma vez que se preocupa em enquadrar tanto a naturalidade do sexo quanto a existência da dor, mesclando e tornando-as parte de um todo, de uma simbiose onde não mais consegue distinguir uma da outra. O nível desta “obsessão” é ainda mais elevado com o decorrer da trama. A personagem de Émile Beaudry começa a ver suas unhas descolarem e sangrarem levemente – o processo que correra toda a história vai ganhando seus estágios iniciais.

    Filmado sempre em ambientes fechados, a intenção do diretor é remeter a claustrofobia, sensação que se daria a um ser vivo caso fosse enclausurado dentro de um caixão, mas a protagonista não tem consciência do que ocorre consigo e com o seu corpo. Tais sensações ficariam mais evidentes caso o elenco fosse melhor, mas a vontade do realizador parece ser a de usar seus personagens como telas em branco, caricatos, para grafar a decomposição que se mostraria a posteriori. As relações, as brigas, os diálogos, tudo é muito mecânico e frio, como um pretexto para revelar a verdadeira faceta da história.

    Na sinopse oficial do filme há a definição a respeito do curioso título da obra: Thanatomorphose é um substantivo francês que significa sinais visíveis da decomposição de um organismo, causada pela morte. O modo de viver da protagonista, sem qualquer anseio ou perspectiva, remete a isso. À medida que o roteiro avança, os sinais vão ficando visíveis na folha em branco que é o seu corpo, um lugar onde é facilmente distinguível qualquer hematoma ou ferimento.

    Após o começo da transmutação, a personagem prossegue ávida por sexo, se obrigando mesmo sem condições físicas minimamente aceitáveis a se envolver em relações não degradantes. Seu apelo é tão forte que seus parceiros passam por cima da aparência nada agradável dela, ignorando até o seu estado de saúde, debilitado a olhos vistos. Com o agravar da condição, ela começa a sentir pena de si, numa autocomiseração enorme, que a faz chorar e sentir-se infame.

    Logo a sensação de mal-estar dá lugar ao desespero total, uma vez que sua pele entra em decomposição. Mesmo as manifestações sexuais mais leves como a masturbação causam em si um dano enorme, com a câmera registrando o seu sangue escorrendo pelo lençol branco, em mais uma travessura com as cores que Falardeau faz com sua fita. O asco predominante apavora muito mais do que qualquer propensão ao susto, a ojeriza é maximizada pela maquiagem que de tão singular, torna-se não catalogável e impossível de ser associada a algo caricato, visto o quase ineditismo com que é feito em seres “vivos”.

    Na meia-hora final a putrefação é tanta que as tomadas evitam ser dadas de corpo inteiro, a lente registra o corpo desnudo da protagonista em doses homeopáticas, focando em parcelas muito pequenas do corpo da moça. Mesmo quase não tendo mais vida ou feições humanas, ela ainda busca o prazer carnal, unindo a volúpia ao grotesco, passando a mensagem de que ambos estão inexoravelmente ligados, ainda que sua realização seja tão grotesca quanto o goire das cenas de auto-mutilação. Assim como a degradação de seu corpo, sua moral também se deteriora, e mesmo crimes homicidas deixam de ser um tabu, a única coisa que segue intocável é a sua ninfomania e a luxúria, cada vez mais difíceis de lidar graças a sua compleição cada vez mais degradante. A vontade maior presente na obra é chocar por meio do grotesco, resgatando o exploitation em uma amálgama entre pornografia e decomposição acelerada, em que a utilização de elementos sonoros serve tão bem a trama quanto suas tomadas de impressionante esplendedor visual. Thanatomorphose é um filme forte, imprescindível para o fã ávido pelo cinema extremo e contém em si uma forte mensagem, que a despeito das péssimas atuações, é passada pela linguagem cinematográfica universal, embalada pela sinistra trilha de violino que corta toda a película.

  • Crítica | Taxidermia

    Crítica | Taxidermia

    taxidermia

    Taxidermia funciona como uma colcha de retalhos. Inspirado nos contos do escritor Lajos Parti Nagy, o filme conta três causos bizarros que têm em comum as gerações de uma família disfuncional e repleta de esquisitices em seu cotidiano.

    O primeiro ato foca no soldado Moroscovany (Csaba Czene), que, ao enfrentar um frio intenso, tem a sexualidade reprimida. A busca pelo prazer sexual se pauta no voyeurismo, sendo que seus alvos são sempre do sexo feminino. Suas fantasias alcançam ares bizarros e flertam com o bestialismo e dores intensas. A vagina, para ele, é um objeto de adoração; mesmo a mais remota menção ao órgão sexual feminino o faz delirar e se decepcionar por não alcançar o orgasmo. Suas taras fazem com que seu superior pense que ele fantasia com sua rotunda esposa e, por isso, o pobre soldado perece. A banheira, onde o protagonista antes dormia, é um signo da sexualidade e torna-se uma representação de sensações pueris, como uma mensagem alertando que o bizarro varia de cabeça a cabeça.

    A segunda parte é protagonizada por Kalman (Gergely Trócsányi), o bebê com rabo que cresceu estupidamente e tornou-se um adiposo esportista que participa de um torneio cujo objetivo é atestar a quantidade de comida que um corpo humano pode aguentar. Bravamente ele defende as cores da Hungria. Curioso é que os órgãos oficiais olímpicos reconhecem o torneio de glutonaria como um evento legitimamente esportivo. O lazer entre o núcleo de personagens gordos é incomum e bizarro mesmo quando coincide com o que é comum ao sujeito “normal”.

    A terceira geração dos Balatony mostra Lajus (Marc Bischoff), um taxidermista que contrasta com seus antepassados, inclusive com seu ainda vivo pai, que era uma lenda do esporte. Os quilos que os separam servem para mostrar o abismo filosófico entre os dois. A relação entre os parentes é cortada pela visão degradante do moço em relação ao seu antecessor, e pautada no ódio provocado no filho. O pai, mesmo em uma forma decadente e imóvel, insiste em desprezar o rapaz de forma muito arrogante. O filho, por sua vez, despreza por completo a asquerosa figura que o progenitor se tornou, tanto fisicamente como também de gênio e caráter. No entanto, Lajus sente-se deprimido por brigar com ele, e ao encontrá-lo pela última vez, decide torná-lo o protótipo de sua obra de arte suprema.

    O conjunto de imagens filmadas por György Pálfi é essencial para que se entenda sua mensagem, numa tentativa de registrar a trajetória humana na Terra enfatizando o grotesco. Os closes na cauda de Kalmar preconiza a característica animalesca e sobre-humana, mostrando o homem como um ser também bestial. Já no episódio do chaveiro de feto, há uma pitada de humor negro, elemento frequente no decorrer da película, a fim de mostrar o cinismo inerente ao ser humano.

    O intuito é causar nojo, asco e ojeriza e comover pelo barbarismo e, claro, pela escatologia, emulando lágrimas com suor provindos das axilas de um gordo. Lajus, através de sua máquina de auto-empalamento (o mecanismo que o faz desfalecer), permite que ele se torne imortal, ainda que esta seja uma escultura incompleta. O filme fecha com um detalhe no umbigo, símbolo do nascituro, representando o nascimento de algo para o clã Balatony, que teve trajetória encurtada em um sentido e estendida em outro.

  • Crítica | Viagens Alucinantes

    Crítica | Viagens Alucinantes

    Altered-States-1980

    Muito antes do cinema extremo virar moda (com os “quase comerciais” Centopeia Humana e Taxidermia), Ken Rusell já punha o dedo na ferida, com uma filmografia que se valia demais da contestação do conservadorismo e dos bons costumes. Viagens Alucinantes usa experimentos científicos utilizados pelo panteão de personagens para discutir os efeitos dos alucinógenos sobre a mente de quem os experimenta.

    William Hurt (ainda moço) estrela o filme, fazendo um cientista que perde a fé nas escrituras sagradas, na família como instituição e contraditoriamente se abre com a parceira sexual que acaba de conhecer. Os experimentos que Eddie Jessup submete a si mesmo o levam a alucinações que mesclam o santo, o satânico e o sexual, o que demonstra a bagunça mental que subsiste no campo de suas ideias, evidenciando a confusão interna que ele tem de enfrentar.

    A volúpia de Eddie em prosseguir com seus testes faz com que ele se isole, aumentando o desejo de fugir da vidinha perfeita e normativa que possui. A realidade e o conjunto de crenças dos homens comuns não são suficientes para ele e causam-no um incômodo enorme. A superação do Ego (enquanto conceito freudiano) torna-se uma obsessão para ele. A busca por novos psicotrópicos e substâncias alucinantes vira uma questão fundamental e substitui a necessidade de uma rotina e do convívio com outros seres humanos.

    Os signos visuais utilizados pelo realizador têm o intuito de emular a viagem que o ácido gera em quem o consome. Apesar do conteúdo, por vezes perturbador, torna-se praticamente impossível desviar o olhar dos terrores mostrados. Tal impossibilidade é muitíssimo semelhante à ânsia pela não-interrupção do efeito causado pelo LSD, amplificado pelas câmeras de isolamento que Eddie utiliza. As situações que o envolvem ajudam a enfatizar o desprendimento do usuário de entorpecentes em relação a tudo o que não tem relação com o vício. O estado em que ele fica após uma longa exposição à droga o mostra fisicamente debilitado, mas evoluído mentalmente, segundo o seu próprio depoimento.

    A fissura piora com o passar do tempo, as alucinações ganham contornos de realidade e o estado de transe e o mundo concreto se confundem cada vez mais. Os efeitos visuais, demasiados datados, mas muito mais orgânicos que o CGI largamente usado atualmente, ajudam a aumentar o escopo de pavor, abrilhantando cenas aparentemente inimagináveis e magistralmente filmadas. As regressões que Eddie sofre são tão intensas que o fazem sentir estar retornando a um estágio de pensamento primitivo – a coisa toda é tão intoxicante que ele não pode ficar muito tempo distante dos auto-experimentos.

    O terço final carrega uma carga tão nonsense que é difícil até para o público distinguir o que é piração e realidade, transitando entre as alterações de estado mental e a metamorfose kafkiana, apresentada num nível mais bruto e selvagem que a transmutação insetóide. A faceta animal do protagonista passa da caça aos que lhe são hostis à predação dos seres abaixo de si na cadeia alimentar, quando invade de mãos nuas algumas jaulas do zoológico, tudo graças a uma bad trip.

    As questões fundamentais levantadas no fim do filme são dúbias e a viagem visual decorrente do uso abusivo das substâncias remete bastante às últimas cenas da pérola kubrickiana, 2001: Uma Odisseia no Espaço. Até o sentido é semelhante, pois visa replicar a transcendência, ainda que em Viagens Alucinantes a fronteira final não seja o espaço, e sim a psiquê humana e a transposição de seus limites.

    Há um sem número de signos espalhados pelo cenário, quase sempre referindo-se à fisiologia humana, a sexual quase sempre, reforçando o pensamento de Sigmund Freud em associar as anomalias psíquicas à vida sexual. Eddie entende que está em apuros, mas declara que é impossível retirar-se da insanidade que o habita. No entanto, o desfecho levanta a possibilidade de reabilitação, o que contradiz quase todo o roteiro, mas que não invalida uma eventual recaída, porém foca num otimismo que não combina com o resto da obra.

  • Crítica | Canibais

    Crítica | Canibais

    The-Green-Inferno-by-Dan-Mumford

    A última pérola de Eli Roth, Canibais ( do original The Green Inferno), faz uma homenagem justa e muito fiel às fitas italianas de canibais, pautados numa realidade fantasiosa e absurdamente preconceituosa dos hábitos indígenas do lado de baixo da Linha do Equador. Sem realizar um filme há bastante tempo – o último, O Albergue: Parte II, havia sido registrado em 2007 – excetuando, claro, o segmento O Orgulho da Nação, em Bastardos Inglórios, o realizador demonstra que ainda possui uma mão forte para registrar o sadismo e a ferocidade inerentes e inexoráveis à existência humana.

    O roteiro escrito pelo próprio diretor em conjunto com Guilermo Amoedo (Aftershock, Que Pena tu Familia), mostra um bando de jovens idiotas e suas motivações batidas, quase todas voltadas para sexo com uma falsa capa de preocupação social. A história acompanha Justine, interpretada por Lorenza Izzo, uma menina bonita, rica, filha de um representante da ONU, que se aproxima de um grupo de ativistas por simpatizar com a figura de seu líder, Alejandro, Ariel Levy. A motivação banal cobra o seu preço e logo ela se vê viajando até o Peru para defender uma tribo indígena da extinção, acompanhada é claro por um grupo de jovens tão alienados quanto ela, com direito a estereótipos raciais e arquétipos toscamente construídos – tudo é feito sem razão aparente e zero motivação lógica, exatamente como os filmes trashs que o cineasta tenciona homenagear.

    O grupo que tenta levar a civilização americana aos pobres latinos não fica impune e tem seu avião abatido, aparentemente por acidente, caindo na selva amazônica. O show de xenofobia se agrava, mostrando os nativos como seres sem escrúpulos, primitivos, religiosos e claro, canibais. O show de goire é muito bem registrado, o elenco de desconhecidos é maltratado, dilacerado, decepado, tem seus órgão vitais postos a mostra, membros cortados ainda vivos e mais um sem número de barbaridades que tornam a fita incomodamente hilária para quem tem estômago fraco, mas que constitui um verdadeiro deleite para o cinema de mal gosto.

    Eli Roth mostra muita evolução na maneira de filmar, desde as cenas de tortura lancinante, até os registros no interior do avião com a gravidade em estágios anormais, numa “belíssima” cena de vômito em que os fluidos tomam a direção vertical a norte – sensacional, além, é claro, de brincar com a visão tosca do estadunidense médio sobre os perigos estrangeiros, tema abordado antes em seu Hostel. A câmera na mão emula a sua referência óbvia aos mockumentaries como Canibal Holocausto, não que isso seja um demérito, visto que sua habilidade de registro é primoroso.

    Se há alguma inteligência no roteiro, esta se esconde atrás dos diálogos absurdamente engraçados, em especial os de Alejandro, que revela a real intenção do ato rebelde como uma encenação para desviar os olhos da mídia do trabalho de seus contratantes. O mais tresloucado e sem noção do grupo – que em determinado momento se masturba na jaula para aliviar a tensão, claro recebendo a reprimenda de seus colegas – é por incrível que pareça o mais lúcido, ao dizer “Acha que o governo não sabia de 9/11, ou que ele combate o tráfico de drogas? Bons e maus são farinha do mesmo saco!

    A tribo de Yajes é um show a parte. Suas mulheres são recatadas e cobrem seus seios, mesmo que nenhuma seja esteticamente apetitosa, aliás, a única crítica negativa a obra é a quase que completa ausência de nudez. Como já era de se esperar, os jovens vão morrendo um a um, até que só sobre a protagonista, que em seu relato final exime os nativos da culpa, negando que eles sejam canibais, para no final, ela enxergar nos seus colegas de faculdade, camisas com a foto de Alejandro, seu nêmesis, como uma inspiração a la Che Guevara. Eli Roth mostra que está em sua melhor forma, trazendo o melhor produto de sua pequena porém relevante filmografia, superior até mesmo a Cabana do Inferno. Canibais é uma ode ao cinema exploitation, além de consistir num dos filmes mais engraçados de 2013.

  • Crítica | A Centopeia Humana 2

    Crítica | A Centopeia Humana 2

    human_centipede_ii_ver2

    Quem já assistiu ao primeiro filme, visitava comunidades estranhas no Orkut ou navegava por sites de bizarrices, sabe do que eu estou falando. Você pode não ter visto, mas com certeza já ouviu falar a respeito desse filme. E se não ouviu, vou dar uma resumida no primeiro, só pra sentir o drama:

    Duas garotas americanas em uma viagem pela Alemanha quando o carro quebra em uma noite escura no bosque. Elas procuram por ajuda e encontram uma casa isolada. O médico de meia-idade dono da casa se identifica como um cirurgião especializado em separar irmãos siameses. No dia seguinte, elas acordam amarradas em um hospital improvisado em um porão junto com um japonês. O sinistro doutor planeja ser a primeira pessoa a conectar pessoas pelo sistema gástrico (pra quem não imagina é ânus na boca e boca no ânus), trazendo assim a fantasia de sua vida a realidade: a centopeia humana.

    Detalhe que antes de realizar o “experimento” com humanos, o doutor fez com seus 3 cachorros pra ver se a teoria poderia ser posta em prática, e infelizmente deu. O filme todo gira na preparação pra grande cirurgia (diga-se que 60% do filme é isso), e depois de preparados, todos os cortes minuciosamente calculados, o doutor põe a mão na massa e vai grudando a galera. Feito a cirurgia, o resto do filme é apenas a aventura do doutor com seu novo bichinho de estimação (falei bichinho de estimação por que ele tenta adestrar os 3 como se fossem cachorros). Mas é claro que eu não vou contar o final de como essa bizarrice termina, se vocês estiverem curiosos pra saber se alguém morre, se alguém sobrevive, se acontece uma convivência pacífica entre eles, fiquem a vontade pra enfrente 1h45 de pura mentalidade imbecil, ou google it.

    No final de Centopeia Humana 1, não fica margem para continuação. Não pelo menos com o mesmo tema. Então tiveram a brilhante ideia de fazer um segundo filme, contando a história de um cara (COMPLETAMENTE) perturbado mentalmente que assiste ao primeiro filme e acha que pode fazer igual e fazer melhor, não com 3 mas com 12 pessoas.

    Eu, como já estou acostumada com essas coisas (mentira), resolvi assistir por que a curiosidade sempre fala mais alto.

    Centopeia 2 conta a história de um homem que se torna sexualmente obcecado pelo DVD do primeiro filme e imagina colocar a ideia da centopeia humana em prática. Diferente do primeiro filme, a sequência apresenta imagens gráficas de violência sexual, defecação forçada e mutilação; e o espectador assiste da perspectiva do protagonista. No primeiro longa, a ideia da centopeia era apresentada como um experimento de um cientista louco e com o foco nas tentativas de fuga das vítimas, mas esta sequência apresenta a centopeia como objeto da fantasia sexual distorcida do protagonista.

    Sinceramente, eu nem sei por qual bizarrice começar. Mas vamos pelo protagonista por que por mais que tenha cenas nojentas, violência pra cacete, e toda aquela parte da preparação de corpos e tal, ele SEM DÚVIDA foi o que mais me assustou.

    Martin (Laurence R. Harvey) é um britânico meio anão (ao meu ver), gordo (que adora ficar nu), asmático, não fala meia palavra no filme, doente mental e aparenta ter uns 40 anos. Mora em um pequeno apartamento com sua mãe que também, cá entre nós, não é das mais normais não. Ele foi abusado sexualmente pelo pai quando era um bebê, foi abusado pelo seu psiquiatra e se não bastasse tudo isso ele ainda é obrigado a ouvir de sua mãe todo santo dia, que o pai dele está na cadeia por sua culpa. Ele trabalha como vigia noturno em um estacionamento, e ao assistir o primeiro filme ele fica simplesmente fascinado com a história toda e resolver fazer igual (além de se masturbar com uma lixa. Sim, aquelas lixas de parede).

    Então ele começa a sequestrar as pessoas que voltam de madrugada para buscar o carro no estacionamento e VÁRIOS furos no roteiro vão brotando:

    – 1º ato falho: como é que somem 12 pessoas misteriosamente de um lugar e ninguém vai atrás pra saber o que está acontecendo? Ninguém pega uma filmagem? Oi?

    – 2º ato falho: ele pega um casal que está com uma criança. Ele leva só o casal para o cativeiro e salva a criança. A criança simplesmente some de cena.

    – 3º ato falho: pelas minhas contas, o pessoal ficou pelo menos 3 dias em cativeiro. Todos com ferimento na cabeça, todos baleados, todos perdendo sangue, todos sem comer, todos sem beber. E mesmo assim, toda vez que o Martin entra no recinto, eles arrancam energia sabe lá Deus de onde pra se sacudir freneticamente.

    – 4º ato falho: Martin não é doutor como o cara do primeiro filme. Ele não tem objetos cirúrgicos e quartos limpos. Então ele resolve realizar o procedimento usando um grampeador de escritório mesmo (além de usar laxante pra fazer a “comida” fluir mais rápido, oh que beleza). Pensando nisso, qual a chance de sobrevivência considerando o fato de que está todo mundo jogado em um porão abandonado, imundo e cheios de ferimentos? Bem baixa.

    Momento WTF: tinha uma grávida que ele sequestra no porão e ela se finge de morta. Ela começa a dar à luz quando ele tá colando todo mundo. Então ela simplesmente sai correndo, entra em um carro que está do lado de fora E O BEBE SAI NATURALMENTE. Ela pega e tenta protege-lo? R: não. Ele cai no chão e quando ela acelera o carro pra fugir, acaba esmagando a cabeça da criança. (?????)

    Filme de tortura sempre rolou no mercado. Um exemplo de “sucesso”, foi Jogos Mortais (que embora tivesse uma história por trás de toda carnificina gratuita, todos já estavam cansados após o 3º filme). Agora A Centopeia Humana, nada explica terem feito um filme desse. Não tem diálogos, não tem boas imagens, não tem nada. É pura tortura. Tão ruim que chega a ser engraçado. E isso por que eu vi a versão censurada (foi proibido em diversos países, e não encontrei a versão original de jeito nenhum). Se a curiosidade fala mais alto com você (do mesmo jeito que ela fala comigo) fique tranquilo e assista. O filme inteiro é em preto e branco, o que diminui e MUITO a sensação de mal-estar diante das cenas mais pesadas. Prepare-se para um final estilo WTF?, e por favor evite assistir antes ou após as refeições.

    Texto de autoria de Larissa Tinoco.

  • Crítica | Um Filme Sérvio

    Crítica | Um Filme Sérvio

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    A primeira coisa que deve ser dita sobre Um Filme Sérvio – Terror Sem Limites (A Serbian Film, 2010) é que todos os comentários que vocês já leram a respeito das atrocidades do longa não são exagerados. Fui assisti-lo por ser apaixonado por cinema –  portanto gosto de ver filmes de todos os gêneros possíveis -, mas pela primeira vez em muito tempo fiquei surpreso.

    Se O Albergue, A Centopeia Humana ou até Anticristo foram suficientes para te deixar mal por uma semana, com certeza Um Filme Sérvio não é para você. Como já diriam os antigos anciãos: “A ignorância é uma bênção”. Nesse caso, é mesmo!

    O filme conta a história de Milos (Srđan Todorović, nem tente pronunciar o nome desse cara), um ator pornô aposentado que vive com mulher e filho de maneira aparentemente pacata. Milos está frustrado com sua situação, já que sente um pouco de saudades do seu antigo emprego, até que uma antiga colega lhe oferece uma oportunidade: a chance de fazer um trabalho único para um misterioso diretor de filmes pornôs. Sem saber o que poderia acontecer dali para frente, Milos aceita a proposta. Assim que as filmagens começam, o protagonista percebe que havia adentrado um universo de obscuridade de que não gostaria de estar participando, mas do qual já era tarde demais para sair.

    Já vi filmes perturbadores na minha vida, e com certeza este ganha com mérito uma cadeira ao lado de Irreversível, Saló – 120 dias de Sodoma, Guinea Pig – O Experimento do Demônio, Holocausto Canibal e Eraserhead. Cada um deles mostra os recônditos da escuridão da alma humana – cada um à sua maneira, seja psicologicamente, com violência gráfica ou de ambas as formas. Temos a oportunidade de, mais uma vez, entrar num universo no qual a única sensação é a do vazio e desgosto em pensar nas atrocidades que existem por aí.

    Pedofilia, necrofilia, violência elevada ao extremo, estupro e outras barbáries compõem o quadro. Uma atrás da outra, sem pausas. Até a metade do filme ficamos na dúvida sobre o que pode acontecer. A partir do momento em que somos surpreendidos pela primeira vez com um ato sexual violento, pensamos que não pode piorar; mas é só no final que podemos voltar a respirar normalmente. É um filme que segura a tensão para além dos créditos.

    Em uma entrevista, o diretor Srdjan Spasojevic disse que Um Filme Sérvio nada mais é do que uma crítica política e uma metáfora para a situação da Sérvia: o país está em colapso, as estruturas públicas estão indo por água abaixo e a violência está atingindo níveis absurdos. Estas questões são representadas pelos problemas dos personagens, pela representação da indústria pornográfica no gênero snuff (filmes pornôs que envolvem fetichismo e crimes) como uma estrutura governamental desproporcional, e de toda a violência como uma alegoria à situação em que vivem.

    A metáfora é um pouquinho exagerada, mas não deixa de ser uma crítica ao governo sérvio. Não sei se Spasojevic conseguiu o que queria, mas uma boa parte do mundo comentou o filme. O único problema é que essa crítica não é tão fácil de ser visualizada. A proposta do filme é atingir o extremo, e ele é bem sucedido nisso; as atuações, ambientações das filmagens e iluminação casam perfeitamente, criando uma forte angústia no espectador. A trilha sonora, composta essencialmente de batidas eletrônicas, é seca, fria e perturbadora. O filme inteiro é uma provocação aos nossos instintos.

    Como se não bastasse ser controverso, o longa criou ainda mais polêmica em diversos países onde seria exibido. No Brasil, o Ministério da Justiça classificou-o como não recomendado a menores de 18 anos, mas a avaliação demorou a ser alcançada. Um pedido da Procuradoria da República em Minas Gerais queria proibir a exibição (como aconteceu na Espanha e Reino Unido, por exemplo).

    É aqui que eu paro para fazer uma reflexão: tão repulsiva quanto as imagens do longa é a atitude de censura que vem tentando ser estabelecida para sua exibição no Brasil. Acredito veementemente que proibir nunca será a solução, principalmente porque estamos falando de um filme que certamente será baixado pela Internet pelos mais curiosos, sendo proibido ou não. Ser liberado e ter sua classificação etária reconhecida já é o suficiente para selecionar as pessoas que irão assisti-lo.

    Quando assisti Brüno, vi dezenas de pessoas se levantando no meio da sessão e indo embora. Deveria este ter a exibição proibida? É claro que não, já que isso é uma questão de escolha individual. O filme de Sacha Baron Cohen tinha classificação indicativa de 18 anos, e as pessoas estavam cientes do que poderiam ver quando fizessem a escolha de assisti-lo. Tenho certeza de que, apesar de repulsivo, muitas pessoas já tiveram a oportunidade de assistir a Um Filme Sérvio e o fizeram, em sua maioria, já sabendo o que poderiam esperar.

    Não acredito na censura – principalmente quando se trata de uma obra artística – pela simplória justificativa de que aquilo poderia afetar emocional e psicologicamente uma boa parte das pessoas que a ela teriam acesso. Isso vai contra a individualidade e a liberdade de cada pessoa.

    O filme consegue ser perturbador, doentio e chocante. A arte de fato pode ser levada ao extremo. Ela tem limites? Talvez não, e Um Filme Sérvio está aí para provar.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.